A seleção Natural
“A crença de que as espécies eram produtos imutáveis era quase inevitável enquanto se considerou ser de curta duração a história do mundo […] A principal causa de nossa relutância a admitir que uma espécie originou espécies claras e distintas é que sempre somos lentos para admitir grandes mudanças as quais não vemos as etapas”. (Charles Darwin, A origem das espécies)
O primeiro Darwin a estudar a evolução não foi Charles, mas sim Erasmus, seu avô. Ele achava que as espécies se adaptavam ao meio, por uma espécie de esforço consciente. A teoria dos caracteres adquiridos. Mas foi seu contemporâneo Jean-Baptiste Lamarck que ficou mais famoso defendendo uma teoria semelhante, a do “Uso e Desuso”. Segundo ele os órgãos se aperfeiçoavam com o uso e se enfraqueciam com a falta de uso. Mudanças que são preservadas e transmitidas a prole. O exemplo mais típico seria do pescoço da girafa, que cresceria a medida que ela o estica para alcançar as folhas mais altas das árvores.
A teoria de Lamarck era uma espécie de Darwinismo ao contrário, com os organismos controlando seu próprio desenvolvimento. Suas idéias eram bastante intuitivas e mais cativantes por se adaptarem mais facilmente ao senso comum. Suas teorias sofriam de um problema de seleção das observações e sua abordagem de carência de comprovação científica. Comprovação essa que ele se recusou a apresentar (e nem conseguiria). Claro, se amarrarmos o braço de um bebe junto ao seu corpo, e o mantivermos assim por 30 anos, os músculos não iram se desenvolver, e com o tempo vão atrofiar perdendo a capacidade de se desenvolver. Esse adulto terá os braços com tamanhos desiguais. Mas ao contrário do que Lamarck previa, os filhos desse homem não nascerão com braços pequenos. Assim como as cicatrizes que adquirimos durante nossa vida não são transmitidas a nossos filhos.
O homem e seu antropocentrismo. Mesmo quando as evidências de um planeta que era mais velho do que a bíblia descreverá se acumulavam, ainda era difícil aceitar que a o homem já teria sido “menos que um homem”.
Em 16 de Setembro de 1835, Charles Darwin desembarcará nas ilhas Galápagos, no Equador. Já se passavam 4 anos que eles partiram do porto de Plymouth para uma viagem de dois anos. Darwin, depois de uma série de felizes coincidências, tinha sido recomendado como naturalista oficial do navio de pesquisa da Marinha Britânica HMS Beagle. Nas mãos, o exemplar do então recém publicado “Princípios de geologia”, de Charles Lyell, que definitivamente sepultara o catastrofismo e introduzira as forças capazes de modificar a paisagem da terra, como a erosão do vento e das águas.
Talvez não tenham sido as particularidades de algumas espécies que vivem no isolado arquipélago das Galápagos que levaram Darwin a bolar a teoria da “Seleção Natural”, mas certamente elas foram importantes. Ali, as diferenças nos bicos dos Tentilhões, nos cascos pernas e pescoços das tartarugas de diferentes ilhas, chamaram sua atenção. Como cada ilha desenvolvera sua própria espécie? Certamente ele se perguntou. Essas pequenas diferenças contrastavam com semelhanças maiores. Ele observou que o avestruz africano era muito semelhante a Ema sul-americana. Como poderiam ocorrer essas semelhanças mesmo com um oceano entre os dois continentes?
O que talvez pouca gente saiba é que foi já de volta na Inglaterra, lendo “Um ensaio sobre o principio da população” de Thomas Malthus, aquele que todos nos aprendemos na escola, que diz que a população cresce de forma geométrica e os alimentos de forma aritmética, que Darwin finalmente teve a luz que faltava para seu trabalho.
Ele havia coletado e catalogado um número incrível de observações e sabia que as espécies apresentavam variações (mesmo que não soubesse ainda explicar como elas apareciam). Se as populações sempre crescem mais do que seus meios de subsistência, então existirá sempre uma grande competição pela sobrevivência. Nessa competição, aquelas variações que são mais favoráveis tenderiam a ser preservadas e as não favoráveis destruídas. Sendo esse “favorável” relacionado ao seu meio específico, ou seja, o ambiente onde ela vive. E o “preservadas” relacionado a transmissão aos descendentes.
Sabendo da comoção geral que sua teoria da “lei do mais apto” (ao contrário da “lei do mais forte”) causaria, ele evitou durante muito tempo em publicar seu trabalho. E talvez sua idéia de deixar seus escritos com o amigo Lyell para que fossem publicados após sua morte talvez se concretizasse não fosse uma outra surpresa. Uma carta de um jovem naturalista também Inglês chamado Alfred Russel Wallace, com um manuscrito em anexo, que pedia o parecer de Darwin sobre suas idéias. Aqui entra um pouco de fofoca. Dizem que Darwin apesar de todas as suas observações não tinha ainda percebido a seleção natural, e só o fizera depois de ver as conclusões de Wallace. Mas o mais provável é que Darwin tenha apenas ficado impressionado com o brilhantismo desse jovem naturalista e por isso apressou a publicação de “A origem das Espécies”. Mais que um clássico, o livro é TU-DO, como diria Vanuza Lobão!
Mas as idéias de Darwin tinham uma conseqüência maior… mais assustadora e mais perturbadora… Se as espécies se modificavam… evoluíam então… Sim, o homem também evoluira. Como falei na semana retrasada, não era mais Deus que tocava o dedo de adão dando-lhe o sopro de vida no teto da capela Sistina… Era um macaco!
23 de Outubro de 4004 A.C. (Da série: Minha mãe, a Chita, ou o que é a Seleção Natural?)
Estou convencido de que a Seleção Natural é a descoberta mais importante de toda a biologia e muito possivelmente de toda a ciência. Claro, que as leis do movimento de Newton, o já descrito eletromagnetismo de Maxwell e a relatividade especial de Einstein foram feitos quase inacreditáveis, mas nenhum deles mexeu tanto com nossa emoção, e nos impeliu um sentimento de humildade quanto à descoberta de que evoluímos dos macacos e esses de algum outro animal, vindo todos nós de uma única célula que emergiu de uma lama pútrida quando a terra não era um lugar muito agradável de se viver.
Em tempo: Nesse contexto, talvez a descoberta de Hubble (que hoje empresta o nome ao poderoso microscópio que flutua no espaço) de que as galáxias estão se afastando (ou seja, que o universo esta em expansão) tenha sido mais importante para mostrar que, em resumo, somos o cocô do cavalo do bandido. Estamos em um sistema solar no canto extremo esquerdo do braço do redemoinho do conglomerado de estrelas que é a via Láctea, com a estrela mais próxima a 37 trilhões de km de distância, sendo está apenas uma dentro de um conglomerado de 20 galáxias, dentro de um universo observável com aproximadamente 100 bilhões de galáxias, com, mais ou menos 100 bilhões de estrelas cada uma, distante 15 bilhões de anos luz da galáxia mais distante e cerca de sessenta vezes menor do que a maior galáxia conhecida, que tem 100 trilhões de estrelas.
No entanto, a idéia intuitiva que a maior parte das pessoas tem sobre a seleção natural é justamente o oposto do que ela prega, tendo maior semelhança com o Lamarkismo e o princípio do Uso e desuso. Mesmo a maior parte dos estudantes de biologia pra quem tenho lecionado nos últimos anos, trás idéias equivocadas sobre como procedeu a evolução. Por isso resolvi dar uma luz nesse tema com uma série (ou uma saga, nesses tempos de Guerra nas estrelas) de dois ou três textos, começando pelo de hoje, pra explicar quando, como, onde e por que da evolução.
Até a renascença, acreditava-se que a reprodução fosse um evento sobrenatural, alem das capacidades descritivas da ciência, como a descrição acima do Gênesis. Nesse contexto, reinava a teoria da “Geração espontânea” segundo a qual formas de vida inferiores apareciam espontaneamente a partir da matéria não viva, como larvas na carne, besouros no esterco e camundongos no lixo.
Foram o fisiologista inglês Willian Harvey e o biólogo italiano Francesco Redi, que no Séc XVII mostraram a inviabilidade dessa teoria, o primeiro provando que todos os animais provinham de um ovo, e o segundo que as larvas da carne eram originadas por minúsculos ovos depositados por moscas.
Mas até 1830 a idéia era que vivíamos em um planeta estável e imutável, povoado por espécies imutáveis que permanecem exatamente como Deus as criou, juntamente com a Terra para ser o lar do homem. A Bíblia era interpretada ao pé da letra e ainda em meados do Séc XVII, o bispo Irlandês James Ussher, escreveu uma cronologia do velho testamento, onde compilou todas as gerações de homens e mulheres mencionados na bíblia até chagar a Adão e Eva e fixou o momento da criação ás 2:30 h de domingo, 23 de outubro de 4004 a.C.
A primeira teoria da evolução, se é que pode ser chamada assim, foi, como tantas outras, descrita por Aristóteles. Na sua época, não existia método científico ou experimentação, e se uma teoria fosse “bonita” ou “lógica” então era verdadeira. Apesar do seu louvável esforço e dedicação em compreender a natureza, ele foi responsável por grande parte dos absurdos que permaneceram por toda a idade média. Sua teoria dizia que todas as espécies buscavam a perfeição, sendo que apenas os humanos alcançaram, e montou uma escala com os minerais na base e o homem no alto, sendo todas essas posições (assim como as intermediárias) imutáveis.
Era importante, pois, classificar todas as espécies, e dentro desse contexto, o sueco Carl Lineu foi a figura mais significativa. Ele publicou no Séc XVIII seu Systema Naturae onde criou um método claro e eficiente de nomear todos os animais e plantas, e que persiste até hoje.
Nas primeiras edições de seu sistema de classificação, estavam mantidas as idéias de que as espécies eram fixas. Porem, com a observação de híbridos em animais de fazenda, e de mutações, ele começou a questionar se as espécies eram imutáveis desde a época do criador, e tirou essa afirmação do seu livro.
Mais ou menos por essa mesma época (meados do séc XVIII) diversos estudos de um misto de biologia e zoologia, digamos os primórdios da Paleontologia (o estudo dos fósseis) começaram a questionar a idade da terra. O ponta-pé inicial foi dado pelo naturalista Francês De Buffon. Ele propôs que boa parte dos animais estava extinta, que os animais sofriam algum tipo de mudança evolutiva, que os mamíferos tinha um ancestral em comum e que sugeriu uma escala geológica de 35 mil anos para explicar a estratificação da Terra. Obvio que ele, como Galileu, também teve de se retratar perante a Igreja “Abandono tudo que meu livro diz com respeito a formação da terra […] e tudo que possa ser contrário a narração de Moisés”. Até então, a explicação para as formações geológicas era o catastrofismo, em voga desde que o filósofo grego Xenófanes de Cólofon encontrou, em 560 a.C., conchas marinhas incrustadas em rochas no alto de uma montanha. Segundo ele, as conchas teriam sido lançadas ali por um dilúvio catastrófico.
Sem se conhecer o tempo geológico, o catastrofismo era a única forma de se explicar todos os eventos geológicos no curto período de tempo proposto pela bíblia. E eventos com probabilidades de 1/1.000.000 de acontecer, ou algo movimentos com velocidades de 1 cm/1000 anos, não eram considerados. No entanto, a partir de meados do Séc XIX, emerge uma revolução na geologia e na biologia, que leva a uma compreensão da idade da Terra, da Natureza e da origem dos seres vivos. Eventos com probabilidades baixíssimas passariam a ter tempo para acontecerem não uma, mas diversas vezes, e assim realizarem os feitos anteriormente explicáveis apenas pela “Intervenção Divina” ou pelas catástrofes. E estaria extinta para sempre a ilusão infantil de uma humanidade no centro das atenções do universo.
Diferença genética entre humanos e chimpanzés
Depois que o Watson descobriu com o Crick a dupla hélice do DNA, ele perdeu
muito do interesse que tinha nessa molécula e suas atenções voltaram-se para
o até então incógnito RNA. Ele acreditava (e estava certo no palpite) que essa
era a molécula tinha papel fundamental na codificação das proteínas, e
portanto no funcionamento da célula. Esse é de fato o paradigma central da “biologia molecular” (o ramo que estuda o processamento das informações genéticas): Genes no DNA são transcritos em RNAs que são traduzidos em Proteínas.
Atualmente, mais e mais grupos de pesquisa têm investido em técnicas para quantificar a expressão gênica. Ou seja, uma vez que os genes são seqüenciados e identificados no DNA, quais são as razões que fazem com que um gene seja mais expresso e produza mais a “sua” proteína que outros. Talvez isso seja conseqüência das observações de que, mais ou menos, todos os organismos apresentam proteínas semelhantes, ou com funções semelhantes.
A semelhança do genoma de espécies diferentes chama a atenção especialmente no caso do homem e do chimpanzé. Apesar de todas as diferenças morfo-fisio-psicológicas entre essas duas espécies, nós compartilhamos pelo menos 98,7 por cento do patrimônio genético. Em fato, se uma amostra de 3 milhões de pares de base, representando cerca de 0,1% do genoma do primata, for escolhida aleatoriamente e comparada com o que se conhece do genoma humano constata-se uma diferença média de apenas 1,3%. É possível que se você mostrar um fragmento de DNA a um biólogo molecular ele não saberia dizer se é de um humano ou de um chimpanzé.
Então fica a pergunta: Como pode o DNA conter toda a informação genética que produz as diferenças entre os organismos e ao mesmo tempo ele não ser assim tão diferente? Essa pergunta começa a ser respondida pela equipe do sueco Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, em Leipzig (Alemanha). Pääbo apresentou seus últimos resultados em 27 de março na Conferência Internacional sobre o Genoma no Brasil, em Angra dos Reis (RJ) e também publicada na revista “Science”.
Pääbo relatou experimentos em que sua equipe comparou a expressão de genes no homem (Homo sapiens), no chimpanzé (Pan troglodytes), orangotangos (Pongo pygmaeus) e macacos Rhesus (Macaca mulatta). Os resultados foram que a variação da expressão de genes encontrada nos glóbulos brancos do sangue e no fígado foi relativamente pequena (0,57 e 0,80%, respectivamente), mas foi mais significativa no cérebro (1,23%).
Ou seja, no cérebro do homem são produzidas algumas proteínas ligeiramente diferentes das produzidas pelos chimpanzés, mas a grande diferença está na quantidade de proteínas fabricadas pelas células cerebrais dos humanos, que é muito maior: 5,5 vezes mais elevada.
Isto quer dizer que, com o mesmo material genético, as duas espécies fazem coisas diversas. A informação codificada nos genes é activada de forma diferente no cérebro de homens e chimpanzés, o que produz padrões de expressão genética próprios de cada espécie.
Claro, seria tentador dizer que esse fenômeno bioquímico é responsável pelas características que acreditamos sejam distintivas da espécie humana, como o pensamento complexo e abstrato. No entanto, essas variações ainda não podem ser interpretadas do ponto de vista funcional. Já vemos que tem uma diferença, mas não sabemos o que ela causa. Na verdade, mesmo os muitos pesquisadores acreditam que quase todas as grandes descobertas da ciência já foram feitas, concordam que a compreensão do fenômeno da consciência é uma das grandes fronteiras da biologia.
Para o sueco, as diferenças que separam homem e chimpanzé são mais sutis do que acreditamos ao observar nossas diferenças morfológica (fenótipo). Segundo Pääbo, “as diferenças são apenas graduais” e cita estudos que constataram em chimpanzés atributos considerados específicos da espécie humana: aprender linguagens de sinais, capacidade de evoluir culturalmente…
A esse ponto, você que não via a importância de saber a diferença entre homens e macacos (indicando que eu não tenho direito feito meu trabalho de divulgador) devia estar satisfeito. Mas se você quer soluções ainda mais aplicadas, então lembre-se que uma quantidade enorme de medicamentos são testadas primeiramente em macacos antes de serem aplicadas em seres humanos. Eu ficaria contente apenas de compreender melhor os mecanismos como a evolução atuou para separar essas espécies.
Por exemplo, eles descobriram que com respeito aos leucócitos e ao fígado, homens e chimpanzés revelam-se sempre parentes muito próximos, praticamente idênticos entre si e bastante diferentes dos orangotangos e dos macacos Rhesus. No entanto, com relação ao padrão de expressão gênica do córtex cerebral dos chimpanzés é mais parecido com o dos macacos Rhesus do que com o dos humanos. Os resultados indicam que as alterações da expressão genética no cérebro ao longo da evolução foram muito aceleradas na linhagem que deu origem ao homem do que na do chimpanzé.
A equipa defende que a alteração dos níveis de expressão gênica sofrida pelo homem se deu muito recentemente na história evolutiva comum de humanos e chimpanzés, senão outros padrões de expressão também deveriam ser afetados. O que terá desencadeado este processo evolutivo é que os cientistas não são ainda capazes de definir. Erros na duplicação de células que levam a acumulação de material genético (a célula fica com o dobro da quantidade de DNA) e que causam os fenômenos de duplicação gênica observados em espécies tidas como mais evoluídas é uma das principais hipóteses.
Esclarecer as diferenças de fenótipo que separam as duas espécies será mais fácil quando o genoma do chimpanzé for conhecido. O principal passo já foi dado, com a constituição no Japão de “bibliotecas” de seqüências genéticas do primata. Mas dado o custo muito alto do seqüenciamento completo, é possível que ainda tenhamos de esperar muito até poder aumentar nossa compreensão dessas diferenças.
Quando você vier a Itália e olhar para o teto da capela Sistina, verá o dedo de Deus que tocando a mão de Adão dá o “sopro” de vida que lhe anima a alma. Mas pode ter certeza que nosso octoporoteratavo foi a Chita!
Do eletromagnetismo a TV, mas não vice-versa
Vamos supor que a Sua majestade Vitória, rainha da Grã Bretanha em 1860, a nação mais prospera do planeta, tendo uma idéia tão alucinada que nem mesmo o editor de Julio Verne ousaria publicá-la: pede que construam uma maquina que transporte sua voz, bem como imagens em movimento da glória do império para dentro de todas as casas do reino unido. E as imagens e sons não deveriam passar por dutos ou fios, mas sim pelo ar, alcançando o mais isolado dos camponeses e garantindo a unidade do império. As mensagens da rainha, a palavra de Deus e outras aplicações sociais poderiam ser encontradas para o invento. Com o apoio do primeiro ministro, chama ao seu gabinete os mais renomados e conceituados cientistas do reino e diz que disponiblizará um milhão de libras esterlinas para o projeto (um monte de dinheiro em 1860). Se precisar de mais é só pedir. Não importa como será o mecanismo e como vão inventá-lo. Apenas façam-no.
Parece excelente, mas infelizmente o projeto fracassaria, por que toda ciência adjacente necessária para a invenção do rádio e da televisão, a idéia alucinada que teve a rainha, ainda não tinham sido descobertas. No máximo eles conseguiriam, com custo muito elevado, colocar um telegrafo (que já existia em 1860) dentro de cada casa do reino unido e um monte de pessoas fazendo pontos e traços para enviar mensagens por código-morse.
Por outro lado, em 1831 nascia na Escócia James Clerk Maxwell. Com dois anos de idade ele descobriu que podia fazer o sol ricochetear nas paredes e nos moveis de sua casa, e dizia ter “prendido o sol com um pedaço de lata”. Ele colecionava besouros, flores, pedras, máquinas, e obviamente quando entrou no colégio ganhou um apelido do tipo “menino maluquinho”. Mas quando entrou pra faculdade, Maxwell foi definitivamente caracterizado como um CDF. Dentre os interesses dele se destacava a determinação em compreender a natureza da luz como eletricidade produzia magnetismo e vice-versa. Maxwell conseguiu resumir tudo que se sabia sobre eletricidade e magnetismo na sua época em quatro equações brilhantes. Com algumas sacações mais brilhantes ainda, adaptou as equações para que funcionassem no vácuo.
Maxwell descobriu que eletricidade e magnetismo se unem para formar a luz, ou as ondas eletromagnéticas, do espectro que conhecemos que vai dos raios gama aos raios X, do ultravioleta ao infravermelho, passando por todo o espectro de luz visível, das microondas as ondas de rádio. Mais ainda, Maxwell descobriu que campos elétricos variando rapidamente deveriam gerar ondas eletromagnéticas que se propagariam no espaço. Em 1888 o alemão Heinrich Hertz descobriu as ondas de rádio e em 1901 o italiano Guglielmo Marconi se comunicava com o outro lado do Atlântico com um aparelho de rádio.
A ligação cultural, econômica e política do mundo moderno por meio de torres de radiodifusão, microondas e satélite; a televisão que nos instrui e diverte mesmo que de forma questionável, o radar que ajudou a derrotar os nazistas na segunda guerra, os controles de navegação de aero e espaçonaves, a radioastronomia e até a busca de inteligência extraterrestre, são devido a curiosidade de Maxwell por como se comportavam dois fenômenos estranhíssimos nos idos de 1860: eletricidade e magnetismo.
Ao contrário de um programa governamental induzido de telecomunicações, a descoberta de Maxwell custou bem pouco ao governo. É bem provável que qualquer programa tivesse falhado por que ninguém teria as mesmas idéias sutis de Maxwell ao compor suas equações e ao adapta-las para determinadas condições. Assim como é pouco provável que dessem essa importante tarefa para um jovem e obscuro CDF universitário. Se a invenção da televisão dependesse do projeto da rainha Vitória em 1860, dificilmente vocês poderiam derreter seus cérebros frente as novelas da Globo, (ou eu com os filmes do Steven Seagal) e eu não podereia ter enviado essa artigo pra revista por e-mail, mesmo estando do outro lado do Atlântico.
A AT&T, um gigante mundial das telecomunicações, gasta por ano mais de 2 bilhões de dólares em pesquisa. A IBM possui laboratórios onde cientistas (altamente dotados é verdade) são pagos para ficarem tendo idéias e fazendo experiências. QUALQUER idéia e QUALQUER experiência é bem vinda. Se elas gastam essas somas astronômicas em pesquisa e tem recompensas gigantescas, por que nossos governos insistem em cortar as verbas da ciência usando a desculpa das desigualdades sociais? É impressionante que o governo não perceba que programas induzidos de pesquisa não são a melhor forma de alcançar o desenvolvimento científico e tecnológico de uma nação. E que o investimento em ciência é uma das melhores alternativas para se alcançar uma verdadeira igualdade social e desenvolvimento sócio-econômico.
Mas porque eles não percebem? Ah, claro, eles estão ocupados demais com as próximas eleições.
PS: Influenciado fortemente pelo texto de Carl Sagan em “O mundo assombrado pelos demônios”
Neurônios que perdem cromossomos
Em 2001 foi anunciado o sequenciamento do genoma humano, e a possibilidade de cura de doenças, retardamento do envelhecimento etc, foram amplamente comentadas pela mídia. (ainda que alarde tenha sido um pouco maior do que a possibilidade científica de cura trazida pelo simples sequenciamento do genoma, mas sobre isso escrevo outro dia). Boa parte da importância dada ao sequenciamento do genoma reside no fato de todas as células de um organismo possuem não só o mesmo DNA como a mesma quantidade dele.
Ou seja, uma célula do cérebro tem o mesmo DNA, e na mesma quantidade, de uma célula do fígado. Elas são diferentes na sua aparência e função porque as partes do DNA (seqüências, genes) que estão ativas em uma são diferentes daquelas que estão ativas em outra.
Uma descoberta recente (mesmo, publicada no mês passado) de um jovem pesquisador brasileiro (lá pelos seus 30 anos) é de que as células do sistema nervoso de mamíferos não têm necessariamente a mesma quantidade de DNA, observadas pela ausência ou duplicação de alguns cromossomos (estruturas formadas pelo enovelamento do DNA para facilitar a sua duplicação e transferência durante a divisão celular).
Os neurônios, que são as principais células do sistema nervoso, apresentam uma característica especial: eles não se multiplicam (por isso, quando você toma um porre e o álcool destrói alguns dos seus neurônios causando dor de cabeça e preda de memória, você fica sem eles pra sempre). Já neuroblastos são células jovens, essas sim com capacidade de crescer e se dividir, que quando atingem seu estagio maduro ou adulto dão origem aos neurônios. Nesse estagio, para obter o alto grau de especialização necessário às funções de transmissão do impulso nervoso, elas abriram mão da capacidade de reprodução (não foi exatamente uma escolha, mas vamos manter a metáfora).
A descoberta do Dr. Rehen e seus colaboradores é que nem todos os neurônios apresentam o mesmo número de cromossomos, mesmo em organismos saudáveis. Esse resultado foi curioso porque ate agora a alteração no número de cromossomos estava relacionada com doenças bastantes serias, como o retardamento mental da síndrome de Down, causada pela trissomia do cromossomo 21. Os resultados da pesquisa mostram que 33% das células (neuroblastos) analisados (em um total de 212) haviam perdido ou ganho um cromossomo somático. Esse número é muito superior a taxa normal de aneuploidia de outros tipos celulares, como os leucócitos, que é de meros 3%. O artigo revela ainda que aproximadamente 5% das células do cortéx embrionário de camundongos machos perderam ou ganharam um cromossomo sexual . É possível inclusive que células de camundongos machos apresentem o genótipo XX característico das fêmeas, pela perda de um cromossomo Y e ganho de um X. No cérebro adulto, a frequencia de perda/ganho de cromossomos sexuais é de 1%, mas outros cromossomos também apresentam número de copias diferentes do esperado (que seriam duas, uma vinda do pai, e outra da mãe).
Um dos mecanismos observados pelo grupo para gerar essa diferença, é que, no momento da divisão celular dos neuroblastos (antes de virarem neurônios), alguns cromossomos migrariam de forma mais lenta (talvez por você ter bebido cerveja demais no dia anterior 🙂 para a célula “filha” acabando por ficar fora da nova célula. Permanecem a mãe com um cromossomo a mais e a filha com um a menos.
Como esse mecanismo seria controlado por fatores “externos” ao controle do DNA, ele geraria células com números diferentes de cromossomos meio que ao acaso. Como em geral esse tipo de variação ao acaso traria prejuízo para as células, não se pode saber ainda a natureza da função dessa diversidade cromossômica nos neurônios. Nem mesmo as conseqüências que ela pode trazer.
As hipóteses vão desde vantagens adaptativas geradas pela maior possibilidade de resposta das células diferentes a estímulos ambientais diversos, a propensão ao câncer e mal de Alzheimer (doenças classicamente relacionadas com números diferentes de cromossomos).
Esse mecanismo de diferenciação de células não coordenado pelo DNA poderia explicar, por exemplo, as diferenças encontradas entre gêmeos idênticos (que possuem o mesmo DNA por que são originados da mesma célula) e que também poderiam ser encontradas em futuros clones de uma pessoa.
É proibido proibir!
A primeira tentativa de coibir a clonagem humana foi feita pelo antecessor de Mr. GW Bush, Mr. Clinton, em defesa de uma moral católica-ocidental (Israel conduz testes com clonagem humana já que ela não fere os princípios ideológicos do Alcorão), foi à proibição qualquer entidade pública ou privada que recebesse financiamento do governo de proceder tal tipo de empreitada, sob pena de perder o financiamento. Vale lembrar que no caso da ciência, mesmo da feita em entidades privadas, pelo menos alguma parte da verba é governamental. Falhou! E uma empresa totalmente privada a pouco tempo revelou o primeiro teste de clonagem de um embrião humano que sobreviveu poucos minutos.
Se você quer entrar nas discussões pseudoéticas e pseudomorais sobre clonagem tenha em mente alguns detalhes técnicos. Tá, tá, tá, eu aprendi com o Fritz Utzeri que não se deve indignar ao redigir um texto, mas sim relatar os fatos para que o leitor se indigne. No entanto eu não resisto e como não sou jornalista e estou escrevendo para uma revista que se chama “Sentando o Cacete” estou me dando esta licença jornalística. Fico indignado com essa pseudo moral, principalmente de um chefe de estado que não demonstra tal receio filosófico ao enviar tropas para os 4 cantos do mundo brigar guerras que não são dele.
Tudo bem, muitos de vocês, mas sensíveis a motivos religiosos, podem ter algo contra a clonagem. O fato é que sempre que autoridades judiciais, políticas ou eclesiásticas tentaram direcionar o desenvolvimento e o progresso da ciência o resultado foi perigoso ou desastroso (como a inquisição e a bomba atômica).
E para terminar, a ciência deve ser acessível a população para que essa possa não apenas usufruir dos seus benefícios, mas para que possa ser fiscalizada por ela também. Por isso temos que alfabetizar cientificamente nossa população e não proibir alguns tipos de pesquisa ciência.
O que você não tinha como saber sobre clonagem
Então, se você está ansioso por clonar a si próprio, para viver todas as aventuras amorosas sem deixar nenhuma pra trás, ou para levar paz e prosperidade a todos os cantos da terra, saiba que:
- O DNA é muito fino, mas muito comprido. Em algumas células ele pode ter até dois metros. Na hora da célula se dividir e duplicar, ele se encolhe e se espreme em estruturas que chamamos de cromossomos. O cromossomo parece um X. As cromátides são as pernas do cromossomo, formadas pelo DNA enroscado. No meio o centrômero. Em cada uma das cromátides existem estruturas chamadas telômeros. Uma enzima, a telomerase, tem a função de retirar um telômeros da cromátide a cada vez que a célula se divide e se multiplica. Já que multiplicação é a forma utilizada para o organismo crescer, isso faz com que o número de telômeros seja uma forma de calcular a “idade” da célula. Toda essa historia é pra dizer que quando se pega uma célula qualquer de um organismo adulto e separa-se o seu DNA para ser inserido em um óvulo “vazio” para dar início a clonagem, geramos um bebê com a idade celular de um adulto. Um clone será sempre igual, porém mais velho, que o ser original. É por isso que a Dolly sofre de envelhecimento precoce.
- Além disso, quando se pega um óvulo e se retira o seu material genético, esvaziando-o para receber o material genético da célula adulta do organismo a ser clonado, a célula não esta realmente vazia. Ficam, assim como todas as outras organelas celulares, as mitocôndrias. Mas ao contrário das outras organelas (lisossomas, retículo endoplasmático, ribossomas etc) as mitocôndrias, que acredita-se foram bactérias simbiontes em um passado distante, possuem seu próprio DNA. Assim, o clone possui o DNA do seu doador a ser clonado, mas possui o DNA mitocondrial da célula mãe que hospeda o clone. Os dois materiais genéticos podem apresentar conflitos que levem a doenças e a morte da própria célula. Ou seja, até agora, o clone não é totalmente um clone.
- Por fim, os genes do clone carregam a mesma informação do clonado, mas a forma como essa informação é “lida”, “processada” e “interpretada” pelo maquinário enzimático da célula é muito dependente do ambiente onde a célula se desenvolve. Os estímulos externos como calor, temperatura, pH, até luz, mas principalmente determinados sinais químicos, podem fazer com que um determinado gene seja ativado e outro seja desativado. Especialmente durante as fases de desenvolvimento. Ou seja, um clone não será, necessariamente, igual ao seu original.
Ciência e Deus
Uma vez fui convidado para dar uma palestra na Vale do Rio doce sobre ‘O que é ser Biólogo’. Fui com muito prazer, por que, vaidoso como sou, adoro falar de mim e da minha profissão. Era um seminário para filhos de funcionário, em idade de vestibular, um tipo de teste vocacional.
Depois da minha apresentação uma menina me perguntou sobre direito ambiental, outro rapaz sobre os trabalhos de campo. Mas um especial me chamou atenção. Depois de todos irem embora ele se aproximou e disse que gostaria de fazer uma pergunta em particular, pois não queria me intimidar. Perguntou como eu poderia acreditar que o mundo tivesse realmente começado de uma explosão, e que Deus não havia criado Adão e Eva. Nem na defesa da minha tese de doutorado eu acho que tive uma pergunta tão difícil pra responder.
Minha primeira tendência seria de identificar que se tratava de um seguidor de uma dessas religiões evangélicas as quais eu não dou o menor crédito ou atenção, com uma leve tendência, não ao total descrédito, mas a verdadeira ridicularização.
No entanto, tenho uma preocupação de não me tornar preconceituoso. Carl Sagan chama a atenção para a polarização do movimento cético. Um Nós contra Eles. Um sentimento de que nós céticos temos o monopólio da verdade e que todas as outras pessoas que acreditam em doutrinas estúpidas são imbecis. Que se elas tiverem bom senso vão nos escutar, e se não o fizerem, pobres miseráveis, nunca alcançaram a verdade. Isso condena os céticos a uma situação sempre de minoria. É importante reconhecer as raízes humanas da pseudociência e da superstição. Quase todas as sociedades humanas acreditam em um mundo de Deuses e Espíritos, mesmo que algumas não valorizem nenhum dos 10 mandamentos cristãos. E sempre existe uma tentativa de conciliar um mundo de mito e metáfora com um mundo prosaico, sendo as arestas dessa união consideradas “fora do nosso alcance ou compreensão”. Muitos cientistas fazem isso. Compartimentalizam os dois mundos e conseguem movimentar-se sem esforço entre o mundo cético da ciência e o mundo crédulo da crença religiosa sem perder o compasso.
Lembro também de uma festa, já cursando biologia, quando um amigo totalmente ateu e cético falava da inutilidade de acreditar em Deus. Eu achava absurda a idéia de uma existência sem propósito nessa vida. Sem missão. Descordava veementemente dele. No entanto, com o passar do tempo, fui conhecendo o mundo natural, A idéia de um Deus que se preocupasse apenas com os homens me parecia mais e mais distante. Deus deveria se preocupar tanto com os homens quanto com os animais. O que dizer então das almas das moscas e formigas? Um vez, em um congresso um ser da sociedade protetora dos animais alemã falava da necessidade de controlar o numero de peixes utilizados em experimentos, quando um outro pesquisador perguntou quem se preocupa com as Salmonelas (bactérias também utilizadas em experimentos)? Foi aclamado por algum tempo. Mas continuando, a questão das almas de moscas e formigas começou a me entrigar. De onde viriam tantas almas?Para onde iriam? Bastou um pouco de estudo de psicologia para começar a considerar as sessões de Umbanda grandes rituais de Hipnose coletiva (tambores, palmas, velas) onde seções escondidas dos sub conscientes das pessoas se manifestam. Com um pouco, realmente muito pouco, de história, se desacredita em qualquer religião. As atrocidades cometidas pela igreja católica (certo, em outro contexto cultural e social, que impossibilita seu julgamento atualmente) ou descritos na Bíblia e no Alcorão.
Estudando um pouco de filosofia, realmente muito pouco, cheguei na metodologia cientifica. A diferença entre o conhecimento religioso, baseado na fé, o filosófico, baseado na lógica do pensamento, e o científico, baseado em evidencias, foi o argumento definitivo para eu me tornar um exemplo de ceticismo. Depois me lembrem de contar sobre o curso de historia e filosofia das ciências, e a geração de padrões pelo acaso. (uma historia interessante pra responde aquele adesivo absurdo que se lê nos carros “O acaso não existe. Leia Kardek”.)
Desde então só tenho ouvido, de amigos queridos e pessoas que considero muitíssimo, como meu pai e minha mãe, que é altamente religiosa, mas não duvida do DNA, baboseiras sobre todo o tipo de fenômenos sobre naturais. Uma menina tentou vender no sinal a um grupo de amigos (incluindo eu) que iam a um congresso, um conjunto de canetas. Ela começou dizendo: “Oi… Eu faço parapsicologia”. Meu amigo ao volante disse…: “Começou mal…”E seguimos viagem sem comprar nada. Minha irmã, a do meio, foi curada de um tumor na bexiga por uma suposta cirurgia mediúnica. Ainda acho que alguém errou violentamente na ultra-sonografia que mostrava o pólipo. Meu amigo relata ter visto uma entidade que recebia Picasso e pintava como ele, mas um especialista disse que os quadros eram falsificações etc etc etc.
Hoje eu não acredito em alma, espírito, força suprema, diabo ou Deus (mesmo que evite ver filmes de terror 🙂 Não acredito em moral ou no bem e no mal. O que existe, para mim são estratégias que funcionam a curto e longo prazo. Minha avó tem 82 anos. Vocês conhecem algum traficante de drogas com 82 anos? Não é que Deus ou qualquer força o castigue e o mate antes disso, mas se você usa a violência como estilo de vida, então aumenta as chances dela ser a única forma com que os outros lidem com você.
Mesmo assim eu não fui capaz de dizer a mãe de meu amigo de infância que morreu em um acidente de carro aos 19 anos que Deus e vida após a morte não existem, e que naquele momento os fungos e bactérias da espécie X estavam degradando o corpo dele. A ciência trás esclarecimento, mas nem sempre consolo. Especialmente para quem não está preparado.
Pegando emprestado mais uma vez de Sagan: “Em uma vida curta e incerta, parece cruel fazer qualquer coisa que privar as pessoas do consolo da fé, quando a ciência não pode remediar suas angustias. Aqueles que não conseguem suportar o peso da ciência tem liberdade para ignorar seus preceitos. Mas não podemos fazer ciência aos pedacinhos, aplicando-a quando nos sentimos seguros e ignorando-a quando nos sentimos ameaçados. Provavelmente não temos a sabedoria para caminhar nessa estrada tortuosa”.
Eu disse ao rapaz que sua crença em Deus ou na religião necessita apenas de fé. Que acreditava que a fé trouxesse conforto, e por isso, muitas vezes fosse boa. Mas que evidências tem uma força muito grande, e que ele não deveria levar tudo que está escrito na bíblia ao pé da letra. O mundo realmente nasceu de uma explosão e nos realmente descendemos dos macacos e a vida realmente começou de um acaso químico. Ele não deu muita importância ao que eu disse e foi perguntar a fonoaudióloga se o Axel Rose voltaria a cantar novamente.
Curiosidades da Itália
Fazer ciência não é só ficar trancado no laboratório. Ao desenvolover nossa capacidade crítica de observar a natureza e questionar o que encontramos, também acabamos por examinar essa parte mais peculiar da natureza que são os seres humanos.
Por circunstâncias diversas, vim parar nesse país famoso por suas obras de arte e importância histórica. Uma benção para alguns, mas nem tanto para aqueles cujo objetivo de vida é correr na avenida da praia fechada para o transito de domingo e depois ir para a Roda de Samba do Estephanio’s… Enfim, sou compelido a contar para vocês algumas curiosidades daqui.
Quis o destino, e o fato de um dos pesquisador mais renomado na minha área trabalhar aqui, que eu viesse parar em Alessandria, principal cidade da província de Alessandria, nomeada assim em homenagem ao papa Alessandro não sei das quantas. Please, não tem nada a ver com a histórica Alexandria, que fica no Egito.
Ao se chegar de trem já percebemos a peculiaridade. Mais ou menos 5km antes da cidade entramos em um nevoeiro que me faz sentir em Avalon, am referência a ilha mágica do conto de Marion Zimmer Bradley. Assim como no conto 5 km depois da cidade o nevoeiro desaparece. Nada a ver com magia, apenas uma inversão térmica que retêm vapor d’água e poluentes na camada mais inferior da atmosfera e que os ventos fracos (ou deboli como se diria em italiano) não conseguem dissipar. Quis o destino que esse fenômeno acontecesse com maior intensidade justamente na cidade onde esse Carioca da gema veio parar.
Ao entrar no supermercado algumas coisas chamam atenção. A menor seção de todas é a de desodorantes, acompanhada logo pela de sabonetes, shampoos e pela de refrigerantes. Isso explica de cara por que é insuportável o cheiro de CC no laboratório onde trabalho. Quanto mais perto das 5 da tarde, maior o cheiro de CC. O banho relaxante em banheiras dos romanos e japoneses é milenar, mas o banho como conhecemos hoje tem menos de um século. Foi Paster que sugeriu o banho com água corrente para limpar o corpo dos microorganimos que causavam doenças de grande importância na saúde publica do início do século XX. Claro, quis o destino que fosse um francês a inventar a chuveirada, mas certamente não pra evitar aquele “Cheiro de Corpo” como explicava o comercial dos anos 50 e que se tornou o popular CC. Não é a toa que os Franceses e italianos tem perfumes maravilhosos.
Nunca vi a TV russa ou Afegã, mas quando forem 4 da tarde de sábado e você quiser ver um programa legal, mas não tem NADA na TV brasileira, lembre-se que na Itália a TV sempre parece sábado a tarde e a qualquer momento estará sempre passando um programa pior aqui do que ai. Eles usam e abusam de programas de auditório, com pegadinhas etc. Imaginem 382 variações diferentes do Domingão do Faustão, Show do Bolinha, programa Raul Gil espalhadas em todos os canais e em todos os horários. Não é a toa que eles elegeram o Berlusconi presidente.
Ao contrário do que todo mundo comenta sobre as maravilhas de se viajar de trem pela Europa, não é bem assim. Viajar de trem é caríssimo. Muito mais caro do que viajar de ônibus e muitas vezes do que de avião. O conforto também não é o forte, já que a maior parte dos trens são antigos e lentos, muito lentos. Se você quiser o trem confortável e rápido, prepare seu bolso. Custa em média 5 euros por hora de viagem nos trens convencionais e 10 euros por hora de viagem nos trens Eurostar. Quer um conselho: Pegue um ônibus, como a gente faz no Brasil.
Tá, Tá, Tá, nem tudo é ruim. Aqui a gente não paga remédio. Isso mesmo, aqueles 200 reais por mês básicos que qualquer um de nós gasta na farmácia não seriam gastos aqui. Na maior parte dos casos, você vai ao médico e junto com a receita do medicamento necessário você recebe um ticket que troca na farmácia pelo remédio. Ainda não precisei ir ao médico, mas vai ser muito legal quando eu for e não tiver que pagar nem médico nem remédio e nem plano de saúde.
Todo o café é expresso. Peça um lungo que vem em maior quantidade e não tão forte (como a gente está acostumado). Todo Capuccino é gostoso. Mesmo que tradicionalmente eles não venham com chocolate como a gente esta acostumado no Brasil. É um café com leite e espuminha. Meu primo italiano deu a dica pra simular um expresso. Pegue a primeira água do café que sai do filtro de café, só um pouco, coloque na xícara com um pouco de açúcar bata com a colherzinha até espumar. Depois coloque café a gosto. Não é a mesma coisa, mas como nosso café é mais gostoso, a gente fica na média.
Italianos e italianas são um caso a parte. Na média, a ilusão que temos de um povo caliente é totalmente equivocada. Ninguém puxa papo com ninguém na rua. Ninguém nem olha pra sua cara. Os italianos tratam mal suas mulheres. São super machistas e elas, por sua vez, um tanto submissas (já que continuam com esses caras). Um exemplo exagerado que não pode ser considerado regra é de uma amiga que foi colocada dentro da lixeira, em um bar lotado, pelo namorado, que saiu rindo junto com os amigos. Eles se vestem de forma engraçada. Apesar de ser um dos paises da moda, existe muita liberdade pra se vestir. Coloque qualquer coisa, seja uma calça jeans com olhos pintados enormes, com uma echarpe rosa de pelúcia e óculos amarelos e ninguém vai te achar um ET. Talvez seja por que os preços de tudo são altíssimos, talvez seja porque eles são assim mesmo. Por via das duvidas (e por impossibilidades financeiras) continuarei comprando roupas quando for ao Brasil.
Se você gosta de bundas em geral (tanto faz a que sexo você se refere) esqueça. Italianos não tem bunda, e por isso não malham perna, e conseqüentemente, da cintura pra baixo não tem nada de bonito pra olhar.
A massa. 1o quesito em que os italianos são totalmente imbatíveis. Foi Marco Pólo quem trouxe o macarrão da China, e em Nápoles eles tiveram a grande sacação de colocar o molho feito com tomates vindos da América em cima. Foi uma das descobertas mais geniais de todos os tempos. Mesmo assim, prove o Pesto, o Aglio e Oglio, o Quattro formaggi, o com fungi, ou só com manteiga. São todos sensacionais. Alias, tudo é cozido com óleo de oliva extra-virgem. E quase todo mundo conhece alguém, que conhece alguém que tem uma oliveira em casa e espreme seu próprio óleo. Azeite doméstico é imbatível. Quanto a ao molho de manteiga, cuidado apenas com uma pegadinha da língua italiana em relação ao português. Manteiga em italiano quer dizer Burro em português (mesmo que não seja muito usado). Já Burro em italiano, é a palavra pra Manteiga em português.
Vamos ao segundo ponto em que eles são imbatíveis. Todo sorvete é SE-MA-SA-CI-O-NAL. Alguns são realmente imbatíveis. Prove o sabor Bacio (que quer dizer beijo), uma mistura de chocolate com avelã deliciosa. E você ainda pode fazer uma gracinha pra garçonete pedindo um bacio.
A ciência é a gente que faz
O mesmo país que é o segundo contribuinte mundial no volume de informações sobre o seqüenciamento do genoma do câncer, ficando atrás apenas dos americanos (responsáveis por 30% de toda a produção científica mundial), assiste a uma epidemia de dengue, causada por um mosquito (Aedes aegypti) que havia sido aparentemente erradicado no início do século XX por Oswaldo Cruz.
Essa é apenas uma das aparentes contradições do país, que atualmente responde por 1,2% da produção mundial de ciência, mas passou da 28ª para a 17ª posição no número de artigos científicos e técnicos publicados entre 81 e 2000, à frente de todos os demais países latino-americanos e também da Bélgica, da Escócia, de Taiwan, Israel, da Polônia, da Dinamarca e da Finlândia. Entretanto, apenas 10% população entre 18 e 24 anos que concluiu o ensino médio está na faculdade e há 20 vezes mais pessoas na graduação do que na pós-graduação.
O crescimento qualitativo e quantitativo da produção científica, apontado de forma quase unânime como muito significativo, levou o país a formar 6,3 mil doutores no ano passado e, neste ano, segundo o secretário executivo do Ministério da C&T, Carlos Américo Pacheco, esse número deve chegar a 7 mil.
Para a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Glaci Zancan, o percentual de doutorados em relação aos docentes de nível superior no país é bem menor do que em nações vizinhas, como a combalida Argentina, em que todos os professores universitários têm titulação.
O dado é contestado pelo secretário executivo do MCT. Pacheco afirma que a Argentina forma 600 doutores por ano quando, proporcionalmente à sua população, deveria formar cerca de 2,5 mil. ‘Nossos números, não são de envergonhar, de modo algum’, garante ele.
De acordo com Glaci, porém, um dos grandes nós que o Brasil têm que desatar nos próximos anos é o da alfabetização científica. Para isso a SBPC lançou o Projeto Brasil 2006, que pretende ‘demarcar metas mínimas modestas, porém objetivas e verificáveis, que nos permitam avançar de forma absoluta’, conforme documento elaborado pela entidade.
Glaci ressalta que ‘por alfabetização científica entenda-se que todo brasileiro, até 2006, tem de saber o porquê de lavar as mãos antes de comer’. Na opinião dela, há um despreparo até mesmo do magistério para a elucidação dessas simples e essenciais questões. ‘Esse é um dos motivos das doenças reemergentes no país.
O jornalista Ulisses Capozoli, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), aponta soluções na mesma direção. Ele afirma que a prática mais extensiva do jornalismo científico ajudaria a estabelecer uma mentalidade nova entre a população brasileira.
‘A função do jornalismo científico é ajudar no processo da alfabetização científica. Com isso, as pessoas se situariam melhor no país e na comunidade em que vivem e poderiam tomar atitudes mais cidadãs.’
Para ele, o jornalismo científico é ‘quase uma prestação de serviço, mas a imprensa brasileira ainda não percebeu isso. Os jornais não têm um suplemento de ciência, embora tenham cadernos de turismo ou de televisão. Há, também, um analfabetismo científico dentro das próprias redações.’
E destaca outra vitória internacional da ciência brasileira: ‘Como nas vinhas da Califórnia há uma praga cuja bactéria é uma prima da ‘Xylella‘, a associação americana contratou o mesmo grupo que fez nosso genoma para fazer o deles – isso é espetacular, uma inegável afirmação de maturidade dos pesquisadores brasileiros’, destaca Landi.
Otimista, o presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp afirma que se o Brasil conseguir atrair Universidades particulares e criar sistemas de garantia de ensino nelas, grande parte do problema de produção científica no Brasil estará solucionado. Capozoli diz que a iniciativa privada no Brasil não costuma investir em pesquisa científica básica.
‘Nós temos uma mentalidade de que o Estado deva bancar tudo e a iniciativa privada só faça a coleta dos benefícios. Mas nos últimos 20 anos, desde a criação do MCT, em meados dos anos 80, tem sido feito um esforço sistemático para atrair a iniciativa privada. Ao que parece, as coisas começam a mudar, porque o empresariado se deu conta de que essa é uma área em que se pode ganhar muito dinheiro.’
Mônica ressalta que, apesar dos inegáveis avanços, falta massa crítica de cientistas, opinião compartilhada pela presidente da SBPC.
‘Precisamos de mais gente para trabalhar, por exemplo, no problema da dengue, de uma política para o desenvolvimento científico da Amazônia. Temos de aumentar nossa massa crítica em tudo. Mudando o espírito de que a ciência seja apenas informação, poderemos ensinar as pessoas a pensar em soluções criativas para nossos imensos problemas’, conclui Glaci.