O carnaval do século XVIII – parte 1

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“Foi a grande época do carnaval veneziano, que era o mais longo e teatral de toda a europa. O uso das mascaras era obrigatório em toda a cidade, de dia e de noite.. a partir de outubro até a 4a feira de cinzas, com um breve intervalo para o Natal. Mo início do século XVIII foram acrescentados mais 15 dias ao carnaval, próximos ao dia da ascensão. (…) As máscaras emprestavam uma pretensão aceitável de anonimato, em uma cidade que unia um drama intenso a uma grande falta de privacidade pessoal. As máscaras alteram os códigos de qualquer interação humana, amarrando os significantes habituais do entendimento , da aceitação, do desdém ou da desconfiança. Nada é certo, e assim tudo parece ser permitido.”

Depois de ler ‘Casanova, muito além de um grande sedutor’, tive que repensar minha opinião sobre a mais particular das cidades do mundo. Veneza para mim sempre foi sinônimo de pombos e sujeira, diferente da imagem romântica das gôndolas que a maior parte das pessoas tem. Mas uma cidade que faz quase 6 meses de carnaval por ano? Merece todo o meu respeito.
Quem nunca ouviu falar de Casanova? Acontece que o livro foge ao clichê, não se limita as façanhas amorosas do conquistador e dá uma aula de história e psicologia. Pra começar, ele nem teve tantas mulheres assim:

“Casanova recorda ter tido experiências sexuais com muito mais do que 100 mulheres – algo entre 122 e 136, a depender de como se conta determinado grupo, e também das experiências consumadas pela metade – além de um punhado de homens. A história da sua vida sexual vai desde o dia em que perdeu a virgindade, aos 17 anos, e continua pelos outros 35 anos que abrangem suas memórias”
.
Se você acha esse número impressionante, poderá se surpreender com os números disponíveis em trabalhos científicos dessa área. Casanova era antes de tudo, e principalmente, um apaixonado:

“De todos os aspectos sensoriais de seus escritos, foi o romance o que mais o divertiu, confundiu e enervou. Para meros números, para a pornografia ou o avesso do bom gosto, deve-se procurar em outras bandas, em Sade ou nos infatigáveis lordes Lincoln e Byron”


“Uma vez mais, Casanova insiste que se tratava de amor verdadeiro, e não só de desejo: ‘Pobre de quem pensa que os prazeres de Vênus muito valem, a menos que venha de dois orações que se amam e estejam em perfeita harmonia'”

Casanova_ritratto_blog.jpgAlém das mulheres, Casanova se interessava por viagens, política, dinheiro e… comida.
“O sentido do olfato, desempenha um papel nada pequeno nos prazeres de Vênus. Para os homens [humanidade], fazer sexo é como comer, e comer é como fazer sexo: é nutrição… e da mesma forma como sempre existe um prazer diferente quando se experimenta diversos molhos [ragoûts], o mesmo acontece com o jogo do amor/orgasmo [la jouissance amoureuse]. Embora o efeito possa parecer o mesmo no início, aprende-se que toda mulher é uma experiência única”
Para a neurocientista Marília Zaluar, essa aproximação com a comida faz sentido: “Comparar as mulheres a molhos, mesmo que franceses, me parece meio grotesco. Mas pensando no ponto de vista biológico ele está coberto de razão. Ambas atividades utilizam os mesmos circuitos neuronais ligados à recompensa e ao prazer”.
Toda a sedução começava com um jantar. “M.M. serviu-lhe uma refeição, acompanhada de champanhe rosé oeil de perdrix, em pratos mantidos quentes sobre água fervente”
O detalhe é que M.M. era uma freira: “Uma religiosa (…) gostaria que o senhor a conhecesse… ela não deseja obrigá-lo a falar com ela antes de vê-la, por isso vai dar-lhe o nome de uma dama que poderá acompanhá-lo até a sala de visitas [para ser apresentado a ela]. Então, se [o senhor quiser], esta mesma religiosa lhe dará o endereço de um cassino aqui em Murano; onde poderá encontrá-la sozinha, na primeira hora da noite, na data que o senhor indicar. O senhor poderá ficar e cear com ela ou então sair um quarto de hora depois, caso tenha compromissos.”
Parece que freiras libertinas era algo comum naquela época. Os conventos de Veneza que incluíam escolas, academias de música e hospitais de internação (assim como ordens contemplativas confinadas), eram muito diferentes do conceito moderno de convento. “Essas mulheres eram primeiro lugar venezinas; em segundo, cristãs.” M.M. era uma mulher politicamente forte e seu padrinho era o embaixador da França. Que, criam, era um cardeal.
O século XVIII me pareceu, apesar das máscaras 6 meses por ano, mais honesto. O hipocrisia visava atender aos nossos instintos animais, não ao contrário (fingir não ter instintos para acatar uma vida moral e altruísta).
“O Cicisbeo, ou ‘cavaliere servente‘, na tradição dos cavaleiros medievais, cortejava uma dama de mais idade, normalmente de alta posição social. Alguns consideravam isso coma a proteção de sua honra, e dizia-se que as mulheres tratavam aqueles homens como a seus cabeleireiros: eles tinham acesso privilegiado aos seus boudoirs, aos mexericos e também a um pouco mais. Outros eram aceitos pelos maridos e pela sociedade veneziana como parceiros sexuais e românticos das mulheres envolvidas. Casanova foi criado em uma cidade onde muitas mulheres desfrutavam certa liberdade sexual, e por isso bem à frente de seu tempo. (…) uma época que deu maior ênfase à ideia da sexualidade feminina do que aquela que a sucedeu. E as mulheres de toda a Europa ficavam alertas (…) diante de um viajante veneziano como Casanova, com todo o seu saber e experiência em questões de sexo: ele seria considerado mais cortês, galante e sexualmente eficiênte do que seus pares”.

E não apenas os modernos P.A. eram permitidos, como o conceito de prostituição era, digamos, flexível.

“(A mãe de Casanova) Zanetta Farussi, uma comediante pequena, orgulhosa e de uma beleza nada convencional, segundos os críticos da época, trabalhava profissionalmente com teatro numa época em que isso significava, para uma mulher, ter uma carreira dupla. Embora nem todas as atrizes fossem prostitutas ou cortesãs, não se tinha dúvida de que as mulheres dispostas a se submeter aos olhares voyeurísticos no palco também haveriam de favorecer seu público em recintos mais íntimos, em troca de bons contratos e do nome em destaque no programa.”

Para Robin Baker, “a prostituição feminina é quase uma marca universal das sociedades humanas. Antropologicamente, só 4% das sociedas diz não a prostituiçãos. As restantes reconhecem que ela existe. É difícil, porém, mesmo nestas sociedades, estimar o número de mulheres que em alguma época da sua vida se prostituiram. As estimativas existentes (há 10 anos) apontam para menos de 1% na Grã-Bretanha no fim dos anos 80, e para 25% em Adis-Abeba, na Etiópia, em 1974. Tais estimativas, porém, não são fiáveis e pecam por defeito. Mais mulheres que essas praticaram algumas vezes a prostituição. (…) Na realidade, há vários graus de prostituição. Em princípio, é difícil traçar a linha divisória entre a tradicional prostituta que se vende por dinheiro e uma mulher comum vivendo uma relação permanente que se deixa inseminar a troco de ajudas, proteção e presentes”.
A prostituição também está disseminada por todo o mundo animal: “Para que a Borboleta macho tenha oportunidade de acasalar, tem de encontrar primeiro um exame de mosquitos, de apanhar um, de o envolver na seda das suas glândulas salivares, e depois de encontrar uma fêmea e oferecer-lhe o presente. Se encontrar, enquanto ela desenrola o presente e come o mosquito, permite que ele acasale. Quanto maior for a prenda, o mosquito, mais tempo ela leva a comer, mais tempo tem o macho para inseminar, maior é o número de espermatozóides que ele introduz, e, consequentemente, mais óvulos fertiliza. Acabada a sessão, a fêmea espera que um novo macho a venha alimentar e inseminar. Em algumas espécies as fêmeas são tão bem sucedidas como prostitutas, que nunca precisam ir a procura de alimento”.
Além de ser um modo de vida, a prostituição também é uma estratégia reprodutiva muito bem sucedida. Nenhuma outra atividade expõe a mulher a uma quantidade tão grande de espermas competidores, o que garante que o vencedor do premio da fecundação, era possuía um esperma altamente especializado para a ‘guerra’, característica que seria transmitida a todos os seus descendentes machos.
Mas quer ver o mais curioso? Faça as contas e se considerarmos os valores conservadores de que 1% da população mundial nasce de prostitutas, então precisaríamos recuar na nossa árvore genealógica em torno de 7 gerações para encontrarmos um parente que tenha sido gerado por uma delas. E isso poderia muito bem ter sido no século XVIII de Casanova.
Se a fofoca é uma estratégia de ensino, como eu publiquei no texto anterior, então o livro de Ian Kelly sobre Casanova é uma ótima oportunidade para aprender psicologia e história.

Tu sabes quanto tu vales?

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Uma querida amiga, que faz aniversário hoje, fez um pronunciamento inflamado em uma discussão entre amigos na semana passada:
“(…) é sim uma necessidade de deixar bem claro, que nós mulheres, exatamente por sermos fortes, bonitas e independentes, não estamos na prateleira esperando que um homem nos escolha (coitadinhas) e nos dê a honra de sua fálica companhia.”
Meus amigos que não tem treinamento em ciência são facilmente iludidos pelo que os cientistas chamam de ‘seleção de observação‘, que é quando prestamos atenção nos eventos que confirmam nossas expectativas, quaisquer que elas sejam, e ignoramos (ou desconhecemos) aqueles que negam. Eles são literatos, inteligentes e observadores perspicazes, mas por causa disso, acabam por encontrar padrões onde eles não existem, como no movimento das estrelas (astrologia) ou nas ações das outras pessoas (conspiração).

O texto completo desse post está no livro do blog ‘a verdade sobre cães e gatos’, a venda ao lado

Pra saber realmente "o que querem as mulheres"

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Abri o jornal, não pra saber sobre a guerra contra o tráfico de drogas no Rio, mas para procurar propaganda de colchões. Você sabia que pode comprar um colchão excelente em São Paulo, com frete grátis, pela metade do preço do mesmo colchão no Rio? Vi essa propaganda na revista do Globo semanas atrás e fui procurar de novo.
Mas não é disso que eu quero falar. Com eu tinha visto a propaganda do colchão em uma revista do Globo fui olhar o caderno Zona Sul, que era revista do dia no jornal. E nem precisei folhear para me deparar com a grande bobagem que era a reportagem da capa: “Palavra Feminina”.
A reboque da pouco-séria mini-série que a Globo está transmitindo, a revista perguntava a várias mulheres da Zona Sul, o que elas queriam.
Não é só que os depoimentos fossem banais, do tipo que Miss daria em concurso, como:
“Dinheiro no bolso e bumbum sem celulite” ou “Equilíbrio espiritual, mental e físico” ou ainda, “Independência financeira, sucesso profissional e amor”. É que toda essa idéia por trás de “o que é que as mulheres querem, é furada.
Explico o porquê. Primeiro, o que as mulheres realmente querem, é que ninguém saiba o que elas querem.
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Um ponto de vista sobre o aborto

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O aborto não é uma questão moral ou religiosa. É uma questão médica e científica. E se há uma razão para ele ser uma questão política, é essa: ser um problema de saúde pública, de saúde da mulher. E é uma vergonha ver nossos candidatos a presidente abrindo concessões e compactuando com crenças que colocam em risco a vida das mulheres.
Eu não sou médico e talvez devesse ficar quieto quanto ao assunto, mas acho que a ciência pode contribuir para esse debate, desmistificando a divindade da vida.
De tudo aquilo que a teoria da evolução nos ensinou sobre a vida, e ela nos ensinou muita coisa, uma eu considero extremamente importante. Que a ontologia imita a filogenia. Essas duas palavras complicadas querem dizer simplesmente que o desenvolvimento da vida imita a evolução da vida, e que quando o embrião e o feto de qualquer espécie está se desenvolvendo, ele passa por estágios que lembram formas ancestrais daquela espécie. É a teoria da recapitulação. Quer um exemplo? Durante o nosso desenvolvimento, no final do primeiro mês de gestação, os fetos humanos possuem arcos branquiais, como os peixes.
Uma outra semelhança é o próprio zigoto, a primeira célula do corpo, formada pela união do espermatozóide com o óvulo. Assim como a vida na Terra teria surgido de uma célula, cada nova vida também surge de uma célula.
Mas como surgiu a primeira celular?
Os filósofos gregos acreditavam que a origem era divina, e por isso não se preocupavam com o ‘como’ a vida apareceu e se contentavam apenas em classificá-la em ‘bichinhos’ e ‘plantinhas’. Mesmo hoje em dia, acredito que a física conheça melhor o que acontece com o início do universo do que a biologia o que acontece com o início da vida. Ainda assim, sabemos o suficiente para desmistificar o fenômeno: existem evidencias suficientes para mostrar que as primeiras células não tinham membrana plasmática, fruto de uma bioquímica de lipídeos complexa e que apareceu muito depois na evolução do metabolismo.
As teorias mais aceitas atualmente, não apontam mais para uma ‘sopa primordial’ feita de molecular orgânicas formadas por descargas elétricas em atmosferas de metano e CO2, mas sim para a origem de um código genético primordial a base de adenina (uma das bases nitrogenadas que formam o DNA), que tem estrutura química simples e é encontrado em TODO o universo. O suporte para esse código genético, que no DNA ‘moderno’ é um ‘esqueleto’ de açúcar e fosfato seria, acreditem, a superfície de cristais de argila. Parece que no final das contas a Bíblia não está tão equivocada ao dizer: “E formou o Senhor Deus o homem do barro da terra” (Gen 3, 7).
A bioquímica, termo que eu aqui uso no seu sentido etimológico, se formou a partir de uma química pré-biótica dentro de compartimentos rochosos de Sulfito de ferro no fundo do oceano. Ao que parece, as primeiras ‘células’ não eram de vida livre e tinham uma casca de pedra.
A ontogenia recapitula a filogenia. Ate hoje, todas as formas de vida que conhecemos são feitas de células (bom, isso pode causar arrepios nos virólogos, mas não vou entrar nesse mérito agora). E o que todas as células tem em comum é que são compartimentos, isolados do meio externo através de uma membrana semipermeável. E através dessa membrana, possuem os mesmos tipos de gradientes que existem (e existiram) no fundo do oceano Hadeano (a era geológica em que a Terra se resfriou), por bilhões de anos, há bilhões de anos.
Existem muitas evidencias que a vida surgiu no fundo do mar, em condições bem simples: um gradiente de eletricidade, que passava de um líquido hidrotermal reduzido (rico em elétrons) através de uma fina crosta terrestre para um oceano oxidado (que não quer dizer exatamente com oxigênio, o que não era ocaso, mas sim ‘pobre’ em elétrons); um gradiente de prótons do mesmo líquido hidrotermal que era alcalino para o oceano que era ácido e, finalmente, também um gradiente de calor, onde algo com 60oC passavam do líquido hidrotermal para o oceano.
Só isso? Bom, mais umas duas ou três coisas, mas isso era o fundamental.
A ontogenia repete a filogenia. O animado repete o inanimado. O conceito é que fenômenos complexos podem ser explicados por sub-fenômenos mais simples. Essa também é uma idéia antiga, um princípio descrito, vejam só, por um monge, no século XIV. Bom, é verdade que Guilherme de Occam era monge, mas naquela época, em que os poderosos dominavam haréns gigantescos, e apenas os primogênitos tinham ‘direito’ a se casar, um segundo filho não tinha muita opção, por lei ou por disponibilidade de parceiras, para se casar, restando apenas o monastério.
Mas como eu ia dizendo, o principio da economia da natureza, ou ‘navalha de Occam’ como ficou conhecido, foi muito bem enunciado por Einstein: “as coisas devem ser o mais simples possível. Mas não mais simples ainda”, e diz que sim, as coisas que vemos como complexas são frutos de coisas simples, porque a natureza é econômica (porque energia, a moeda da natureza) é uma coisa ‘cara’. E vai CONTRA a principal idéia da religião: de que algo complexo, como a vida e o ser humano, teria de vir de algo ainda mais complexo: Deus.
Duas palestras do TED que assisti recentemente, essa e essa, argumentam muito e muito bem em favor da simplicidade como fonte de complexidade.
Mas eu não espero que meus leitores leiam o excelente artigo de Martin & Russel que está anexo, ou que se debrucem sobre os escritos de Prigogine para se convencerem, ou apenas acreditarem, que a vida é uma inevitabilidade termodinâmica e não há nada de divino nisso.
Uma vez me pediram para escrever sobre aborto e eu tenho certeza que não era esse o tipo de resposta que estavam esperando. Mas eu guardei essa resposta para o final. Para mim, o principal argumento para convencer os religiosos da não divindade da vida, vem da freqüência com que os abortos naturais acontecem. Sim, porque abortos naturais são causados por Deus, não são?
Estimasse que 15 a 20% das gestações terminem em abortos espontâneos, aqueles que acontecem antes da vigésima semana de gravidez. Mas o número pode ser muito maior. Primeiro porque eles podem acontecer também depois da 20a semana, mas ai não recebem mais o nome de ‘aborto’: são natimortos ou óbitos fetais tardios. E depois, porque um percentual desconhecido acontece mesmo antes da 4a semana de gestação, em casos que a mulher nem mesmo sabe que está grávida e o aborto pode se passar por um ciclo menstrual um pouco mais dolorido. Com isso, os abortos espontâneos podem chegar a 50% das gestações! Provavelmente a causa mortis mais freqüente da humanidade!
Os abortos espontâneos ainda são responsáveis por 15% dos casos de morte materna por aborto (os abortos induzidos são responsáveis por 85%).
Homens e mulheres tem estratégias reprodutivas diferentes, ainda que colaborem para alcançar um objetivo comum. Mas é provável que por essas diferenças, os homens se preocupem mais com o risco de perderem suas parceiras do que com o risco de perderem uma gestação por aborto: espontâneo ou induzido.
Aposto que nenhum dos carolas que protesta contra o aborto induzido e a santidade da vida viu sua mulher se esvaindo em sangue por um aborto espontâneo.
Martin, W., & Russell, M. (2003). On the origins of cells: a hypothesis for the evolutionary transitions from abiotic geochemistry to chemoautotrophic prokaryotes, and from prokaryotes to nucleated cells Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, 358 (1429), 59-85 DOI: 10.1098/rstb.2002.1183
Bruno Gil de Carvalho Lima (2000). Mortalidade por causas relacionadas
ao aborto no Brasil: declínio e
desigualdades espaciais Pan Am J Public Health, 7 (3), 168-172

Os próximos 150 anos


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Em 2009 a teoria da evolução pela seleção natural de Charles Darwin completa 150 e se mantém como a mais importante descoberta da biologia.

Durante todos esses anos, ela foi testada com todo o rigor do método científico (e da lei) por ilustres defensores e ferrenhos opositores, e em todas as vezes, mostrou sua importância. Sim, algumas idéias de Darwin não estavam corretas. Kumura mostrou que não só a seleção natural é capaz de fixar genes nas populações (veja o post que explica a seleção natural aqui) mas também um processo chamado ‘deriva gênica’ permite que um gene neutro, que não traz nenhum benefício adaptativo para a espécie, mas também não prejudica a adaptação dela, passe a integrar o conjunto de genes da população. Já o biólogo evolucionista Stephen J. Gould mostrou que a evolução não acontece gradualmente, de maneira uniforme, mas principalmente em saltos, que revolucionam adaptatividade (fitness) dos organismos.

No entanto, o núcleo central da teoria de Darwin, de que os organismos lutam pela sobrevivência usando as armas que dispõe no seu ‘pool’ de genes, se mantém intacto e vem sendo fortalecido a cada novo resultado. Vem dai a razão da grande aceitação da teoria: ela funciona! Explica uma enorme variedade de fenômenos e observações, e contribui para além da biologia, em campos como o desenvolvimento de drogas na industria farmacêutica ou de componentes eletrônicos na industria de informática. A seleção natural é poderosa mesmo no maior de seus desafios: explicar a evolução humana. A idéia do homem como topo da evolução é um pilares que sustentam os princípios religiosos, mas análises recentes mostram que a nossa espécie, o Homo sapiens, não só evoluiu, como evoluiu muito nos últimos 10.000 anos, e com velocidade assustadora. Um exemplo de adaptação recente é a habilidade de digerir leite em adultos do norte europeu. Também temos muito menos dúvidas sobre nossas origens,. Sabemos que não viemos exatamente dos macacos, mas de um ancestral comum remontando aos primeiros Australopithecus entre 4 e 7 milhões de anos atrás (veja o texto Uma breve história do homem).

Mas então porque a seleção natural não é uma lei da natureza?

A resposta não é simples e provavelmente não é justa. Mas a idéia de mutações aleatórias sendo responsáveis pelo aparecimento de toda a biodiversidade, desde o nível de macromoléculas (diversidade dos genes e proteínas) até os biomas (diversidade de ecossistemas) é muito pouco intuitiva. Difícil de entender e difícil de provar. Como os processos de seleção ocorrem em escalas de tempo geológicas, é impossível observar ela em ação. Assim, nunca podemos fazer experimentos que estabeleçam indubitavelmente relações de causa no estudo da evolução: a seleção é observada sempre a posteriori, e como é sempre possível contar mais de uma história plausível para explicar um mesmo evento… cada um acaba acreditando na sua versão. Além disso, o homem está acostumado a selecionar artificialmente suas culturas e animais de criação, decidindo quais organismos dentro de uma população se reproduzirão e interferindo na direção adaptativa da prole, e criando coisas como cães Pincher e Dinamarqueses. É a ‘seleção artificial’, que ao invés de ajudar, atrapalha ainda mais a compreensão da teoria da evolução, já que fortalece a crença de um ‘ser inteligente’ direcionando os processos evolutivos.

A seleção cultural em humanos, voltada para atender ideologias dominantes (religiosas, políticas, raciais), representa um grande risco para a espécie como um todo. No último dia 12 o escritor Luís Fernando Veríssimo publicou um texto no globo questionando o propósito da manipulação do DNA. Como podemos determinar o que é um bom direcionamento? O que é útil hoje, pode ser perigoso amanhã. E a capacidade do ser humano de mudar de idéia é imensamente superior, e mais veloz, que o potencial de resposta da Seleção natural.
Mas a manipulação de genes em laboratório nesse nível (o de modificar características humanas) ainda tem grandes desafios antes de se tornar a realidade dos filmes e realizar todas as promessas de aumento de eficiência das habilidades humanas (ou mesmo cura e prevenção de doenças). Os genes raramente agem sozinhos: uma função do organismo é determinada por vários genes, e por sua vez, um mesmo gene pode afetar em graus variáveis diferentes funções no organismo: fenômeno conhecido como pleiotropia. Por isso é possível que nunca consigamos realmente otimizar a característica que queremos sem causar efeitos colaterais.
Ao mesmo tempo, um tipo de evolução afetado pelas nossas decisões conscientes e pelos progressos alcançados pela tecnologia humana (atualmente mesmo pessoas não aptas física ou intelectualmente tem chances – e as vezes mesmo superiores – de reproduzir).

Será que o aumento da expectativa de vida para muito além de 100 anos e a integração da consciência humana com as máquinas, dois eventos que atualmente parecem inevitáveis, poderá modificar a forma como a natureza vem selecionando e acumulando complexidade, desbancando a seleção natural? É possível. Afinal, nem mesmo a seleção natural está livre da evolução: se extinguir sendo substituída por uma teoria de uma nova espécie. Isso é o natural.

Esse post faz parte da ‘Roda de ciência’ do mês de Março. Por favor, comentários aqui.

Sobreviver e adaptar


Quem já não se emocionou com Fernão Capelo, a gaivota que não se conformava com sua vida cotidiana? Passei o final de semana passado na casa dos meus pais que tem no seu quintal uma bela história de conformação, adaptação e sobrevivência.

A primeira vista, Lili é uma gaivota normal. Não fosse o entorno, o quintal lá de casa, você poderia até pensar “O que será que ela tem de especial?” Mas olhando a próxima foto, de perfil, você pode ver que a penugem negra desse lado é um pouco menor. É que ela não tem a asa direita.


Lili é uma sobrevivente. Minha mãe a encontrou enquanto passeava na praia, literalmente “arrastando uma asa” para ela. A asa estava quebrada e pendurada apenas pela pele, infeccionada e a beira da necrose. Lembrando dos seus tempos de instrumentadora cirúrgica, minha mãe pegou Lili na praia e levou pra casa. Sedou, cortou a pele, amputou a asa, suturou e medicou.

Isso foi há 6 anos e ninguém acreditava que Lili sobreviveria muito tempo. Mas ela não só está viva até hoje, como goza de uma saúde invejável e está totalmente adaptada a vida no quintal: tem uma grande bacia de água na sombra onde se banha todos os dias e convive harmonicamente como Duque e Baby, os dois vira-latas da casa; com Loiro, o papagaio e com o vai e vem dos humanos que circulam por ali. Mas é só: ai de um pombo se tentar pousar no quintal. Vai levar uma corrida!

Não, não há nenhum sinal óbvio que indique se Lili é uma gaivota macho ou fêmea. Tipo a crista dos galos. Ou pelo menos nada que apesar de eu ser biólogo (e meio metido a saber tudo), eu reconheça. Mas como gaivota é um substantivo feminino, vai ficar Lili mesmo até que a gente descubra o contrário.

Depois de recuperada, o maior problema foi como alimentar uma gaivota? Felizmente ela se acostumou com peixe congelado, mas tem de ser fresco e inteiro. Os pescadores da região passam lá em casa para entregar os peixes pequenos que eles separam “para a madame que tem uma gaivota no quintal”. Além de ser exigente com o peixe, Lili tem todo um ritual para se alimentar. É ela quem tem de vir até a comida, que deve ser deixada na porta da cozinha. Então ela sai da sombra da Bananeira, no canto esquerdo, anda paralela ao muro até a metade do quintal e faz uma curva de 90o para andar em linha reta novamente até a porta da cozinha, onde a espera seu almoço de sardinhas, cocorocas e manjubinhas. Curiosamente, Lili não anda em diagonal.

Apesar de ser uma graça, Lili ainda é arisca e muito assustada. Ninguém pode se aproximar dela que ela fica super nervosa: primeiro tenta se afastar com seus passos miúdos, as vezes vomita, mas se o perseguidor insiste, Lili tenta instintivamente decolar com sua asa esquerda (apenas), em uma cena de partir o coração, e que mostra toda a força do instinto e toda a fraqueza da memória desse animai. Lili não ‘sabe’ que não tem uma asa, mas inevitavelmente descobre toda vez que mais precisa dela.


Em poucos dias ouvi em dois locais diferentes a frase que coloquei no título. Sobreviver e adaptar. A primeira de Amparo, personagem do livro “Rio das Flores” de Miguel Souza Tavares, que terminei de ler esses dias, falando da sua herança cigana. A segunda da Sonia Rodrigues, no buteco, acho que também falando da sua herança cigana.

Sobreviver e adaptar é o que nos permite evoluir. As vezes isso significa lutar, outras vezes se conformar com o quintal.

80 milhões de anos sem transar


Poucas espécies se reproduzem assexuadamente. Mas todas elas podem, de tantas em tanta gerações, fazerem um sexozinho para dar uma embaralhada nos genes. Na verdade todas menos uma: o rotífero Bdellóide.

Rotíferos são pequenos animais, principalmente, de água doce. Pequenos mesmo. Apesar de serem metazoários (grupo ao qual eu e você também pertencemos) eles são mutias vezes menores do que os organismos unicelulares com os quais eles habitam. Eles não passam de 0,5 mm e têm em torno de umas mil células.

Os metazoários são aqueles animais que tem mais de um tecido embrionário (que se formam das dobras que o embrião faz quando ainda é apenas um apanhado de células) que depois vão se diferenciar nos vários órgãos.

Não é a toa que fazem parte do superfilo asquelmintos, dêem uma olhada na foto e vocês vão ver como ele é meio asqueroso. Nessa imagem a típica ‘coroa’ de cílios que se parecem com ‘rodas’ em torno da boca e que dá o nome ao filo está embutida e o bicho parece uma ‘camisinha’ cheia de ar.


Mas isso não chegaria a ser motivo para o rotífero Bdelloide nunca, em 80 milhões de anos, ter feito sexo. Sabe aquela piada que as meninas falam de ‘nem se ele for o último homem da Terra…’ Os Bdellóides nunca viram um homem e vivem em um mundo apenas de mulheres. Desde que foram descobertos todos os indivíduos observados até hoje são femeas que se reproduzem partenogeneticamente.

Em condições ambientais estressantes, eles, na verdade elas, podem formar cistos que podem ser até fervidos sem serem destruídos, e assim permanecer por centenas de milhares de anos(!) e depois eclodirem e em poucos dias povoarem um pequeno lago.

O Bdellóide ainda hoje é um desafio para as teorias que tentam explicar o porquê (e para queê existe sexo e o porquê (e para quê) existem gêneros.

Qualquer que seja a razão, esses pobres animais são um forte evidência do sobrenatural, já que só pode ser alvo de uma maldição!

Não é a tôa que o cérebro deles não possui mais que umas 15 células.

Partenogenética Maria

Madonna con bambino de Giotto
É Natal e o que um cético pode fazer? Na verdade não muito. Não resta mais nenhum mito para caçar, mas mesmo assim, as pessoas acreditam.

Anos atrás vi um excelente documentário na Discovery explicando historicamente todos os mitos da religião católica. Caiam por terra um depois do outro. Já se sabe que Jesus não nasceu em Dezembro, que a estrela era um planeta e até que Maria não era virgem.

Abre Parenteses: Essa era justamente a história que eu queria contar hoje, sobre como Mateus, ao traduzir o Velho Testamento do hebraico para o grego, trocou a palavra ‘bethulah‘, a correta tradução para o termo original hebraico ‘almah‘ (donzela) utilizado para descrever Maria (a donzela Maria), por ‘Parthenos‘ (virgem), gerando o mais poderoso mito da religião católica. Mas é incrível a quantidade de textos já falando sobre isso na rede. Fecha parenteses.

Já falaram tudo que poderia ser dito sobre a pseudociência na Bíblia. As pessoas continuam acreditando porque precisam. Ou por falta de alternativa, já que nem a ciênciologia, aquela ficção científica barata disfarçada de religião, conseguiu oferecer uma crença mais plausível, baseada em evidências.

Não restou muito o que falar e eu estava resignado a ficar quieto, com um grande esforço para respeitar a crença de grande parte da minha espécie. Até assistir o episódio de Natal do seriado House ontem. Uma garota chega com dores no hospital e descobre-se grávida. Dizendo-se virgem e noiva de um rapaz também virgem, ela procura por uma explicação para a gravidez, sob a argumentação irônica do médico resmungão. Um barato!

Foi dai que eu pensei na questão: será que Maria poderia ter se reproduzido por partenogênese?

Apesar de termos uma população que beira os 7 bilhões de habitantes e uma taxa média de nascimentos de 21 por cada 1000 habitantes (faça as contas, leve ainda em consideração que foram várias gerações até hoje, desde antes da época de Cristo, e você verá o quão grande é esse espaço amostral, e quão significativa é essa observação), nunca foi relatado um caso de partenogenese em humanos. O que para mim é suficiente para dizer que não existe. Nem por erro.

Mas na TV tudo pode e House consegue mostrar, para a satisfação do namorado que começava a coçar a testa, como um dos óvulos da garota poderia ter sido acometido com um carga dupla de cromossomos (veja como aqui) e por um evento elétrico ter iniciado a divisão, dando origem 9 meses depois a um bebê de uma mãe virgem.

O namorado acreditou. Claro, tem gente que ainda acredita em Papai Noel. Os resultados do teste de paternidade tinham sido falsificados para deixar os pombinhos acreditarem no que quisessem. Até que um incrivelmente raro evento científico, tão raro que nunca aconteceu, é mais plausível do que uma namorada traidora, que, convenhamos, acontece o tempo inteiro.

Mas nem a hipótese da partenogenese em humanos salva o mito da Virgem Maria. Nas espécies que se reproduzem assexuadamente por partenogênese (veja aqui) a população é inteiramente de fêmeas. Claro, elas só possuem cromossomas X para passarem adiante, e uma fêmea só pode dar origem a outra fêmea.

Jesus teria de ser menina. Ou… Maria não era virgem.

Squeeze my balls, baby!


Quando um jornal escreve que descobriram o gene de alguma coisa… por princípio, duvíde. Nem tudo está nos genes. Algumas coisas estão nas bolas!

Duas semanas atrás recebi alguns e-mails alertando sobre a descoberta do “gene da infidelidade masculina”, que foi divulgada pelos principais jornais do país (veja artigo na Folha de São Paulo). Como eu não confio nos jornais, eu fui até a fonte, o artigo publicado na prestigiosa revista científica da academia de ciências americana PNAS.

O artigo é um clássico exemplo do que Ioannidis fala no seu aclamado “Porque a maior parte das descobertas científicas é falsa“: alguma coisa tendencioso e certamente as evidências não são suficientes para a conclusão de que homens carregando o alelo 334 na região reguladora RS3 do gene do receptor do neuropeptídeo arginina vasopressina tem uma menor propensão a estabelecerem vínculos duradouros com parceiros do sexo oposto.

Ops, essa frase pareceu até o Sheldon tentando explicar Mecânica quântica para a Penny no seriado “The Big Bang Theory”: tão difícil que não deu pra entender nada.

Corrigindo: o estudo conclui que homens que possuem a variante 334 do DNA na região que controla a produção de uma importante proteína do cérebro, tendem a permanecer solteiros ou fazerem as parceiras menos felizes. Embora a metodologia do estudo pareça ser adequada, acho que o maior problema é conceitual. Os autores abusam da plausabilidade da sua hipótese e confundem significância estatística com verdade causal.

O estudo foi feito em 552 indivíduos suecos (gêmeos e seus parceiros) pretendia verificar a influência desse gene que já havia se mostrado importante na comparação entre duas espécies de ratos que possuem comportamentos sociais diferentes.


Porém, eles usaram índices sociais para avaliar a relação dos casais (o Partner Bonding Scale – PBS, aplicado em primatas), que são influenciados tanto pelos entrevistados, quanto pelos seus parceiros. A região reguladora que era importante no rato não era existia nos humanos, então eles testaram 3 regiões que apresentavam alguma variação. Apenas uma entre elas (a RS3) mostrou uma pequena variação entre os indivíduos. Nessa região, foram encontradas 17 variantes da seqüência de DNA (ou alelos) e apenas um deles, o 334, apresentou uma pequena, porem significativa, correlação com os resultados do PBS. Os autores não são tão contundentes como os jornais, mas foram certamente precipitados. Outros estudos já haviam sugerido a participação da vasopressina em síndromes de deficit de socialização como o autismo. Mas também sugeriram participação no altruísmo e na idade da perda da virgindade (ou do 1o intercurso). Oh good lord, please! É determinismo biológico demais para o meu gosto. Obviamente, nenhum desses resultados foi obtido repetidamente de forma consistente (que é o que torna a significância estatística uma verdade causal).

Tomara que você tenha aguentado o biologuês até aqui, porque o melhor vem agora. Para Robin Baker, autor do livro “A guerra dos espermatozóides” há uma explicação muito mais plausível, convincente e interessante. A melhor forma para avaliar o potencial de, digamos, fixação de um homem, é o tamanho dos testículos.

O livro, que é imperdível, mostra que apesar de homens e mulheres precisarem um dos outros para obter seu sucesso reprodutivo, não utilizam as mesmas estratégias para alcançá-lo. Isso é de se esperar dados dois elementos fundamentais: As fêmeas fazem um grande investimento na reprodução (gestação, aleitamento, risco de vida) e por isso são seletivas, mas são recompensadas com a certeza que sua prole é sempre sua. Os machos por outro lado nunca podem ter certeza que sua prole é realmente sua, e por isso estão menos dispostos a investir em uma prole específica, optando por uma estratégia mais promíscua para aumentar sua probabilidade de efetivamente produzir alguma prole.

Isso cria uma série de dilemas que tem de ser resolvidos por machos e fêmeas. E que efetivamente são, afinal, estamos todos aqui. Na verdade, boa parte do livro trata sobre esses dilemas e eu não posso me alongar muito aqui. O que importa é que uma das estratégias de seleção dos machos pelas fêmeas é deixar que o esperma de dois ou mais machos se enfrentem no seu trato reprodutivo (desde o cerviz até a trompa) em uma “guerra de espermatozóides”, para garantir que o fecundador é REALMENTE o mais apto.

Não é a toa que o esperma dos animais, de insetos a primatas, é composto predominantemente de “soldados”: espermatozóides que não estão preparados para fecundar o óvulo, mas sim para identificar e aniquilar espermatozóides de outros machos. Possuem uma cabeça diferenciada, receptores celulares capazes de identificar seus ‘irmãos’ e poderosas substâncias químicas capazes de destruir seus competidores.


E onde são produzidos os espermatozóides? Nos testículos. Quanto maior o testículo (e o direito é sempre levemente maior que o esquerdo) maior a quantidade de esperma produzida. Maior o exército. E nessa guerra, um exercito simplesmente maior, pode ser a diferença principal arma para a vitória. Ou a fecundação, como prefiram.

Por isso, homens com testículos pequenos tendem a evitar a guerra. São mais cuidadosos (ou deveria dizer possessivos?) com suas fêmeas, estão sempre próximos e evitam deixá-las desacompanhadas, já que na eventualidade de uma ‘escapada’ da fêmea, seu exército tem menor chances de vitória. São os fiéis. Homens com testículos grandes não tem medo de arriscar. Seu principal cuidado com suas fêmeas é o de mantê-las inseminadas constantemente. Depois eles procuram oportunidade para inseminar outras fêmeas, pagando o alto preço de deixar sua própria fêmea desacompanhada, mas confiante na potencia do exército que ele deixou. O que ele ganha com isso? Bom, ele considera que a chance de ter o benefício de um outro homem, provavelmente de testículos pequenos, criando um filho seu é maior do que a chance dele próprio acabar tendo de criar o filho de um outro homem, que teria os testículos maiores ainda que os dele. Quem está disposto a apostar?

O sentimento, ao que parece, tem pouco ou nada a ver com isso.

E se Lamarck estivesse certo?

A pergunta foi feita no blog do Átila, como ponto de partida para uma carnaval de ciência, parecido com o que acontece na Roda.

Quando comecei a escrever sobre ciência, gastei vários textos falando sobre a seleção natural. Provavelmente a maior descoberta da biologia, ou pelo menos a que mais influenciou a própria biologia. Isso tudo justamente pra dizer que Lamarck estava errado.

Quem foi Lamarck? Foi o predecessor de Darwin, que acreditava na geração espontânea da vida e na herança de caracteres adquiridos (veja aqui). Para Lamarck, uma cicatriz ganha durante a vida, seria transferida para a próxima geração através do que mais de um século depois viriam a se chamar, genes.

Mas como eu disse, Lamarck estava errado. O pescoço da girafa não cresceu porque ela esticou ele pra comer as folhas mais altas. Mas essa é uma idéia muito intuitiva, muito mais intuitva do que a própria idéia da seleção natural: mutações aparecem por acaso e se geram uma maior adaptação do organismo ao ambiente, são selecionadas e transferidas as próximas gerações, se fixando na população. Complicado, né?!

Como poderíamos dar um novo olhar sobre a evolução? A pergunta do Átila é excelente. Nos obriga a desconstruir alguns conceitos e pensar sobre evolução de uma outra forma. Pura ficção científica? Sim, mas isso dá repertorio pra trabalharmos melhor a seleção natural como ela é.

No entanto, devo confessar que fiquei perdido? E se Lamarck estivesse certo??!!?!?!? São tantas possibilidades que fiquei sem saber por onde começar. Do que exatamente falar. Até que ontem, visitando a minha avó no final da tarde, que felizmente estava assistindo ‘Sem censura’ ao invés de ‘malhação’, e vi a Elza Soares na televisão.

Pequena, esmirrada, velhinha, mas com os olhos mais puxados que uma japonesa legítima, por plásticas e mais plásticas. Uma caricatura com um vozeirão. Lembrei de outras caricaturas criadas pelas plásticas, como a Bete Faria e o Mickey Rourke, mas também de várias maravilhas que andam por ai nos desfiles e na praia.

Foi então que me veio em mente. Se Lamarck estivesse certo e os caracteres adquiridos fossem transmitidos de pais para filhos, seriamos, em poucas gerações, todos bonitos.

Claro, se passam as cicatrizes, também passam os olhos puxados, maças ressaltadas, narizes afinados, barrigas esculpidas, peitos inflados e cabelos alisados. Ou com permanente. Os lábios das meninas começariam a ficar parecidos com os da Kim Bassinger, Kelly LeBrock (pra quem é da minha geração) ou da Aline Moraes (pra quem é da geração atual). Academia seria coisa do passado: se o pai malhasse, os filhos, meninos, nasceriam todos com o corpo do Paulo Zulu.

Os filhos de judeus já nasceriam circuncizados e, Deus do céu, os filhos dos metrosexuais sem pelos no peito e com as sobrancelhas feitas. Através de um mecanismo certamente mais complexo, o aumento da circulação do estrógeno produziria as glândulas mamárias nas adolescentes e depois, aos trinta, a redução da atividade das colagenases dispararia o processo das siliconases, que produziriam próteses de silicone em todas as filhas de misses: Brasil ou Universo. Ave Natália!

As diferenças culturais, mantidas por ambientes inevitavelmente diferentes no grande planeta que vivemos, cuidariam para que todos não nos tornássemos apenas o mesmo Leonardo di Caprio e a mesma Gisele Bunchen. Já pensaram um mundo apenas de Giseles? Como diriam Kleiton e Kledir: “Já pensou… Nem pensar…”

Bom… nem tudo seriam flores. A AIDS seria transmitida genéticamente, assim como todos os tipos de cânceres. O filho do Ruben Gonzalez (pianista do Buena Vista Social Club) já nasceria com o piano nos dedos, mas também com a artrite. Os cirurgiões plásticos se sentiriam mais deuses do que já se sentem.

No fim das contas, vejo que a seleção natural e a herança de caracteres hereditários dá muito mais liberdade ao indivíduo do que a herança Lamarckista. Você pode não acumular os mesmos atributos adquiridos por seus pais, mas também não herda os mesmos defeitos. É um tipo de “cartões amarelos zerados para a próxima fase do campeonato”. Dependemos, principalmente, de nós mesmos. Eu gosto disso. Ainda bem que Darwin é quem estava certo.

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