Resistência Bacteriana

This scanning electron micrograph (SEM) reveals s...O anúncio pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) de
que a venda sem receita médica de antibióticos será proibida, gerou
polêmica no meio médico e entre consumidores, farmacêuticos e
associações de varejistas. A medida vem de encontro a uma resolução do
ano passado da própria ANVISA, no sentido de diminuir as altas taxas de
infecções multi-resistentes no Brasil.

O Brasil, por sinal, é um dos poucos países em que se pode comprar antibióticos de última geração no balcão, apenas pedindo pelo nome. Se não souber o nome, o balconista com certeza, o ajudará a encontrar a medicação mais apropriada ao seu problema. Farmacêuticos e médicos estão unidos contra a automedicação. Entretanto, ouvi numa entrevista da CBN o presidente da associação varejista de farmácias de que essa resolução estaria em desacordo ao direito do cidadão em defender-se e cuidar de sua própria saúde (!!!).

O problema da resistência bacteriana é o ponto nevrálgico da antibioticoterapia em pacientes graves. Em terapias intensivas, os germes multirresistentes são muito comuns, alguns deles, resistentes a todas as drogas antimicrobianas conhecidas! Estamos atualmente, com problemas seríssimos com cepas de Acinetobacter sp, Enterobacter aerogenes e Klebsiella pneumophila. Os mecanismos de resistência são engenhosos sistemas de inativação das drogas.

horizontaltransfer.jpgA figura ao lado ilustra alguns desses mecanismos. Enzimas inativadoras ou degradadoras de antibióticos são codificadas por genes naturais de algumas bactérias ou conseguidas através de outras. Interessante notar que alguns desses genes são ativados por antibióticos. Isso mesmo. Alguns antibióticos desreprimem genes que causam resistência. O pior é que isso pode ser extendido à antibióticos de maior espectro, restringindo o uso de “armas mais fortes” e tornando a bactéria mais resistente. Esses genes podem também ser transmitidos de bactéria para bactéria da mesma espécie ou até de outras espécies. Esse tipo de transmissão é chamado de horizontal (para diferencial do vertical – mãe para filha) ou HGT (horizontal gene transfer). As bactérias podem “trocar” material genético entre si (conjugação); podem captar material genético espalhado por uma co-irmã morta em combate (transformação); e por fim, podem contrair – tal como uma “doença” material genético de outra bactéria, da mesma espécie ou não, através de um vírus chamado phago (transdução). Se contar, ninguém acredita. Parece ficção científica mas é a pura realidade.

Bombas de efluxo são mecanismos de bombeamento de antibióticos para fora do citoplasma bacteriano. Muitos antibióticos causam furos na membrana bacteriana para que elas tenham uma morte osmótica. Quem lembra do Star Wars III, quando Anakin e Obi Wan em naves da Federação entram em combate com outras naves e um grupo de “robozinhos do mal” sobem nas asas e começam a desmontá-las chegando a tirar a cabeça do robô do Obi Wan? Esses robozinhos são como antibióticos e as bactérias, assim como as naves, têm formas de inativá-los.

E assim segue a guerra interminável entre hospedeiro e parasita que assume, muitas vezes aspectos épicos, como o que estamos vivendo agora nas unidades de terapia intensiva. A decisão da ANVISA em minimizar o uso indiscriminado de antibióticos pelos leigos pesa a nosso favor na luta. Agora só falta minimizar o uso indiscriminado de antibióticos também em quem tem o poder de prescrevê-los. Mas essa é uma batalha muito mais difícil.

A Linha entre Hipocondria e Autonegligência

O título acima foi retirado de um instigante post do Cretinas.
A medicina grega era uma medicina de equilíbrio. Para os gregos, as doenças eram causadas por desequilíbrios entre os humores internos. O médico deveria tratar seu paciente restaurando esse equilíbrio. Grande parte, se não todo o tratamento, deveria ser executado pelo próprio paciente, até porque não existiam muitas medicações disponíveis na época. O médico indicava o caminho a ser trilhado e – era dada grande importância para isso – convencia o paciente à trilhá-lo. Para tal, o médico deveria contar com a confiança de seu paciente. A responsabilidade do paciente sobre sua própria saúde, o cuidado-de-si, acabou ficando um tanto para trás. (Lia outro dia, um fantástico livro do qual ainda vou falar bastante, onde se discutia o papel do médico na conduta moral de seu paciente: seria o médico um aconselhador crônico do paciente do tipo “não fume”, “não beba”, “faça sexo seguro”; ou o médico seria alguém para nos tirar de enrascadas ético-morais com repercussões orgânicas nas quais nos metemos irremediavelmente pelo puro fato de vivermos?)
Deixando essas divagações para uma outra oportunidade, a questão do Cretinas é: como devo regular meu cuidado-de-si? Se muito sensível, me transformo em hipocondríaco. Se pouco sensível, serei negligente comigo, descuidado, ou no jargão médico “tigrão”!

hipocondrio.jpgO termo hipocondria foi cunhado, segundo consta, pelo próprio Hipócrates. É formado por duas palavras hypo = embaixo e chondrós = cartilagem. A região hipocondrial faz parte do exame do abdome e fica exatamente abaixo da última cartilagem costal, portanto à direita e à esquerda. Nela estão alojados dois orgãos extremamente caros à medicina grega: o baço, à esquerda; e o fígado, à direita.(ver figura).
Hipocondríaco é o indivíduo obsessivo por sua saúde. Isso o faz procurar por possíveis doenças a todo momento. Recentemente, foi criado o termo cibercondria para dar conta dos hipocondríacos obsessivos por procurar informações médicas na internet. Baseado nesse tipo de comportamento de massa, o Google criou um sítio com as tendências das anuais epidemias de gripe ao redor do mundo e obteve resultados impressionantes. Isso indica que, não só no Brasil, mas em todos os países, é um comportamento comum do paciente procurar informações sobre suas enfermidades, não importando se essa enfermidade é uma doença rara ou uma “simples” gripe. Sendo assim, quer os médicos gostem ou não, essa é uma realidade da qual não se pode mais fugir, portanto, é melhor estar preparado.
Para mim, a linha entre a hipocondria e a autonegligência é, na verdade, um espaço. Um espaço no qual o paciente deveria sentir um desconforto, mas não o desconforto patológico do hipocondríaco, nem o falso bem-estar do negligente tampouco. Deveria sentir um desconforto que o faça procurar ajuda, hipótese imediatamente rechaçada pelo Cretinas, a meu ver apropriadamente, em função das condições atuais de funcionamento do SUS e também da Saúde Complementar. Isso me faz cavar mais fundo. E aqui começam os problemas. A série “Sala de Espera” me trouxe um conhecimento que talvez eu tivesse intuitivamente, mas que se confirma no pequeno “n” de leitores que frequenta essa minúscula ilha no oceano virtual. As pessoas têm sim, um médico prototípico. Têm um tipo de atendimento em mente e ao contrário do que pensava (além de corroborar o parágrafo acima) têm cada vez menos preconceito de procurar por médicos na internet, se bem que o velho boca-a-boca ainda é muito importante. Isso de certa forma, demonstra que o cuidado-de-si é, em geral, calibrado por uma consciência sobre nossa própria existência e funcionamento. Exatamente porque essa consciência de si passa pela imagem que cada um tem de si próprio é que temos uma variação enorme de limiares e formas de procurar ajuda. A imagem que cada um tem de si (e a preocupação com ela) define os padrões de saúde que cada um quer ter. Tenho dito que um dos maiores problemas da medicina contemporânea é lidar com essa imagem que os pacientes constroem deles mesmos, pois ela sofreu enormes mudanças no último século. A medicina se atrasa em compreender a dissolução do sujeito processada na pós-modernidade, para usar de um exemplo bem batido; outro exemplo é dado pelas dificuldades enormes em separar tecnologia médica de avanço médico. Medicina e médico falham em preencher o espaço entre a hipocondria e a negligência.
Juntando tudo, esse espaço só pode ser preenchido por um médico que tenha a confiança do paciente. Um médico que não conheça tudo, mas saiba como buscar esse conhecimento. Que assuma o paciente como ser sofrente e se empenhe em resolver seus problemas. Muitos dirão “ah, isso é um clínico geral bom e custa muito caro.” Eu concordo (hehe), mas digo que muitos médicos de outras especialidades têm perfil assim. Diria também que alguns convênios, a exemplo do que vem ocorrendo nos EUA, vem estimulando vínculos mais intensos com pacientes problemáticos (telefone, por exemplo) sejam eles hipocondríacos ou não, e conseguindo obter expressivas reduções nos seus custos com isso. É bom para todos. Falta o Estado, do alto de sua insensibilidade histórica, aplicar esse conhecimento em larga escala, pois experiências não faltam, como o Programa de Saúde da Família, programas de atendimento domiciliar a pacientes fora de possibilidades terapêuticas (o NADI no HCFMUSP e no HU-USP), e tantos outros dos quais não consigo lembrar o nome agora (meus leitores me farão justiça). No mais, não posso deixar de concluir que, ao menos ao que parece, estimular vínculos interpessoais e tratamento inter-humano, além de tudo, economiza grana…


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Qual é o Diagnóstico?

Exemplo de imagem construída em computador pessoal a partir de tomografia comum. Qual é o diagnóstico desse paciente?

Sala de Espera II

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As respostas foram simplesmente fantásticas!! A figura do médico é, sem dúvida, um arquétipo, o que denota de antemão as expectativas do paciente em relação ao seu “curador”. O teor das respostas aponta para uma imagem que se enquadra em dois modelos clássicos. O médico que atende as expectativas pré-concebidas de seu cliente estaria mais próximo do modelo de um ARTISTA ou de um CIENTISTA?

Ambos têm suas excentricidades. O artista, pode ser mais sedutor mas tem a contrapartida de também poder ser um pouco mais “enrolador” e evasivo. Já o cientista, aparentará extrema competência e confiabilidade, porém terá muito mais dificuldades de comunicação e relacionamento com o paciente.

ARTISTA OU CIENTISTA? De qual modelo o seu médico se aproxima mais? 

 

Sala de Espera

Proponho um exercício ao meu seleto grupo de leitores.

Imagine que você está muito doente e que lhe indicaram um médico(a) muito bom (boa). Você não o(a) conhece e vai ao consultório dele(a) pela primeira vez. Na sala de espera, a secretária chama você e o(a) acompanha até a sala dele(a). A expectativa cresce, pois você se defrontará com uma figura na qual deposita muitas esperanças (talvez todas!) e mal conhece.

A pergunta é: Qual é sua expectativa quanto a aparência desse médico(a)?

A pergunta é sobre a aparência mesmo. Primeira impressão. Não importa o quanto o médico(a) se revele competente depois. Estamos falando da simples e crua aparência externa do médico(a). Tente imaginar qual figura preencheria suas expectativas mais pessoais. Detalhes como idade, tipo de penteado, brincos e tatuagens (ou a ausência deles) seriam benvindos.

A Teoria da Vitamina D e a Despigmentação da Pele Humana

Esse post faz parte da blogagem coletiva sobre Luz do Scienceblogs Brasil.

Existem poucas dúvidas de que a linhagem humana e o próprio Homo sapiens surgiram na África Equatorial. A cor da pele dos primeiros hominídeos era negra, se utilizarmos a nomenclatura vigente. Com a dispersão dos hominídeos para latitutes mais elevadas, houve uma despigmentação da pele. Várias teorias discutem qual foi o fator primordial que selecionou a pele clara em latitutes mais elevadas e a manteve escura na região equatorial. O paradigma atual é o da vitamina D, com papel importante desempenhado pelo ácido fólico.

Vit D

 

Am J Clin Nutr 1998;67:1108-10. Printed in USA. © 1998 American Society for Clinical Nutrition

A vitamina D não é uma vitamina de fato, nutricionalmente falando. Na verdade, o termo mais apropriado seria o de pró-hormônio. Ela divide a mesma estrutura química, o anel ciclopentanoperhidrofenantreno, com vários hormônios como o estradiol (hormônio feminino), a aldosterona (hormônio supra-renal responsável pelo metabolismo do sódio) e o cortisol (hormônio com múltiplas funções relacionadas ao stress e a imunomodulação). A vitamina D é fotossintetisada na pele humana devido a infiltração de raios UVB que fotolisam a provitamina D3 em vitamina D3 (ver figura). Esta, por sua vez, vai ao fígado e finalmente, ao rim, para depois exercer seus efeitos. O excesso de sol não produz um excesso de vitamina D. Isso ocorre pois a exposição solar excessiva produz a conversão da próvitamina D3 em lumisterol, inativo, que pode ser reconvertido a vitamina D3 quando a exposição solar diminuir. Além disso, o bronzeamento funciona como um filtro solar que impede o excesso de radiação UVB, diminuindo assim, sua conversão.

Inicialmente lançada por Murray em 1934, a teoria da vitamina D foi ressuscitada e popularizada por Loomis em 1967 e refinada por Jablonski e Chaplin em 2000 com a aplicação de dados quantitativos sobre a radiação UVB. É baseada na simples observação de que a cor da pele de populações nativas segue a seguinte distribuição: 1) pele escura na região equatorial e cinturões tropicais; 2) pele mais clara, regiões acima do paralelo 50; e 3) os de pigmentação intermediária, as latitutes intermediárias entre as duas primeiras. Essa hipótese correlaciona-se muito bem com o índice de reflectância das várias colorações da pele humana aos raios UVB, sendo menor nas peles mais claras que, portanto, absorvem mais raios UVB e em consequência, fotossintetizam mais vitamina D. Isso permite que indivíduos de pele clara tenham uma melhor adaptação a locais com menor insolação.

Segundo o modelo atual, o homem moderno surgiu na África Sub-Saariana há 100.000-150.000 anos atrás. Um grupo migrou para há Europa há 35.000-40.000 anos atrás. A teoria da vitamina D propõe que esses indivíduos foram sofrendo uma progressiva despigmentação da pele até atingirem a pele característica da população europeia atual. Isso se deveu à adaptação à menor irradiação UVB nessas latitudes pois a melanina é um excelente filtro solar. A cereja do bolo é o mecanismo de pressão seletiva: raquitismo. Por meio das deformidades produzidas pela doença, os indivíduos portadores não deixariam descendentes de modo que sua linhagem se extinguiria, favorecendo os de pele cada vez mais clara. Atribui-se às deformidades do raquitismo alterações de mobilidade que impediriam o indivíduo de caminhar e coletar alimentos; fraqueza muscular; nas mulheres, as alterações pélvicas tornariam o parto extremamente difícil ou mesmo impossível. Mesmo assim, uma criança gerada nessas condições pode ter hipocalcemia severa e lesões cerebrais graves sendo essas, importantes causas de mortalidade infantil ainda hoje.

photo of 4 people showing some of the variation in human skin coloration--Sub-Saharan African, Indian, Southern European, and Northwest European

Bem, o tempo passou e os humanos fizeram a maior bagunça. Foram daqui para lá e de lá para cá misturando-se de todo jeito. Então, já que temos indivíduos de todas as cores em todas as latitudes, basta dosarmos a vitamina D em pessoas da mesma latitude para comprovarmos a teoria, certo? Isso tem sido feito desde a década de 30, principalmente nos EUA e o resultado é que americanos negros têm níveis menores de vitamina D que seus compatriotas de pele clara. Estudos in vitro, mostraram que a pele clara chega a absorver 10x mais UVB que a pele escura.

Entretanto, Robins questiona não tanto os efeitos demonstrados, mas muito mais a força da vitamina D e do raquitismo em dar conta de toda a grande variedade da pigmentação da pele humana como mecanismos de seleção natural. Os argumentos são incômodos: 1) Se a pele escura absorve menos UVB, basta aumentar o tempo de exposição. E ele já é baixo, são necessários 30 minutos diários. 2) Há depósitos de vitamina D realizados nos períodos de maior insolação. 3) Como separar esses fatores de condições sócio-econômicas? 4) A exposição solar não é a principal causa de raquitismo. Segundo Robins, escavações mostraram que a frequência de ossadas encontradas com sinais inequívocos de raquitismo varia de 0,7 a 2,5%. Bem diferente da epidemia de raquitismo nas escuras e esfumaçadas cidades européias da revolução industrial.

Chaplin e Jablonski argumentam que não há teoria alternativa que encaixe tão bem como essa. Segundo eles: “Vitamin D is essential to human health. Vitamin D receptors (VDRs) are found on 36 major organs. Vitamin D exerts paracrine functions in 10 organs, and performs essential regulation of B and T lymphocytes, the adaptive and innate immune system, pancreas, brain, and heart (Norman, 2008). It plays an important part in cancer prevention (Garland et al., 2006; Fleet, 2008). It has regulatory effects on inflammatory markers and autoimmune diseases such as diabetes and multiple sclerosis (Holick, 2008; Holick and Chen, 2008). Vitamin D deficiency is implicated in epidemics of infectious diseases like influenza
(Cannell et al., 2008). Single nucleotide polymorphisms of the VDR gene are associated with susceptibility to pulmonary tuberculosis in West Africans (Olesen et al., 2007), and TB and pneumonia are frequently seen together with 25(OH)D deficiency. The lung has its own vitamin D paracrine function that indicates that the vitamin has special significance in protecting lung function (Muhe et al., 1997; Holick and Chen, 2008). Because vitamin D increases muscle performance, it positively affects cardiac output (Valdivielso and Ayus, 2008). Overall, there is an association with perinatal and childhood 25(OH)D status and mortality (Hollis and Wagner, 2004a,b; Lucas et al., 2008b). Because of the lack of comparative population-based studies, it is not yet known how assays of 25(OH)D represent health status, nor what is the essential determinant of pathophysiology: peak concentration, average throughout the year, the nadir, or the range (Millen and Bodnar, 2008)”.
Acho que tudo isso poderia justificar alguma seleção natural, não?

Bom, a teoria da vitamina D é o principal modelo atual para explicar a grande variação de cor da pele humana. Vista dessa forma, não parece estranho darmos tanto valor a um simples mecanismo adaptativo?

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/40/William_Blake-Europe_Supported_By_Africa_and_America_1796.png
De William Blake, Europe Supported By Africa and America, 1796 at Wikipedia

Referência principais

1) George Chaplin, Nina G. Jablonski. Vitamin D and the evolution of human depigmentation. American Journal of Physical Anthropology: 2009 (ahead of print).
DOI: 10.1002/ajpa.21079 US: http://dx.doi.org/10.1002/ajpa.21079

2) Ashley H. Robins. The evolution of light skin color: Role of vitamin D disputed. American Journal of Physical Anthropology: 2009 (ahead of print).
DOI: 10.1002/ajpa.21077 US: http://dx.doi.org/10.1002/ajpa.21077

3) Sobre a inexistência das raças.

Vitamina D

Este post faz parte da Blogagem Coletiva sobre Luz do Scienceblogs Brasil. Devo dizer que o nível das postagens está especialmente elevado. É só conferir.

Confesso que demorei para escolher meu tema porque falar sobre luz me parece coisa para poetas, biólogos ou físicos. Mas me lembrei de um assunto que me é extremamente caro e que tem, obviamente, origem na luminosidade que recebemos em nosso planeta: a cor de nossa pele. Antes vamos entender um pouco da fisiologia da Vitamina D.

O Metabolismo da Vitamina D

A Vitamina D é essencial para a fisiologia do cálcio e o fósforo. O crescimento, desenvolvimento e integridade estrutural do esqueleto também é dependente da Vitamina D. A principal fonte de vitamina D utilizada pelo organismo (90%) é proveniente da fotossíntese cutânea (quem disse que não fazemos fotossíntese?). Apenas os 10% restantes são derivados da dieta. A radiação ultravioleta-B (UVB) ao entrar na pele, quebra o 7-dehidrocolesterol à pré-vitamina D3, que é posteriormente convertida à vitamina D3. No fígado é hidroxilada à 25-hidroxivitamina D (25-OHD) para, finalmente, nos rins, transformar-se em 1,25-dihidroxivitamina D (1,25-(OH)2D). Essa molécula promove a absorção de cálcio no intestino e nos ossos, mineralizando-os. A deficiência de vitamina D causa o raquitismo em crianças e adolescentes. Nos adultos, causa osteomalácea e osteoporose. As perninhas tortas mostradas na radiografia são decorrentes da desmineralização óssea mas também da síntese defeituosa da matriz colágena dos osteoblastos resultando num osso “mole”. O raquitismo é caracterizado por deformidades importantes que têm nomes clássicos na medicina: rosário raquítico jlvalen 066.jpg

(proeminência das cartilagens torácicas); deformidades torácicas (“peito de pombo”, tórax em quilha); crâniotabes (deformidade craniana); genu varum (o do raio-x) ou genu valgum (da foto ao lado). Também existem deformidades pélvicas caracterizadas por estreitamento do canal pélvico (voltaremos a isso). Os recém-nascidos podem ter fraqueza muscular importante e hipocalcemia grave que pode ser fatal por insuficiência cardíaca e convulsões.

O raquitismo é uma doença da deprivação do sol. Há estudos sobre as taxas de insolação das mais variadas localidades e São Paulo, por exemplo, tem uma taxa de insolação insuficiente, sendo necessária a suplementação de vitamina D aos recém-nascidos. O raquitismo é ainda muito prevalente nas populações de baixa renda e todos devem estar atentos pois o tratamento é muito simples e o não tratamento provoca incapacitação grave, por toda a vida.

A Doença

Participar de grupos de blogs científicos como o ScienceblogsBrasil tem, confesso, um lado ruim! Esse lado ruim é constituído pela fórmula a seguir:

“cabeça-de-médico” + “visão crítica geral proveniente das mais variadas áreas do conhecimento” = “nó-na-cabeça”
Se não vejamos. Uma sensacional discussão esquenta o debate ecológico no Geófagos. O que está em jogo é o conceito de “crescimento sustentável”. Na verdade, discute-se mesmo se ele existe! Parece haver um consenso de que, de alguma forma, ao crescer economicamente, depauperamos o planeta sem dó nem piedade. Coloquei a questão de que, se somos feitos de compostos de carbono e água (ainda), o salto populacional de seres humanos dos últimos 10.000 anos (que para o povo do Geófagos é quase um minutinho) de alguns milhares de indivíduos para os quase 7 bilhões atuais, deve ter tirado carbono e água de algum outro lugar. A história da lagarta que cuida das larvas que a devoram internamente se constitui na melhor metáfora para nossa existência na Grande Lagarta Terra, que parece ainda tentar nos proteger. Não é à toa que me senti doença. Logo eu, humanista que sempre as combati, que sempre as vi como o inimigo. Talvez essa seja uma das razões pelas quais médicos sejam a classe profissional que mais atenta contra a própria vida. A consciência é um fardo.

HC lança Plano de Contingência para Gripe Suína

Concordo com os colegas. Algo não vai muito bem na cobertura da epidemia de gripe. Dados desencontrados, notícias alarmantes talvez, sem necessidade.

Entretanto, alguns hospitais foram escolhidos como centro de referência para tratamento de possíveis vítimas e o complexo do Hospital das Clínicas foi um deles. Segue a introdução ao que é chamado de “ESTRATÉGIA DE ASSISTÊNCIA NO HC-FMUSP FRENTE À IMINÊNCIA DE EPIDEMIA DE GRIPE SUINA”


021208_homepage_flu.jpg“A Influenza suína é uma doença respiratória causada pelo vírus tipo A que normalmente causa surtos de gripe entre os suínos. Em geral este vírus não infecta o homem, no entanto, existem registros de transmissão pontual do vírus para os seres humanos. Segundo informações da Organização Mundial da Saúde – OMS (www.who.int), as autoridades sanitárias do México (www.salud.gob.mx), dos EUA (www.cdc.gov) e do Canadá(http://www.hc-sc.gc.ca/index-eng.php) notificaram casos de síndrome gripal e pneumonia em humanos. Entre as amostras analisadas foi identificado um novo subtipo do vírus de influenza suína (A/California/04/2009 – A/H1N1), não detectado previamente em humanos ou suínos. Este novo subtipo do vírus da influenza suína A (H1N1) é transmitido de pessoa a pessoa principalmente por meio da tosse ou espirro e secreções respiratórias de pessoas infectadas. Os sintomas podem iniciar no período de 3 a 7 dias e a transmissão ocorre principalmente em locais fechados. Segundo a OMS, não há registro de transmissão deste novo subtipo da influenza suína para pessoas por meio da ingestão de carne de porco e produtos derivados. O vírus da influenza suína não resiste a altas temperaturas (70ºC), temperatura em que os alimentos são cozidos ou assados. Segundo a OMS, até o momento, não há recomendação para restrições de comércio ou viagens para as áreas afetadas.

Um dos hospitais escolhidos como centro de referência para estes casos é o HC-FMUSP. Este documento visa orientar os profissionais para o atendimento dos casos com suspeita ou diagnóstico confirmado de Influenza suína.”

O resto são orientações técnicas sobre encaminhamento e condutas internas. Confesso que esse documento me pegou um pouco de surpresa. Acho que a exposição do assunto na mídia sensibilizou a instituição que divulgou o plano com intuito de preparar, mesmo que teoricamente, os hospitais do complexo para uma eventual corrida aos pronto-socorros.

Acho que nesse inverno o plantão no PS vai ser “quente”!

Gripe Suína

Hoje pela manhã, ouvindo rádio no carro, recebi uma enxurrada de informações sobre a nova epidemia de gripe apelidada de suína. Colegas aqui no Scienceblogs fizeram revisões excelentes e completas sobre o assunto. Como sempre chego atrasado, restou falar do que leva uma pessoa a morrer de gripe. Todo esse alvoroço é devido à lembrança de outras pandemias que causaram um número enorme de mortes, principalmente a gripe espanhola no começo do século passado.

Qualquer gripe pode matar. Na realidade, temos inúmeras mortes por gripe anualmente que não chegam aos meios de comunicação. Estima-se que de 1972 a 1992 (20 anos, portanto) morreram 426.000 pessoas nos EUA de gripe! [1]. No Brasil, em 2006, segundo o DATASUS – dado mais atual -, tivemos 181 mortes.

Mortalidade Brasil.jpg

A diferença entre esses números pode ser explicada pela metodologia utilizada. A gripe tem uma mortalidade atribuída elevada pois pode causar outras doenças como veremos, o que aumenta sua letalidade. De qualquer forma, 181 casos de gripe só em 2006 é muito mais que a gripe suína já matou. E ninguém ficou sabendo naquela época. Mas a dúvida ainda persiste: “Do que morre uma pessoa com uma doença que na grande maioria causa febre, indisposição, coriza, espirros e dores pelo corpo?”

A resposta é:

1) Pneumonia — A maior complicação da gripe é a pneumonia, que ocorre em grupos de risco como àqueles portadores de doenças crônicas. Os grupos de risco são:

* Pacientes com doenças cardiovasculares e pulmonares
* Pacientes com diabetes mellitus, doença renal, hemoglobinopatias, ou imunossupressão de qualquer causa
* Pacientes institucionalizados (casas de repouso, penitenciárias, etc)
* Indivíduos acima de 50 anos

Há dois tipos de pneumonia: Primária e Secundária. Pode também haver a coexistência das duas infecções.

Pneumonia Primária por Influenza — Ocorre quando o vírus da influenza diretamente infecta o tecido pulmonar, causando um quadro inflamatório (chamado de pneumonite) muito grave (para um mecanismo de lesão pulmonar ver esse post). Febre alta, dispnéia, e progressão rápida para insuficiência respiratória são a regra.

Pneumonia Secundária Bacteriana — Como toda vó sabe, uma gripe mal-curada pode se “transformar” em uma pneumonia. A pneumonia bacteriana secundária a uma infecção prévia por vírus da influenza é responsável por 25% (em um estudo) de todas as mortes associadas à gripe [2]. Na verdade, há um sinergismo maléfico entre o vírus e o pneumococo (principal bactéria causadora da pneumonia – 48 % dos casos). O quadro clássico é a exacerbação da febre e dos sintomas respiratórios após uma melhora inicial, associado a tosse com expectoração muco-purulenta e alterações radiológicas.

2) Miosite e rabdomiólise — Esses termos referem-se a inflamação muscular e necrose (morte celular) da fibra muscular, respectivamente. É uma importante complicação da gripe, mais comum em crianças. As dores pelo corpo, que são chamadas de mialgias, são sintomas de inflamação muscular. Uma lesão muscular grave pode levar a insuficiência renal. Há relatos de que o músculo cardíaco também pode ser afetado assim como o pericárdio.

3) Envolvimento do Sistema Nervoso Central — Várias doenças do sistema nervoso podem estar associadas à infecção pelo vírus da gripe. Entretanto, uma relação causal ainda não foi totalmente estabelecida. Encefalite, mielite transversa, meningite assética, Sindrome de Guillain-Barré (uma paralisia progressiva) estão entre as possíveis doenças associadas.

A causa de morte mais comum, portanto, é a pneumonia. Devido ao aumento populacional, a mortalidade por gripe tem aumentado ano a ano. A pneumonia causada pela gripe não é pior que a causada pela SARS, Ebola, Sarampo e da própria Sindrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), com a qual nos defrontamos diariamente nas UTIs e, contra a qual, conseguimos vitórias importantes.

Bibliografia: UpToDate.

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