The 20 most productive Brazilian Institutions – Health Sciences

São dados de 2003, mas pouca coisa se alterou desde então. O artigo original pode ser baixado aqui.

Acromegalia II

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Desenho de máscara mortuária escavada no Peru com traços de acromegalia

Muitos diagnósticos em medicina são feitos através do método de reconhecimento de padrões. O médico olha para um paciente e, ao conseguir subtrair as diferenças, rearranja as similaridades em um formato de tal modo a poder compará-lo com outro já previamente visto. Quando a comparação faz sentido, está feito o diagnóstico. Parece simples, mas depende de experiência prévia e principalmente, como têm mostrado estudos recentes, da capacidade de rearranjar as informações em múltiplos formatos, verificar sua coerência, e compará-las com inúmeros diagnósticos diferenciais. Os diagnósticos diferenciais são uma lista de patologias cabíveis no caso específico. Mais que erudição médica é uma forma do médico manter outras portas abertas, um tipo de plano B, caso o diagnóstico no qual ele aposta, não se confirme em avaliações posteriores.

Todas as doenças que dão sinais e/ou deformidades mais ou menos características são afeitas ao diagnóstico por reconhecimento de padrão. Principalmente, quando a deformidade é facial. Há exemplos clássicos: hanseníase (antigamente conhecida como lepra), neurofibromatose ou doença de von Recklinghausen (a doença do homem-elefante) e, claro, a acromegalia (ver figura). No caso específico desta última, meu calvário, os diagnósticos diferenciais são extremamente escassos. Na verdade, existe apenas um diagnóstico diferencial para a acromegalia, o que seria uma grande notícia se esse diagnóstico não se constituísse propriamente de um estado patológico. Na verdade, nem uma doença seria. Seria apenas uma constatação. O  reconhecimento de padrão da acromegalia esbarra em apenas um único “diagnóstico” diferencial: a feiúra. Um tipo específico de feiúra de traços grosseiros e primitivos em total oposição ao padrão vigente de beleza. É um grande desafio despir-se de todo tipo de preconceitos, em especial os machistas, infiltrados em suas visões de mundo e utilizar conhecimentos isentos de juízos morais para tomar decisões puramente técnicas!

Eu fazia parte do staff clínico de um hospital universitário que atendia a comunidade acadêmica e seus funcionários. Nas tardes de terça-feira, fui escalado para um tipo de pronto-atendimento voltado exclusivamente à comunidade universitária. Era um atendimento de problemas simples: gripes, infecções urinárias, amidalites, crises de pânico e coisas afins. Numa tarde nublada, adentra a sala de atendimento uma secretária de um departamento com queixas bastante vagas. Cefaléia, dores pelo corpo, etc. Era uma moça de uns trinta anos. Pele branca, cabelo curtinho, óculos. A face coberta de espinhas. Um pouco gordinha e baixa. Uma moça feia. Os padrões começaram a borbulhar como água fervente na minha cabeça. Os sinais eram muito sutis, examinei as mãos, fiz algumas perguntas. Não estava certo do diagnóstico mas no final da consulta arrisquei: “Acho que você tem um pequeno tumor no cérebro. Essas alterações são compatíveis com acromegalia. Precisamos fazer alguns exames e uma tomografia”. Diferentemente de meu outro paciente, ela ficou em silêncio, ouviu tudo que eu tinha para dizer, pegou todas as requisições e disse que assim que os exames ficassem prontos, retornaria.

Um ano após esse episódio, não tinha tido nenhuma notícia da minha paciente. Estava em um plantão noturno no pronto-socorro geral, ocupadíssimo, quando vi uma figura conhecida, que rapidamente se esgueirou por um dos corredores e desapareceu. Corri atrás e vi que era a paciente em questão. Chamei-a e após mostrar-me surpreso por vê-la tão bem, perguntei por que ela não havia retornado. Sem conseguir me olhar de frente e com lágrimas nos olhos, contou a seguinte história:

“Doutor, saí da consulta naquela tarde completamente arrasada. Tinha de escolher entre me conformar em ser apenas uma mulher feia ou ter um tumor no cérebro! Não fui trabalhar no dia seguinte e entrei em profunda depressão. Tenho amigos médicos e numa reunião, um colega me perguntou o porquê de meu estado e eu contei a história. Ele ficou revoltadíssimo e disse que nunca um médico deveria proceder da forma como você procedeu. Ele e outros amigos me incentivaram a mover um processo. Procurei um advogado. Juntei suas requisições com a hipótese de acromegalia, recibos de consultas com psiquiatras e psicólogos, receitas de antidepressivos, dias de trabalho perdidos e começamos a montar a documentação.”

Todo o processo seria baseado em danos morais pelo fato de a paciente ter sido exposta a um diagnóstico inexistente com enormes prejuízos psicológicos e financeiros. Faltava apenas a prova de que a doença não existia. Continuou: “Fui orientada a procurar um neurologista e me encaminhei ao Hospital das Clínicas. Lá fiz uma ressonância.” Eu estava desesperado.

“A ressonância, porém, mostrou um microadenoma de hipófise! Minha vida virou de cabeça para baixo. Entrei em parafuso. Consegui superar tudo com ajuda da família e dos amigos. Fui operada há 6 meses e estou bem”. Eu estava estupefato. Quando pensei no perigo que passei devido ao excesso de confiança; nos prejuízos que um processo poderia causar à minha curta carreira profissional; no desconforto desnecessário que causei à paciente; na revolta que gerou toda uma mobilização contra minha pessoa, pouquíssimo simpática ao círculo de amizade da paciente – o diagnóstico correto ficou num plano muito, muito secundário. Ela abriu a bolsa e me deu uma carta que carregava com ela desde que se descobrira doente. Era uma carta de agradecimento, um grande obrigado. Eu disse que quem deveria agradecer era evidentemente, eu. Por que? Porque a lição estava aprendida: o exercício da medicina é algo muito maior que diagnósticos difíceis e tratamentos corretos.

Tenho essa carta comigo, até hoje. Para eventuais períodos de déficit de memória.

Acromegalia


Ressonância de paciente com Acromegalia – from Wikipedia under permission

Eu estava no terceiro ano de residência. Um amigo me convidou para trabalhar em um consultório que atendia bons convênios. Fui, meio a contragosto. Não era muito afeito a atender pacientes ambulatoriais. Gostava da emoção dos pronto-socorros e UTIs. Comecei a atender e gostei. Fazia bom vínculo com os pacientes a ponto da gerente da clínica me elogiar: “Você tem jeito para coisa!” Minha clientela foi crescendo.
Um dia, chegou ao consultório um senhor, por volta de 50 anos, de origem nipônica, com queixas bastante vagas. Falava de dores musculares, dores de cabeça, cansaço. Interrompi seu discurso após tê-lo observado por alguns minutos e desferi um diagnóstico: Acromegalia. A acromegalia é uma doença endocrinológica causada por tumores produtores de hormônio do crescimento (GH), obviamente muito além das necessidades do organismo. O que ocorre com o organismo depende da fase na qual a doença se manifesta. Se antes de fechar as epífises de crescimento nos ossos (antes, portanto, da puberdade) o indivíduo cresce muito e temos o quadro de gigantismo, comum em jogadores de basquete. Se depois de fechar as epífises o indivíduo manifesta a doença, já não vai crescer em altura. Suas extremidades é que vão: orelhas, supercílios, queixo, pés e mãos mostram variados graus de hipertrofia. O rosto se modifica muito lentamente e normalmente as pessoas não se dão conta disso. O diagnóstico de acromegalia normalmente leva em média, 10 anos para ser feito. É uma doença rara. A cada ano, surge um caso para cada 1 milhão de pessoas. Na cidade de São Paulo, deveriam ser feitos mais ou menos 5 novos diagnósticos anualmente. Um deles caiu no meu consultório.
Apesar de sutis, as mudanças em meu paciente eram mais ou menos evidentes. Pedi uma foto antiga. Ele me deu sua identidade e eu disse: “Acho que você tem um pequeno tumor na hipófise, glândula localizada na base do cérebro. Precisamos fazer um exame de imagem”. O paciente quase caiu da cadeira. Entre perplexo e desesperado, fez todos os exames que pedi e a cada resultado, o diagnóstico se confirmava. Ele, incrédulo, descobriu que tinha hipertrofia miocárdica, leve diabetes, alterações na tireóide e pólipos intestinais. Todas alterações que eu previra de forma precisa e algo arrogante.
Indiquei uma cirurgia e um neurocirurgião capaz de realizá-la. Ele optou por outro profissional. Acabou tendo várias complicações e me chamou para acompanhá-lo no hospital. Na avaliação, encontrei falhas no procedimento cirúrgico e chamei a atenção para elas em anotações no prontuário. Arrumei uma bela confusão com a equipe cirúrgica, entretanto quando foram investigar minha hipótese: eu estava certo de novo! Corrigiram o erro e o paciente obteve alta bem.
Algum tempo depois, publiquei o caso em uma revista brasileira. Fui elogiado, bajulado. Minha auto-confiança como diagnosticador aumentou e de emergencista, passei também a atuar no consultório.
Esse caso me trouxe muitos ensinamentos médicos mas nenhum ensinamento ético. Anos mais tarde, a acromegalia iria me ensinar uma lição definitiva.

Propofol

Medicine Man by Jason Freeny at Street Anatomy

Talvez uma das situações que mais assuste um médico seja ficar doente. Ironia das ironias, o advogado processado, o mecânico com o carro quebrado e o médico doente, são arquétipos que sempre são invocados seja, para lembrar do humano em nós, seja para exemplificar o famoso “casa de ferreiro…”
Em nosso meio, Drauzio Varella fez um importante relato por ocasião da febre amarela que quase o matou. Eu, no pós-operatório de uma cirurgia nasal simples, mas cuja anestesia geral foi necessária, fico pensando nos pequenos atos que fazem com que nos sintamos bem em situações de estresse: o circulante da sala – profissional encarregado de auxiliar os médicos durante o ato cirúrgico – se apresentou a mim e disse que ia acompanhar minha cirurgia. Um grande sorriso no rosto, logo o reconheci. Ele havia trabalhado na limpeza da UTI do mesmo hospital, meu habitat natural. Com alguns cursos e concursos, galgou a posição que agora ocupa e pareceu-me feliz.
Por alguns momentos, fiquei orgulhoso ao mesmo tempo em que me vieram a cabeça todas as novas diretrizes corporativas com as quais as instituições bombardeiam os “colaboradores” e reconcluí, nostalgicamente, que uma instituição não é feita de diretrizes mas, de pessoas que deveriam seguir diretrizes. Então, recebi 2 mL de fentanil (um derivado 60 vezes mais potente que a morfina) e tudo começou a girar. Não me dei por vencido e segui falando de um assunto que não necessita muita massa encefálica (pois a minha já estava bastante comprometida a essa altura): FUTEBOL.

Devo ter deixado o anestesista nervoso porque, da rotação em velocidade constante que estava, fiquei surdo e passei a uma penumbra que progressivamente foi tomando conta da minha consciência e tudo, finalmente, sumiu. Propofol é uma beleza. Sentir-se em casa ao lado de amigos, também.

Sobre a Incerteza

Reneé Magritte – Princípio da Incerteza (1944)

Como você lida com a incerteza? Em 1927, Heisenberg abalou a Física com a impossibilidade de uma certeza. Ficamos desconfortáveis com incertezas. É fato conhecido que testemunhas de acidentes ou crimes inventam fatos para preencher histórias com dados incompletos. Com a maior das boas intenções. As certezas nos acalmam, nos deixam pisar em terreno firme, nos enchem de confiança.

Se físicos têm incertezas, que dirá os médicos. As fontes de incerteza dos médicos são basicamente três: 1) nenhum médico sabe ou tem habilidade para dominar toda a Medicina, mas mesmo que soubesse 2) o próprio conhecimento médico é incompleto e incapaz de lidar com todo o espectro do sofrimento humano e, finalmente 3) um misto de ignorância e incapacidade que mistura as duas primeiras. Como os médicos lidam com a incerteza (ou pelo menos, como deveriam lidar)? Há pacientes que gostam de saber das dúvidas e encruzilhadas em sua trajetória terapêutica, instando o médico a compartilhá-las. Há outros que se sentem extremamente inseguros e acham o médico também inseguro, começam a ouvir opiniões de outros profissionais e, no melhor estilo “cada cabeça, uma sentença” a situação só piora.

Conheço médicos que fingem. Fingem estar super-seguros sobre algum assunto do qual não têm a menor segurança. Conheço excelentes médicos que por deixar transparecer uma ponta de dúvida, perderam pacientes para outros médicos. Conheço médicos que ao tentar explicar minuciosamente as possibilidades terapêuticas, confundem. Conheço alguns que deixam a decisão de tratar ou não, para o paciente!

Qual a melhor forma de lidar com a incerteza? Talvez não exista uma fórmula mágica. Sinceridade e honestidade, sempre caem bem. Discutir alguns pontos com o paciente pode reforçar a ligação profissional. Mas acho que a grande lição é que a medicina em seu núcleo duro, é um relacionamento. É uma humanidade. Mas não tenho tanta certeza sobre isso…

Dia do Médico

O dia 18 de Outubro é considerado o dia do Médico. (Ver esse site para interessante texto sobre o porquê do dia 18 de Outubro). Recebi muitos cumprimentos, vários presentes (inclusive um livro do Lablogatórios!). Entre vinhos e chocolates (que não devem jamais serem consumidos juntos, com honrosas exceções, ver acima), recebi um livro sobre Bioética de um laboratório de análises clínicas. A princípio, achei que fosse uma dessas publicações de merchandising, mas me enganei completamente. Escrito pelos padres camilianos Leo Pessini e Christian Barchifontaine, o livro é, de fato, muito bom e bastante abrangente. Padre Léo foi capelão do Hospital das Clínicas e tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Me chamou a atenção sua batalha contra a distanásia e a defesa da ortotanásia. Termos que poderiam ser traduzidos como “morte ruim” e “boa morte”, respectivamente. É óbvia a importância desses conceitos na medicina atual, que tem na terapia intensiva o paradigma do “cuidado médico”.
Gostaria de agradecer os cumprimentos e os presentes, principalmente esse, que com certeza será bastante útil. Nada melhor que Ética (Filosofia Prática) no dia do Médico.
P.S. Mas vinho e chocolate também é “bom demais”.

Paciente ou Cliente?


Segue interessante desabafo de um hospitalista americano (médico responsável por cuidar de pacientes internados) que não suportou a nova onda “capitalizante” que vem repaginando a medicina nos EUA. Aqui, seguimos a cartilha, também temos nossas versões de acreditação (ONA – Organização Nacional de Acreditação) além de importar as mais famosas internacionalmente, com o fim declarado de aumentar a segurança dos pacientes mas que apresenta um forte viés de mercado.
Essa é bem a visão do médico. Frases como essa sobre “centros de excelência”:
“Now the medical center, riddled with “centers of excellence” instead of departments, answered only to administrators who cared nothing about medical education, except for the Medicare dollars they would
lose if they cut the training programs.”

Ou essa, sobre a enfermagem:
“The doctor-nurse collaboration I grew up with as a trainee and young attending didn’t exist anymore,
and patients suffered as a result.”

São frases clássicas de médicos que sentem que o clima, o enfoque, a filosofia do health business, mudou! É muito interessante como a ciência médica se encaixa nesse tipo de administração hospitalar. Não há um CEO que não atribua uma importância estratégica à chamada “produção de conhecimento” e aqui no Brasil, há uma fortíssima tendência de instituições particulares (for profit, of course) assumirem a vanguarda tecnológica e científica, deixando para trás universidades poderosas como a USP.
Se o conhecimento produzido por uma universidade já deve ser submetido a uma análise crítica pois envolve conflitos de interesse (além de outros interesses que ainda não geram conflitos – falaremos disso oportunamente!), imagine o produzido dentro de uma instituição voltada para atendimento de convênios que exigem “protocolos” de conduta médica, exigem desempenho e uniformização dos médicos, além de velocidade em resolver os casos! Não temos ferramentas ainda, na minha maneira de ver, para criticar a ciência médica produzida nas condições normais, que dizer das produzidas nas novas condições que o “mercado da saúde” está exigindo. Um futuro de incertezas cerca a medicina pós-moderna.

Epidemiologia da Exposição

Paramixovírus. From Linda Stannard’s Virus Ultrastructure, at the Department of Medical Microbiology, University of Cape Town.

A grande marca das ciências modernas é a sua estruturação num modo de argumentar baseado na experimentação, ou apoiado na dedução lógica e/ou na matemática. A forma de se fazer perguntas sobre o mundo e a obtenção de respostas com valor de verdade apóiam-se fundamentalmente nas relações formais entre hipóteses e conclusões, retiradas das ciências chamadas “duras”.
A Epidemiologia não queria ficar para trás. Por isso, William Heaton Hamer, personagem importante do período, na década de 30 construiu as curvas epidêmicas do sarampo na Inglaterra. Com elas, os períodos de aumento e diminuição dos casos ao longo dos anos não precisavam mais de teorias miasmáticas e metafísicas para sua explicação. Sigamos Ayres:
“Embora Hamer tenha construído seu raciocínio ainda muito influenciado por conceitos e concepções da epidemiologia da constituição, esse epidemiologista fornece uma base bastante interessante para a sua sucedânea, a epidemiologia da exposição. Isto porque, por um lado, abriu um importante espaço para a quantificação, o que viria a ter enorme importância na década de 30, após os significativos avanços que a estatística alcançou na década de 20. Por outro lado, o equacionamento dos diversos fatores envolvidos nos fenômenos epidêmicos e a elaboração de seus potenciais desdobramentos em função de suas relações matemáticas, confere aos fenômenos epidêmicos possibilidades de manipulação e preditibilidade extremamente interessantes para o ambiente pragmatista que passava a dominar a cena da época.”

Mais quantificação, mais “cientificação”. Incorporação da Estatística, tão cara a nós hoje em dia. A Epidemiologia em busca de um lugar nas bases do pensamento médico. E devagar, chegamos à Epidemiologia do Risco.

O Paradigma do Risco

Max Joseph von Pettenkofer (1818-1901). From Wikipedida, the free encyclopedia

No post anterior, chamei a atenção para um interessante artigo publicado em uma revista de prestígio de Medicina Interna cuja tese era: o diagnóstico rotula os pacientes inadequadamente. Em doenças de alta prevalência na sociedade industrial é mais interessante fazer a predição do risco. Segundo os próprios autores, no resumo, “this article discusses risk prediction as an alternative to diagnosis: Patient risk factors (blood pressure, age) are combined into a single statistical model (risk for a cardiovascular event within 10 years) and the results are used in shared decision making about possible treatments. The authors compare and contrast the diagnostic and risk prediction approaches and attempt to identify the types of medical problem to which each is best suited“. O interesse desse artigo é comprovar a tese de que vivemos sob o paradigma do risco. O que isso significa e quais as implicações é o que tentaremos mostrar a seguir.

Vamos acompanhar o raciocínico de José Ricardo Ayres no paper Epidemiologia, promoção da saúde e o paradoxo do risco da Revista Brasileira de Epidemiologia, 28 Vol. 5, supl. 1, 2002. Nos interessará principalmente o processo de construção histórico-epistemológica da epidemiologia do risco, como também o bastante mais aprofundado livro do mesmo autor “Sobre o Risco” (infelizmente esgotado!)
A evolução do pensamento epidemiológico pode ser dividida em três grandes períodos definidos pela completude da penetração da modernização do discurso científico que lhe servia de base. O primeiro período é chamado de Epidemiologia da Constituição (1872-1929). John Snow é quem primeiro aplica conceitos modernos de epidemiologia na epidemia de cólera da Londres vitoriana. Nesse período inicial, o Instituto de Higiene de Munique, fundado por Pettenkofer foi paradigmático. De caráter mais pragmático e atuante, ela veio modificar o pensamento epidemiológico da época por utilizar-se de uma “macrofisiologia” para explicação dos fenômenos de saúde pública, como um “Claude Bernard” epidemiológico, servindo de exemplo para fundação de importantes instituições que viriam a ter grande influência no período, como a escola de Saúde Pública da Johns Hopkins. Nessa fase, já começam a aparecer traços do risco como diretriz do pensamento epidemiológico, em substituição ao meio. Nas palavras do autor:
“O termo risco começa a surgir no jargão epidemiológico ainda em plena fase da epidemiologia da constituição, em torno dos anos 20. À proporção que o conceito de “meio externo”, relacionado a uma perspectiva mais teorética e ontológica acerca das “constituições” desfavoráveis à saúde, vai se rarefazendo conceitualmente, o risco vai se adensando, configurando uma perspectiva mais tecnicista e pragmática de tratar dos mesmos fenômenos. À medida em que o meio vai sendo marginalizado na estrutura argumentativa da epidemiologia, o risco vai definindo a sua centralidade até assumir, numa nova configuração discursiva, um papel definidor da perspectiva analítica mais característica da ciência epidemiológica.”
Continuaremos com a Epidemiologia da Exposição e Epidemiologia do Risco.

Against Diagnosis


Um artigo do Annals Internal Medicine de 5 de Agosto tem chamado a atenção dos médicos. O artigo tem o título “Against Diagnosis”( Ann Intern Med. 2008;149:200-203). Como pode alguém publicar um artigo “contra o diagnóstico”? Na verdade, a proposta dos autores, que são epidemiologistas do Memorial de Nova Iorque, é que pensar na doença em termos de predição de risco é muito mais vantajoso que pensar nela em termos de diagnóstico. Vejamos:
Para eles, existem duas vantagens principais: 1) Dado que muitas variáveis em medicina são contínuas, p.ex. glicemia de jejum, pressão arterial, etc; qual seria o nível a partir do qual classificaríamos um paciente de hipertenso ou não? Diabético ou não? 2) E se o paciente tivesse vários fatores de risco, não valeria a pena colocarmos o “sarrafo” mais acima para evitar complicações precoces? Todas essas perguntas realmente colocam em xeque a abordagem da doença via arbitrariedade do diagnóstico. O diagnóstico como ferramenta cognitiva binária não dá conta do contínuo de variáveis de um ser humano real. Principalmente quando tratamos de doenças com intervalo de normalidade arbitrário.
Talvez esse texto seja uma explícita declaração da filosofia que domina a Ciência Médica atualmente: a Epidemiologia do Risco. Tentaremos uma aproximação a esse assunto nos próximos posts.