Honestidade Evolutiva?

Marine iguanas (Amblyrhynchus cristatus) line up on each others’ backs on Genovesa Island, Galapagos, Ecuador
(Image: David Day /SplashdownDirect / Rex) retirada da própria página da New Scientist

Aproveito para comentar um artigo da New Scientist de 29 de Janeiro. Foi solicitado a vários biólogos midiáticos (Dawkins, Elaine Morgan, entre outros) que escrevessem quais as lacunas da teoria da evolução a serem preenchidas nos próximos 200 anos. Essa pérola foi escrita por Frans de Waals (primatologista da Universidade de Emory, Atlanta, EUA):

“Why do humans blush? We’re the only primate that does so in response to embarrassing situations (shame), or when caught in a lie (guilt), and one wonders why we needed such an obvious signal to communicate these self-conscious feelings. Blushing interferes with the unscrupulous manipulation of others. Were early humans subjected to selection pressures to keep them honest? What was its survival value?”

Vi a chamada no blog do Marcelo Leite, aliás com um comentário que tem a mesma linha de argumentação deste post. Essa pergunta não faz o menor sentido se entendermos que doenças (no caso da ruborização, apenas uma alteração da fisiologia normal) são respostas maladaptadas de reações normais do indivíduo. A ligação do rubor facial com emoções é mero uso inadequado da rede vascular facial, assim como o rubor causado pela ingestão de nifedipina (medicação para abaixar a pressão), o dos sintomas climatéricos (menopausa) e também o associado ao próprio frio. Não passou pela cabeça de ninguém que a ruborização facial poderia ter uma outra função e estar sendo utilizada de forma ilegítima por uma outra via, sem relação com comportamentos habituais sujeitos portanto, a uma pressão seletiva? A face está envolvida em reflexos hemodinâmicos complexos, via nervo trigêmio, como por exemplo, o reflexo do mergulho – um estímulo parassimpático fortemente bradicardizante causado pela imersão da face humana em água a 10ºC. Esse reflexo é tão poderoso que pode curar arritmias graves! Só funciona na face. Por quê? Quando todos os outros vasos se contraem no frio, os da face dilatam (ou permanecem inalterados) e nos deixam de bochechas vermelhas. Por quê? Esses vasos têm um comportamento peculiar que precisamos decifrar ou hominídeos foram submetidos a pressões seletivas que os obrigaram a não enfiar a cara em bacias de água fria?

Caberia aos biólogos evolucionistas (sim, porque médicos, ainda não há!) linkar fatos relevantes como se fez com a anemia falciforme, fibrose cística e a própria insuficiência cardíaca, entre outros, de modo a descobrir qual a implicação de cada resposta, contar sua história evolucionária e entender qual seria a resposta maladaptada para, no caso da Medicina, tratá-la. Isso sim seria muito interessante e, diria, necessário à Medicina atual, refém que está do paradigma do risco. Pensar numa “pressão seletiva para se manter honesto” é de dar dó. Depois, a gente fica chateado quando querem cortar nossas bolsas no exterior!!

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A Origem da Pressão Arterial I

Por trás da pergunta aparentemente inocente do último post, está uma questão que só pode ser respondida quando ampliamos o conhecimento médico com conceitos evolutivos, coisa pouco frequente, como já se disse.

A pressão arterial tem obviamente a função de perfundir tecidos e mantê-los metabolicamente ativos através do fornecimento de fontes energéticas e do próprio oxigênio; pode-se entender isso seja no nível celular ou microcelular (mitocondrial). Todos os animais citados no último post e o próprio homem têm pressão arterial de 120 x 80 mmHg, independentemente da posição ereta ou prona. Em relação às aves, a coisa não difere muito. Seguem exemplos de pressão arterial média em mamíferos e aves.

Modificado de Altman P L, Dittmer D S. Biological handbooks: Respiration and circulation.
Federation of American Societies for Experimental Biology, Bethesda, 1973

Quando analisamos répteis, anfíbios e peixes temos uma surpresa. A tartaruga tem pressão arterial de 34×29 mmHg. Os sapos, em média, 35×24. Os peixes têm a PA medida na aorta ventral, tudo em mmHg, são exemplos: bacalhau (29×18); dipnóicos (40×25), salmão (81×48); truta (40×32); cação (30×24). Por que pressões tão baixas e nos mamíferos e aves, tão altas? A questão hidrostática parece realmente ser a determinante no caso da girafa, mas e quanto ao inexplicável peru? Essa ave “natalina” tem a mesma pressão da girafa e quando não frequenta os fornos de fim-de-ano não é infrequente morrer de rutura espontânea de aorta por hipertensão! A pressão de perfusão tampouco parece dar conta de toda a explicação. Se considerarmos a diferença entre a pressão sistólica e a diastólica, no caso do homem, temos 120 – 80 = 40 mmHg, que é a pressão de perfusão média do organismo. Por que uma pressão tão alta se poderíamos ter a mesma pressão de perfusão com 80×40 ou mesmo 40×0 mmHg como no caso dos peixes?

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Perguntinha Hemodinâmica

Noah Ark at Swipnet

Qual a semelhança entre as pressões arteriais de um cavalo, de um canguru, de um rato e de um pardal sabiá com a pressão arterial de um homem adulto?

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A Dádiva da Doença

A Sindrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA ou AIDS) é causada por um retrovírus, o HIV, que provoca uma redução drástica na população de linfócitos CD4 (células brancas importantíssimas na imunidade do organismo) causando o espectro bastante conhecido da doença. A epidemia que acomete a humanidade desde suas primeiras descrições na década de 80, provocou uma explosão de artigos sobre o assunto, o que culminou com o prêmio Nobel de Medicina de 2008. O sequenciamento do vírus, uma simples fita de RNA, e o sequenciamento de nosso genoma trouxeram à luz uma enorme surpresa quando descobriu-se que a correspondente sequência em DNA do genoma viral estava muito bem integrada ao genoma humano, os chamados retrovírus endógenos ou ERVs. As melhores cabeças do mundo começaram a procurar explicações.

Desde a descoberta do DNA, havia uma enorme dificuldade em se explicar a grande variedade de características e complexidade dos seres vivos. Biólogos insistiam que a complexidade resultava de pequenos erros (mutações) que ocorriam quando o genoma era copiado e passado para gerações futuras. Mas essas pequenas variações não davam conta das alterações observadas nem da velocidade com que elas ocorreram. Perguntas incômodas como: Como nosso genoma aumentou tanto em tão pouco tempo? Por que temos tanto “lixo” genético nele? Por que tantos genes não-funcionantes? Surgiu então, uma hipótese de que os vírus pudessem ter um papel na evolução dos seres vivos.

Hoje, essa linha de pesquisa já está consolidada. Há evidências para supormos que os vírus de RNA estariam presentes mesmo antes do aparecimento dos LUCA (termo proveniente da sigla em inglês para Last Universal Cellular Ancestor) – expressão que indica a primeira célula precursora dos três domínios celulares atuais, a saber Archea, Eucariotas e Bactérias.


Phylogenetic tree showing the relationship between the archaea and other forms of life. Eukaryotes are colored red, archaea green and bacteria blue. Adapted from Ciccarelli et al. at Wikipedia.

Mais ainda, há indícios de que os vírus de RNA podem de fato, ter proporcionado a diferenciação celular nos três tipos básicos de células. Uma teoria sugere que o DNA apareceu primeiro em estruturas virais por ser mais estável e por replicar-se de forma mais confiável. A partir disso, foi injetado por intermédio dos vírus em células primitivas – da mesma forma como ainda hoje ocorre – que se adaptaram a essa “doença” de várias formas, restando três, que seriam as formas primordiais dos três reinos atuais. Essa é a chamada “three viruses three domains hypothesis” (Ver Forterre).

Mais interessante ainda seria a origem do núcleo dos eucariotas. Talvez esse seja um dos grandes mistérios da evolução dos seres primordiais. O aparecimento do núcleo tem sido explicado pelo endocitose de um archaeon ancestral por uma “paleo”-bactéria, processo denominado endo-simbiose e utilizado para explicar o aparecimento de outras organelas celulares. Entretanto, essa hipótese não explica diferenças proteicas existentes entre os reinos. De fato, o núcleo produzido dessa forma não dá conta do aparecimento de poros em sua membrana, além do que esta última deveria ser dupla (uma de cada indivíduo de origem). Em 2001, foi sugerido que o núcleo se originaria de um vírus de DNA com dupla fita que infectou organismos procariotas. Essa hipótese resolve o problema dos poros e da duplicidade da membrana nuclear. Realmente, existem vírus com a capacidade de produzir estruturas assim: os poxvírus.

Só para lembrar, pertence à família dos poxvírus o vírus causador da varíola (além do reponsável pelo molusco contagioso), praga que assolou a humanidade desde a antiguidade e que foi a primeira doença considerada extinta pela OMS por intermédio da vacinação em massa. Não existe almoço grátis. Quando adquirimos uma complexidade, adquirimos junto, uma doença. Os vírus são o exemplo clássico disso. São subprodutos do projeto de vida vigente nesse planeta. São “códigos de máquina” e por isso mesmo podem incrementar ou acabar com ela de vez.

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Evolução e a Reação de Estresse

Imagine um hominídeo – nos primórdios da espécie. Há indícios de protossímios no quaternário do período cenozóico. Isso quer dizer mais ou menos 50 milhões de anos atrás, “logo após” a extinção dos dinossauros, que ocorrera dezenas de milhões de anos antes. A Terra seria então, povoada por grandes mamíferos e alguns macacos estranhos.

Imagine esse macaco caminhando numa floresta repleta de ameaças como tigres-dente-de-sabre, cobras gigantes, manadas de mamutes e outros bichos medonhos. Eis que, ao procurar frutas silvestres ou insetos para comer, se desgarra do grupo e se vê há alguns metros de distância em uma mata fechada, dando de cara com um esfomeado e enorme tigre-dente-de-sabre que o espreitava, lambendo os beiços. O quadro abaixo mostra um esquema das reações hormonais que se seguem, convencionalmente chamadas de reações de luta ou fuga, comuns a todos os mamíferos

Como funciona o medo

por Julia Layton – traduzido por HowStuffWorks Brasil

O aumento dos hormônios de estresse, adrenalina, noradrenalina e cortisol causa mudanças no organismo:

  1. aumento da pressão arterial e freqüência cardíaca, preparando o organismo para um exercício intenso;
  2. as pupilas dilatam para receber a maior quantidade possível de luz; O importante não é o foco. Aqui, muito mais importante são as variações mínimas de luz e sombra que podem definir um ataque, uma saída, algo que pode colocar o indivíduo em vantagem;
  3. as artérias da pele e tecido subcutâneo se contraem (vasoconstrição) desviando o fluxo sanguíneo aos grupamentos musculares mais importantes (reação responsável pelo “calafrio” muitas vezes associado com o medo – há menos sangue na pele para mantê-lo aquecido); O indivíduo fica pálido;
  4. o teor do suor se modifica; Esse suor associado à vasoconstrição periférica resulta na sudorese fria bastante conhecida nessas situações. Em situações de estresse, emitimos cheiros diferentes. Isso é usado como esquiva em muitos animais;
  5. Há uma tonificação dos músculos, a piloereção ocorre quando pequenos músculos conectados a cada pêlo da superfície da pele tensionam, os fios são forçados para cima, puxando a pele com eles; Essa é uma resposta muito importante. Os animais com a pele recoberta de pelos ficam “arrepiados” dando a impressão que são maiores e mais ameaçadores. Animais como o porco-espinho, permitem que seus grossos e afiados pêlos se desprendam, causando lesões em seus agressores;
  6. O cérebro trabalha em ritmo acelerado. Não há prioridade em se concentrar em tarefas pequenas (deve-se concentrar apenas em sobreviver).

Esse tipo de resposta estereotipada foi conservado pela evolução. Daí concluirmos que ele deve conferir algum tipo de vantagem pois os organismos que a possuiam tinham mais chances de sobreviver e passá-la a seus descendentes. Temos portanto, o mesmo tipo de resposta até hoje. Basta levarmos um grande susto, ou recebermos uma notícia muito ruim, ou mesmo termos a nítida sensação de que vamos ser assaltados. Essa sensação é uma reação de estresse.

Então, o “macaco” veio morar na cidade. Nosso modo de vida urbano, transformou nosso cotidiano em um constante estado de estresse. Ficamos ansiosos com trânsito, violência, dinheiro, trabalho, etc. Nossas fontes de estresse pré-histórico, em especial a fome, não são o problema principal (pelo menos nos países industrializados!). Esse estresse constante tem como consequência uma “pré-ativação” desse sistema de luta ou fuga. Ás vezes, essa reação é desencadeada desproporcionalmente em resposta a estímulos pequenos. Pior, em determinadas situações, não conseguimos identificar o estímulo que está a causá-la! Agora, imagine, todas essas reações descritas (dilatação pupilar, sudorese fria, taquicardia e palpitações, respiração curta e rápida, e etc) sem uma causa identificável. O quadro é desesperador!

Associe-se a isso a hipocalcemia. Sim, o cálcio é um cátion que no sangue está dividido em duas grandes porções: a livre, que age na contração muscular principalmente, e a ligada à proteínas. Quando um indivíduo tem uma crise como a descrita, sua tendência é fazer uma hiperventilação. Essa hiperventilação reduz drasticamente o teor de gás carbônico no sangue causando um aumento do pH sanguíneo o que leva a uma maior afinidade das proteínas pelo cálcio. Ele é “sequestrado” da porção livre no plasma o que leva a uma hipocalcemia aguda. A hipocalcemia causa contrações involuntárias dos músculos, principalmente faciais e dos membros superiores. Invariavelmente, o indivíduo pensa que está tendo um derrame! Sua boca se fecha, sua língua enrola, suas mãos não se movimentam direito, além do que apresentam intenso “formigamento”. (Daí a prática, não recomendada, de respirar num saco. O gás carbônico aumenta e o efeito desaparece).

Esse tipo de reação intensa e extenuante leva o indivíduo à um pronto-socorro. Lá chegando, recebe o diagnóstico de ansiedade aguda, crise de pânico, piripaque, piti, distúrbio neuro-vegetativo (jargão médico que não quer dizer absolutamente nada!) e um calmante (normalmente, benzodiazepínico). O quadro melhora progressivamente e o paciente é liberado. Nunca será curado assim! Casos com essa gravidade merecem acompanhamento minucioso. Medicação ajuda muito na fase aguda, terapia funciona a longo prazo. Tudo devido a uma resposta orgânica mal-utilizada, mal-adaptada. Temos reação de estresse quando praticamos esportes e damos aquela “raça” para ganhar um jogo; ou quando vemos de fato o perigo a nos ameaçar. Poderíamos dizer que são “instintos básicos” de sobrevivência como fome, sede, cuidar dos filhos. Mas quando presentes em situações inadequadas, eles são perigosos e devemos entender como funcionam para evitar seus efeitos ruins. Esse entendimento não ocorre se não tivermos conceitos de teoria da evolução presentes. Evolução e Medicina. Separá-los é perder a possibilidade de compreendê-los.

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2009 – O Ano de Darwin

Em 2009 vamos comemorar 200 anos do nascimento de Charles Darwin (1809-1882) e 150 anos da publicação d’ “A Origem das Espécies” (1859). Por que comemorar? No caso da área médica, sem dúvida essa seria uma pergunta interessante.

Durante todo o curso de Medicina eu não tive uma aula formal sequer sobre a(s) Teoria(s) da Evolução. O primeiro contato um pouco mais organizado foi em uma atividade extracurricular organizada por um professor de neurofisiologia. A impressão é que a evolução ou a teoria darwiniana não tinham a menor importância para a Medicina de um forma geral. Dizia-se até que a Medicina era uma atividade humana que ia na contra-mão da evolução, já que permitia que seres menos aptos sobrevivessem nos dias de hoje. Como se a humanidade tivesse criado uma forma de resistência a uma “lei geral da natureza”! Belíssimo exemplo do eritis sicut dii.

Depois desse contato inicial, li a “Origem das Espécies” em espanhol no 3o ano. Tive enorme dificuldade com os nomes dos bichos e só consegui terminar a leitura quando abstraí os animais dos exemplos (e quem leu sabe que são inúmeros!) e foquei nos conceitos. Mesmo assim, tive problemas para entendê-los. Depois, como que picado por algum mosquito, li Dawkins, Gould, Maynard-Smith, Szathmáry, Mayr e tantos outros. Achei o máximo a Teoria do Macaco Aquático de Elaine Morgan. Fui convidado a dar uma aula na Associação Paulista de Medicina sobre uma idéia que relacionava essa teoria com a apnéia do sono. Ninguém entendeu nada! A bem da verdade, acho que eu também não!

Fiquei, entretanto, fascinado com as possibilidades de contato entre a teoria evolucionária e a Medicina. Mais especificamente, comecei a pensar no conceito evolucionário de doença, algo que ainda carece alguma elaboração. Em 1995 li, na New England, a resenha de um livro que parecia ir na mesma direção “Why We Get Sick?” de Randolph Nesse e George Williams. O livro não deixa de ter alguns conceitos interessantes, apesar de explorar mais a face adaptacionista do problema. Fala muito mais sobre respostas do organismo do que sobre conceitos evolucionários aplicados a doenças da forma como eu esperava (ver aqui o artigo de 1991 que originou o livro). Além disso, pretendia fundar uma “nova ciência” chamada Medicina Darwiniana. Nesse e colaboradores publicaram um interessante artigo na Science em 2006 onde “aliviam” alguns conceitos do livro. Por exemplo: “There is growing recognition that cough, fever, and diarrhea are useful responses shaped by natural selection, but knowing when is it safe to block them will require studies grounded in an understanding of how selection shaped the systems that regulate such defenses and the compromises that had to be struck.” Esse “when is safe to block them” não era uma idéia do livro. O livro termina com quadros psiquiátricos o que para mim o aproximou um pouco de inteligências emocionais e psicologias evolutivas da moda. Um resumo do livro saiu na Scientific American (sem a parte psiquiátrica).

Nos próximos posts, tentarei fazer um apanhado sobre isso, necessariamente incompleto. Mas contarei com o auxílio de um site bastante interessante que encontrei revendo meus alfarrábios digitais.

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Blogs, Ciência, Religião e o Debate no Lablog

Talvez, o que mais irrite nos creacionistas e defensores do design inteligente (DI) é a forma de argumentação, principalmente quando utilizam-se de argumentos “científicos”, mas que em geral, são bastante diferentes dos utilizados por nós, simpatizantes da ciência. Também cometemos os mesmos erros quando tentamos discutir assuntos metafísicos com nosso arsenal argumentativo e quando esquecemos da metafísica presente na própria ciência! (Tenho um artigo interessante sobre a metafísica das espécies).
Quando colocamos um blog no ar, temos uma responsabilidade pública e social. Quero testar minhas opiniões sobre as coisas nas quais gosto de pensar. Quero testar a opinião de outras pessoas. Quero melhorar o mundo, por que não?! Posso tanto mudar de idéia, como também fazer com que outras pessoas comecem a raciocinar de forma diferente. Que fazer com idéias divergentes, muitas vezes agressivamente opostas, às vezes com objetivo explícito apenas de provocar? Acho “deletar” um tanto autoritário. Acredito (e isso é fé pura) na razão compartilhada. Isso implica em aceitar opiniões diversas e construir juntos afirmações com valor de verdade. E não em amar a Verdade. A Verdade é tão intangível quanto fadas, duendes e amigos imaginários deificados. Substituir Deus pela Verdade não alivia. Nietzsche já dizia que ciência e religião estão no mesmo terreno pois ambas acreditam na inestimabilidade e incriticabilidade da verdade e nisso, sempre serão aliadas (GM§25, 3a Dissertação). Da mesma forma como existem defensores irascíveis do DI, também conheci vários “ativistas” do ateísmo dogmático que agem como se a ciência fosse a sua religião. Demolir, destruir ou ridicularizar argumentos contrários é para quem acha que detém a Verdade (com “v” maiúsculo mesmo). É fazer o que um provocador quer. É não reconhecer aquela parcela de fé única e exclusiva da qual a ciência também depende.
Qual a diferença entre a crença nessa Verdade quase absoluta que achamos que possuímos e a crença em ETs? Qual é a razão de estudarmos ciência se não adquirirmos tolerância? Isso já não deu certo outras vezes. Que ao menos não se repita o mesmo erro.

Placebo

Modificado do livro Clinical Epidemiology – The Essentials – 3 ed.

Placebo é o futuro da segunda conjugação latina do verbo placeo que pode ser traduzido como agradar, aprazer. Tem a mesma raiz de prazer, portanto. Placebo pode ser traduzido como “eu agradarei” e indica medicação sem princípio ativo com o intuito único de “agradar” o paciente.
O placebo é um dos recursos mais controversos da medicina, e também um dos mais poderosos. Tido como comprovação inequívoca da “cura pela mente”, é adorado e odiado por médicos e cientistas, sendo que ambos o consideram indispensável. Explico.
Uma medicação placebo produz o chamado efeito placebo. Trata-se de conseguir o efeito medicamentoso esperado (p.ex. analgesia, melhora da depressão, etc) sem utilizarmos uma medicação com efeito farmacológico específico. O efeito placebo tem diferentes significados para pesquisadores e clínicos. Pesquisadores estão interessados em isolar os efeitos de determinadas drogas de modo a correlacionar tais efeitos com as teorias correntes e associá-las a relações de causas e efeitos. Consideram o efeito placebo como a linha de base da ação de qualquer medicamento, a partir do qual o efeito terapêutico deva ser medido. Clínicos, por outro lado, desejam o efeito placebo e sempre tentam maximizá-lo nos tratamentos que prescrevem. O interessante é que toda medicação tem, além de seu efeito terapêutico real, uma parcela variável de efeito placebo. No caso dos antibióticos o efeito específico é muito maior que o placebo. Já quando falamos por exemplo de medicações psicoativas, a história é outra. É difícil saber exatamente o quanto do efeito de uma medicação antidepressiva é placebo ou específico. Daí as complicadas pesquisas que são realizadas “cegando” pacientes e médicos sobre quem está utilizando placebo ou a droga a ser estudada. É óbvio que o clínico está interessado no efeito específico da droga, mas se o efeito placebo puder dar uma mãozinha também, ele não vai ficar chateado. O importante é a melhora do paciente.
Na verdade, o efeito específico de cada droga prescrita é só uma parte da melhora que o paciente pode alcançar. Olhando para a figura acima, vemos que uma parcela da melhora pode ser atribuída à evolução natural de uma doença – sim, há doenças nas quais a cura é espontânea! Outras vezes, apenas o fato de observarmos um grupo de pacientes e outros não, pode justificar uma melhora clínica nos pacientes observados. Esse efeito é chamado de Hawthorne em homenagem ao local (subúrbio de Chicago) onde foi descrito pela primeira vez (já comentamos esse assunto no post). O restante da melhora clínica alcançada pode então, ser finalmente atribuído aos efeitos placebo e específico do medicamento.
A conversa fica interessante quando perguntamos quais são os mecanismos de ação de um placebo. Dependendo do interpelado, a resposta vai variar da metafísica a neurofisiologia, da psicologia motivacional ao simples condicionamento skinneriano. O fato é que os mecanismos de ação não são bem estabelecidos, o que envolve o placebo com uma aura de certo misticismo. Isso permite as várias interpretações, usos e mal-usos já citados.
Com todos esses comemorativos, a história do placebo é digna de um roteiro hollywoodiano. Quase tão antiga quanto a própria medicina, atravessou séculos e séculos de prática médica ajudando seres humanos necessitados, sobreviveu ao Esclarecimento que demoliu o pensamento médico galênico, resistiu à tecnologização da medicina e é hoje, ferramenta indispensável de uma racionalidade médica ultra-moderna, que depende dele, placebo, para validação de suas verdades.
Me perguntaram certa vez se o uso de placebo era ético. Como se estivéssemos a ludibriar o paciente com uma pílula de açúcar. Primeiro, que não prescrevemos pílulas de açúcar (tampouco, de farinha)! Segundo que, como já se disse, todo medicamento tem uma ação específica e um efeito placebo, em maior ou menor grau. Na realidade, acho que a pergunta é mal-posta.  Ética é diferente de Epistemologia. Como justificar a eticidade de uma intenção? O placebo nos faz lembrar da humanidade que está envolvida na interação entre dois mamíferos primatas: um sentindo-se mal e outro, com a melhor das intenções. Dado que ambos primatas envolvidos têm uma imaginação sublime, a complexidade na qual a relação se dá só é comparável aos sentimentos que eles têm em relação à morte ou ao amor. Um imagina que o outro vai curá-lo. O outro imagina que vai, pelo menos, aliviar o sofrimento de seu semelhante. Nesse jogo de intenções é que a medicação com efeito placebo alto ou baixo atua.
Por isso, considero o placebo como uma das maiores invenções da medicina. Uma meta-invenção, na verdade, já que atua na fonte das invencionices da estranha espécie humana que adoece como todas, mas resiste como nenhuma, em morrer.

O Hospital Mais Antigo do Mundo?

O propósito do Stonehenge tem sido um mistério para cientistas de várias gerações. De santuário de adoração a calendário, de aeroporto de discos-voadores a centro de magia negra, O Stonehenge só não havia sido ainda um hospital. Não havia. Escavações recentes mudaram a data em 300 anos (ficou mais velho) e, pelo enorme número de corpos ali enterrados, levantaram a suspeita de que a enorme construção poderia ser um tipo de policlínica, ou um Healing Center, como os novos pesquisadores resolveram chamar, como mostra a reportagem da BBC. (detalhe, essa reportagem saiu ontem – 21 de Setembro na BBC, mas já tinha gente ligada bem antes. Para uma excelente revisão sobre os mistérios ver o português Sais de Prata num post de 7 de Abril deste ano).
“Professors Darvill and Wainwright believe that Stonehenge was a centre of healing – a “Neolithic Lourdes”, to which the sick and injured travelled from far and wide, to be healed by the powers of the bluestones. They note that “an abnormal number” of the corpses found in tombs nearby Stonehenge display signs of serious physical injury and disease. And analysis of teeth recovered from graves show that “around half” of the corpses were from people who were “not native to the Stonehenge area”. “Stonehenge would attract not only people who were unwell, but people who were capable of [healing] them,” said Professor Darvill, of Bournemouth University. “Therefore, in a sense, Stonehenge becomes ‘the A & E’ of southern England.”
Interessante a planta de 2300 A.C. O Panopticon já estava na moda…

Quem vai ficar com Wilma?

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Last of the Neanderthals

Você “ficaria” com a moça da foto?
Ela foi batizada de Wilma e é a reconstrução de um rosto de uma mulher (ou seria femêa?) neandertal feita por cientistas e artistas para a revista da National Geographic. Há fortes indícios de que neandertais tivessem cabelos ruivos, mas talvez isso não tenha sido suficiente.
Enfim, como quase ninguém se habilitou, ela foi a última e a espécie se extinguiu…