Diário de um Biólogo – Sexta 19/12/2008

Cheguei em São Paulo na hora do almoço. O compromisso que me tráz aqui não é científico. Venho ver uma antiga paixão: A Madonna! Porque eu não fui assistir no Rio vocês podem perguntar, mas essa é uma outra história, que tem a ver com o meu único primo que é paulista e tinha um ingresso sobrando. Fui almoçar com ele, que veio me buscar com um terno que não combina com a imagem que eu ainda tenho dele com 9 anos (5 a menos que eu) sendo massacrado na guerra de travesseiros, na casa de praia em São Pedro da Aldeia.

Depois do almoço (bife a cavalo) em um típico buteco carioca em SP, o Pirajá, ele voltou para o trabalho e eu me encaminhei para o programa que venho querendo fazer das últimas 5 vezes que estive em SP: O museu da língua portuguesa. Fui de ônibus pela Rebouças até a estação do metrô da consolação e de lá até a estação da luz, onde fica o museu. Sim, na estação mesmo. Pra começar o ingresso, inteiro, adulto, custa R$ 4,00. O museu é um expetáculo (com x do sotaque carioca). Mas vou falar apenas da exposição sobre Machado de Assis.

Mais que seus famosos textos, me chamaram atenção suas observações sobre o ato de escrever. Talvez porque eu esteja escrevendo tanto nesses últimos tempos (seja no blog, nos artigos, teses de alunos, mas principalmente nos cursos a distância) mas possivelmente porque tenho tido de avaliar o que os outros escrevem: meus alunos em geral. Impressionante como suas observações são modernas. Algumas impressas nas paredes, no chão ou em páginas de livros gigantes, como na foto acima.

Outras, lidas por vozes famosas em auto-falantes grudados nas paredes:
“Talvez eu suprima o capítulo anterior. Há ai, nas últimas linhas, uma frase muito parecida com um despropósito. E eu não quero dar pasto a critica do futuro”.

Essa é de ‘Memórias póstumas de Brás Cubas’:
“Mas não, não alonguemos esse capítulo. As vezes, me esqueço a escrever e a pena vai comendo papel, com grave prejuízo meu, que sou autor! Capítulos compridos quadram melhor a leitores pesadões e nós não somos um público infólio,. Mas in- doze pouco texto, larga margem, tipo elegante, corte dourado e vinhetas… principalmente vinhetas. Não, não alonguemos o capítulo.”
As frases de Machado se aplicam muito bem ao mundo saturado de informação onde vivemos, em que a diferença entre um bom texto e um texto ruim, ou um texto fácil ou difícil, esta diretamente relacionada a quantidade de texto produzido por um autor. A quantidade é um parâmetro de qualidade. Depois que aprendi isso, é difícil imaginar como alguém pode não percebê-lo. Nada mais me chamou tanta atenção na exposição.

Faz toda a diferença para escrever um texto científico ou acadêmico.

Não sou blogueiro


Acabo de voltar do encontro de Blog de Ciência em Língua Portuguesa, em Ribeirão Preto. O encontro foi muito legal. Especialmente a parte da confraternização no Pinguím, o (dito) melhor chopp do Brasil.

Mas minha primeira conclusão é que eu não sou blogueiro. Tenho um blog, mas não sou blogueiro. Meu viés acadêmico de professor e pesquisador é forte demais e me vi com preocupações diferentes daquelas dos blogueiros.

Na minha opinião, o tema central do encontro foi para quem e para que blogar ciência. E os blogueiros tinham respostas para ambas perguntas. Diferentes das minhas.

Os blogueiros queriam blogar para os blogueiros! O blogueiro é o público alvo do blogueiro. Os blogueiros de ciência querem blogar para que os blogueiros de política, humor, variedades, leiam ciência; e se tornem melhores blogueiros de política, humor, variedades. São pontos importantes, mas para mim, não é suficiente.

Vejo três problemas em visar um público de blogueiros. O primeiro é que é um público pequeno; o segundo é que é um público restrito (um nicho que, se já não está saturado, vai saturar) e o terceiro é que esse não é o público que acessa, massivamente, os blogs de ciências atualmente.

Eu acho que a principal razão para escrever para os blogueiros, é porque é mais fácil. São os ‘pares’. Fácil porque acredito que os blogueiros sejam, em geral, leitores com critério. Certo, tem a grande massa de adolescentes, de Miguxos (juro que nem sabia o que eram), criando blogs para contar “com quem ficou na festa de ontem”, usando uma linguagem própria. Não estou levando esses em conta. Os blogueiros a quem me refiro podem não saber ciência, mas tem, na sua maioria, senso crítico para aprender ciência. Ou pelo menos para entender uma explicação sobre o porquê das coisas. O problema para o blogueiro de ciência, passa a ser, então, despertar a atenção do blogueiro não cientista para coisas que ele acha legais. Por isso que um dos temas mais falados no encontro foi a importância de um título controverso, do posicionamento da ciência em uma boa polêmica. E isso, despertar atenção para a ciência, não é fácil. A ciência básica pode ser muito chata e as controvérsias interessantes, muito difíceis, mesmo para os iniciados.

Será que vale o sacrifício para esse público que, no Brasil, é pequeno, muito pequeno? E pior, que não tem para onde crescer?

Sim, não tem para onde crescer. Não temos um público consumidor de ciência porque não temos um público capaz de consumir coisas muito menos difíceis do que ciência.
Abre parênteses: É por isso, inclusive, que acredito que a outra preocupação levantada no encontro, a pseudociência, é tão alarmante. A pseudociência é construída de acordo com as expectativas do leitor. É mais intuitiva, tão mais fácil quanto falsa. Fecha parênteses.

O PISA do ano passado mostrou que estamos entre os piores países avaliados no que tange leitura, matemática e ciências. Como querermos que as pessoas leiam blogs de ciências? Como podemos querer que as pessoas leiam?

Ainda que seja mais fácil, não podemos escrever apenas para o nosso pequeno público consumidor de blogueiros, por que, em breve, esgotaremos ele. Precisamos criar o público! Precisamos escrever não só para informar, mas para criar um público para informar. Se escrevermos apenas para que os blogueiros se tornem melhores blogueiros, não teremos público no futuro, quando (se) a moda dos blogs passar. Temos que criar uma massa de leitores ávidos por ciência. Ávidos pelo poder do saber. Temos que criar leitores com critério.

Os blogs podem ser uma ferramenta poderosa para criar esse público. Vai dar trabalho, mas ciência quase sempre é difícil. Ciência sempre dá trabalho. Não vamos partir para o mais fácil na hora de escrever, não é?!

Mas sabe qual é a melhor razão para isso? São os leitores dos blogs, hoje.

A massa de leitores de blogs de ciências, considerando o VQEB (mas o testemunho dos outros blogueiros sugere que é um fenômeno amplo), são estudantes em busca de informação para fazerem trabalhos da escola ou faculdade. Temos vários indicativos disso:

  • 80% do tráfego do VQEB chega através do Google e outros mecanismos de busca, usando palavras chaves relacionadas com ciências.
  • Entre as páginas mais acessadas do VQEB estão textos didáticos, como o sobre seleção natural, publicado em 2002.
  • O acesso ao blog é flutuante, com picos as 4as feiras e o vales aos sábados (quando, felizmente, parece que as pessoas ainda tem coisa melhor pra fazer do que ficarem grudadas na tela do computador).
  • A outra é uma flutuação anual, com picos em Abril e Outubro e quedas em Julho, Dezembro e Janeiro.
Outro parênteses: entre 10-15% dos acessos são oriundos de links em outros textos (a comunidade blogueira) e os 5% restantes são acessos diretos, nossos poucos leitores fieis que chegam a saber o nosso endereço. Fecha parênteses

Verdade que entre os 80% ainda temos os “paraquedistas“: aqueles internautas que entram na página e ficam poucos segundos. Que são trazidos por alguma manchete ou fotografia e saem sem nem mesmo ler o texto. Ou que digitaram ‘sexo selvagem’ na espera de encontrar alguma ponografia quente e encontram, no VQEB, um exemplo de reprodução sexuada de morcegos. O fenômeno acontece também nos blogs de ciência para grandes massas, como o do jornalista científico Reinaldo Lopes, que escreve para o G1.

São os “internautas sem critério” que o Luli Radfaher falou na palestra do ‘Oi Futuro’, ou os “excluídos com Orkut” como disse a Sonia Rodrigues no projeto ‘Rio Biografias’. Uma nova classe de personagens do ambiente virtual que são os excluídos funcionais do sistema educacional, aquelas pessoas que tem pouco potencial para desenvolver sua própria opinião porque tem pouca capacidade de identificar elementos em um texto, interpretar em função do que está sendo lido ou não dos seus próprios pré-conceitos; mas que agora começam a participar do ambiente virtual. Mas só para circular, consumir. Parece a rua das Pedras em Búzios: todo mundo vai e vem, e ninguém come ninguém.

Mas essa é a grande massa de pessoas que entra no blog! A gente não precisa chamar eles. E seria uma irresponsabilidade, além de um desperdício, não escrever para eles. Eles são o público que pode crescer. Eles são o público que a gente pode criar.
Que darão não 20 mil, mas 20 milhões de acessos por dia! Uma dia (eu espero).

O que eu acho bacana é que escrever para eles também pode ser escrever para os blogueiros. “Só se escreve para nós, ou para todo mundo” me disse hoje a Sonia Rodrigues. Por que o importante não é a informação que você dá no seu texto, mas a pergunta que o cara faz quando lê o seu texto. Essa é universal, porque cada uma faz a sua, na linguagem que quiser, na linguagem que entende. Quem faz perguntas, aprende critérios. Se inclui. Vira público. Vira leitor. I EWCLiPo

PS: O II EWCLiPo será em Agosto de 2009 em Búzios, no Rio de Janeiro.

De grão em grão


Não dá pra aprender tudo de uma vez.

Essa foi uma coisa importante que eu aprendi e que me ajudou a aprender muitas outras coisas mais.

No nosso instituto, temos, todas as 4as feiras, palestras que tratam dos mais variados temas. Principalmente relacionados as ciências biomédicas.

A maioria das palestras são, eu diria, ‘avançadas’. São para especialistas. Talvez devesse ser diferente, talvez pudesse ser diferente, mas é assim. Isso faz com que muitos alunos não frequentem as palestras (e muitos professores também não). É no mínimo uma hora sentando ouvindo um grande farmacologista falar sobre venenos de cobras, outro falando sobre canabinóides e dor; um francês falando sobre acetilcolinesterases ou um americano falando sobre RNA polimerases, sem entender nada. Não é fácil. Nesse mundo saturado de informação, manter a atenção é muito difícil, mas ainda ter que lidar com a frustração de não entender nada do que o cara está falando, não é para qualquer um.
“Caramba… o cara viajou! E eu também… não entendi nada!” Cansei de ouvir os alunos reclamando. O resultado é que eles não vão as palestras.

Eu já fui um desses alunos. Mas não tinha jeito. Se eu fosse esperar os grandes pesquisadores pararem de se preocuparem com seus ‘pares’ e começarem a se preocuparem, ou pelo menos se preocuparem também, com seus alunos, na hora de preparar uma apresentação; eu teria de esperar um loooongo tempo. Tive que encontrar uma alternativa. Ou ela me encontrou.

Com um assunto diferente a cada semana, não dava para eu me preparar, antes de apresentação, para acompanhar uma palestra de especialista. Então, eu mudei a minha atitude com relação ao palestra. Parei de ir para entender o que o apresentador estava falando e comecei a ir para aprender alguma coisa nova. “O que será que eu vou aprender hoje?” Essa é a pergunta que eu sugiro que os alunos façam antes de entrar em uma palestra difícil. Você não se frustra porque não entendeu nada do que o cara está dizendo, e ainda sai feliz com alguma coisa nova.

Já aprendi que as acetilcolinesterases se organizam para formam um tetrâmero na superfície da membrana plasmática. So what?! Acontece que é super importante e… lindo! O tetrâmero das proteínas parece uma flor! Essas enzimas tem um papel importante na transmissão do impulso neurvoso que é a ordem para que o músculo se contráia. O sinal é elétrico, mas quando chega no músculo, vira químico. O neurônio se liga ao músculo através de uma sinápse. Nessa sinapse, o neurônio libera um transmissor, uma molécula chamada acetilcolina, que ativa os canais de sódio da membrana, que é o primeiro passo para que o interior da célula, que tem carga negativa, fique com carga positiva, e a célula muscular se contraia. Depois de abrir os canais, a acetilcolina precisa ser destruída, senão o canal fica aberto direto (deixando entrar o sódio que tem carga positiva) e a célula não consegue voltar para o seu repouso. A acetilcolinesterase destrói a acetilcolina!

Cada unidade da enzima possui subunidades, que são módulos para se ligar a membrana (que parece uma raiz), para se ligar umas as outras (um filamento que se parece com um ramo) e o sítio ativo (que são meio ovais e parecem uma pétala). As 4 unidades se enroscam pelo filamento, formando uma trança que serve de ramo para a ‘flôr’ que é formada pelas ‘pétalas’ ou os 4 sítios ativos das proteínas. Com o ‘ramo’ a enzima pode ficar balançando na superfície da membrana para degradar acetilcolinas de diferentes receptores. É uma forma muito eficiente, e bonita, de fazer o que precisa ser feito.

Ia contar outras coisas que aprendi sem ter que entender tudo, mas acho que vou aproveitar a deixa e criar uma coluna no blog, o ‘de grão em grão’ para contar pra vocês coisas que a gente aprender sem ter tido de entender tudo. Até a próxima.

O laboratório do Nobel


Para um biólogo, viajar para o exterior é uma necessidade por muitos motivos. Primeiro os gringos tem mais grana que a gente e uma infra-estrutura muito melhor que a nossa. Lá (ou aqui, onde estou agora) você consegue alcançar em 6 meses resultados que não conseguiria no Brasil em 2 anos. Outra razão é ir atrás do conhecimento ONDE ele está sendo produzido ao invés de esperar que ele chegue até você.

O Instituto Oceanográfico de Woods Hole (WHOI) é uma das maiores instituições de pesquisa do mundo. Sabem aquele mini-submarino que vocês vêem explorando as profundezas do oceano no Discovery Channel, o Alvin? É daqui.


Na mesma cidade, que não é maior que um campus universitário, está o ainda maior e ainda mais antigo Marine Biological Laboratory (MBL). Juntos esses dois institutos já hospedaram mais de 50 premios Nobel. Inclusive um dos três ganhadores do prêmio Nobel de química desse ano, o japonês Osamu Shimomura que atualmente é cientista Emérito do MBL, pela descoberta da proteína verde fluorescente GFP (do inglês Green Fluorescent Protein). Vocês já devem ter lido muito na imprensa sobre ela, então eu vou passar a fofoca dos bastidores.

O MBL ganhou o Nobel, mas a patente da GFP está enchendo os cofres do WHOI, do outro lado da ponte (sobre o canal que atravessa Woods Hole). Foi aqui, no mesmo departamento onde estou trabalhando, com o mesmo chefe, que Douglas Prashero, o ‘cientista injustiçado‘ trabalhou e isolou o gene da GFP.


Lendo o artigo do G1 reconheço ali todas angustias de um pesquisador. Não basta a habilidade técnica na bancada. Ele tem de saber escrever um bom projeto para conseguir fundos para pesquisa, tem de saber convencer seu chefe e seus pares da importância do seu trabalho para que a instituição lhe dê infra-estrutura e tem que suportar a pressão de viver com a instabilidade da bolsa pelo tempo que for necessário. Aqui nos EUA existem já vários cursos de ‘gerenciamento de carreira científica’, mas ai no Brasil, só conheço a iniciativa da qual participei, em 2001 e 2006, quando junto com Stevens Rehen realizamos o ‘Dicas de sobrevivência na academia‘: um mini-curso no congresso da FeSBE que alertava os alunos para os ‘não-tão-óbvios’ problemas que eles podem encontrar ao longo da sua carreira.

Prashero não foi o primeiro pesquisador com potencial a se transformar em motorista de Van, e até que esses cursos se tornem uma rotina na pós-graduação, não será o último.

50.000


No domingo, 9/11, às 21.34h, acessou o VQEB o quinquagésimo milionésimo visitante. Uau!

Pelo buraco da fechadura


“O professor chegou com 15 min de antecedência e as 10 horas em ponto já estava tudo pronto para a aula começar. Mas não havia nenhum aluno. No quadro negro, o nome da disciplina, o nome do professor e o título da aula. Também havia uma pergunta, a primeira que ele queria fazer a seus alunos. Mas não havia nenhum aluno. Já havia visto aulas, e já havia dado aulas, para três, dois, até para um aluno. Mas sem nenhum aluno… não há aula.

Então o professor se sentou, abriu seu livro preferido e esperou que os alunos chegassem. Eles tinham que chegar! Não era um curso qualquer: era um curso de pós-graduação, em uma instituição de excelência, com professores gabaritados e, ainda por cima, gratuito. Os alunos, todos eles também professores, foram selecionados com base em critérios exigentes. Então cadê o aluno?

Foi então que ele viu um aluno olhando pelo buraco da fechadura. Via os olhinhos se revezando, mas nenhum deles entrou. “Ué? Será que eles não me viram aqui? O Professor, o quadro negro, a pergunta? Será que não reconheceram a sala de aula?

Dois chegaram a abrir a porta e entrar na sala, mas saíram antes mesmo que o professor pudesse dar bom dia. Será que é isso? O professor deveria ter escrito ‘Bom dia’ no quadro? Ele lembrou da piada do Joãozinho onde a professora sempre que entrava em sala de aula era saudada pela turma com um “Bom diaê, professora” e no final ficou comprovado que ao mesmo tempo que todos da turma davam ‘bom dia’, Joãozinho mandava pra professora: “vai se fudê”.

Com isso ele sabia lidar. Alunos bagunceiros, alunos barulhentos, alunos que não sabem respeitar o professor por esse ou por aquele motivo. Já tinha sobrevivido a várias tentativas de motim em sala de aula. Mas aos alunos que não entram na sala? Isso ele não sabia como lidar.

Ai aconteceu algo realmente estranho. Uma aluna entrou disfarçada de carteira escolar. Sim, ela estava disfarçada de carteria. Luvas e meias compridas da cor de madeira e uma tábua de madeira colada nas costas e outra na barriga e ficou ali, de quatro no meio das outras mobílias acadêmicas por alguns minutos, tentando ver se acontecia alguma coisa. Se a aula começava.

Apenas um segundo antes de revelar o disfarce da aluna e perguntar o que estava acontecendo, ele se lembrou de quando ele era aluno e que um professor reclamou de algo parecido. Os alunos não entravam na sua sala para tirar as dúvidas que ele sabia que eles tinham. A porta estava sempre aberta, ele falou, mas ninguém entrava. Eu era aluno e apesar de não ter aquelas dúvidas, eu sabia porque ninguém entrava: todos tinham medo dele.

Curiosidade e medo. Só mesmo a confluência dessas duas poderosas emoções podem levar um aluno ao ridículo de se disfarçar de cadeira para tentar entrar em uma sala de aula desapercebido. Uma curiosidade tão forte, e um medo tão grande de errar, que anulam o ridículo do disfarce de cadeira.

Então ele deixou a menina ali. Um pouco porque se comoveu com aquela situação, outro porque não havia mais ninguém na sala mesmo, mas também por curiosidade de ver o que aconteceria se outro aluno entrasse e tentasse se sentar naquela cadeira. Na pior das hipóteses, ao ver que nada acontecera com aquela aluna em uma situação ridícula, outros alunos se animariam a entrar na sala, ainda que com outros disfarces. E ele então teria sua turma e poderia dar a sua aula.”

Uma situação parecida aconteceu comigo. Não, não teve aluna disfarçada de cadeira, mas os alunos resistiam a entrar na sala de aula e eu pensei se eu não estaria sendo assustador.

Vai… quem olha pra minha foto ai do lado vê que eu não tenho como ser assustador. Sou até bonitinho!

Mas olhei ao meu redor e vi: Minha sala de aula era assustadora. Mouse, tela, cabos, modem, seqüências de 00001001111001110010101110011 bites e bytes. Fórum, chat, e-mail. Parece a Matrix.

Mas mais que isso: na minha sala de aula virtual existe a palavra! O que se escreve ali fica registrado, guardado nesse baú com tranca de ‘zeros e uns’ e que ainda confundem tanto as pessoas. O que assusta mesmo é a palavra. A autoria do pensamento. A escrita. A crítica.
O que foi dito pode ser retirado, ainda que com dificuldade. O que foi escrito, não. E é isso que apavora.

Descobri que minha sala de aula é mais assustadora do que a ‘mansão de Amityville’!

A sala de aula virtual desperta a curiosidade de todos os professores, mas todos tem medo das suas palavras. O resultado é tão bom quanto uma aluna disfarçada de cadeira.

Pensando bem, vou lá acabar com a farsa dela agora mesmo. Que futuros professores podem ser tornar alunos que tem tanto medo do erro? Ou pior, que tipo de professores eles já são?

Criatividade ou Anarquia?

Pollock foi criativo
O físico Richard Feynman diz que toda boa idéia deve primeiro passar por um exame intelectual criterioso antes de ser colocada a prova experimentalmente. Testar hipóteses é trabalhoso e caro, e justamente por isso nem todas as idéias devem chegar a esse estágio. Não importa se é uma idéia para um experimento, para um novo avião ou para uma obra de arte.Uma boa idéia, e portanto original e criativa, não deve refutar princípios básicos das coisas.
Por exemplo, a 2a lei da termodinâmica é uma das leis fundamentais do universo. Ela diz que não podemos reciclar energia. Energia gasta é energia perdida (isso pode parece banal, mas tem conseqüências graves, como a passagem do tempo, a expansão do universo, a vida e a morte). E também diz que as coisas precisam de energia para se manterem organizadas e se não gastarmos energia as coisas se desorganizam.
Uma nova idéia para uma turbina precisa respeitar a 2a lei da termodinâmica
Pois bem, se um engenheiro aparece com uma idéia excelente sobre um novo motor a jato onde a energia de uma turbina em movimento é utilizada como combustível para movimentar uma outra turbina; por melhor que seja a idéia, ela é impraticável, porque contraria uma lei fundamental. Ou o engenheiro propõe uma nova abordagem para a lei da transferência de energia ou o projeto vai ficar engavetado (o que provavelmente acontecerá).
Quando uma idéia nova não respeita leis fundamentais e preceitos básicos ela não é criativa, ela é anarquica. E a anarquia, como a falta de energia, levam a desordem. Não é uma colocação política, é física.
Picasso foi muito, muito criativo
Essa constatação parece ser universal. Andando pelo MoMA no final de semana passado, vi obras de arte que eram criativas e outras que eram, simplesmente, anárquicas. Não tem a ver com formas, com cores, com padrões, emoções ou abstração. Van Gogh usou cores e pinceladas que ninguém usava e foi muito criativo. Picasso usou formas que ninguém nunca usava e foi criativo. Pollock jogava tintas na tela e foi criativo. Andy Warhol usou latas de sopa e foi criativo. Porque então ou cara que jogou panos de estopa no chão e colocou alguns espelhos foi anárquico? Vejam que eu disse ‘o cara’ porque eu nem lembro o nome da figura.
Aqui eu não há criatividade. Só anarquia.
Está faltando precisão para explicar o anárquico? Então deixem eu tentar novamente. No último andar do museu havia uma mostra de Miró. E era uma mostra anárquica. Das horas que passei no museu, apenas 5 min (tempo necessário para atravessar todos os corredores sem parar em quase nenhuma obra) foram nessa recém inaugurada gigantesca mostra de Miró.
Mas se eu adoro Miró e acho Miró super criativo. Vejam que eu disse que a ‘mostra’ era anarquica.
Nesse caso, a culpa é do curador e não do pintor. A mostra se chamava ‘Pintura e anti-pintura’ com desenhos e colagens feitos por Miró depois da sua frase célebre “Eu quero assassinar a pintura”. O curador tenta vender a idéia de que vários estudos e desenhos de Miró eram uma fase revoltada da sua arte, uma tentativa de criar a anti-pintura, trabalhando em segredo em seu estúdio blá, blá, blá. Pura anarquia. A verdade é que o fascismo estava comendo solto na Espanha e a segunda guerra mundial batendo à porta. Miró trabalhava trancado em seu estúdio por medo de sair na rua. E não havia muita gente circulando por lá pra ir visitá-lo. Miró foi criativo, mas isso não quer dizer que TUDO o que ele fez enquanto estudava e experimentava era criativo.
Uma idéia para ser criativa precisa respeitar a lei da entropia, em qualquer um dos seus muitos enunciados: “o calor sempre passará de um corpo mais quente para um corpo mais frio e nunca ao contrário”; “uma energia de baixa qualidade realiza menos trabalho que uma energia de alta qualidade”. Uma idéia para ser criativa, precisa otimizar o uso da energia. Em um motor, um texto, um experimento ou uma pintura.
Preguiça e ignorância nunca resultam em idéias criativas.

Diário de um Biólogo – Terça 28/10/2008

É inevitável: Todo cientista também será um contrabandista.

Já escrevi aqui e aqui sobre as dificuldades de importação de material científico no Brasil e como isso reduz nossa produtividade científica. Outra circunstância dificultadora importante foi criada nos últimos anos: a necessidade de permissões do IBAMA para trabalhar com a nossa Fauna e Flora. Você pode se sentar com a sua vara de pescar a beira do Paraíba do Sul e pescar alguns Cascudos para o almoço (a seu próprio risco) mas se for um estudante coletando Cascudos para estudar a poluição no rio, é preso sem direito a fiança. Quem me déra fosse assim em Brasília!

Tenho um aluno há dois meses nos EUA esperando por amostras de sangue de peixe que deveriam ser enviadas pelo sistema de exportação de amostras da Fiocruz, mas nesse tempo todo, não conseguiram a autorização do IBAMA. Se você colocasse na mala e trouxesse, não haveria problema nem mesmo com a alfândega mais chata do mundo:

– Are you bringing food or bevarages?
– No, just fish blood samples
– What are you doing with fish blood?
– Research
– Oh, ok. We don’t regulate fish blood. You are clear to go.

Simples assim. E você poderia fazer o seu trabalho.

Claro, devemos proteger nossa biodiversidade, devemos combater a biopirataria, mas a morosidade e a burocracia do IBAMA são um tiro no pé. É mais fácil um americano vir aqui e acessar nossa biodiversidade ilegalmente do que nós acessarmos ela legalmente.

Por que e para que

Quando eu era mais novo, nunca me interessei realmente pelos estudos. Quando cresci, descobri nas festinhas da minha turma – geralmente uma orgia de pizzas e crepes caseiros na casa do Maiô – onde conversas eram sobre temas que eu, muitas vezes, não tinha ouvido falar nem superficialmente e que os outros pareciam conhecer em profundidade; que eu tinha que recuperar o tempo perdido.

Mas por que eu nunca havia me interessado antes? Hoje eu descobri que eu sabia por que eu deveria estudar, mas não sabia para que. E pelo visto, meus professores também não.

Explico, mas não serei breve. Vou começar com uma historinha do livro “Deve ser brincadeira, Sr. Feynman”, do físico americano Richard Feynman. Por favor, me acompanhem.

Quando esteve no Brasil em 1951, o físico Richard Feynman deu uma palestra na Aademia Brasileira de Ciências (ABC), onde disse que “não se está ensinando ciência alguma no Brasil”.

Ele perguntou para o auditório cheio: “Qual um bom motivo para lecionar ciência?” E ele mesmo respondeu “Porque é importante para que um país possa se considera civilizado, blá, blá, blá.”

Mas para ele, esse não é um bom motivo. E nós temos que ensinar ciência por um bom motivo. Sem um bom motivo, você acaba não ensinando nada.

Ele conta: “Tentei ensinar como resolver os problemas na física por tentativa e erro. É algo que as pessoas geralmente não aprendem. Comecei com alguns exemplos simples (…) e fiquei surpreso quando apenas 1 em 10 estudantes fez a tarefa. (…) Uma pequena delegação veio até mim , dizendo (…) que eles podiam estudar sem resolver os problemas, que eles já haviam aprendido aritmética. (…) É claro que eu já havia notado o que acontecia: Eles não sabiam fazer!”

“Depois participei de uma palestra na faculdade de engenharia (…) assim: Dois corpos são considerados equivalentes se… Os estudantes estavam todos sentados lá fazendo anotações (…). Eu era o único que sabia que o professor estava falando de corpos com o mesmo momento de inércia e era difícil descobrir isso”

“Depois da palestra falei com um estudante:

– Vocês estavam fazendo um monte de anotações. O que vão fazer com elas?
– Vamos estudar, teremos uma prova.
– E como será essa prova?
– Com perguntas como ‘Quando dois corpos são equivalentes?’

Então, você vê, eles podiam passar nas provas, ‘aprender’ essa coisa toda e não ‘saber’ nada, exceto o que eles tinham decorado”.

Parênteses: Vocês podem imaginar o rebuliço na ABC quando ele disse isso? Gostaria de ter estado lá. Fecha parênteses.

Quando li esse texto do Feynman, percebia o problema intuitivamente, mas ainda não tinha conseguido entender o que tinha acontecido. Como haviam chegado naquele ponto (que aliás, é o ponto aonde estamos até hoje)?!

Até que hoje, na aula da Rosita, lí o seguinte texto:

“Sem compreender o que se faz, a prática pedagógica é mera reprodução de hábitos existentes ou respostas que os docentes devem oferecer a demandas e ordens externas” (Sacristán e Gómez, 1998)

Nem olhei para os outros ítens. Esse era importante demais! Acho que tinha me lembrado do Feynman, só que ainda não sabia que tinha me lembrado. Esse é o problema que está antes de todos os outros! Qualquer um que assistiu aulas em uma faculdade sabe que ESSE é o maior problema do ensino no Brasil. Seja ele presencial ou a distância: O professor que não compreende o que faz acaba apenas ‘propagando hábitos existentes’! E consegue somente que seus alunos reproduzam hábitos existente.

A Rosita então chegou no grupo e disse que isso acontecia porque o professor sabe por que ensina. Ele tem, e segue, seus objetivos. Mas ele não sabe para que ensina, qual a finalidade daquilo. Ele ensina para formar cidadãos? Ou para que as pessoas saibam somar? O Feynman tentou dizer isso para os nossos cientistas há 50 anos.

O por que é a resposta que encerra, a ‘mera reprodução de hábitos existentes’. O para que é a pergunta que ‘abre caminho‘. O por que mantém o professor nos seus objetivos. O para que muda a atitude do professor.

Eu estudava por que. Estudava porque tinha de passar de ano, porque tinha que passar no vestibular. Não era um ‘bom motivo’ e por isso nunca me interessei pelos estudos. Na faculdade eu passei a estudar para que. Passei a estudar para poder mais. Sim, quem sabe mais, pode mais.

E é por isso que temos que ensinar. Para que todos possam poder mais.

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