E se Lamarck estivesse certo?

A pergunta foi feita no blog do Átila, como ponto de partida para uma carnaval de ciência, parecido com o que acontece na Roda.

Quando comecei a escrever sobre ciência, gastei vários textos falando sobre a seleção natural. Provavelmente a maior descoberta da biologia, ou pelo menos a que mais influenciou a própria biologia. Isso tudo justamente pra dizer que Lamarck estava errado.

Quem foi Lamarck? Foi o predecessor de Darwin, que acreditava na geração espontânea da vida e na herança de caracteres adquiridos (veja aqui). Para Lamarck, uma cicatriz ganha durante a vida, seria transferida para a próxima geração através do que mais de um século depois viriam a se chamar, genes.

Mas como eu disse, Lamarck estava errado. O pescoço da girafa não cresceu porque ela esticou ele pra comer as folhas mais altas. Mas essa é uma idéia muito intuitiva, muito mais intuitva do que a própria idéia da seleção natural: mutações aparecem por acaso e se geram uma maior adaptação do organismo ao ambiente, são selecionadas e transferidas as próximas gerações, se fixando na população. Complicado, né?!

Como poderíamos dar um novo olhar sobre a evolução? A pergunta do Átila é excelente. Nos obriga a desconstruir alguns conceitos e pensar sobre evolução de uma outra forma. Pura ficção científica? Sim, mas isso dá repertorio pra trabalharmos melhor a seleção natural como ela é.

No entanto, devo confessar que fiquei perdido? E se Lamarck estivesse certo??!!?!?!? São tantas possibilidades que fiquei sem saber por onde começar. Do que exatamente falar. Até que ontem, visitando a minha avó no final da tarde, que felizmente estava assistindo ‘Sem censura’ ao invés de ‘malhação’, e vi a Elza Soares na televisão.

Pequena, esmirrada, velhinha, mas com os olhos mais puxados que uma japonesa legítima, por plásticas e mais plásticas. Uma caricatura com um vozeirão. Lembrei de outras caricaturas criadas pelas plásticas, como a Bete Faria e o Mickey Rourke, mas também de várias maravilhas que andam por ai nos desfiles e na praia.

Foi então que me veio em mente. Se Lamarck estivesse certo e os caracteres adquiridos fossem transmitidos de pais para filhos, seriamos, em poucas gerações, todos bonitos.

Claro, se passam as cicatrizes, também passam os olhos puxados, maças ressaltadas, narizes afinados, barrigas esculpidas, peitos inflados e cabelos alisados. Ou com permanente. Os lábios das meninas começariam a ficar parecidos com os da Kim Bassinger, Kelly LeBrock (pra quem é da minha geração) ou da Aline Moraes (pra quem é da geração atual). Academia seria coisa do passado: se o pai malhasse, os filhos, meninos, nasceriam todos com o corpo do Paulo Zulu.

Os filhos de judeus já nasceriam circuncizados e, Deus do céu, os filhos dos metrosexuais sem pelos no peito e com as sobrancelhas feitas. Através de um mecanismo certamente mais complexo, o aumento da circulação do estrógeno produziria as glândulas mamárias nas adolescentes e depois, aos trinta, a redução da atividade das colagenases dispararia o processo das siliconases, que produziriam próteses de silicone em todas as filhas de misses: Brasil ou Universo. Ave Natália!

As diferenças culturais, mantidas por ambientes inevitavelmente diferentes no grande planeta que vivemos, cuidariam para que todos não nos tornássemos apenas o mesmo Leonardo di Caprio e a mesma Gisele Bunchen. Já pensaram um mundo apenas de Giseles? Como diriam Kleiton e Kledir: “Já pensou… Nem pensar…”

Bom… nem tudo seriam flores. A AIDS seria transmitida genéticamente, assim como todos os tipos de cânceres. O filho do Ruben Gonzalez (pianista do Buena Vista Social Club) já nasceria com o piano nos dedos, mas também com a artrite. Os cirurgiões plásticos se sentiriam mais deuses do que já se sentem.

No fim das contas, vejo que a seleção natural e a herança de caracteres hereditários dá muito mais liberdade ao indivíduo do que a herança Lamarckista. Você pode não acumular os mesmos atributos adquiridos por seus pais, mas também não herda os mesmos defeitos. É um tipo de “cartões amarelos zerados para a próxima fase do campeonato”. Dependemos, principalmente, de nós mesmos. Eu gosto disso. Ainda bem que Darwin é quem estava certo.

Será que ele é?


Quando falei do gene da Cindelera, disse que a intensidade de algumas características biológicas varia de acordo com o ambiente ou o acaso e não necessariamente com a expressão dos genes.

O homossexualismo não está nos genes, como muitos pesquisadores gostam de pregar. Não está porque não tem como estar, pela simples razão de que não passaria de geração a geração! (Reza a lenda que) Um artigo publicado na Theoretical Biology (que eu nunca encontrei) explica como poderia haver um gene para o homesexualismo. Mas disso eu já falei no texto Homens que choram. É excelente como exercício de lógica científica, mas pouco provável de encontrar.

São muitas as tentativas de encontrar uma base biológica para o homossexualismo. Existem vários autores (ver Santilla et al., 2008) que tentam responsabilizar os genes encontram relações entre o homossexualismo e fatores genéticos. Mas nenhum deles se encaixa tanto nos achados epidemiológicos como a teoria do irmão mais velho (ver Blanchard 2004). Ela explica entre 15 e 30% dos casos de homossexualismo masculino. E não tem a ver com os genes, mas sim com o desenvolvimento. Daqui a pouco eu volto a ela.

De acordo com a teoria, os irmãos mais novos, de muitos irmãos homens, tem maiores chances de se tornarem homossexuais. O mesmo não se aplica para o irmão mais novo de muitas irmãs. Também não se aplica para o sexo feminino.

Como o assunto é delicado e pode incomodar leitores queridos, eu fiz uma cuidadosa pesquisa bibliográfica antes de escrever (sim, as vezes escrevo só o que eu penso, ou o que acho lógico) e estou dando algumas referências dos estudos mais citados. Mas como sempre, os escritos não tem nada a ver com moral. O assunto é riquíssimo para estudarmos as relações entre adaptação, desenvolvimento, genes e ambiente.

Vamos começar do princípio. Dos nossos 46 cromossomos, dois são sexuais e determinam se seremos meninos (XY) ou meninas (XX). Com o que se parece um Y? Se eu colocar em Y em itálico ajuda? Acertou quem disse que se parece com um X que perdeu uma perna. Então, a teoria diz que o cromossomo masculino Y descende do cromossomo feminino X, por perda de material. (Isso e outras evidências) Sugere(m) que o sexo primordial é o feminino. Na verdade, quando começamos a nos formar, ainda cedo no estágio fetal, temos todos um corpo feminino.

Em um momento do desenvolvimento, os genes masculinos sinalizam que aquele feto é do sexo masculino e começam então a fazer as alterações no ‘molde’ feminino para que aquele corpo se torne masculino (não existem evidências de que uma célula XY não possa se tornar um corpo feminino e vice-versa; ainda que não se tornem). Talvez o termo mais correto então é dizer que somos todos ‘bipotentes’, um termo utilizado para designar a capacidade de uma célula de se diferenciar em mais de um tipo, quanto ao sexo ainda na fase embrionária.

Abre parênteses: Essa é uma possível razão pela qual existem muito mais homossexuais homens que mulheres, em uma relação de 9:1. Fecha parênteses.

Essas alterações são mediadas pelo poderoso hormônio testosterona. É ela quem determina a desfeminização do feto. Ou seja, os ovários primordiais descem pelo abdomem e vão para a bolsa escrotal formarem os testículos. O que seria a reentrância da vagina vira a protuberância do penis. Pronto, o básico tá feito.


Mas não pára por ai. Está claro desde os anos 90 que o cérebro também tem de se diferenciar para completar corpo determinado pelo sexo. E também é a testosterona (e outros estrógenos derivados da sua aromatização) que fazem a desfeminização do cérebro.

Das várias regiões do cérebro envolvidas na diferenciação sexual, o hipotálamo é provavelmente a mais importante. Existem alguns núcleos sexuais dimorficos bem documentados, como o INAH3, são claramente diferentes em homens, mulheres e homossexuais masculinos, que apresentam o volume desse grupo de células mais próximo do feminino. O curioso é que alguns desses dimorfismos sexuais no cérebro aparecem apenas depois dos primeiros anos de vida e outros, apenas na vida adulta.

A maior parte dos estudos com mamíferos mostra que o ambiente hormonal pré-natal e perinatal são importantíssimos para a diferenciação sexual do cérebro e do comportamento. Eles sugerem que um macho recebe durante a fase pré-natal, 4 ‘doses’ de testosterona. A primeira, determina os caracteres sexuais primários. As outras, ‘formatam’ o cérebro. Se faltar matéria prima, o cérebro pode não acompanhar o corpo, gerando os conflitos de identidade e orientação sexual. Os estudos em humanos mostram uma influencia também, mas que são insuficiente para estabelecer conclusões definitivas.

O problema é que não dá para fazer experimentos de laboratório em humanos. Então temos que esperar que a natureza, aética, faça eles para nós. Existem várias doenças que afetam os receptores de hormônios andrógenos levando a uma hipo-exposição a testosterona. E outras como a hiperplasia adrenal congênita, que leva a uma exposição fora de hora aos hormônios. O problema, de novo, é que não se pode estudar o cérebro dessas pessoas (e claro, isolar os efeitos da influência de ter uma genitália deformada na sua identidade sexual). No entanto, todos os resultados apontam para uma forte tendência entre a exposição pré-natal a hormônios esteróides e a opção pode uma identidade sexual masculina (ainda que esse fator não seja decisivo). No caso das fêmeas, a importância da exposição aos hormônios estrógenos é menos conhecida.


Como médicos americanos adoram encontrar estatísticas significativas, acabam encontrando qualquer coisa. Parece que o comprimento do dedo anular da mão esquerda de homens pode ser indicador da exposição pre-natal a hormônios andrógenos, tendo importante consequencia no comportamento dos meninos. Ou seja, meninas, fiquem ligadas! Quando forem trocar as alianças, se o cara tiver o ‘seu vizinho’ pequeno… considere se ainda há tempo de cancelar a cerimônia. Mas como eu disse, muitos estudos mostraram que existem diferenças na razão entre os tamanhos dos dedos por motivos variados, indicando que esse não é um marcador robusto.

A maior parte dos estudos genéticos que tentam ligar o homossexualismo aos genes é questionável. Ou pelo menos questionada por mim. Alguns estudos mostram que homossexuais homens tem mais irmãos também homossexuais que os homens hetero. E que mulhere homossexuais tem mais irmãs homo do que as hetero. A análise das árvores genealógicas desses indivíduos sugere um agrupamento familiar de
genes que pode ser responsável pelas evidências. Mas o número de estudos, principalmente aqueles envolvendo gêmeos, que eu sempre desconfio enormemente (já que quase todos os grandes estudos com gêmeos da história foram manipulados e falseados), não trazem grandes contribuições.

Voltamos então a ‘Sindrome do Irmão mais Velho’. Essa é quente, porque em um número grande de estudos independentes e replicados, homens homossexuais apresentam mais irmãos mais velhos que homens heterosexuais (Blanchard e Bogaert, 1997). Estima-se que cada irmão mais velho aumente a chance do próximo ser homossexual em até 50%. Mas em termos de população, isso representa apenas um pequeno percentual. A maior parte dos homossexuais não pode ser explicada por esse fenômeno e não se encaixa nesse modelo. De acordo com Blanchard, a teoria mais aceita para explicar esse fato é uma resposta imune da mãe a antígenos masculinos,desenvolvida ao longo de muitas gestações de meninos, gerando anticorpos anti-macho, ou anti-testosterona, ou anti-andrógenos que poderiam passar através da placenta para o bebe e afetar o desenvolvimento do cérebro do irmão mais novo. Mas faltam evidências experimentais para essa explicação. Ela também não explica porque esses anticorpos não afetariam os caracteres sexuais primários, ou porque não existem na maior parte dos irmãos mais novos.

E terminamos não muito diferente do que começamos, pra frustração daqueles que gostam de conclusões absolutistas. A identidade e orientação sexual tem sem dúvdia uma base biológica, mas ainda é possível afirmar pouco sobre como ela funciona. Os estudos de sexologia com com hetero, homo e transexuais foram importantes até a metade do século passado, quando o advento das dosagens de hormônios permitiu que a ciência exata dominasse área. Atualmente esses estudos mais psicológicos pecam pela falta de reprodutibilidade de suas conclusões. Por outro lado, as pesquisas apontam para um papel preponderante da testosterona na identidade e orientação sexual.

Por via das dúvidas, olhem o tamanho do dedo anular do cabra!

O gene da Cinderela

O segundo capítulo de “A doutrina do DNA” de Richard Lewontin, um livro obrigatório para todos os biólogos, começa com a pergunta: “Está tudo nos genes?” A resposta é que nem tudo está no DNA. Fatores ambientais e o acaso, na forma das ‘anomalias do desenvolvimento’ (tudo explicadinho no livro), têm um papel importante no que torna cada ser vivo único.

Porém, algumas coisas estão nos genes sim. Quais? Isso foi tema de discussão com uma querida amiga psicóloga durante a última semana. ‘ID’, ‘EGO’ e Freud vinham pra cá; genes, mutações e Darwin iam pra lá. Acordamos que o comportamento humano possuía aspectos biológicos, algo parecido com o instinto (que eu coloquei no ID), que são transmitidos pelos genes de uma geração para outra; e aspectos culturais, dependente do ambiente, moral e ética (que eu coloquei no ego e superego) que não eram transmitidos para a próxima geração. Ou pelo menos não biologicamente.

Isso tudo porque eu tenho pensado muito ultimamente sobre como nosso comportamento biológico impõe limitações ao nosso comportamento cultural. Se não impõe limitações, deve ter um grau de responsabilidade pelos dilemas que enfrentamos ao longo da nossa vida. Porque algumas escolhas parecem tão complicadas? Porque é tão difícil ficar satisfeito? Porque, tantas vezes, somos tão ambíguos? Para mim, a resposta está em que nosso comportamento biológico diz uma coisa e nosso comportamento moral diz outra. Ainda que o moral vença na maior parte das vezes em nós animais racionais, ele raramente convence o biológico, que fica esperando o momento de apontar: “mas eu te disse!”

Mas não são apenas os genes dos nossos instintos que nos impõe limites. Existem exemplos mais concretos de limites morfológicos e fisiológicos que vão contra as determinações culturais. Os mais fáceis de explicar (e talvez mais interessantes) ilustram as diferenças entre homens e mulheres.

Durante o nosso desenvolvimento, além de colocar as coisas nos seus devidos lugares, os genes X(X) e(X)Y trabalham na ‘formatação’ do nosso cérebro para que sejamos homens ou mulheres. Espero que vocês me permitam a metáfora com os termos de informática. Se um corpo, o hardware, é masculinos ou femininos; a configuração do cérebro, o software, tem de acompanhar aquele corpo (em alguns casos isso não acontece, mas vou deixar, de novo, isso para outro post).
Diferenças importantes entre homens e mulheres são determinadas por essa formatação do cérebro. Uma formatação comandada por genes. Se vocês pudessem observar estudos de ressonância magnética no cérebro masculino e feminino enquanto ouvem o choro de um bebê ou quando tentam resolver a solução de um labirinto, veriam do que estou falando. “As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”, como diria Gonçalves Dias. As luzes que aqui (no cérebro do homem) acendem, não acendem como lá (no cérebro das mulheres). E vice-versa.

Homens têm maior profundidade de foco na visão e um raciocínio espacial melhor, o que permite enxergar mais longe com maior acurácia e precisão. As mulheres têm um campo visual (visão lateral) mais amplo e são capazes de lidar diferentes tipos de fontes de informação ao mesmo tempo. Essas habilidades e capacidades específicas diferentes foram inseridas no cérebro pelo ‘programa’ genético que acompanha cada um dos sexos. Provavelmente elas não nos servem hoje como serviram durante todo o tempo que foi necessário para que a seleção natural as escolhessem. Mas a questão é outra. A questão é que essas características nos impõe limites biológicos! Nenhum homem conseguirá ser tão eficiente em escutar e falar como uma mulher, e nenhuma mulher conseguirá ser tão eficiente quanto um homem em determinar posição e distância (a discussão do grau dessas diferenças fica para o outro texto que mencionei acima).

Os limites biológicos impostos pelas características morfológicas e fisiológicas, foram levando os sexos a optarem por estratégias de vida diferentes (o que por sua vez foi criando mais limites biológicos). Uma das diferenças de estratégia mais marcantes entre os sexos, nos mamíferos vivíparos como nós, é o investimento que fazem na prole: o da fêmea é significativamente maior que o do macho. Nos humanos, algumas peculiaridades fazem com que esse investimento seja ainda mais pesado. A relação entre o tamanho do bebe é tamanho da mãe é proporcionalmente maior que em qualquer outro mamífero. Isso maximiza a saúde do filhote, mas minimiza a da mãe. As dificuldades com o parto e o aleitamento impossibilitam a busca por abrigo, alimento e proteção de ambos. Com isso, a ajuda do pai não é apenas um luxo para que a fêmea não tenha que criar o filhote sozinha: é uma necessidade vital sem a qual as chances de sobrevivência da fêmea e do filhote são incrivelmente menores. Geneticamente, as fêmeas humanas foram desenhadas para precisarem do cuidado do macho humano. Que bom, porque se não fosse isso, provavelmente não teriam evoluído o sexo por diversão: único na natureza e a melhor estratégia que as fêmeas encontraram para manter o macho por perto (e feliz) cuidando delas e dos filhotes. Ainda que dê trabalho, compensa!

Porém, a codificação para um bebe maior e com maiores chances de sobrevivência não revogou instruções anteriores, como a de ‘encontre o melhor macho para seus filhotes. Se encontrar um macho melhor que o anterior, substitua o velho’. Como já falei aqui, machos são instintivamente (está nos genes) promíscuos e fêmeas são instintivamente infiéis. Hum… assim vou perder leitoras. Deixa eu reformular. As mulheres são biologicamente seletivas e carentes. Comportamentos instintivamente programados pelos genes para compatibilizar com a estratégia reprodutiva de alto custo energético com a prole. Biologicamente preparadas para a infidelidade, porque seu maior compromisso é com a prole, e não com o parceiro. Como compatibilizar esses instintos de seletividade e carência com a cultura que vivemos ignora, que ignora esses aspectos biológicos? Não dá. As mulheres modernas vivem em constante dilema. Essa ambigüidade foi muito bem identificada pela autora americana Colette Dowling no clássico dos anos 80 “O complexo de Cinderela” (que minha amiga Vanessa diz ser uma teoria ultrapassada, mas que nunca me pareceu tão atual).


Com a mudança do estilo de vida tribal de 2 milhões de anos atrás para o atual supermercado/microondas, o ‘gene da Cinderela’ se tornou um fardo para as mulheres modernas: bem sucedidas, competitivas na sociedade e no mundo profissional, capazes de superar grandes dificuldades na vida sozinhas, mas também capazes de abrir mão de todas as suas conquistas para sucumbirem a um desejo incontrolável de serem cuidadas pelos homens assim que encontram um.

A pitada de crueldade é dada pela inexistência no genoma masculino do ‘gene do príncipe encantado’. E tem
quem discorde de mim quando digo que a natureza é amoral.

Posologia


Uma vez uma mulher me disse: “O que atrai em você, é o mesmo que depois repele.”

Lembro de uma exposição que fui, contrariado, porque era de monocromáticos. Chamava-se Bleu, do francês Ives Klein. Impressionante! A primeira parede tinha vários pequenos quadros, todos monocromáticos, mas de cores diferentes, que, em composição, eram impactantes.

Essa é uma boa palavra para a exposição: Impactante.

Os quadros, todos azuis, como esse na figura, eram de uma profundidade incrível. E dava vontade de ‘entrar’ dentro da pintura. Muitas coisas me marcaram nessa exposição. Tenho hoje, na minha sala, uma ‘Venus de Milo’ toda azul, copiando a idéia do pintor.

No final da exposição, ficávamos sentados em um sofá vendo dois quadros: um todo azul e o outro todo de ouro. O ouro, que deveria atrair, repelia. Porque? Não sei dizer. Tenho também um quadro todo azul e outro todo dourado na minha sala. Pra lembrar que o que parece monótono atrai, e o que deveria atrair, repele.

Lembrei disso esses dias. Duas amigas leitoras do blog andaram pedindo pra eu falar de amor. Elas acham que eu já falei de amor aqui, apesar de eu achar que era tudo biologia. Mas aqui um pedido do leitor é uma ordem.

Dizem que o amor é cego. Na verdade essa é uma fase do amor. A paixão já foi medida. É um processo bioquímico que pode durar, no máximo, 6 meses. O amor não é cego, mas a paixão pode cegar. Literalmente.

Evolutivamente, essa chuva de hormônios e neurotransmissores deve ter tido a função de manter duas pessoas juntas até conseguirem reproduzir. Como as fêmeas humanas não evidenciam o período da ovulação, nem todo coito era garantia de uma prole. Era preciso tentar mais de uma vez. Mas como convencer o macho a ficar por perto até a fecundação? Como prevenir que a fêmea não… pulasse a cerca? Desenvolvendo uma atração inexplicável e irresistível entre os dois. Quem poderia fazer isso? Amor? Não, a bioquímica!

Mas depois disso, os conflitos entre os interesses de homens e mulheres, cada um preocupado em gastar a menor quantidade de energia possível na criaçào dos filhotes, apareciam. E ai… era cada um por si, e a evolução por todos.


“O que atrai em você, é o mesmo que depois repele.” Eu já tinha ouvido isso antes, mas onde?

Lembrei. Paracelcius foi um médico alemão que viveu no final do Sec XIII e início do século XIV. No fervor da renascença, ele estudava venenos (um envenenador era um profissional requisitadíssimo naqueles tempos) e antes de inventar a homeopatia, ele fez considerações importantíssimas sobre a toxicidade das substâncias. Ele disse:

“Tudo pode ser tóxico. O que diferencia o remédio do veneno, é a dose”

Se o que atrai é o que depois repele, então não dá pra mudar. Mudança não é a resposta.

Dose. A dose é a questão.

Saber dosar é o segredo do amor. E de todo resto também.

Modelos

Se o tempo muda e começa a fazer frio, você coloca um casaco. Se o tempo muda de vez, quando entramos em uma era glacial, os animais que não tem casaco… vão se extinguindo até que aparece um com uma pelugem mais encorpada e que consegue sobreviver e deixar descendentes.

Com nosso cérebro podemos decidir em instantes qual a melhor estratégia de adaptação ao ambiente. Em última instância, a seleção natural faz exatamente a mesma coisa. Porém ao longo de tempo geológico.

Parece muito doido? Então você pode ficar meio confuso com esse texto.

Eu não sou o primeiro a sugerir (quanta modéstia) que a seleção natural poderia atuar como uma forma de ‘mente’, tomando decisões da mesma forma que nosso cérebro. Mas foi só pouco tempo atrás que descobri isso, quando li que Maynard-Smith já admitia essa idéia nos anos 60.

Mas por que a seleção natural como uma ‘mente’ seria uma coisa importante? Atualmente, cultura e comportamento social são tidos como muito mais importantes para o sucesso adaptativo do homem ao meio ambiente do que os aspectos biológicos selecionados durante os milhões de anos de existência dos hominídeos. A ‘mente’ do homem é (seria então) mais eficiente que a ‘mente’ da seleção natural. Mas quem foi que disse?

A sociedade moderna é jovem. Na verdade, a humanindade é jovem. Como cultura podemos dizer que temos o que?!? Uns 5.000 anos (considerando já a pré-história – escrita)?!? Tá, mas vamos ampliar ainda mais esse número, porque senão não podemos nem começar uma comparação com tempo evolutivo. Vamos colocar, justamente, que a cultura como a conhecemos nasceu quando o homem começou a falar. Ainda assim ficamos com algo em torno de 100.000 anos, um número irrelevante quando comparado com a origem da vida (3,8 bilhões de anos), a última grande extinção de espécies em massa (65 milhões de anos) ou mesmo o aparecimento dos hominídeos (6 milhões de anos). O tempo que temos vivido sob o comando da mente e da cultura humana não é suficiente para que a seleção natural determine se as estratégias antropogenicas e antropológicas de comportamento ético e cultural são evolutivamente estáveis (ou seja, se elas podem trazer sucesso em longo, longo prazo).

Apesar de sermos algo em torno de 6 bilhões de indivíduos, ainda não houve tempo para determinar se o aparecimento da mente, da capacidade de raciocínio lógico, cultura e tudo mais que eu vou passar a chamar de ‘modelo antropológico’ é realmente mais interessante do que as estratégias do que chamarei a partir de agora de ‘modelo biológico’, caracterizadas pelos comportamentos mais instintivos cravados pelos milhões de anos de evolução em nosso DNA. O modelo biológico foi desenvolvido e vem sendo aperfeiçoado há milhões de anos. Temos os mesmos lipídeos na membrana que as bactérias tinham há 3,5 bilhões de anos. Utilizamos os mesmos açúcares e o mesmo ATP para o metabolismo energético que um ancestral delas inventou antes disso. E o nosso código genético… esse é ainda mais antigo.

Todas as estratégias biológicas e comportamentos que foram selecionados durante esse período estão representadas nos nossos fenótipos: manifestações físicas ou comportamentais dos que está nos nossos genes. Então, quando utilizamos o ‘modelo antropológico’ para explicar o comportamento e a sociedade humana, estamos utilizando um modelo pouco testado. Quando utilizamos o raciocínio, a lógica, a filosofia, a ética, para driblarmos expressão gênica, características morfológicas e instintos, estamos utilizando um modelo sem certificado de garantia. Evolutivamente, a humanidade descobriu a consciência, mas ainda não provou nada.

Não acho que usamos o ‘modelo antropológico’ só porque ele é mais bonitinho. Acho que a maior parte das pessoas é despreparada para compreender o ‘modelo biológico’, ou pior, é despreparada para aceitar a sua inevitabilidade. E como antropocentristas, além de antropológicos, temos muita dificuldade para optar por aquilo que nos tira do centro e da majestade de espécie superior. Nosso cérebro é realmente uma invenção. E temos uma capacidade de adaptação ao ambiente realmente incrível. Mais que isso, temos versatilidade e nos adaptamos à diferentes ambientes da mesma forma. Podemos até mesmo passear por alguns ambientes extremos como o fundo do mar e o espaço (que podemos – e poderemos cada vez mais – explorar por recursos).

Mas nossa espécie superior provavelmente superou a capacidade de suporte do planeta (termo que utilizamos em ecologia para designar o limite de disponibilidade dos recursos naturais do ecossistema). Somos em maior número do que o nosso limitado planeta é capaz de suportar. O cérebro foi confundido!

Confundiu perpetuação dos genes com perpetuação da consciência. Lutamos para aumentar a vida mais do que a qualidade de vida. Longevidade indiscriminadamente. Durante bilhões de anos a seleção natural viu que era complicado construir um corpo indestrutível em um ambiente inóspito e concluiu que era melhor construir organismos frágeis como uma vida útil curta, mas que pudessem passar informação de um para o outro (os genes) e se modificando sempre que o ambiente fizesse o mesmo. Melhorando a ‘maquina’ até, sempre que possível, e garantindo a sobrevivência da informação. Ahhh, mas nós não… o que nós queremos salvar são nossas preciosas consciências. Queremos viver pra sempre! Nós e mais 6 bilhões. Não dá!

Os fatores culturais têm sim importância maior que os biológicos em eventos de curto prazo. Mas, historicamente, lógica, moral e outros fatores antropogênicos serviram (e servem) principalmente aos interesses das minorias dominantes capazes de criar e manipular esses valores. Abrir mão de explicações biológicas para fenômenos que acontecem no dia a dia é desperdiçar experiência, acumulada e prontamente disponível. Se basear em explicações antropológicas para justificar ou explicar nossas escolhas é favorecer um modelo testado por 5 mil ao invés de 5 milhões de anos do ‘modelo biológico’ duramente testado pelo INMETRO do universo: a seleção natural.

Homens que choram


Eu sempre chorei a tôa, então sempre tive de conviver com aquela história de que homem não chora. E também que homem não isso e que homem não aquilo.

Por outro lado, nas últimas semanas, tenho ouvido repetidamente as mulheres reclamando dos homens. Que os homens não fazem isso, que os homens não fazem aquilo. Quase tudo que elas reclamam que os homens não fazem, são coisas de mulher. Ou coisa de homem que chora?

Lembrei do texto ‘Testosterona’ do João Ximenes Braga, onde ele fala dos homens heterosexuais que gostam mais de homens (companhia, papo, interesses) do que de mulheres. São os Men’s man. O texto dá ótimas definições, como a dos caras que preferem ficar em rodinhas de outros caras no baixo Gávea e enquanto outros preferem ficar sorrindo para mulheres (ainda que feias) na mesa do bar. Acho que os que choram, devem se encaixar nesse segundo grupo.

Existe um ramo da biologia chamado sociobiologia, que acredita que todos os comportamentos sociais tem fundo genético. Qual a importância de ter fundo genético? É que se está nos genes, de alguma forma isso pode ser passado dos pais para os filhos. E também as escolhas que podemos fazer são muito, muito mais restritas, porque muito já foi decidido no nosso DNA.

A sociobiologia tem seus adeptos, mas é amplamente questionada. Mesmo assim, Edward O Wilson, seu criador e principal teórico e, escreveu em seu livro de 1975 a primeira tentativa de explicar geneticamente o homosexualismo.

Vejam que a parada era duríssima. Explicar as bases genéticas de um comportamento social, que basicamente impede a reprodução e a transmissão genética desse mesmo comportamento. Só que na verdade, já existia uma explicação, que pode ser verdadeira para outros genes que também conferem baixa reprodutibilidade. Nesses casos, a única forma do gene se manter na população, é através de uma maior adaptabilidade dos heterozigotos. Ah… você não lembra o que são os heterozigotos? Vamos supor que a característica ‘opção sexual’ seja determinada pelos genes H e h. Vamos supor ainda que H seja o gene para o gene para heterosexualidade enquanto h o gene para homosexualidade. E continuar supondo ainda que H seja dominante sobre h. Um homem pode ser homozigoto para a característica ‘opção sexual’ se tiver ambos alelos (o par de genes que determina uma característica) iguais. O par HH então caracteriza o homozigoto dominante para heterosexual e o par hh caracteriza o homozigoto recessivo para homosexual.

Como os homosexuais, em princípio, não deixam descendentes, então rapidamente o alelo h desapareceria da população. A não ser que… o heterozigoto, aquele individuo que possue um alelo de cada (ou seja um H e outro h), fosse mais adaptado (o que nesse caso quer dizer sucesso reprodutivo), do que o homozigoto dominante para heterosexualidade.

Voltando ao texto do Ximenes, os heterozigotos Hh seriam um tipo de Woman’s men. Homens totalmente heterosexuais, mas com maior sensibilidade, mais tato (coisas importantes para as mulheres) e por isso fariam mais sucesso, conseguiriam mais oportunidades de reproduzir, e deixariam mais descendentes.

Os heterozigotos então inflacionam um mercado escasso e criam a ilusão de que podem haver homens que efetivamente sejam capazes de fazer o que as mulheres esperam. Só porque um cara prefere ir ao shopping ou assistir a um drama no cinema na companhia de uma mulher, ao invés de jogar futebol com os amigos; elas inferem que eles vão entender também o que se passa no complexo e caótico universo feminino.

É preciso manter em mente duas coisas: A primeira é que a sociobiologia é uma tautologia, um sistema lógico que encontra explicação em si mesmo e por isso nunca pode ser realmente comprovado. É como explicar que a galinha veio primeiro que o ovo, que veio da galinha. Por isso, essas teorias serão sempre hipotéticas. Bom papo pra buteco. A segunda é que, por mais que tenham um alelo h, os heterozigotos são homens. E como homens, querem exatamente a mesma coisa que todos os outros.

O heterozigoto Hh é só aquele cara mais sensível que come todas as amigas, enquanto os caras machões HH acham que ele é viado.

De olhos bem fechados

ResearchBlogging.org
Li uma vez que a razão pela qual nos lembramos sempre das coisas ruins, é justamente para não repeti-las. Uma memória seletiva, que favorece a armazenagem de más recordações, não está exatamente de acordo com nossas concepções atuais de qualidade de vida, mas certamente salvou a vida de muitos hominídeos milhares de anos atrás.

Ontem, no blog do Shridhar vi um texto sobre enzimas, baseado em um artigo científico da Nature onde os autores encontraram uma droga para acabar com o medo.

Já falei sobre o medo aqui. Como eu dizia, existem alguns tipos de medo e o tipo ao qual os autores se referem é o medo adquirido. Justamente essas ‘más recordações’ de que eu comecei falando.

Esses medos protegeram e ainda protegem muito a gente. Mas no mundo em que vivemos, eles também são o ponto de partida das neuroses. Medos fictícios ou medos desnecessários (que foram reais um dia mas que agora não tem mais razão de ser) e que se gravaram em nossas memórias e não conseguimos esquecer. Os autores comentam o óbvio exemplo dos ex-combatentes de guerra, que mesmo depois de voltarem pra casa, suspeitam que o inimigo esteja a espreita. Mas é um mal que, em diferentes graus, pode afligir todos nós.

No caso dos ratos do experimento, o medo em questão era o de tomar um choque elétrico (0,7 mA por 2 s) 3 min após ser colocado em um novo contexto. O medo era representado pelo comportamento de imobilização dos ratos quando expostos novamente ao mesmo contexto. Depois de tomar o choque elétrico, os animais começavam a perder o medo apenas depois da 6a vez que eram re-apresentados ao mesmo contexto sem tomar o choque. Uma injeção de Butirolactona I no cérebro dos bichos, fez com que eles perdessem o medo já na primeira vez que eram re-apresentados ao contexto.

Você vai abrir a porta da geladeira e toma um choque. Em seguida alguém pede para você abrir a porta da geladeira e você hesita porque sabe que pode tomar outro choque. Mas se esse alguém injetar Butirolactona I no seu cérebro, então você abrirá a porta da geladeira sem medo do choque. Impressionante, não?!

A mágica é feita em uma proteína quinase chamada CDK5. As quinases são proteínas que modificam outras proteínas pendurando um fosfato nelas, como se fosse um brinco, e que participam de reações em cadeia. Cascatas de reações onde uma proteína vai colocando um brinco de fosfato em outra, como uma forma de enviar mensagens de um lugar a outro na célula. A cascata da CDK5 começa em uma proteína G da membrana plasmática chamada Rac-I e vai até o alvo, a proteína PAK-1, uma proteína envolvida na remodelação do citoesqueleto de actina (as proteínas que servem de ossos) da célula. Fico difícil?! Vamos lá, o que PAK-1 faz é mudar algumas sinapses, as conexões entre dois neurônios, de lugar.

Quando alguma coisa ruim acontece, CDK5 é ativada e faz com que as sinapses se re-organizem. Sempre que aquela o contexto ruim reaparece, os impulsos nervosos percorrem o mesmo caminho e você é alertado por um medo adquirido. Esse medo contextual. Nos ratos, a droga impede o funcionamento da CDK5. Sem a ativação do alvo PAK-1 as sinapses parecem voltar para seus lugares originais e Shazan você perde o medo. O contexto não mais percorre a via das sinapses fora de lugar. O medo desaparece.

Só pra confirmar, os caras testaram ratinhos mutantes, onde uma dieta a base de doxicilina faz com que eles tenham uma super produção de CDK5, e os bichinhos não perdem o medo do choque nunca mais.


É um estudo lindo, mas eu acho que o problema é outro. O problema é o contexto! Colocamos a culpa no medo, quando o problema é que não somos capazes de reconhecermos as mudanças de contexto. E sentimos medo à toa. Se o contexto é diferente, não há porque achar que vem choque pela frente. Atacamos nossos medos com química, por que não conseguimos reconhecer as mudanças do mundo a nossa volta. Termina tudo doido! Não são nossos medos que nos deixam neuróticos, são nossos olhos fechados!

Sananbenesi, F., Fischer, A., Wang, X., Schrick, C., Neve, R., Radulovic, J., & Tsai, L. (2007). A hippocampal Cdk5 pathway regulates extinction of contextual fear Nature Neuroscience, 10 (8), 1012-1019 DOI: 10.1038/nn1943

Vai encarar?


No semestre que vem tenho de dar um curso sobre Evolução e como estou numa fase muito literata, comprei um livrinho pra estudar mais sobre “Sociobiologia“. Durante décadas esse foi um tema controverso em Biologia, porque sugere que os comportamentos sociais no mundo animal, incluindo o humano, teriam uma base genética (o autor, Edward O. Wilson, foi até mesmo acusado de Nazista, o que certamente é um exagero).

Já digo pra vocês que não sou muito adepto da Sociobiologia. Queria apenas saber mais sobre o assunto. E foi ai que me deparei com um dos principais temas do comportamento animal: A agressão!

Como a seleção natural sempre foi vista como a “luta pela sobrevivência” a agressão animal sempre teve um papel importante nessa luta. Depois, a visão da seleção foi mudando do “mais forte” para o “mais apto”, ou mais adaptado, e a agressão pode tomar várias formas menos violentas.

O maior problema é sempre a nossa visão romantizada dos eventos naturais e a nossa eterna necessidade de classificar tudo como certo ou errado. A agressão entre animais de espécies diferentes é aceitável, ou pelo menos compreensível, como nas relações predador-presa.

Abre parênteses: Isso me lembra meu primeiro dia de aula na universidade. Fomos todos da turma conhecer os diferentes laboratórios e acabamos chegando na herpetologia (estudo dos répteis) onde um estagiário estava alimentando as cobras no terrário. As meninas da turma logo se indignaram: “Oh…. pobre ratinho”. Seguiu-se então a explicação do estagiário sobre a pobre cobra, presa em cativeiro e que deveria, pelo menos, comer. Com o passar do tempo houve uma curiosa inversão. A cobra ia acompanhando o ratinho dentro do terrário e do lado de fora, todos, inclusive as meninas, passaram a torcer pela cobra. Fecha parênteses.

Já a luta entre animais da mesma espécies é menos aceita. Mas não por isso, quando a luta é intra-específica, acontece algo curioso: a ameaça é mais utilizada do que a agressão. Existe um ritual onde o mais fraco pode sempre dar sinal de conciliação, impedindo a agressão mortal do mais forte. Bem, parece que também existe uma contribuição, essa sim uma tendência genética, a um animal não gostar do sabor da carne de um companheiro da mesma espécie.

Mas o que determina qual o ponto da batalha onde se opta pela conciliação ou pela agressão mortal?

Quem melhor definiu isso foi um outro biólogo, brilhante, chamado Maynard Smith. Roberto Freire disse que “a maioria dos grandes criadores sinceros já sentiu e já comunicou essa sensação de estar sendo uma espécie de tradutor, de comunicador da linguagem do inconsciente coletivo que existe igualmente em todos nós, mas que eles especializaram em decifrar e comunicar. (…) Costumo dizer, com envergonhada honestidade ou com humilde paranóia, que todos os poemas de Fernando Pessoa são meus, como se ele apenas tivesse revelado em seus versos o que já estava pronto poeticamente em mim.” Maynard Smith colocou em teoria matemática o que eu já sabia há muito tempo, como bem já coloquei aqui no blog outras vezes: Não existe certo ou errado, apenas estratégias que sejam favoráveis em longo prazo. O nome que ele deu pra isso foi “Estratégia Evolutivas Estáveis (EEE)”, que podem ser avaliadas com base na “teoria dos jogos“.

Abre parênteses de novo: fiquei tão empolgado com o assunto que fiz uma coisa que meu amigo Edu faz muitas vezes, comprei a referência bibliográfica que o autor dá, pra começar a ler antes de terminar o primeiro livro. Tive que ir até a Amazon.com porque o “Evolution and the Game Theory” do Maynard Smith não tem no Brasil. Fecha parênteses.

Uma EEE é uma estratégia para qual não existe nenhuma outra “estratégia mutante” que possa dar mais sucesso. Funciona tanto no caso de uma partida de pôquer quanto para o sucesso reprodutivo. Não ficou claro o que é estratégia mutante? Ficou pensando nos X-men? Calma, acho que com o exemplo vai ficar mais claro.


Maynard ilustra sua teoria com dois personagens, que representam duas estratégias opostas de comportamento: O pombo e o gavião. Os gaviões lutam sempre, ferozmente, até que vençam ou sejam gravemente feridos. Os pombos lutam de forma ritualística, trocando ameaças até que um deles se canse e vá embora. Eles sempre se retiram antes do confronto.

Nenhuma dessas duas estratégias é uma EEE, pois um gavião sempre obteria mais sucesso reprodutivo em uma população de pombos e vice versa. Então qual é a melhor? Na verdade o melhor (e é o que acontece na natureza) é um equilíbrio entre as duas estratégias. Uma possível EEE seria que os animais da população apresentassem uma relação de 5:7 entre pombos e gaviões. Com a possibilidade de agressões ritualísticas inofensivas e agressões reais e mortais.

Mas é isso mesmo que a gente encontra na natureza? Esses são modelos simples que não incluem uma figura tipicamente carioca: O malandro! Aquele gavião que se finge de pombo pra atacar depois, ou o pombo que se finge de gavião e depois sai correndo.


Na verdade o próprio Maynard já havia descrito mais 3 estratégias além do gavião e o pombo: o atrevido, que se faz de gavião mas na verdade sai correndo como o pombo se o oponente é do tipo gavião; o retaliador, que se faz de pombo mas ataca como gavião se o oponente também o é; e o experimentador, que se comporta quase sempre como um retaliador, mas eventualmente pode começar atuando como gavião para testar a força do oponente.

O reino animal está cheio de exemplos que comprovam essas estratégias. Entre os humanos não é diferente. E ao que parece, somos até uma espécies pacífica (acho que quem escreveu isso não mora no Rio).

A teoria é tão bacana que até leva em conta a agressão não realizada nunca. Uma forma de guerra fria. O que conta para cada um dos opoentes é o tempo gasto durante a batalha. O tempo, com a gente bem sabe, é um bem precioso.

Em princípio, toda população vai ter um lutador de Jiu-Jitsu que se comporta como gavião (até encontrar um gavião com um “trêsoitão”). E sempre haverá um jovem que não sabe se defender, ou um animal doente, que se comportará como pombo. A questão é que nada disso está escrito nos seus genes. Ninguém nasce gavião ou pombo! Ou experimentador. Isso a gente aprende. Basta querer experimentar ser algo diferente do que a gente sempre foi.
Por isso, a não ser que você goste do gosto de sangue da mesma espécie, saber a hora de desistir e… abandonar a luta, ainda que você seja o mais forte, te devolve um bem muito precioso: seu tempo! Pena de quem não sabe reconhecer quem é da mesma espécie, e fica brigando até a morte à toa.

Inconformados!


Lembro-me de estar almoçando na casa de um professor carioca, quando morava na monótona Rio Grande, de perguntar pra ele, olhando a Lagoa dos Patos pela janelona do apê, como ele aguentava aquela cidade: ‘A gente acostuma’. Naquele momento descobri que eu era um inconformado! E que assim gostaria de permanecer. Não queria me acostumar à algo que fosse realmente ruim.

Foi na mesma época que eu aprendia fisiologia animal com o grande professor, Euclydes Santos (que hoje é advogado). A boca da Lagoa dos Patos é um estuário, aquela região salobra onde o rio encontra o mar, e que tem como principal característica mudar de uma hora pra outra. São ambientes instáveis, ainda que não sejam extremos (o polo norte é extremo, o Atacama é extremo!)

Para viver nesses ambientes, os organismos, tanto animais como plantas, tem de ter uma grande capacidade de adaptação as rápidas mudanças ambientais, já que, pelo menos duas vezes por dia, muda a maré e com ela todas as condições daquele ambiente. Essas adaptações eram a especialidade do Euclydes e o que eu aprendi com ele, uso até hoje. Até mesmo alguns dos textos, que já eram clássicos naqueles idos de 1995.

As duas principais estratégias de adaptação fisiológica são a regulação e a conformação.

Os reguladores são aqueles organismos que se esforçam (gastam energia) para manter o seu ambiente interno (o que incluí sangue, ou hemolinfa, citoplams, líquidos intersticiais…) com as mesmas características independentemente da variação do meio. Nós somos reguladores de muitos, muitos parâmetros fisiológicos. Nossa temperatura ideal sempre se mantém entre 35,5oC e 36,5oC independentemente de estar 15oC ou 40oC do lado de fora. O pH do nosso sangue ainda é mais restrito, não podendo se desviar nem mesmo dois décimos do seu valor de 7,2.

Os conformadores são aqueles animais que preferem não gastar energia para controlar o seu meio interno independentemente das váriações externas. Quando o meio ambiente muda, eles mudam junto. Alguns caranguejos que vivem na zona estuarina, ou mangue, deixam que a concentração de sáis na sua hemolinfa (o equivalente deles pro sangue) acompanhe a salinidade da água. Suas enzimas estão adaptadas a essa variação, que certamente não premite que elas trabalhem o tempo todo no seu ótimo, mas representa uma economia energática enorme!

Fisologicamente, os reguladores são uns inconformados. Preferem gastar energia para manter o seu organismo como gostam, ao invés de aceitar o que o meio ambiente lhes impõe. Para isso, é preciso que ele (organismo) restrinja suas ‘trocas’ com ele (ambiente). Assim as mudanças afetam menos. Claro que não dá pra ‘encerrar’ todas as trocas, senão, o ser (a gente) morre.
Já os ‘conformistas’, se o ambiente muda, eles mudam junto com ele. “Vão com a maré”, “Dançam conforme a música”! Só pra vocês verem o quanto isso é normal. Mas o conformismo também só funciona dentro de limites fisiológicos. Que podem variar de organismo para organismo. Ao de lá desses limites… o ser morre!

São duas estratégias diferentes e é difícil dizer qual é melhor. Como todas as estratégias, não podem ser avaliadas como certa ou errada, e sim como relação custo/benefício em longo prazo.

Mas uma coisa é certa, pras duas têm limite!

'Outliers' e 'Outsiders'


Toda aquela coisa para explicar a normalidade, foi com o intuito de relaciona-la com a previsibilidade. Em muitas situações não temos previsibilidade e quando isso acontece, quase sempre, é por causa da falta de normalidade dos dados. Terminei o texto sobre alando de como fazer para lidar com os anormais. Anormais, no sentido estatístico, são os assimétricos.

A questão curiosa é que, quem define a normalidade de uma dado, não é o dado em si, mas a distribuição a qual ele pertence. Na festa dos joqueis, os jogadores de basquete são anormais, no festa dos jogadores de voley, nem tanto.

Dependendo de com quem ele ande, um determinado dado, será sempre normal.

Se você é muito crítico, como eu sou, a curva normal que descreve o mundo é relativamente estreita, concentrada. Ou, estaticamente falando, leptocúrtica. Essa curva forma um sino muuuuito alto e muuuuito estreito. Na verdade mais parecido com um gramofone que com um sino. Conheço muita gente na média, e considero um monte de gente fora dela também. Eu juro que estou tentando mudar isso. Tornar a minha curva mais mesocúrtica (um sino normal) ou até mesmo um pouco platicúrtica (um sino achatado, quase como uma ondulação, onde tem quase tanta gente nas extremidades quanto na média). Que nem uma campainha de mesa.


Cada um de nós tem sua descrição normal do mundo, e tenta encaixar tudo que encontra nessa descrição. Para que o mundo se torne previsível e confortável. E é possível encaixar alguma coisa na distribuição normal? É sim.

Um ponto que está fora da distribuição é chamado de ‘outlier‘. Fora da linha. Tenho uma amiga que gosta de pessoas (mais do que de dados), e nesses casos ela usa o termo de Outsiders: os excluídos.

Estatisticamente, existe um conjunto de artifícios matemáticos para lidar com os outliers e encaixa-los na distribuição normal. Esses artifícios são chamados, convenientemente, de transformações. O logaritmo, por exemplo, é uma função que diminui a discrepância entre duas coisas diferentes. Por isso, é possível utilizar o log em um determinado dado para que ele se encaixe na sua distribuição.

Parece doidera, não é? Transformar um dado apenas para que ele se encaixe no que você conhece e possa entende-lo?

Mas é porque não? Você pode calcular o log de um número e o número de volta, quantas vezes quiser. O log e o número permanecem sempre o mesmo. E por que você faria isso? Porque pode ser mais fácil entender a relação entre o log de dois números do que entre os dois números em si. Principalmente, se os logs se comportam de forma… normal.

A vida reserva surpresas e muitas coisas novas também. Felizmente! Nossa primeira tendência, como falei aqui, é tentar encaixar algo novo nas categorias das “coisas que conhecemos”. Quando elas não se encaixam, tentamos dar uma ‘transformada’ nelas. Uma outra amiga chamaria isso de ‘enfeitar’.

Mas o que o cientista dentro de todos nós deveria aprender a fazer? Procurar a ferramenta mais adequada para lidar cada nova coisa nova. Criar essa ferramenta, se for necessário. Existe uma distribuição normal, simétrica. Mas existem muito mais distribuições assimétricas. E apesar das formas de lidar com elas sejam menos eficientes do que as paramétricas, você não precisa transformar nada. Nem ninguém.

Isso é trabalhoso, é cansativo. Mas como tantas coisas trabalhosas e cansativas, tem grandes recompensas. Então o problema não é esse, o problema é quando isso é impossível.

PS: A idéia e alguns instrumentos para a discussão da normalidade vieram de uma das muitas conversas com minha querida amiga e bióloga Cris.

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