Será que ele é?


Quando falei do gene da Cindelera, disse que a intensidade de algumas características biológicas varia de acordo com o ambiente ou o acaso e não necessariamente com a expressão dos genes.

O homossexualismo não está nos genes, como muitos pesquisadores gostam de pregar. Não está porque não tem como estar, pela simples razão de que não passaria de geração a geração! (Reza a lenda que) Um artigo publicado na Theoretical Biology (que eu nunca encontrei) explica como poderia haver um gene para o homesexualismo. Mas disso eu já falei no texto Homens que choram. É excelente como exercício de lógica científica, mas pouco provável de encontrar.

São muitas as tentativas de encontrar uma base biológica para o homossexualismo. Existem vários autores (ver Santilla et al., 2008) que tentam responsabilizar os genes encontram relações entre o homossexualismo e fatores genéticos. Mas nenhum deles se encaixa tanto nos achados epidemiológicos como a teoria do irmão mais velho (ver Blanchard 2004). Ela explica entre 15 e 30% dos casos de homossexualismo masculino. E não tem a ver com os genes, mas sim com o desenvolvimento. Daqui a pouco eu volto a ela.

De acordo com a teoria, os irmãos mais novos, de muitos irmãos homens, tem maiores chances de se tornarem homossexuais. O mesmo não se aplica para o irmão mais novo de muitas irmãs. Também não se aplica para o sexo feminino.

Como o assunto é delicado e pode incomodar leitores queridos, eu fiz uma cuidadosa pesquisa bibliográfica antes de escrever (sim, as vezes escrevo só o que eu penso, ou o que acho lógico) e estou dando algumas referências dos estudos mais citados. Mas como sempre, os escritos não tem nada a ver com moral. O assunto é riquíssimo para estudarmos as relações entre adaptação, desenvolvimento, genes e ambiente.

Vamos começar do princípio. Dos nossos 46 cromossomos, dois são sexuais e determinam se seremos meninos (XY) ou meninas (XX). Com o que se parece um Y? Se eu colocar em Y em itálico ajuda? Acertou quem disse que se parece com um X que perdeu uma perna. Então, a teoria diz que o cromossomo masculino Y descende do cromossomo feminino X, por perda de material. (Isso e outras evidências) Sugere(m) que o sexo primordial é o feminino. Na verdade, quando começamos a nos formar, ainda cedo no estágio fetal, temos todos um corpo feminino.

Em um momento do desenvolvimento, os genes masculinos sinalizam que aquele feto é do sexo masculino e começam então a fazer as alterações no ‘molde’ feminino para que aquele corpo se torne masculino (não existem evidências de que uma célula XY não possa se tornar um corpo feminino e vice-versa; ainda que não se tornem). Talvez o termo mais correto então é dizer que somos todos ‘bipotentes’, um termo utilizado para designar a capacidade de uma célula de se diferenciar em mais de um tipo, quanto ao sexo ainda na fase embrionária.

Abre parênteses: Essa é uma possível razão pela qual existem muito mais homossexuais homens que mulheres, em uma relação de 9:1. Fecha parênteses.

Essas alterações são mediadas pelo poderoso hormônio testosterona. É ela quem determina a desfeminização do feto. Ou seja, os ovários primordiais descem pelo abdomem e vão para a bolsa escrotal formarem os testículos. O que seria a reentrância da vagina vira a protuberância do penis. Pronto, o básico tá feito.


Mas não pára por ai. Está claro desde os anos 90 que o cérebro também tem de se diferenciar para completar corpo determinado pelo sexo. E também é a testosterona (e outros estrógenos derivados da sua aromatização) que fazem a desfeminização do cérebro.

Das várias regiões do cérebro envolvidas na diferenciação sexual, o hipotálamo é provavelmente a mais importante. Existem alguns núcleos sexuais dimorficos bem documentados, como o INAH3, são claramente diferentes em homens, mulheres e homossexuais masculinos, que apresentam o volume desse grupo de células mais próximo do feminino. O curioso é que alguns desses dimorfismos sexuais no cérebro aparecem apenas depois dos primeiros anos de vida e outros, apenas na vida adulta.

A maior parte dos estudos com mamíferos mostra que o ambiente hormonal pré-natal e perinatal são importantíssimos para a diferenciação sexual do cérebro e do comportamento. Eles sugerem que um macho recebe durante a fase pré-natal, 4 ‘doses’ de testosterona. A primeira, determina os caracteres sexuais primários. As outras, ‘formatam’ o cérebro. Se faltar matéria prima, o cérebro pode não acompanhar o corpo, gerando os conflitos de identidade e orientação sexual. Os estudos em humanos mostram uma influencia também, mas que são insuficiente para estabelecer conclusões definitivas.

O problema é que não dá para fazer experimentos de laboratório em humanos. Então temos que esperar que a natureza, aética, faça eles para nós. Existem várias doenças que afetam os receptores de hormônios andrógenos levando a uma hipo-exposição a testosterona. E outras como a hiperplasia adrenal congênita, que leva a uma exposição fora de hora aos hormônios. O problema, de novo, é que não se pode estudar o cérebro dessas pessoas (e claro, isolar os efeitos da influência de ter uma genitália deformada na sua identidade sexual). No entanto, todos os resultados apontam para uma forte tendência entre a exposição pré-natal a hormônios esteróides e a opção pode uma identidade sexual masculina (ainda que esse fator não seja decisivo). No caso das fêmeas, a importância da exposição aos hormônios estrógenos é menos conhecida.


Como médicos americanos adoram encontrar estatísticas significativas, acabam encontrando qualquer coisa. Parece que o comprimento do dedo anular da mão esquerda de homens pode ser indicador da exposição pre-natal a hormônios andrógenos, tendo importante consequencia no comportamento dos meninos. Ou seja, meninas, fiquem ligadas! Quando forem trocar as alianças, se o cara tiver o ‘seu vizinho’ pequeno… considere se ainda há tempo de cancelar a cerimônia. Mas como eu disse, muitos estudos mostraram que existem diferenças na razão entre os tamanhos dos dedos por motivos variados, indicando que esse não é um marcador robusto.

A maior parte dos estudos genéticos que tentam ligar o homossexualismo aos genes é questionável. Ou pelo menos questionada por mim. Alguns estudos mostram que homossexuais homens tem mais irmãos também homossexuais que os homens hetero. E que mulhere homossexuais tem mais irmãs homo do que as hetero. A análise das árvores genealógicas desses indivíduos sugere um agrupamento familiar de
genes que pode ser responsável pelas evidências. Mas o número de estudos, principalmente aqueles envolvendo gêmeos, que eu sempre desconfio enormemente (já que quase todos os grandes estudos com gêmeos da história foram manipulados e falseados), não trazem grandes contribuições.

Voltamos então a ‘Sindrome do Irmão mais Velho’. Essa é quente, porque em um número grande de estudos independentes e replicados, homens homossexuais apresentam mais irmãos mais velhos que homens heterosexuais (Blanchard e Bogaert, 1997). Estima-se que cada irmão mais velho aumente a chance do próximo ser homossexual em até 50%. Mas em termos de população, isso representa apenas um pequeno percentual. A maior parte dos homossexuais não pode ser explicada por esse fenômeno e não se encaixa nesse modelo. De acordo com Blanchard, a teoria mais aceita para explicar esse fato é uma resposta imune da mãe a antígenos masculinos,desenvolvida ao longo de muitas gestações de meninos, gerando anticorpos anti-macho, ou anti-testosterona, ou anti-andrógenos que poderiam passar através da placenta para o bebe e afetar o desenvolvimento do cérebro do irmão mais novo. Mas faltam evidências experimentais para essa explicação. Ela também não explica porque esses anticorpos não afetariam os caracteres sexuais primários, ou porque não existem na maior parte dos irmãos mais novos.

E terminamos não muito diferente do que começamos, pra frustração daqueles que gostam de conclusões absolutistas. A identidade e orientação sexual tem sem dúvdia uma base biológica, mas ainda é possível afirmar pouco sobre como ela funciona. Os estudos de sexologia com com hetero, homo e transexuais foram importantes até a metade do século passado, quando o advento das dosagens de hormônios permitiu que a ciência exata dominasse área. Atualmente esses estudos mais psicológicos pecam pela falta de reprodutibilidade de suas conclusões. Por outro lado, as pesquisas apontam para um papel preponderante da testosterona na identidade e orientação sexual.

Por via das dúvidas, olhem o tamanho do dedo anular do cabra!

Que bichinho é esse? Que plantinha é essa?


Por trás dessas perguntas simples, que certamente estão entre as mais escutadas por qualquer biólogo, está um dos maiores problemas da biologia: a classificação dos seres vivos

A taxonomia é a parte da biologia que se ocupa em identificar e nomear os organismos e grupos de organismos. Ela faz isso utilizando características que são comuns a esses grupos. Quanto mais características comuns, mais os mesmos organismos avançam na escala de classificação. A classificação mais ampla é a de domínio, mas nem mesmo nessa existe consenso. A maior parte considera apenas procariotos e eucariotos. Mas há aqueles que reconheçam o domínio Arquea, com bactérias tão antigas quanto a Terra e que diferenças fisiológicas e morfológicas que os caras julgam como suficientes para a separação. Depois vem os reinos, que podem ser cinco (ou seis dependendo do autor): Monera (as bactérias de novo), protista (os eucariotos unicelulares, principalmente os protozoários), Fungi (ótimos em pizzas e macarronadas), animal (com movimento próprio) e vegetal (sem movimento próprio), protista, monera).

Depois vem os Filos (ou para os puristas, fila no plural em latim). Classe, ordem, família e gênero são todos degraus dessa escala taxonômica. O nível taxonômico mais alto em que não se pode ser mais ou menos inclusivo é o de espécie: um conceito importantíssimo na biologia, mas que continua insuficientemente bem definido. Pode ser a forma como as pessoas leigas se referem a diferentes tipos de organismos: Cães são de uma espécie e gatos são de outra. Pode ser a nomenclatura binomial padrão criada por Carl von Linné através da qual cientistas se referem ao organismos: Canis familiaris e Felis Catus.

As espécies são geralmente definidas como um grupo com muitas características em comum, mas a principal é que eles são capazes de se reproduzir entre si e formar uma prole fértil. No caso dos animais superiores isso quer dizer que eles são capazes de trocar genes uns com os outros, uma idéia subjacentes ao conceito de espécie e muito importante. No entanto, em muitos, muitos casos, essa medida não é adequada e é necessário usar parâmetros com maior poder de distinção, como similaridade do DNA ou traços modificados localmente.

Geralmente, a distinção entre diferentes espécies, ainda que muito próximas, é relativamente simples. O cavalo (Equus caballus) e o burro (Equus asinus) são facilmente separados mesmo sem estudo ou treino. No entanto, eles são tão próximos que podem cruzar. Mas como a prole resultante, a mula, não é fertil, eles são claramente separados como espécies.

Abre parênteses:

Se você é biólogo, corre o risco de já ter visto a Mula Rouca, um outro ‘híbrido’, só que muito mais ‘fértil’, como vocês podem ver no vídeo abaixo.

Fecha parênteses.

Para Darwin, espécie era “um termo arbitrário dado por conveniência a um grupo de indivíduos que se parecem muito…ele não difere, essencialmente, do termo variedade, que é dado para formas menos distintas e mais flutuantes. O termo variedade, novamente em comparação com uma mera diferença individual, é também aplicado arbitrariamente por pura conveniência.”

A dificuldade de definir espécie reside na dificuldade fundamental da biologia de identificar partes dentro de um todo. Apesar da visão mecanicista de Descartes, os organismos não são uma máquina, mas sim um ‘contínuo’, que torna muitas vezes dificílimo, e algumas vezes mesmo impossível, determinar onde termina uma e começa outra. Essa dificuldade não se restringe as partes e também existe para diferenciar um organismo inteiro, ou uma espécie, de outro.

Isso acontece porque a evolução é, em si, um processo contínuo e muitas vezes a separação entre duas espécies está em um gradiente que dificulta a determinação de onde começa e onde termina.

Existem alguns mecanismos de especiação. Formas que nós, ao olharmos para a natureza, identificamos como responsáveis pela formação dos diferentes grupos de indivíduos. A anagênese é quando a evolução atua dentro da espécie, selecionando novas adaptações por um processo Darwiniano de seleção natural. A cladogênese leva a formação (mais drástica?) de novas espécies, também pelo processo darwiniano de seleção natural. Qual a diferença entre as duas? Talvez seja a forma como elas ocorrem. O isolamento reprodutivo, quase sempre gerado por um isolamento geográfico, é a principal maneira de gerar especiação. Para o grande biólogo evolucionista Ernst Mayr as espécies “representam grupos de populações isolados (ou potencialmente isolados) reprodutivamente”. O isolamento é tão importante que para ele era o que efetivamente definia a espécie.

Mas esses conceitos bem definidos foram perdendo força a medida que os botânicos foram encontrando muitas ocorrências de híbridos (até entre gêneros) que tornou a definição biológica de espécie menos atraente e depois, totalmente ineficiente. Os microbiologistas também tiveram muitos problemas com essa definição, já que microorganismos não apresentam tantas diferenças morfológicas, ainda que suas funções bioquímicas possam ser muito diferentes.

Finalmente, os zoólogos que trabalham com animais em isolamento geográfico, o que acontece muito com peixes perenes em poças e lagos, descobriram também uma desconexão entre o isolamento geográfico e reprodutivo que os levou a optar pelos critérios morfológicos do isolamento geográfico para classificarem seus indivíduos. A confusão se instaurou e foi necessária a criação de outros conceitos. Hoje existem quase tantas definições de espécie quanto espécies. Tudo bem, esse foi um exagero. Existem pelo menos 1,5 milhões de espécies descritas e algo como umas 27 definições de espécies. Espécie filogenética, baseada na separação genealógica de grupos de populações por características derivadas comuns; espécie molecular, baseada na separação por semelhança de DNA, proteínas ou vias metabólicas; espécies morfológicas, ecológicas…

Esse peixinho meio sem graça é o Phalloceros caudimaculatus, que se diferencia de outros do seu genero apenas pela macula/mancha na cauda. Já o nome do gênero vem do enorme pênis em forma de chifre que ele apresenta

Cada definição tem seus prós e contras. No entanto, não podemos dizer que existe um conceito universal, aceito por todos. Ou melhor, que possa ser aplicado por todos.

Quando é assim, é quase impossível acertar. Ou não errar. Então, o melhor é definir antes, o que você considera como espécie. Ou onde começa uma divisão e termina a outra. Pode não estar certo, mas você não cria mais um problema.

Modelos

Se o tempo muda e começa a fazer frio, você coloca um casaco. Se o tempo muda de vez, quando entramos em uma era glacial, os animais que não tem casaco… vão se extinguindo até que aparece um com uma pelugem mais encorpada e que consegue sobreviver e deixar descendentes.

Com nosso cérebro podemos decidir em instantes qual a melhor estratégia de adaptação ao ambiente. Em última instância, a seleção natural faz exatamente a mesma coisa. Porém ao longo de tempo geológico.

Parece muito doido? Então você pode ficar meio confuso com esse texto.

Eu não sou o primeiro a sugerir (quanta modéstia) que a seleção natural poderia atuar como uma forma de ‘mente’, tomando decisões da mesma forma que nosso cérebro. Mas foi só pouco tempo atrás que descobri isso, quando li que Maynard-Smith já admitia essa idéia nos anos 60.

Mas por que a seleção natural como uma ‘mente’ seria uma coisa importante? Atualmente, cultura e comportamento social são tidos como muito mais importantes para o sucesso adaptativo do homem ao meio ambiente do que os aspectos biológicos selecionados durante os milhões de anos de existência dos hominídeos. A ‘mente’ do homem é (seria então) mais eficiente que a ‘mente’ da seleção natural. Mas quem foi que disse?

A sociedade moderna é jovem. Na verdade, a humanindade é jovem. Como cultura podemos dizer que temos o que?!? Uns 5.000 anos (considerando já a pré-história – escrita)?!? Tá, mas vamos ampliar ainda mais esse número, porque senão não podemos nem começar uma comparação com tempo evolutivo. Vamos colocar, justamente, que a cultura como a conhecemos nasceu quando o homem começou a falar. Ainda assim ficamos com algo em torno de 100.000 anos, um número irrelevante quando comparado com a origem da vida (3,8 bilhões de anos), a última grande extinção de espécies em massa (65 milhões de anos) ou mesmo o aparecimento dos hominídeos (6 milhões de anos). O tempo que temos vivido sob o comando da mente e da cultura humana não é suficiente para que a seleção natural determine se as estratégias antropogenicas e antropológicas de comportamento ético e cultural são evolutivamente estáveis (ou seja, se elas podem trazer sucesso em longo, longo prazo).

Apesar de sermos algo em torno de 6 bilhões de indivíduos, ainda não houve tempo para determinar se o aparecimento da mente, da capacidade de raciocínio lógico, cultura e tudo mais que eu vou passar a chamar de ‘modelo antropológico’ é realmente mais interessante do que as estratégias do que chamarei a partir de agora de ‘modelo biológico’, caracterizadas pelos comportamentos mais instintivos cravados pelos milhões de anos de evolução em nosso DNA. O modelo biológico foi desenvolvido e vem sendo aperfeiçoado há milhões de anos. Temos os mesmos lipídeos na membrana que as bactérias tinham há 3,5 bilhões de anos. Utilizamos os mesmos açúcares e o mesmo ATP para o metabolismo energético que um ancestral delas inventou antes disso. E o nosso código genético… esse é ainda mais antigo.

Todas as estratégias biológicas e comportamentos que foram selecionados durante esse período estão representadas nos nossos fenótipos: manifestações físicas ou comportamentais dos que está nos nossos genes. Então, quando utilizamos o ‘modelo antropológico’ para explicar o comportamento e a sociedade humana, estamos utilizando um modelo pouco testado. Quando utilizamos o raciocínio, a lógica, a filosofia, a ética, para driblarmos expressão gênica, características morfológicas e instintos, estamos utilizando um modelo sem certificado de garantia. Evolutivamente, a humanidade descobriu a consciência, mas ainda não provou nada.

Não acho que usamos o ‘modelo antropológico’ só porque ele é mais bonitinho. Acho que a maior parte das pessoas é despreparada para compreender o ‘modelo biológico’, ou pior, é despreparada para aceitar a sua inevitabilidade. E como antropocentristas, além de antropológicos, temos muita dificuldade para optar por aquilo que nos tira do centro e da majestade de espécie superior. Nosso cérebro é realmente uma invenção. E temos uma capacidade de adaptação ao ambiente realmente incrível. Mais que isso, temos versatilidade e nos adaptamos à diferentes ambientes da mesma forma. Podemos até mesmo passear por alguns ambientes extremos como o fundo do mar e o espaço (que podemos – e poderemos cada vez mais – explorar por recursos).

Mas nossa espécie superior provavelmente superou a capacidade de suporte do planeta (termo que utilizamos em ecologia para designar o limite de disponibilidade dos recursos naturais do ecossistema). Somos em maior número do que o nosso limitado planeta é capaz de suportar. O cérebro foi confundido!

Confundiu perpetuação dos genes com perpetuação da consciência. Lutamos para aumentar a vida mais do que a qualidade de vida. Longevidade indiscriminadamente. Durante bilhões de anos a seleção natural viu que era complicado construir um corpo indestrutível em um ambiente inóspito e concluiu que era melhor construir organismos frágeis como uma vida útil curta, mas que pudessem passar informação de um para o outro (os genes) e se modificando sempre que o ambiente fizesse o mesmo. Melhorando a ‘maquina’ até, sempre que possível, e garantindo a sobrevivência da informação. Ahhh, mas nós não… o que nós queremos salvar são nossas preciosas consciências. Queremos viver pra sempre! Nós e mais 6 bilhões. Não dá!

Os fatores culturais têm sim importância maior que os biológicos em eventos de curto prazo. Mas, historicamente, lógica, moral e outros fatores antropogênicos serviram (e servem) principalmente aos interesses das minorias dominantes capazes de criar e manipular esses valores. Abrir mão de explicações biológicas para fenômenos que acontecem no dia a dia é desperdiçar experiência, acumulada e prontamente disponível. Se basear em explicações antropológicas para justificar ou explicar nossas escolhas é favorecer um modelo testado por 5 mil ao invés de 5 milhões de anos do ‘modelo biológico’ duramente testado pelo INMETRO do universo: a seleção natural.

Qual a diferença entre 1 e 4.500.000.000,00 (quatro bilhões e meio)?

Procurei uma metáfora para demonstrar à uns amigos porque tenho certeza da seleção natural.

O que você faria com R$ 1,00? E com R$ 4.500.000.000,00 (quatro bilhões e meio de reais)?

Eu diria que com um não dá pra fazer quase nada e com outro, quase qualquer coisa que você queira. Pois bem, a Terra tem 4,5 bilhôes de anos. O que a gente acha impossível da natureza ter feito em um ano, ou em 100, é o mesmo que a gente acha impossível conseguir fazer com apenas R$1,00. Já se a gente tivesse os bilhões…

Só que a Terra teve. E é por isso que as coisas estão todas ai.

Deus, é o tempo.

Homens que choram


Eu sempre chorei a tôa, então sempre tive de conviver com aquela história de que homem não chora. E também que homem não isso e que homem não aquilo.

Por outro lado, nas últimas semanas, tenho ouvido repetidamente as mulheres reclamando dos homens. Que os homens não fazem isso, que os homens não fazem aquilo. Quase tudo que elas reclamam que os homens não fazem, são coisas de mulher. Ou coisa de homem que chora?

Lembrei do texto ‘Testosterona’ do João Ximenes Braga, onde ele fala dos homens heterosexuais que gostam mais de homens (companhia, papo, interesses) do que de mulheres. São os Men’s man. O texto dá ótimas definições, como a dos caras que preferem ficar em rodinhas de outros caras no baixo Gávea e enquanto outros preferem ficar sorrindo para mulheres (ainda que feias) na mesa do bar. Acho que os que choram, devem se encaixar nesse segundo grupo.

Existe um ramo da biologia chamado sociobiologia, que acredita que todos os comportamentos sociais tem fundo genético. Qual a importância de ter fundo genético? É que se está nos genes, de alguma forma isso pode ser passado dos pais para os filhos. E também as escolhas que podemos fazer são muito, muito mais restritas, porque muito já foi decidido no nosso DNA.

A sociobiologia tem seus adeptos, mas é amplamente questionada. Mesmo assim, Edward O Wilson, seu criador e principal teórico e, escreveu em seu livro de 1975 a primeira tentativa de explicar geneticamente o homosexualismo.

Vejam que a parada era duríssima. Explicar as bases genéticas de um comportamento social, que basicamente impede a reprodução e a transmissão genética desse mesmo comportamento. Só que na verdade, já existia uma explicação, que pode ser verdadeira para outros genes que também conferem baixa reprodutibilidade. Nesses casos, a única forma do gene se manter na população, é através de uma maior adaptabilidade dos heterozigotos. Ah… você não lembra o que são os heterozigotos? Vamos supor que a característica ‘opção sexual’ seja determinada pelos genes H e h. Vamos supor ainda que H seja o gene para o gene para heterosexualidade enquanto h o gene para homosexualidade. E continuar supondo ainda que H seja dominante sobre h. Um homem pode ser homozigoto para a característica ‘opção sexual’ se tiver ambos alelos (o par de genes que determina uma característica) iguais. O par HH então caracteriza o homozigoto dominante para heterosexual e o par hh caracteriza o homozigoto recessivo para homosexual.

Como os homosexuais, em princípio, não deixam descendentes, então rapidamente o alelo h desapareceria da população. A não ser que… o heterozigoto, aquele individuo que possue um alelo de cada (ou seja um H e outro h), fosse mais adaptado (o que nesse caso quer dizer sucesso reprodutivo), do que o homozigoto dominante para heterosexualidade.

Voltando ao texto do Ximenes, os heterozigotos Hh seriam um tipo de Woman’s men. Homens totalmente heterosexuais, mas com maior sensibilidade, mais tato (coisas importantes para as mulheres) e por isso fariam mais sucesso, conseguiriam mais oportunidades de reproduzir, e deixariam mais descendentes.

Os heterozigotos então inflacionam um mercado escasso e criam a ilusão de que podem haver homens que efetivamente sejam capazes de fazer o que as mulheres esperam. Só porque um cara prefere ir ao shopping ou assistir a um drama no cinema na companhia de uma mulher, ao invés de jogar futebol com os amigos; elas inferem que eles vão entender também o que se passa no complexo e caótico universo feminino.

É preciso manter em mente duas coisas: A primeira é que a sociobiologia é uma tautologia, um sistema lógico que encontra explicação em si mesmo e por isso nunca pode ser realmente comprovado. É como explicar que a galinha veio primeiro que o ovo, que veio da galinha. Por isso, essas teorias serão sempre hipotéticas. Bom papo pra buteco. A segunda é que, por mais que tenham um alelo h, os heterozigotos são homens. E como homens, querem exatamente a mesma coisa que todos os outros.

O heterozigoto Hh é só aquele cara mais sensível que come todas as amigas, enquanto os caras machões HH acham que ele é viado.

Vai encarar?


No semestre que vem tenho de dar um curso sobre Evolução e como estou numa fase muito literata, comprei um livrinho pra estudar mais sobre “Sociobiologia“. Durante décadas esse foi um tema controverso em Biologia, porque sugere que os comportamentos sociais no mundo animal, incluindo o humano, teriam uma base genética (o autor, Edward O. Wilson, foi até mesmo acusado de Nazista, o que certamente é um exagero).

Já digo pra vocês que não sou muito adepto da Sociobiologia. Queria apenas saber mais sobre o assunto. E foi ai que me deparei com um dos principais temas do comportamento animal: A agressão!

Como a seleção natural sempre foi vista como a “luta pela sobrevivência” a agressão animal sempre teve um papel importante nessa luta. Depois, a visão da seleção foi mudando do “mais forte” para o “mais apto”, ou mais adaptado, e a agressão pode tomar várias formas menos violentas.

O maior problema é sempre a nossa visão romantizada dos eventos naturais e a nossa eterna necessidade de classificar tudo como certo ou errado. A agressão entre animais de espécies diferentes é aceitável, ou pelo menos compreensível, como nas relações predador-presa.

Abre parênteses: Isso me lembra meu primeiro dia de aula na universidade. Fomos todos da turma conhecer os diferentes laboratórios e acabamos chegando na herpetologia (estudo dos répteis) onde um estagiário estava alimentando as cobras no terrário. As meninas da turma logo se indignaram: “Oh…. pobre ratinho”. Seguiu-se então a explicação do estagiário sobre a pobre cobra, presa em cativeiro e que deveria, pelo menos, comer. Com o passar do tempo houve uma curiosa inversão. A cobra ia acompanhando o ratinho dentro do terrário e do lado de fora, todos, inclusive as meninas, passaram a torcer pela cobra. Fecha parênteses.

Já a luta entre animais da mesma espécies é menos aceita. Mas não por isso, quando a luta é intra-específica, acontece algo curioso: a ameaça é mais utilizada do que a agressão. Existe um ritual onde o mais fraco pode sempre dar sinal de conciliação, impedindo a agressão mortal do mais forte. Bem, parece que também existe uma contribuição, essa sim uma tendência genética, a um animal não gostar do sabor da carne de um companheiro da mesma espécie.

Mas o que determina qual o ponto da batalha onde se opta pela conciliação ou pela agressão mortal?

Quem melhor definiu isso foi um outro biólogo, brilhante, chamado Maynard Smith. Roberto Freire disse que “a maioria dos grandes criadores sinceros já sentiu e já comunicou essa sensação de estar sendo uma espécie de tradutor, de comunicador da linguagem do inconsciente coletivo que existe igualmente em todos nós, mas que eles especializaram em decifrar e comunicar. (…) Costumo dizer, com envergonhada honestidade ou com humilde paranóia, que todos os poemas de Fernando Pessoa são meus, como se ele apenas tivesse revelado em seus versos o que já estava pronto poeticamente em mim.” Maynard Smith colocou em teoria matemática o que eu já sabia há muito tempo, como bem já coloquei aqui no blog outras vezes: Não existe certo ou errado, apenas estratégias que sejam favoráveis em longo prazo. O nome que ele deu pra isso foi “Estratégia Evolutivas Estáveis (EEE)”, que podem ser avaliadas com base na “teoria dos jogos“.

Abre parênteses de novo: fiquei tão empolgado com o assunto que fiz uma coisa que meu amigo Edu faz muitas vezes, comprei a referência bibliográfica que o autor dá, pra começar a ler antes de terminar o primeiro livro. Tive que ir até a Amazon.com porque o “Evolution and the Game Theory” do Maynard Smith não tem no Brasil. Fecha parênteses.

Uma EEE é uma estratégia para qual não existe nenhuma outra “estratégia mutante” que possa dar mais sucesso. Funciona tanto no caso de uma partida de pôquer quanto para o sucesso reprodutivo. Não ficou claro o que é estratégia mutante? Ficou pensando nos X-men? Calma, acho que com o exemplo vai ficar mais claro.


Maynard ilustra sua teoria com dois personagens, que representam duas estratégias opostas de comportamento: O pombo e o gavião. Os gaviões lutam sempre, ferozmente, até que vençam ou sejam gravemente feridos. Os pombos lutam de forma ritualística, trocando ameaças até que um deles se canse e vá embora. Eles sempre se retiram antes do confronto.

Nenhuma dessas duas estratégias é uma EEE, pois um gavião sempre obteria mais sucesso reprodutivo em uma população de pombos e vice versa. Então qual é a melhor? Na verdade o melhor (e é o que acontece na natureza) é um equilíbrio entre as duas estratégias. Uma possível EEE seria que os animais da população apresentassem uma relação de 5:7 entre pombos e gaviões. Com a possibilidade de agressões ritualísticas inofensivas e agressões reais e mortais.

Mas é isso mesmo que a gente encontra na natureza? Esses são modelos simples que não incluem uma figura tipicamente carioca: O malandro! Aquele gavião que se finge de pombo pra atacar depois, ou o pombo que se finge de gavião e depois sai correndo.


Na verdade o próprio Maynard já havia descrito mais 3 estratégias além do gavião e o pombo: o atrevido, que se faz de gavião mas na verdade sai correndo como o pombo se o oponente é do tipo gavião; o retaliador, que se faz de pombo mas ataca como gavião se o oponente também o é; e o experimentador, que se comporta quase sempre como um retaliador, mas eventualmente pode começar atuando como gavião para testar a força do oponente.

O reino animal está cheio de exemplos que comprovam essas estratégias. Entre os humanos não é diferente. E ao que parece, somos até uma espécies pacífica (acho que quem escreveu isso não mora no Rio).

A teoria é tão bacana que até leva em conta a agressão não realizada nunca. Uma forma de guerra fria. O que conta para cada um dos opoentes é o tempo gasto durante a batalha. O tempo, com a gente bem sabe, é um bem precioso.

Em princípio, toda população vai ter um lutador de Jiu-Jitsu que se comporta como gavião (até encontrar um gavião com um “trêsoitão”). E sempre haverá um jovem que não sabe se defender, ou um animal doente, que se comportará como pombo. A questão é que nada disso está escrito nos seus genes. Ninguém nasce gavião ou pombo! Ou experimentador. Isso a gente aprende. Basta querer experimentar ser algo diferente do que a gente sempre foi.
Por isso, a não ser que você goste do gosto de sangue da mesma espécie, saber a hora de desistir e… abandonar a luta, ainda que você seja o mais forte, te devolve um bem muito precioso: seu tempo! Pena de quem não sabe reconhecer quem é da mesma espécie, e fica brigando até a morte à toa.

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM