O mais inteligente de todos

Irmão mais velho

Quando eu era Chubby


Tenho duas irmãs lindas. O que seria de mim se eu não fosse o mais inteligente?

Não me entendam mal. Minhas irmãs não são ‘loiras burras’ (ainda que uma adore ser loira). A Adriana é uma bem sucedida empresaria de gastronomia na França e a Letícia, com talento incrível para lidar com animais (excluindo os da raça humana), é a melhor veterinária do mundo! E ainda são lindas. Sobrou pra mim então ser o mais inteligente. Bom, pelo menos é o que elas dizem.

Mas não são só elas. Desde 1874 a relação sobre a ordem de nascimento e a inteligência é investigada. Na época, o autor, F. Galton, havia encontrado mais primogênitos em posições de destaque na sociedade do que ele atribuiria ao acaso. Desde então foram vários artigos, muitos deles em revistas prestigiosas como a Science (o que de maneira alguma garante a veracidade do estudo, mas ajuda).

Bom, já posso ver a minha amiga Daniela Peres exaltada, contra-argumentando que milhares de outros fatores podem ter levado os primogênitos a serem mais bem sucedidos. Bom, ela também não é a única, e muitos cientistas argumentaram que o ‘efeito primogênito’ seria na verdade uma falácia, uma relação falsa causada por fatores de confundimento dentro de famílias grandes. Mas as evidências eram tantas, inclusive vindas de estudos com gêmeos, que outros pesquisadores ainda, resolveram examinar a questão da falácia. Eles (esses últimos) mostraram, em novos artigos, que artefatos diversos não poderiam produzir os resultados observados (nem mesmo classe social das famílias): existe realmente uma relação entre a ordem de nascimento e a inteligência em nível populacional.

Abre parênteses: Em nível populacional, aqui, significa que na sua família especificamente, você pode ser o mais novo, mais bonito e mais inteligente dos irmãos, mas isso não muda o fato de se pegarmos muitas, muitas, famílias, a maioria dos mais velhos será mais inteligente que os caçulas. Fecha Parênteses.

Mas que teoria biológica poderia explicar isso? Que ‘princípio’ poderia estar na base desse fenômeno?Alguns pesquisadores sugeriram a hipótese do ‘ataque dos anticorpos maternos’: um fenômeno não comprovado mais (pouco) plausível, já utilizado para explicar outros fenômenos interessantes mas sem muito sucesso.

Então o grupo de Kristensen e colaboradores, do artigo que cito abaixo, mostrou uma coisa interessantíssima: nas famílias onde o primogênito morreu, o segundo irmão tem o mesmo QI dos primogênitos de outras famílias! E em famílias onde o primeiro e o segundo irmão morreram, o terceiro irmão apresenta o mesmo QI dos primogênitos de outras famílias (verdade seja dita, com uma variância muito maior). O fator não é biológico: é ambiental. Ou melhor, é cultural. Ou melhor ainda, familiar!

Os primogênitos estão mais expostos a linguagem adulta que os caçulas. Eles também assumem a tarefa de responder perguntas e explicar coisas para os irmãos menores. Diversos estudos já mostraram que a preparação para ensinar alguma coisa, um tema, é a que leva a melhor compreensão daquele tema.

Os irmãos mais velhos não são ‘naturalmente’ mais inteligentes. Eles ficaram mais inteligentes porque eram professores de seus irmãos mais novos.

Irmão mais velho

Kristensen, P., & Bjerkedal, T. (2007). Explaining the Relation Between Birth Order and Intelligence Science, 316 (5832), 1717-1717 DOI: 10.1126/science.1141493

Mariposas Cabeludas

Já contei aqui a razão do nome do blog. Outro dia chegou para mim uma pergunta de Brasília, da minha querida amiga Dani Wandscheer, nesse mesmo formato: “Acionando meu cientista favorito… Vc já viu isso?”

Você quer uma?

Quando vemos um bicho desses, mal dá pra acreditar que é real. Foto de disponível em http://www.flickr.com/photos/artour_a/4207478815

O site falava sobre a foto desse belíssimo exemplar de mariposa. O problema é que ela é tão bonita e tão diferente que eu, mesmo sabendo que as coisas mais bonitas e diferentes são feitas pela natureza, desconfiei. Mariposa Poodle? Fala sério! Na verdade acho que todo mundo desconfiou, porque a propria Dani escreveu tentando conseguir a confirmação de um amigo biólogo (ah se todos os meus amigos buscassem confirmação científica das coisas que ouvem falar por ai…).

Li o artigo no site. A foto teria sido tirada por Arthur Anker, da Universidade Federal do Ceará, em 2009, na Venezuela. Bom, se uma reportagem diz ‘quem’, ‘quando’ e ‘onde’, além de bom jornalismo, é uma indicação de veracidade. Afinal, dá pra gente verificar as informações. E foi o que eu disse pra Dani que faria, e que fiz.

Fui olhar o curriculo Lattes (1) do cara. Hum… não existia, isso não era bom. Mas ele tinha Research gate e ai ficou fácil verificar as informações. Ele na verdade é americano e está lotado agora no Labomar, um instituto de pesquisa do CNPq ligado a Universidade Federal do Ceará. Na verdade ele tem dezenas de artigos sobre camarões e outros crustáceos decápodos, o que de muitas maneiras comprova o valor do cara como zoólogo.

Mas o que um especialista em camarões estaria fazendo fotografando mariposas em uma floresta da Venezuela? Nada mais natural! Tem gosto pra tudo, não tem? Eu gosto de tirar fotos de animais em outras situações, como esse belíssimo Pargo assado no sal grosso escondido no forno do Satyricon que eu comi no primeiro dia do ano.

Pargo no sal grosso

Mas o atestado final de veracidade da foto veio de outro amigo, o biólogo, zoólogo, especialista em comportamento animal, e também scienceblogueiro Eduardo Bessa, enquanto comiamos as incríveis empadas de crustáceos decápodos (Camarão com Catupiry) do Belmonte. Quando contei a estória ele logo confirmou:

“É, existem muitas dessas mariposas cabeludas mesmo. É por causa do hábito alimentar. Como elas se alimentam de pólen, os pelos ajudam a capturar o alimento.” 

Nada como um pouco de racional científico para aumentar a credibilidade de um evento.

Um feliz ano novo pra todo mundo!

(1) Os pesquisadores brasileiros tem os seus curriculos em uma plataforma online do CNPq. Diga-se de passagem, um avanço com relação a qualquer outro país do mundo

A verdade sobre Homens e Mulheres

Uma das coisas que aprendemos em biologia é que as pessoas são diferentes, mas são iguais.

Todos dividimos características, físicas e psicológicas, que nos permitem nos identificarmos como humanos. Mas também, todos possuímos características, físicas e psicológicas, que nos fazem diferente de qualquer outro humano. Nos fazem únicos. Parece um contra-senso, um paradoxo, mas não é. Essas características são consequência dos nossos genes e de como eles se funcionam (se expressam) no ambiente em que vivemos. E um ou outro evento aleatório (ao acaso) aqui e ali durante o percurso. Todos temos, mais ou menos, as mesmas coisas, aquelas que nos fazem iguais, mas em graus e quantidades diversas, o que nos tornam diferentes.

Abre um longo parênteses. Bom, mas quando eu digo que nós humanos somos todos iguais ao ponto de os reconhecermos como humanos, não estou sendo totalmente correto. Existem basicamente dois tipos de humanos, com diferenças suficientes para que possamos afirmar, do ponto de vista genético, fisiológico, molecular, bioquímico, que são diferentes: os homens e as mulheres.

“Ah… Mas isso é obvio!” Você pode dizer. E é. Mas as diferenças, biológicas, entre homens e mulheres vão mulher vão muito, muito além do obvio. temperatura do corpo, número de receptores de pressão na superfície da pele, concentrações de hormônios, receptores na membrana celular, neurotransmissores.

“Ah… Mas isso não me interessa” você pode dizer. E esse é o meu ponto nesse livro: deveria te importar, porque é importante. Essa é a razão pela qual homens e mulheres discutem, porque a comunicação é difícil, pela qual políticas de igualdade entre os sexos fracassam, porque meninos ou meninas fracassam na escola, porque você gosta de quem não gosta de você e porque você não gosta de quem gosta de você. Também é a razão pela qual seu coração bate mais rápido quando você encontra o seu amor, pela qual sua pele se arrepia, pela qual gostamos de beijar na boca (e em outros lugares), pela qual gostamos de dormir agarradinho, pela qual os homens ejaculam precocemente e as mulheres tem surtos de desejo sexual. Fecha o longo parênteses.

Ainda que as semelhanças que nos fazem iguais e as dessemelhanças que nos fazem diferentes não constituírem um paradoxo, elas geram um poderoso conflito: queremos fazer parte de um grupo, dividir uma identidade, mas queremos ser únicos, diferentes de todo mundo.

Do ‘não-paradoxo’ das semelhanças e dessemelhanças nascem um novo conflito, na minha opinião ainda mais poderoso (ouso dizer, o mais poderoso de todos): a nossa necessidade de segurança e de mudanças. Não são só as mulheres que querem segurança. Todos os seres humanos querem. Também não são só as mulheres que querem ‘novidades’ da moda. Todos os seres humanos são exploradores por natureza. Queremos segurança porque um mundo onde tudo muda o tempo todo é muito desgastante. A constância e a estabilidade são importantes para pouparmos energia. Poupar energia, por sua vez, é uma coisa importante também, porque a quantidade de energia disponível na natureza é limitada. E por isso a evolução nos tornou amantes da tranqüilidade e da segurança. Mas vivemos em um mundo onde os recursos também são escassos e devemos competir por eles com outros organismos, da nossa e de outras espécies. Se ficarmos acomodados ou parados no mesmo lugar, nossos competidores acabam por identificar nossos pontos fracos e Zaz… ou somos comidos, ou não conseguimos mais comer nada (e nem ninguém). Precisamos explorar novos territórios, novas fontes de alimento, precisamos criar novas estratégias, precisamos inovar.

Uma dessas inovações, criou mais um paradoxo, que na minha opinião é o que vivemos mais intensamente no dia-a-dia. A invenção foi a colaboração, que cria um paradoxo com a nossa necessidade vital de competir pelos recursos escassos da natureza. A verdade verdadeira é que não inventamos a colaboração: os lobos colaboram, as formigas colaboraram, os leões colaboram, os cupins colaboram. Mas nós elevamos a colaboração a um patamar muito superior ao de qualquer outra espécie e nos tornamos muito bem sucedidos por causa disso.

Como apareceu a colaboração? Nós conseguimos superioridade com relação aos outros macacos porque começamos a consumir muita carne. Nada de passar o dia procurando frutinhas e besourinhos. Depois que provamos o sangue e toda aquela proteína, não quisemos mais nada. Mas para comer carne, tínhamos que competir com os tigres e leões da savana africana pelas Zebras e Antilopes (aliás, carne de Antilope é uma delícia), animais que tinham sido preparados pela seleção natural por milhões e milhões de anos com armas (garras e presas) poderosíssimas para matar. Nós não tínhamos armas naturais, mas tínhamos um cérebro. E como diz a piada, ‘como um desses, podíamos obter um monte daqueles’. Colocamos o cérebro pra funcionar, inventamos lanças e machadinhos e aprendemos a colaborar para caçar. (Veja vai encarar?)

A colaboração parece uma coisa muito, muito boa. Intuitivamente tão boa, que se chegasse um cientista dizendo que ela não é boa, talvez vocês achassem ele maluco. O fato é que colaboração é insustentável. Em um planeta finito, não há recursos para serem divididos por todos, principalmente se continuarmos dobrando o número de ‘todos’ a cada 10 anos. A única coisa que é realmente sustentável é o egoísmo. (pausa para vocês tacarem pedras no cientista). Justamente porque ele não olha para o ‘grupo’ que pode crescer descontroladamente. Ele, o egoísmo, age para o indivíduo. A colaboração, vejam o paradoxo, só funciona em pról dos interesses egoistas dos organismos.

Para entender esse argumento sem querer tacar pedras no cientista, é preciso ver o mundo como a ciência vê. A vida apareceu no planeta há cerca de 4 bilhões de anos e os organismos, todos os organismos, são frutos de umas moléculas, o DNA (pra simplificar), que ser organizaram de acordo com fenômenos muito simples regidos pelas leis da física e que tinha um simples propósito: continuar existindo. Esse propósito, egoísta, não precisa de uma explicação moral. Ele obedece as leis da física. E essas leis, até onde sabemos, e nós sabemos bastante coisas, funcionam em todos os lugares do universo e funcionaram em todos os tempos e continuaram funcionando muito depois de termos nos extinguido.

“A vida como ela é”, como o cientista vê que ela é, não é uma opinião: é uma decorrência direta das leis da física, que são as únicas verdades inquestionáveis do universo. Especialmente de duas delas, denominadas, bobamente, de primeira e segunda leis da termodinâmica. Uma diz que nada se cria e nada se perde, tudo se transforma. Parece bom, não é?! Não morremos… nos tornamos anjinhos ou demônios. Mas não é bem assim, porque a segunda lei diz que nessa transformação, as coisas perdem qualidade, que em termos físicos significa que elas ‘viram calor’ até que cheguem ao ponto de não existir mais nada, só calor, o que é o fim do universo. Infelizmente, calor só serve para esquentar coisas e não serve pra mais nada.

Ei… vocês ficaram deprimidos? É justamente por isso que as pessoas não querem ouvir os cientistas? Mas veja, ainda que as razões sejam estapafurdias leis da física e as motivações egocêntricas não sejam exatamente nobres, elas permitem que façamos coisas maravilhosas como a nona sinfonia de Beethoven, Hamlet de Shakespeare, a teoria das supercordas ou o gol do Roberto Dinamite no Botafogo em 1976. Por sorte ou circunstâncias, nosso cérebro não foi feito para entender o Bóson de Higgs, a matéria escura ou o nosso próprio cérebro. Fomos feitos para buscar alimento, buscar abrigo, reproduzir, fugir ou lutar, mas para fazer isso com maior eficiência aprendemos a rir e a chorar, as nos emocionarmos com o belo, nos irritarmos com o dolorido, nos solidarizarmos com o sofrimento alheio, nos deliciarmos com boa comida e bom vinho.

E somos cheios de paradoxos e conflitos. No final das contas, parecemos todos doidos, Parece que queremos uma coisa agora e outra depois. Uma coisa em uma hora e outra em outra. Uma coisa hoje e outra amanhã. E ao contrario do que pode nos sugerir a nossa intuição, essas mudanças de humor e essa eterna insatisfação não são coisa ‘da nossa cabeça’. quer dizer, até são, porque estão no nosso cérebro, mas não dependem da nossa vontade, da nossa consciência. Da moral, ética ou dos bons costumes. Dependem de genes, instintos e hormônios. E por isso que um biólogo pode vir aqui falar pra vocês sobre isso e pode até escrever um livro sobre isso. É por isso que vocês devem ler “A Verdade Sobre Cães e Gatos”. Agora a venda no Facebook e na Amazon.br. Um ótimo presente de Natal.

A valsa das Aplysias

A primeira vez que vi uma Aplísia foi na Ilha Grande (RJ) na primeira viagem que fiz com minha turma do então primeiro período da faculdade de Biologia da UFRJ. Foi também minha primeira viagem a Ilha. Fiquei encantado com esse lindo animal! Um encanto NERD eu confesso e concordo. Essa foto (e o balé abaixo) foi tirada duas semanas atrás em Ponta da Lagoinha, em Búzios, um lugar lindo que eu, surpreendentemente, não conhecia.
Foi só no semestre seguinte, nas aulas de ZOO II que eu fui aprender sobre esses intrigantes moluscos que, apesar de fazerem parte da ordem Gastropoda (são todos primos dos caramujos e caracóis) não tem concha aparente. O ‘Manto’, que tem esse nome super apropriado já que recobre internamente a superfície das conchas dos moluscos, no caso das aplysias recobre a concha EXternamente.

O apelido de lebre do mar vem provavelmente das duas antenas que suportam os olhos e parecem com as orelhas da lebre. Ou pelo menos esse é o meu chute, já que elas são de uma lenteza enebriante.
“Ah, mas só sendo biólogo para se encantar com lebres do mar” você pode dizer.
Biólogo ou não, se você não se encanta com o balé natatório desses lindos moluscos, então… você não tem senso de estética e não pode saber o que é beleza. E se eu acreditasse em alma, diria ainda que você não tem uma.

Divulgação Científica, um delírio!

No mês passado estive na UNICAMP para um evento internacional de divulgação científica: o 2o Seminário Internacional Empirika, vinculado a à Empirika 2012, a mega feira Ibero-americana de ciências.

O evento se propôs a discutir ‘Comunicação, divulgação e percepção de ciência e tecnologia’ mas o que vi lá não foi bem isso. O programa foi todo concentrado em torno dos organizadores – praticamente todos, senão todos, os palestrantes tinham ou tiveram algum vínculo com o laboratório de jornalismo da UNICAMP ou o curso de mestrado em divulgação científica e cultural –  e a meu ver refletiu apenas o que deve ser a visão dos organizadores sobre o tema. Por exemplo não havia ninguém da enorme comunidade de blogueiros de ciência, nem mesmo Leandro Tesler, professor do Instituto de Física da Unicamp e autor do excelente blog ‘Cultura Científica’. Como gerar debate se todo mundo se conhece e é da mesma turma?

Talvez por isso não tenham percebido, ou tenham e não viam problema nisso, o conflito que se criou entre os dois principais temas discutidos: a percepação do público sobre a ciência e a arte e a cultura como alternativa para comunicar ciência.

As excelentes apresentações de Yurij Castelfranchi da UFMG e Sandra Daza do Observatório Colombiano de C&T deixaram claro que todas as metodologias utilizadas (até) HOJE para avaliar a percepção do pulbico sobre C&T são imprecisas e ineficientes, e produzem percepções equivocadas. Ao mesmo tempo p-r-a-t-i-c-a-m-e-n-t-e TODAS as outras palestras foram sobre COMO comunicar ciência para população ‘dada’ a percepção que eles tem da ciência. Ops! Mas se os instrumentos que temos não tem como avaliar corretamente esse percepção… Isso mesmo! O que tivemos foram horas de apresentações de pesquisadores bem intencionados mas embasados por premissas que eram, na melhor das hiposteses, controversas.

Com relação ao uso da arte para comunicar ciência, acho que foi ainda pior. Descobri ainda que os descolados das ciências sociais (eram quase todos das ciências sociais) são ainda mais elitistas do que os NERDs das ciências exatas. Claro que usar a arte e a cultura para transmitir e comunicar ciência é ótimo. Agora… se a arte que você quer usar para isso é tão distante da população como a ciência que você quer divulgar… então não adianta muito, não é mesmo?

Vocês acham que eles chamaram a Regina Casé para falar de produção cultural na periferia (veja abaixo) e como podemos embutir ciência nisso?

Não, chamaram chamaram um professor da UNICAMP, Laymert Garcia, para falar sobre ‘Dispositivos de visão – Ressonâncias entre o audiovisual xamânico e o audiovisual digital’. Não se preocupe se você não entendeu nada do título: ninguém entendeu. Ele é uma simpatia, um ótimo contador de histórias, mas faz produção cultural para uma parcela limitadíssima da população. Uma parcela que JÁ tem uma enorme cultura geral a ponto de se poder permitir assistir um filme como: ‘Xapirí’, que fala sobre as experiências transcendentais dos xamãs Yanomamis depois de inalarem o pó mágico yãkõana.

Hoje começo a entender melhor meus amigos inteligentes e bem sucedidos que são radicalmente contra os professores universitários e os acadêmicos em geral: a falta de objetividade dos deles (nossa) pode ser terrificante!

Eu entendo tentar fugir do método científico para validar o conhecimento obtido empiricamente, não registrado a não ser pela tradição oral, especialmente de comunidades marginais e isoladas. Mas isso não significa, jamais, de forma alguma, que o empirismo seja um mecanismo melhor de se obter conhecimento, ou que ‘todo’ conhecimento de comunidades marginais e sem educação científica tenha valor. A medicina Ayuervédica tem mais de 7000 anos e nem por isso está menos equivocada.

Nós, intelectuais brasileiros, temos que parar de querer intelectualizar todo mundo. Principalmente, de uma hora para outra. Precisamos dar educação, o que inclui educação científica, para que as pessoas possam exercer sua cidadania de forma plena, nas relações sociais, comerciais e com o estado, mas sem querer transformar todo mundo em intelectual. E com isso, o que nós precisamos é que nossos intelectuais se coloquem a serviço de produzir mais coisas como ‘The Big Bang Theory’ do que ‘Xapurí’.

Ou vocês conhecem algo que consiga ensinar mais ciência, de forma mais correta, divertida, dinâmica e criativa do que o clip de abertura do seriado americano? Eu não conheço.

Reflexo IN-condicionado

ResearchBlogging.org

(Essa é uma postagem casada e você pode querer ler o post anterior antes desse aqui)

Quanto tempo leva entre você querer mexer o seu braço, o seu cérebro se preparar para mexer o seu braço e o seu braço efetivamente se mexer? Você nunca deve ter pensado nisso, porque, a não ser que você seja NERD que nem a gente, isso não importa: cai tudo na definição de ‘automático’. Mas nós, cientistas NERDs, damos valor a diferenças bem pequenas, desde que elas seja consistente. Então vamos lá, todos sabemos que todo movimento voluntário começa no cérebro. Mas quando?

Bom, bravos cientistas foram medir. Mais precisamente, foram medir o ‘Potencial de antecipação’ (PR), que é uma pequena mudança na corrente elétrica passando pelo couro cabeludo antes (1s ou mais) de um movimento rítmico tanto involuntário (como o batimento cardíaco) quanto voluntários (como mexer o braço. Uma medida é feita pelo eletroencefalograma (EEG), que é parecido com o eletrocardiograma, só que é feito no cérebro, com um monte de eletrodos colados na sua cabeça (pesquise no Google pra ver as imagens).

Mas a pergunta que eles queriam responder era outra. Eles, os bravos pesquisadores, estavam da ‘urgência’ (W), também chamada de ‘preparação’ (W), termos definidos pela auto-consciência do movimento: aquele exato momento em que você sente que seu braço… vai se mexer. Você nunca percebeu isso? bom, como eu disse, é porque tudo acontece muito rápido e nunca paramos para notar. Mas apesar de  um evento subjetivo, sua existência é muito bem caracterizada e documentada. A estimulação de certas zonas do cérebro durante uma neurocirurgias de crânio aberto, induzem nos pacientes uma “vontade involuntária e inexplicável de rolar a língua” ou de “mexer o braço”. A questão é que o 1s entre a alteração no EEG e o movimento do braço, pareciam um tempo muito grande para uma ação voluntária e os pequisadores queriam saber se a urgência se ainda mais cedo.

Para isso bolaram o seguinte experimento:

Um grupo de voluntários ficava sentado confortavelmente, com eletrodos em suas cabeças e braços, olhando para uma parede onde um circulo, com raios parecidos com o de um relógio, estava desenhado. Como eu disse, parecia um relógio, mas não era. Os raios estavam nas mesmas posições 12 posições, mas um volta completa do ponteiro, na verdade um ponto de lazer vermelho, levava apenas 2,56 s para completar a circunferência.

A tarefa dos voluntários era simples: tinham de movimentar livremente, espontaneamente, quando quisessem o seu pulso e os dedos da mão direita (todos os voluntários eram destros). Quando fizessem esse movimento, olhando apenas para o relógio a sua frente, tinham de guardar (para relatar posteriormente – o que faz toda diferença em um experimento onde as variações ocorrem em milisegundos) a posição do ponto de luz veremelha no momento exato em que ‘percebiam’ a ‘preparação’. A ‘urgencia’ do movimento.

Vamos combinar, foi uma grande sacada dos pesquisadores (que eram psicólogos). O ponteiro de luz vermelha era emitido por um computador, ao qual também estavam conectados o EEG e o ‘eletromiograma’ (EMG), o sensor que media o potencial de ação do musculo esquelético do braço e que marcava o início ‘real’ do movimento. Com isso, ao relatar a posição do ponteiro de luz, como a anotação do tempo marcado no relógio para um evento, os pesquisadores foram capazes de transformar uma experiência subjetiva em uma medida computável. E assim, o momento da ‘preparação’ (W) pode ser comparado com o ‘potencial de antecipação’ (PR), anterior ao ato, no escalpo e com o momento da contração voluntária do pulso, medido pelo eletromiograma (EMG).

Abre parênteses: foram feitos diversos tipos de terinamentos e controles com os participantes, para reduzir tendenciosidade e outros tipos de interferências, ou de artefatos, nas medidas ou nos relatos.

Por exemplo, “Os movimentos foram voluntários, com instruções explicitas para que fossem o mais espontâneos possível (sem planejamento). Mas também, foram externos, induzidos por um observador que tocava as costas da mão a pessoa.” ou “Após 40 atos voluntários, os participantes eram questionados quanto a existência de algum movimento que não tivesse despertado a urgência (um tipo de movimento surpresa). Essas perguntas foram feitas para tentar eliminar Bias na reportagem de eventos por parte dos participantes e aumentar a confiança nos tempos que foram efetivamente reportados.” Ou ainda “Dois tipos de controle foram empregados. Um relato dos tempos de percepção de realização do movimento (M) e outro de percepção do estimulo na mão para a realização do movimento (S)”. De acordo com os autores, os participantes ainda eram capazes, facilmente, de diferenciar entre a ‘urgência’ e qualquer outro tipo de percepção planejadora ou que não levasse a um movimento. Vai entender…

Fecha parênteses.

Os resultados foram muito claros: os RP apareciam em torno de -500 ms, antes, dos potenciais de ação medidos pelo EMG, que foram tomados como ‘tempo zero’, para as medidas comparativas. Até ai tudo bem: o movimento do pulso (medido pelo EMG) era precedido por uma atividade cerebral (medida pelo PR) em aproximadamente 500 milisegundos. A coisa ficou estranha quando mediram os tempos de ‘urgência’ (W) (a percepção introspectiva e subjetiva da decisão de mover o braço): eles foram em media de – 200 ms (também em relação ao EMG)! Ou seja: A decisão sobre mover o pulso era percebido 300 ms DEPOIS do cérebro ter iniciado o processo de movimentação do pulso! As consequências são perturbadoras: se o cérebro começa a agir antes da decisão consciente, então… o livre-arbítrio pode simplesmente não existir!

Os autores fazem diversas ressalvas: “Os RP medidos no estudo, ainda que bons indicadores, representam a atividade de uma pequena área, a região motora suplementar no neocortex mesial” sendo que outras áreas poderiam estar sendo ativadas para a ‘decisão’ em outro local do cérebro. Na verdade, uma infinidade de mecanismos de ‘iniciação’ e ‘integração’ do sinal no cérebro, antes dele virar consciente e se tornar uma ação, poderiam atuar no cérebro. Um ‘pensamento’ não gera diferença de potencial suficiente para gerar um registro no EEG, e justamente por isso é tão difícil avaliar essa percepção subjetiva de forma objetiva. E é também por isso que os autores ressalvam : Podemos ainda especular que exista uma fase anterior da consciência do movimento que não sejamos capazes de recapitular, ou que não possa ser armazenada na memória recente, dado que a habilidade de relatar esteja vinculada a memória recente.” Mas nenhuma dessas ressalvas mudam o fato de que a decisão sobre o movimento  acontece de forma inconsciente. Nas palavras dos autores: “Concluímos que a iniciação de um ato voluntário no cérebro, como dos estudados aqui, pode começar, e usualmente começa, inconscientemente”

Abre parênteses: O termo inconsciente refere-se simpesmente a todos os processos que não são expressos como uma experiência consciente. Isso pode incluir, e não se distingue de, preconsciência, subconsciência e outros processos de inconsciência não reportáveis. Fecha parênteses.

É claro que a evidência de iniciação inconsciente de um ato voluntário relatada nesse artigo se aplica a um número muito limitado de atos. No entanto, um simples ato motor voluntário como o relatado aqui sempre foi considerado com incontroversamente e exemplo ideal de um ato engdógeno e livremente voluntário.

“Essas cpnsiderações parecem limitar o potencial dos indivíduos para exercer controle consciente (como iniciar) sobre seus atos. Considerando que atos voluntários espontâneos possam ser iniciados inconscientemente, ainda poderíamos imaginar duas condições em que um controle consciente poderia ser exercido: um ‘veto’ consciente que ‘aborta’ o processo espontâneo inconsciente (o que parece encontrar evidência mesmo nos resultados desse experimento) e em processos onde os atos voluntários não são espontâneos e nem de resposta rápida.”

Na melhor das hipóteses, assustador. Mas pelo menos agora você tem a desculpa perfeita para aquela olhada para o lado quando passa um bum-bum bonito ou um decote mais ousado.

Libet B, Gleason CA, Wright EW, & Pearl DK (1983). Time of conscious intention to act in relation to onset of cerebral activity (readiness-potential). The unconscious initiation of a freely voluntary act. Brain : a journal of neurology, 106 (Pt 3), 623-42 PMID: 6640273

Agindo sem pensar

Eu tenho um amigo, que tem um primo, que conhece um cara… que mesmo tendo como namorada a garota mais bonita da festa, não conseguia NÃO olhar pra qualquer rabo de saia que passasse na sua frente. Não, não estou dizendo que ele fazia isso na frente da namorada. Isso ele até dava um jeito de controlar. Estou falando de quando ela pra pista de dança e ele, por uma música ou duas, ficava sozinho com sua cerveja. Era ali, naquele momento, onde os riscos – e também culpa – eram mínimos, que ele se impressionava com a sua completa incapacidade de resistir a ‘querer’ olhar para qualquer garota. Alta ou baixa, gorda ou magra, feia ou bonita… Ele olhava justamente procurando o que nela poderia chamar a atenção dele de maneira que justificasse o desejo ‘gratúito’ que ele tinha por ela.

Esse amigo do primo do cara já tinha feito anos e anos de análise e sabia que não tinha nada a ver com inseguranças, desejos ocultos pela mãe ou revolta com o pai, não era porque tinha tomado um pé na bunda da sua namorada mais querida e nem porque outra tinha ficado com o seu melhor amigo. Também não era porque as meninas tinham sim, interesse nele; ou porque ele, ainda que não fosse lindo, tava acima da média dos caras com quem deveria competir. Não, não era nada psicológico, social ou cultural. Não sei se vocês conseguem entender e me acompanhar: ele não conseguia parar de pensar ‘naquilo’. Era biológico!

Ele não estava sozinho: “Eu acredito que existam dois tipos de homens: os que pensam em mulher 90% do tempo e os que pensam em mulher 99% do tempo”.

Não, não foi Woody Allen ou outro pervertido que disse isso: foi James Watson, isso mesmo, um dos descobridores da dupla hélice do DNA. “Eu era do primeiro grupo e acho que só por isso consegui ganhar um premio Nobel” escreveu no seu livro ‘Genes, Garotas e Gamow’.

Mas claro que eu não citei Woody Allen a toa. é dele, no filme ‘Desconstruindo Harry’ de 1999, a melhor frase de todas: “Eu não consigo olhar para nenhuma mulher na rua sem pensar como ela é nua e como seria fazer amor com ela.” (Nota do autor: na verdade essa era a frase como eu me lembrava dela. A frase mesmo foi: “Na verdade, nunca olhei para uma mulher, sem me perguntar como é que ela seria na cama”). 

E se vocês me permitem mais uma citação, vou tentar subir um pouco mais o nível, para tentar tirar o ‘Oh’ de ultraje das minhas leitoras. é do jornalista carioca Carlos Eduardo Novaes, em um livro seu antigo, que caiu na minha mão não sei como: “A vida, para mim, só faz sentido quando temperada pelo encontro, o desejo, a paixão. Sem a mulher, vejo o mundo como um míope (18 graus) sem óculos. Tudo me parece fora de foco. O único luger que me permito frequentar sem me preocupar com a presença da Mulher é o estádio de futebol, Tainda assim, no intervalo do primeiro para os egundo tempo arriscu um olhar à minha volta. Nos demais – igrejas, bancos, batizados, supermercados, quadras de volei, velórios, praias – estou sempre à procura da Mulher que dará um novo signifícado à minha presença no local. Quando a descubro – nem que seja para contemplá-la -, o lugar se transforma como que tocado por uma varinha de condão.”

Sempre que alguém, amigo cientista ou pesquisador da área de humanas, discute comigo sobre a força da cultura ou do social eu sou obrigado a contestar. Sim, controlamos nossos impulsos, mas eles estão lá. “A vida é sorte e circunstância” diz a Sonia Rodrigues. Claro, preparo e competência são importantes, mas isso todo mundo, como mais ou menos esforço, pode ter. E ai… estar no lugar certo, na hora certa pode fazer toda diferença. Bom, eu acho que é isso também com os instintos. Eles deixam que nós controlemos eles até que eles sejam mais necessários ou… sorte e circunstância: se aparece uma oportunidade e ninguém está olhando, uma enxurrada de hormônios dominam (e determinam) nossas ações.

E agora que eu tenho uma assinatura da revista Scientific American, acabo sempre esbarrando em coisas legais que dão suporte científico as coisas que eu pensava e observava, ainda que com olhar de cientista, sem constatação factual. Foi o caso do artigo de Christof Koch ‘Encontrando o livre-arbítrio’ no número 2 (vol 23, maio/junho de 2012) da edição americana.

Ele usa uma situação onde um homem (mas poderia muito bem ser uma mulher) bem casado, que diante de um encontro fortuito, mesmo tendo plena consciência racional do erro do ponto de vista moral e ético, da baixa probabilidade de sucesso (medido em termos produtivos ou de felicidade) e o alto risco de desastre para diferentes vidas, dá início a uma cadeia de eventos que leva a um caso. Nessa situação, tão típica (afinal, todo mundo tem um amigo, que tem um primo, que conhece um cara que já passou por isso 😉 ele resolveu deixar pra lá todo a discussão filosófica milenar sobre o tema para buscar uma resposta apenas no que a física, neurobiologia e psicologia tinham a oferecer. Mas isso vai ficar pro outro post.

As melhores universidades do mundo!

Turma de 89/1 (Com alguns agregados) no Interbio de 1990 na Universidade Federal de São Carlos.

“O Brasil tem, hoje, as melhores universidades do mundo!”

Eu, Ricardo Prado e Alex Pinheiro ficamos um pouco atônitos com a declaração de Domenico De Masi. Tivemos o prazer de almoçar com o ilustre sociólogo italiano na sua mais recente passagem pelo Rio de Janeiro. Eu já tive o privilégio de assistir uma das suas disputadíssimas (e caríssimas) palestras e já li diversos dos seus livros, o que me fazia pensar que conhecia bem sua opinião sobre as coisas. Mas a declaração das universidades brasileiras me pegou desprevinido: Como as nossas sucateadas instituições de ensino poderiam ser as melhores do mundo? Eu não tenho ‘complexo de vira-lata’ – aquele sentimento de que tudo que vem de ‘fora’ (leia-se EUA e Europa) é melhor – não, mas vivo a realidade da universidade diariamente e não tinha como concordar com isso.

“É claro, vocês brasileiros não vêem isso por que olham para os ‘rankings’. Nos rankings, Stanford, Harvard, Berkeley… são as melhores. Mas são as ‘Stanfords, Harvards, Berkeleys’ que FAZEM os rankings. E é claro que de acordo com os critérios ‘deles’, eles serão os melhores.”

Fazia todo o sentido.

“A universidade brasileira tem alegria, tem sensualidade, tem beleza. Essas as características mais importantes para o sucesso na sociedade pós-industrial. Para ter criatividade e para inovar.” E completou:

“Se o número de relações sexuais que ocorrem em um dia fosse o critério para determinar a melhor universidade, a UFRJ seria a número 1 do mundo!”

Todos rimos. Lembrei do Butão e do FIB, o índice de ‘Felicidade Interna Bruta’. Domenico disse que passa pelo menos 4 dias por ano no pequeno país encravado nas cordilheiras do Himalaia e que chamou atenção do mundo ao trocar o parâmetro de avaliação da qualidade de vida da sua população do PIB para o FIB.

“O Butão é um lugar maravilhoso. Até mesmo as empresas agora adotam critérios de bem-estar para avaliar a sua produtividade.”

Eu já tinha pensado sobre o Butão e o FIB, mas não seriamente. Eu gosto da idéia de se rebelar contra os critérios estabelecidos pelas classes (ou países) dominantes para avaliar qualidade, mas tinha parado por ai. Por outro lado, eu já escrevi aqui como me parece impossível para um povo sem problemas sociais, como os Noruegueses, fazerem inovação. Mas não tinha conectado as duas idéias.

“Mas o Butão é muito pequeno. Só o Brasil está em posição de mudar o mundo: é grande, é rico em recursos naturais, é uma democracia, é politeista e não tem conflitos nem internos, nem com seus vizinhos. Que outro país no mundo tem isso?”

Lembrei da minha turma da faculdade. Fomos a todos os Interbios (a olimpíada das universidades de Biologia), ENEBs e EREBs (encontros nacionais e regionais de estudantes de biologia), congressos, seminários, reuniões. Organizamos competições de Voley de praia na Barra, mostra de talentos, campeonato de truco. Passamos Festas Juninas, Carnavais do Rio e de Salvador, Natal e Ano Novo juntos. A beleza (como vocês podem ver), a diversão e a sensualidade (medida por enormes quantidades de beijos na boca e relações sexuais que se estabeleceram) foram sempre as forças motivadoras de todos esses eventos. E TODAS as pessoas nessa foto, uma amostra diversificada e representativa da turma 89/1, estão hoje entre os profissionais mais criativos e bem sucedidos que eu conheço.

É, pensando bem, Domenico está certo: Eu estudei na melhor universidade do mundo!

Moscas de bar

ResearchBlogging.org

Como fazer para superar a perda de um grande amor? “Um outro amor” vai responder o seu melhor amigo garçon, enquanto te serve uma dose. Pois é, parece que esse não é um privilégio dos humanos (e vocês sabem que eu adoro quando descobrimos que os comportamentos humanos tem raízes ancestrais, muito mais instintivas e animais do que gostaria que fosse a nossa vã sabedoria e os cientistas sociais).

Cientistas da California (tinha que ser) descobriram que até mesmo as moscas-de-fruta (a famosa Drosophila melanogaster) ficam deprimidas quando são rejeitadas pelo sexo oposto e se embebedam para ‘esquecer’! Bom, se não é exatamente para ‘esquecer’, pelo menos é para ‘compensar’ a rejeição.

O experimento é simples e nem por isso menos interessante: os pesquisadores colocaram insasiáveis machos de mosca com fêmeas relutantes, porque haviam acabado de copular. Fizeram isso várias vezes.  Mais precisamente, foram sessões de 1h de rejeição, 3 vezes ao dia, durante uma semana. Por outro lado, alguns machos sortudos tiveram sessões de 6h de cópula com multiplas virgens (um tipo de paraíso islâmico). Depois eles ofereceram aos machos suculentas porções de ração: sem ou com 15% de etanol. O resultado foi claríssimo e os machos que não transaram enchiam a cara de banana com cachaça, que em termos científicos pode ser descrito como ‘apresentaram índice de preferência por etanol significativamente maior’. Fêmeas que copularam também tiveram uma menor necessidade de encher a cara do que fêmeas virgens, que preferiram também a banana com cachaça.

Abre parênteses: A rejeição é tão poderosa, que machos de Drosophila que passaram por um processo contínuo de rejeição ficam mais sensíveis e tem dificuldade de se aproximar mesmo de fêmeas virgens, disponíveis e dispostas. Fecha parênteses:

Na verdade os dois grupos, rejeitados e bem sucedidos, apresentavam diferenças em vários aspectos além do consumo de álcool, segundo os pesquisadores: preferência por ficar sozinho ou em grupo, atitude frente a rejeição em uma situação social e exposição a feromônios de aversão das fêmeas copuladas.

Se os machos cresceram isolados ou em grupo, não faz a menor diferença: se transaram ficam felizes, se não transaram enchem a cara. Já se poupamos os pobres machos da rejeição de fêmeas satisfeitas, ainda que sem deixar eles transarem (o que é feito com a mórbida prática de coloca-los com fêmeas virgens decapitadas – que não possuem o feromônios de rejeição acetato de cis-vaccenyl cVA, mas também não são capazes de copular), eles também enchem a cara. E não é nem o cVA em si, já que se for exposto ao composto purificado em laboratório, o consumo de álcool também é elevado. A privação sexual, mais do que a rejeição, leva ao consumo de álcool!  Então os pesquisadores fizeram o experimento óbvio, que era permitir que alguns dos machos rejeitados pudessem também copular com fêmeas virgens enquanto outro, pobres coitados, continuaram sem sexo. E… a preferência pelo álcool foi significativamente reduzida nas moscas que puderam transar!

Abre parênteses: evidências não científicas sugerem que nas mulheres a privação de sexo afeta a busca por chocolate 😉 Fecha parênteses.

Os autores quiseram ir mais a fundo e entender como as duas coisas estavam ligadas. Então foram estudar o Neuropeptídeo F (correspondente na Drosophila do NPY dos mamíferos e, acreditem, do NPR do C. elegans) que regula o consumo de etanol, para ver se ele era afetado de alguma forma pela experiência sexual. Em mamíferos se sabe que o estresse pode afetar esse gene e levar ao alcoolismo. Mas em moscas deprivadas de sexo… ninguém sabia o que poderia acontecer. Bom, aqui a coisa fica técnica demais, mas acreditem em mim quando eu digo que manipulando genes, usando morfolinos e outras técnicas, eles demonstraram que sim, que esse gene (NPF) tinha sua expressão reduzida pela privação de sexo e que isso levava ao alcoolismo. Provavelmente como uma expressão do sistema de recompensa do nosso cérebro. Pouco sexo leva a uma baixa de NPF que ativa um comportamento (através da ativação do sistema de dopamina) de busca por recompensa como o consumo de álcool, transformando os bichinhos em ‘moscas de bar’. Comparativamente, a copula cria um superávit de NPF que minimiza o comportamento de busca por recompensa e consequentemente por álcool. Eles também testaram e confirmaram essa hipótese.

O artigo é sensacional sem ser sensacionalista e, para mim, é um excelente exemplo de como se pode fazer ciência simples, interessante e divertida.

Shohat-Ophir, G., Kaun, K., Azanchi, R., Mohammed, H., & Heberlein, U. (2012). Sexual Deprivation Increases Ethanol Intake in Drosophila Science, 335 (6074), 1351-1355 DOI: 10.1126/science.1215932

Entre instintos, Rieslings e razão

20121027-183901.jpg

“- Não é, não é! Não existe essa diferença entre razão e instintos. É tudo cérebro!”

disse minha amiga neurocientista Marília Zaluar, enquanto caminhávamos pela Gerbermühlstrasse em busca do recomendadíssimo restaurante Gerbermüehle. Fomos pra Feira do Livro de Frankfurt, aprender mais sobre livros didáticos digitais, mas como não poderia deixar de ser, aproveitamos pra comer e beber bem, o que adoramos fazer. E discutir ciência, o que não conseguimos deixar de fazer.

A frase dela marca uma discussão antiga que se acalora porque, naturalmente, temos a tendência de “puxar a sardinha, cada um, para a nossa brasa”. Os cientistas sociais dizem uma coisa e os biólogos dizem outra. Mas o que estou descobrindo é que cada biólogo também diz uma outra coisa diferente. Quem trabalha com o cérebro, favorece o cérebro e encontra as explicações para que tudo seja definido com base nos mecanismos neuronais. Eu trabalho, de certa maneira, com evolução, então acredito que a forma como o cérebro está organizado, como foi organizado evolutivamente pela seleção natural, influencia, determina, como o cérebro é capaz de responder. E isso impõe limitações, em nível de forma, intensidade, tempo e espaço, as respostas que o cérebro pode dar a estímulos externos. O fato dessas limitações serem flexíveis o suficiente para nos dar a ideia de que podemos ‘qualquer coisa’, não nos permite, efetivamente, ‘qualquer coisa’.

Alguns eventos permitem um alto nível (ou grande quantidade) de processamento para tomada de decisão antes de gerar a resposta, o que eu chamaria de razão. Outros, menos. E por menos, quero dizer que em algumas situações, pode ser processado, outras não. E outras situações, pode ser processado um pouco apenas. Mas em certos casos, não há processamento nenhum, nunca, como no caso da dor, que gera uma resposta motora de arco-reflexo. Se dói, é ruim e você não precisa de raciocínio pra saber, conscientemente, racionalmente, que deve se afastar. Por isso o reflexo motor foi desenvolvido pela seleção natural há milhões de anos e é compartilhado por muitos animais.

É verdade, nosso cérebro é muito, muito diferente dos outros animais. É muito melhor, é quase inacreditável E pode mesmo fazer ‘de um tudo’. Nós somos frutos da nossa cultura, porque nosso cérebro se adapta as necessidades e valores de cada tempo e de cada geração. Mas com relação aos mecanismos biológicos, não é tão diferente assim: Camundongos também fazem neurogênese (produção de novos neurônios, que ajudam consolidar aprendizagem e adaptar a novos ambientes). E nem por isso pensam, ou deixam de agir por instinto.

“- Você não acha que existem esses mecanismos ‘parcialmente processados’? E não posso chamar eles de instintos? E os plenamente processados de razão?” eu perguntei.

“- Acho que na verdade vocês dois estão falando da mesma coisa, é só uma questão semântica…” mas apesar do meu sócio Ricardo Prado ser uma maquina de falar, nesse dia estávamos inspirados e ele não teve a menor chance de continuar. A discussão seguiu acalorada, pela tortuosa via que levava ao restaurante.

Eu também acho que é tudo cérebro. Que está tudo no cérebro. Mas acredito que temos duas forças conflitantes, a razão e a emoção, que competem para prevalecer nas nossas decisões. Como vivemos em uma determinada condição social onde a colaboração impera, a nossa razão também impera no nosso comportamento. Se vivessemos em uma outra condição social… imperaria um outro equilíbrio.

“- Então… é a cultura moldando o cérebro…” retomou o argumento ela. “- Não, não é…” tentei consertar quando…

“- Olha só…”, disse novamente meu sócio, agora irritado, não pelo alto tom de voz e empoglação que beirava a irritação, mas porque o ‘Gerbermüehle‘ não chegava nunca.

“- Quem estava certo era Fernando Pessoa” e começou a recitar de cabeça:

“Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,

É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos:

As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.”

Felizmente chegamos no Gerbermüehle, não porque se encerrou a discussão, mas porque estávamos morrendo de fome. E jantamos muitíssimo bem! Mas depois continuei, e mesmo agora ainda continuo, pensando sobre essa conversa. Não concordo totalmente com nenhum dos meus dois queridos amigos. Mas que é muito melhor discutir tomando uma garrafa de espetacular Riesling Alemão com pessoas inteligentes, isso é.

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM