Camisinha na cabeça
Todo ano, na época do Carnaval, faço no VQEB uma campanha pelo uso da camisinha. Esse ano, resolvi vestir a campanha e levá-la a todos os blocos do Rio de Janeiro. O resultado foi esse:
Para quem, como eu, passa o ano todo esperando pela folia, não deixe de aproveitar os últimos blocos que ainda sairão no final de semana. E use camisinha!
Foto: tirada no Aterro do Flamengo na saída da Orquestra Voadora; camisa da ‘Posto 9’ (confecção do italiano Ciccio Panza); cordão dos Filhos de Gandhi (porque mesmo no carnaval do Rio, meu coração bate pela Bahia) e cerveja do Vascão (que bateu, brilhantemente, de virada, o timininho por 2×1 há dois dias)
Quem foi que disse?
Fiquei tão impressionado com a velocidade que meus leitores esclareceram a questão da autoria da frase “Me perdoe está longa carta, é que não tive tempo para escrever uma curta” (veja aqui) que e resolvi propor um no enigma: A Obesidade Mental!
O texto a seguir é um trecho do livro “Obesidade Metal” de Andrew Oitke:
“O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades: Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos dizem que a Capela Sistina tem teto, mas ninguém suspeita para que é que ela serve. Todos acham que Saddam é mau e Mandella é bom, mas nem desconfiam porquê. Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto.”
O texto chegou até mim em um daqueles e-mails repassado por 587 pessoas. Mas a mensagem era importantíssima e eu comecei a usar a citação em aulas e palestras. Como eu não gosto de citar livros que eu não li (ainda que eu cite Homero sem ter lido a Ilíada e a Odisséia) achei por bem comprar o livro e lê-lo. Certamente haveria mais coisa interessante. Entrei no Submarino e… nada. Saráiva, FNAC, Cultura… nada. Recorri então a Amazon e… nada. Título em Português, título em espalnho, título em inglês… nada. Busca pelo nome do autor… nada também. Comecei a desconfiar que havia alguma coisa de errado. Se você digitar o título do livro e o nome do autor, aparecem muitas, muitas páginas, mas todas com o mesmo trecho do livro (uma variação mais extensa do excerto acima). Mesmo que em outro idioma, o trecho é o mesmo.
Entrei no site de Harvard, de onde teoricamente o autor é afiliado e… nada.
Finalmente conclui: o livro não existe e o autor não existe.
Alguns sites já comentam que o livro não existe, mas ninguém consegue identificar a fonte da história. Tem algum nome pra esse tipo de conto do vigário? Uma pena, eu gostaria de ouvir o que esse cara tem a dizer.
Foi o Google quem disse…
Essa eu tenho que dividir com vocês, principalmente com aqueles que consideram o ‘Google’ não mais uma ferramenta de acesso ao conteúdo e sim a ‘fonte’ do conteúdo em si. Não é! Mas o mais importante é ter clareza de que a frequência com que uma informação aparece no Google também não é um critério de veracidade dessa informação, como eu já falei aqui.
Estou escrevendo um capítulo sobre escrita criativa para o livro organizado pelo prof Eduardo Bessa e quis falar sobre a famosa citação: “Me perdôe a carta longa, não tive tempo de escrever uma curta”, que eu tenho escutado com cada vez mais freqüência. Hoje em dia a quantidade é cada vez mais um critério de qualidade, mas com uma relação inversamente proporcional: quanto menor você conseguir fazer o seu texto, melhor.
“A César o que é de Cesar”. Como eu sou um cara correto, quis dar ao autor da frase a celebridade que ele merece, e para isso fui consultar o ‘oráculo’.
Uma pesquisa no google usando os termos: “desculpe” “longa” “carta” “tempo” “escrever” “curta” traz as mais diversas referências, indicando as mais diversas personalidades como autores da célebre frase:
“Foi o escritor Mark Twain, que ao responder a um correspondente seu que reclamou do tamanho enorme de uma carta sua, disse: ‘Me desculpe, não tive tempo de escrever uma carta curta, por isso ela foi longa mesmo’.“
“‘Desculpe a longa carta, escreveria outra, menor, se tivesse mais tempo’ disse Descartes a um amigo.”
“Para eliminar o desnecessário, é preciso coragem e também mais trabalho. (Blaise) Pascal terminou uma carta de 4 páginas a um amigo dizendo: ‘desculpe-me tê-lo cansado com uma carta tão longa, mas não tinha tempo para escrever-lhe uma carta breve’.“
“Por serem minhas postagens muito longas. Lembrei-me de imediato de uma frase de Voltaire: ‘Perdoe-me, senhora, se escrevi carta tão comprida. Não tive tempo de fazê-la curta’.“
“…pois como disse um escritor respondendo uma carta ao amigo (acho que foi Fernando Pessoa) ‘desculpe minha resposta longa, mas não tive tempo para fazê-la mais curta’.”
Quando contei pelo menos 5 autores completamente diferentes pela sua origem, período de vida, atividade etc, desisti. O critério de frequência (número de vezes que um autor aparece) me colocaria entre Mark Twain e Blaise Pascal, o de antiguidade me remeteria a Descartes, mas dado que Pascal viveu na mesma época, poderia ter sido ele também.
Dessa vez, não deu. Nem com minhas habilidades arqueólogo-internauticas eu consegui identificar o autor. Daqui pra frente, acho que vou fizer que fui eu quem disse.
Diário de um biólogo – segunda, 13/02/2012 – Assembléia
Chego em casa e como um pacote de amendoins. É segunda-feira e a maldita piscina está fechada (ela passa mais tempo fechada do que aberta, apesar do quanto deve custar ao condomínio) e eu estou cansado demais para correr. Recorro ao amendoin, me controlando para não abrir uma cerveja. Não resisto, pego mais um pacote de amendoins e abro uma cerveja.
Sai de uma reunião de 4 horas com o corpo docente da pós-graduação do Instituto de Biofísica da UFRJ. Uma reunião longa e tensa.
“Somos um curso de pós-graduação grande, que fez a opção de se manter multidisciplinar enquanto outros se fragmentaram criando cursos com diferentes níveis de qualidade” disse a coordenadora.
Sabe quando uma empresa grande quebra, por má administração, e ai se transforma em duas, uma com a parte boa pra ser vendida e outra com a parte ruim que acaba falída na conta de algum credor (em geral o governo)? Mais ou menos a mesma coisa. Colocam o Filet mignon de laboratórios, orientadores e orientados em um curso nota 7 (a nota máxima conferida pela CAPES) e deixam os outros em cursos 5, 4, 3… Uma vergonha!
“Nossas atividades diversificadas contam muito como critério de qualidade, o diferencial para que um curso nota 5 se torne um curso nota 6 ou 7. Mas para que um curso se torne 5, ele precisa atender alguns critérios de quantidade…”
Tudo é dose… já falei sobre isso aqui! Qualidade demais te dá pouca quantidade. Quantidade demais, te dá pouca qualidade. Mas como qualidade é subjetivo, então… temos um grande problema.
“Precisamos que nossos docentes publiquem mais, precisamos também que eles publiquem em revistas melhores. E precisamos ainda que nossos alunos sejam autores. Mas temos cada vez menos alunos se inscrevendo na pós-graduação e cada vez menos sendo aprovados nos processos seletivos.”
Até aqui, apesar das notícias não serem boas, eu não estava me preocupando. Eu conseguia identificar claramente o problema que, verdade seja dita, já se anunciava no horizonte.
O problema é que nem todo mundo vê o problema do mesmo jeito.
“Se sua unica ferramenta é um martelo, você tende a ver todo problema como um prego” disse Abraham Maslow.
Isso ficou muito claro hoje com relação as propostas que foram apresentadas. Elas não solucionavam efetivamente os problemas, mas eram as ferramentas que estavam a disposição. Só que… NÃO ADIANTA! O problema não vai desaparecer por causa da nossa boa vontade em resolvê-lo!
Eu sou um cara prático. Tive que aprender a ser prático, porque sempre gostei de conviver em meio aos grandes. E os grande… bem, eles tem muito pouca tolerância com os pequenos. Então se aprende a ouvir muito e falar pouco, a saber distinguir entre o que é viável e o que não é, e, principalmente, quais lutas enfrentar e quais lutas abandonar. É verdade que nunca se sabe o suficiente sobre isso, mas acho aprendi muito. E hoje vi que aprendi mais do que muitos dos grandes que eu achava que tinham a ensinar.
Mas falar sobre o conflito de gerações hoje seria justamente perder o aspecto prático da discussão. Ele existe, está lá, e desejar que ele não estivesse é pouco prático: o conflito de gerações continuará lá! Eu deveria aprender a lidar com ele. A questão, é que isso não é prático também.
Eu não sou comunista. Também não sou capitalista. Não sou a favor da tirania, mas também não sou a favor da democracia. Eu só acredito nas ‘Estratégias Evolutivamente Estáveis’ (sobre as quais eu já falei aqui). Podemos discutir amplamente um problema em busca de idéias, mas não em busca de consenso! Consenso é muito bonito na teoria, mas na prática é muito mais difícil do que almeja a nossa vã humanidade, e mesmo quando ele é possível, em geral chega tarde demais.
“Quando se tenta resolver um problema técnico de forma política, muitas vezes acabamos com dois problemas: o técnico que não foi resolvido e o político que foi criado”. A frase (algo parecido com isso) é de Phillip Howard, autor do livro ‘A morte do bom senso’, sobre o qual eu já falei aqui.
Me desespero, primeiro com as opiniões das pessoas que, em princípio, deveriam saber mais do que eu; mas depois me desespera simplesmente o fato das opiniões serem tantas e tão variadas que é óbvio que o consenso é impossível. E ainda que as pessoas concordassem quanto ao problema, ainda restaria estabelecer as prioridades. E nunca… nunca, jamais, em tempo algum, haverá consenso quanto as prioridades.
É preciso uma mudança radical de olhar, é preciso inovação, é preciso pensar ‘outside the box’, é preciso coragem! A solução depende de algumas outras coisas, mas basicamente do que se está disposto a abrir mão e do quanto estamos dispóstos a nos comprometer com a solução do problema.
E foi ai que eu me toquei… e que o desespero se abateu sobre mim.
Não tem solução! Vivemos em um país que tolera a corrupção de tal maneira, que crianças são aprovadas automaticamente nas escolas para criar indicies de escolaridade que beneficiem os governantes. Se algo tão deplorável é aceito pelos políticos, e pela sociedade, que esperança podemos ter que os valores das bolsas de pós-graduação serão revistos? Minha aluna de IC ganha menos que um pedinte no sinal, minha aluna de mestrado menos que minha faxineira e meu aluno de doutorado menos que meu porteiro! Que esperança podemos ter do problema das importações ser resolvido? De termos alojamento, transporte e alimentação decentes para os alunos que vem (do e) de fora do Rio?
Não, a universidade é engessada demais para poder resolver esses problemas. A solução terá de vir de outro lugar. Não sei ainda que lugar é.
Oficina de Escrita Criativa em Ciência 2012
Vai rolar a primeira oficina de escrita criativa em ciência do ano. Aproveite! Veja o convite abaixo e inscreva-se.
Por que as ostras são afrodisíacas?
“Ciência é difícil…”
“Ciência é chato…”
“Cientistas são chatos…”
Quantas vezes já ouvi isso… Tudo mentira! A ciência é o maior barato!
Sim, existe ciência e cientistas chatos. Assim como existem advogados chatos, bombeiros chatos e (meu deus, quantos) pedagogos chatos.
Saber ciência é divertido e eu vou provar pra vocês. Esse vídeo foi gravado ontem, no aniversário da belíssima Roberta Foster, minha amiga dos tempos de São José, quando fomos da 7a série H (a lendária ‘Equipe Cão’); na presença de outros ex-Maristas feras: a acupunturista Bia Korb, o alquimista Maurício Simão e a cantora Ana Cuba (mulheres de Holanda). Mas foi o advogado Paulo Melo que fez pergunta que gerou o primeiro podcast do VQEB.
“Mas Mauro, você que é biólogo…”
Faltou dizer exatamente o papel do Zinco, ainda que ele não seja exatamente conhecido.
Existem muitas evidências que o Zinco é necessário para manter os níveis normais de testosterona no plasma sanguíneo. A deficiência de Zinco pode impedir a liberação de hormônio luteinizante e do hormônio folículo estimulante pela glândula pituitária (hipófise), que estimulam as células de Leydig, nos testículos, a produzir a testosterona. Muitas estudos mostram que as concentrações de Zn estão diretamente relacionadas as concentrações de triiodotironina (T3) e tiroxina (T4) no sangue.
Mas a ação do Zinco poderia ser no próprio testículo: além da sua participação na síntese de proteína, o zinco estaria envolvido na ligação do T3 com o seu receptor nuclear. De fato, existem dois ‘Zinc Fingers’ na estrutura do domínio de ligação do Receptor Andrógeno humano. Os ‘dedos de zinco’ são muito bem conhecidos e receberam esse nome pela semelhança da estrutura que eles formam ao articular um átomo central de Zn com 4 cisteínas adjacentes que ajudam a estabilizar a ligação da proteína ao DNA, com os dedos de uma mão. Assim, a deficiência nos níveis de testosterona circulante seria causada pele redução na liberação de testosterona em consequência da inabilidade das células de Leydig em responder as gonadotrofinas.
O Zinco também inibiria a aromatase que converte o excesso de testosterona em estrogênio, fazendo com que ela funcione mesmo na ausência de excesso e levando ao acumulo de estrogênio (que diminui a libido e provoca aumento de peso, principalmente em homens mais velhos). Isso pode ser ainda mais agravado pelo consumo regular e excessivo de álcool, que diminui a carga corporal de Zn.
Chato é o Big Brother Brasil!
"Conclusões extraordinárias necessitam de evidências extraordinárias"
Não poderia ter vindo em um momento melhor. Depois de passar uma manhã frustante na avaliação de alunos em um processo de seleção, vejo a matéria que saiu hoje na Scientific American sobre a refutação do artigo da Science onde um grupo de pesquisadores americanos da NASA e da USGS haviam apresentado uma bactéria que pode crescer na ausência de fósforo (um dos pilares da química da vida, presente no DNA, no ATP e em tudo mais que você puder imaginar) usando como substituto Arsênico (que é altamente tóxico).
“Uma nova química da vida”, “bactérias extra-terrestres”… foi dito de tudo sobre esse artigo, que foi até capa de jornais importantes no mundo todo. Mas a única coisa certa no texto (que você pode acessar no link abaixo) é que a única razão plausível para a Science aceitar publicar essa pesquisa era o sensacionalismo associado a ela.
“Extraordinary claims require extraordinary evidence” disse o astrônomo Carl Sagan numa de suas mais famosas citações na série Cosmos. E foi justamente isso que chamou minha atenção hoje no processo de seleção em que participei como examinador: Nenhum, eu disse NENHUM dos candidatos usou sequer um segundo do seu tempo para apresentar um desenho experimental (ou amostral) que mostrasse conhecimento (ou preocupação) com a comprovação das importantes e interessantes propostas que estavam fazendo. É por isso que o artigo de Ioannidis de 2005, “Porque a maior parte das descobertas científicas publicadas é falsa” continua sendo um campeão de downloads da revista PLoS Medicine: ele mostra como o desconhecimento de estatística (a busca por associações significativas e a confusão com relações de causalidade) além de interpretações tendenciosas de dados, levam a falsas conclusões em grande parte dos estudos médicos publicados nos últimos 15 anos. É por isso também que meu pai fica perdido quando lê nos jornais, a cada semana, uma notícia diferente sobre os benefícios disso ou daquilo. O problema não é da ciência, é da política científica. Mas os cientistas, jovens ou não tão jovens, estão embarcando nessa politicagem por medo de não conseguirem um lugar ao sol da acadêmia.
E para mostrar que existem alternativas a politicagem, a própria responsável pelo estudo que refutou o artigo da Science, a microbiologista Rosie Redfield da Universidade de British Columbia no Canadá, não seguiu o mainstream e ao invés de esperar a finalização dos seus estudos para submetê-los ao subvertido crivo de uma revista indexada de alto impacto, publicou seus resultados (na verdade todo o seu caderno de protocolo), dia a dia, em um blog aberto a todo mundo. Vejam que ela não deixou de submeter seus achados a comunidade acadêmica: ela só desmereceu o supervalorizado e tendencioso crivo das revistas científicas de alto impacto (como o da própria Science onde o artigo inicial foi publicado). Uma reportagem da prestigiosa Nature disse . O blog é sensacional, mas não seria se a PESQUISA não fosse sensacional!
Não é a primeira que os blogs são utilizados para divulgar pesquisa científica de qualidade: no surto de infecção da bactéria #EAEC (entero-aggregative E. coli) que matou milhares de pessoas na Alemanha no ano passado, cientistas chineses publicavam dia a dia novas sequencias do genoma da bactéria conforme elas iam sendo produzidas em sequenciadores de bancada de última geração. A reportagem na Nature traz outros exemplos.
Mas pesquisa de qualidade, que possa ser publicada em blogs de acesso livre para toda a comunidade científica, começam com um exame criterioso da sua plausabilidade, com a formulação cuidadosa de uma hipótese e com um mais cuidadoso ainda desenho experimental (ou amostral).
Wolfe-Simon, F., Blum, J., Kulp, T., Gordon, G., Hoeft, S., Pett-Ridge, J., Stolz, J., Webb, S., Weber, P., Davies, P., Anbar, A., & Oremland, R. (2010). A Bacterium That Can Grow by Using Arsenic Instead of Phosphorus Science, 332 (6034), 1163-1166 DOI: 10.1126/science.1197258
Ioannidis, J. (2005). Why Most Published Research Findings Are False PLoS Medicine, 2 (8) DOI: 10.1371/journal.pmed.0020124
Riqueza ou Criatividade
ZF – Quanto custou isto?
GL – A economia do futuro é meio diferente. Não existe dinheiro no século 24.
ZF – Não existe dinheiro? Então, você não é pago?
GL – A aquisição de fortuna não é mais uma motivação para nós.
GL – Procuramos nos aperfeiçoar… e ao resto da humanidade.
Todo ano escrevo um post de retrospectiva, para fechar o ano. Esse ano resolvi escrever um post de perspectiva, para abri o ano. Um com uma perspectiva ampla.
Esse diálogo, entre o excêntrico personagem Zefram Cochrane (interpretado por James Cromwell) e o engenheiro Geordi La Forge (interpretado por LeVar Burton) me marcou profundamente quando assisti Jornada nas Estrelas: O primeiro contato em 1996. Ele construíra a primeira nave da humanidade capaz de fazer a ‘dobra espacial’ (viajar a velocidade da luz), a Phoenix, a partir de um antigo míssil nuclear, tendo se tornado um ícone em toda galáxia, com universidades, cidades e até mesmo planetas com o seu nome. No entanto, sua única motivação para criar o mecanismo que nos deixaria ir “audaciosamente onde nenhum homem jamais esteve“, era… ficar rico. A ideia (será que algum dia vou me acostumar a escrever ideia sem acento?) de que o acumulo de riqueza não deveria mais ser um objetivo a ser perseguido era incrível, simplesmente, porque o acumulo de riqueza não faz o menor sentido como estratégia evolutiva.
Ela está no centro da questão do aquecimento global e das mudanças climáticas. No centro da questão da poluição. Vocês sabem que a minha opinião sobre esses assuntos é contoversa. Para mim, a resposta para os problemas foi dada e eu gosto de duas em especial que considero representativas: Jacques Cousteau, quando defendeu na conferência das nações unidas para o meio ambiente de 1992 no Rio de Janeiro o controle da natalidade como forma de defesa do meio ambiente: “O pavio ligado à explosão populacional já está queimando. Nós temos menos de dez anos para apagá-lo. É preciso uma mobilização mundial para evitar o big-bang populacional.” Ele foi um dos poucos a ter coragem de pronunciar o termo ‘controle da população humana’ já que a igreja católica havia, meio que proibido, que o tema fosse tratado na conferência. Também gosto muito do excelente artigo de Slesser de 1993, que mostra que apenas a redução no consumo é capaz de reduzir as emissões de CO2 para a atmosfera:
“Tornou-se cada vez mais claro para nós que, para alcançar a sustentabilidade, seria necessário uma troca entre consumo, índices de crescimento e o que nós fazemos com nossa riqueza.” “(…) estimular de forma tanto nuclear como renovável (altamente solar) a energia e reduzir ponderadamente o consumo a um crescimento de não mais de 0.05% ao ano acima investimento em crescimento industrial [permite o] crescimento do setor de serviços (2%). E Funciona! [Lentamente] mas funciona. Logo no início do século podemos observar declínios na produção de dióxido de carbono (…) [com] padrão e qualidade de vida (produção de setor de terciário) mantidos bem altos.”
A idéia pode parecer moderna, quase ficção científica, mas não é: os atenienses foram os primeiros a propor e experimentar uma sociedade onde a busca da riqueza material não era um objetivo. Platão e Aristóteles foram os primeiros primeiros a registrar essas idéias no papel.
“Poucos milhares de homens, que povoaram por algumas dezenas de anos uma região praticamente estéril, que viveram vidas breves e inseguras, em bairros imundos, em casas desconfortáveis, ainda assim, permitiram a sua espécie – a espécie humana – um salto de qualidade todavia não superado seja pela criatividade política e social que pela criatividade estética e especulativa” diz o sociólogo Domenico de Masi no livro “Criatividade” – cuja leitura até o final é uma das minhas resoluções de ano novo.
“A filosofia, a matemática, a teoria musical, as ciências naturais, a medicina finalmente desvinculada da magia, a ética, a política, a estória, a geografia, a psicologia, a anatomia, a botânica a zoologia, a física, a biologia fizeram mais progresso teórico naqueles 100 anos do que nos milhares de séculos precedentes.” completa de Masi.
(A Escola de Atenas, de Raffaello)
É verdade que Aristóteles, em seu ‘Tratado da política‘ defendia que alguns homens haviam nascidos para serem escravos. Se conseguirmos nos desvencilhar do problema moral para seguir a lógica de Aristóteles veremos que ela está correta: “Não é possível praticar as virtudes da política conduzindo a vida de um operário, de um assalariado… Nós chamamos trabalhos operários aqueles que modificam a disposição do corpo e os trabalhos remunerados que impedem a elevação e a facilidade de espírito”. Imagino que muitos estejam se remexendo nas cadeiras enquanto lêem isso porque provavelmente o significado dos termos ‘política’, ‘operário’, ‘assalariado’ para nós tem significados diferentes. Mas Domenico de Masi lembra que 2000 anos depois, na obra prima de Tocqueville ‘Democracia na América’, o mesmo pensamento reaparece, talvez de forma mais palatável para nossos dias: “Quando um operário se dedica continuamente e unicamente a fabricação de apenas um objeto, termina por desenvolver este trabalho com destreza singular, mas perde, ao mesmo tempo, a faculdade geral de aplicação do seu espírito na direção do trabalho. Ele se torna cada dia mais hábil e menos industrioso e, se se pode dizer, o homem se degrada a cada passo que o operário se aperfeiçoa.”
Aristóteles considerava que, entre os diversos tipos de trabalho, “os mais mecânicos eram aqueles que deformavam o corpo, os mais servis aqueles que se fundamentam somente no uso do corpo e os mais ignóbeis aqueles que requerem um mínimo de capacidade espiritual.” Para ele “devem ser considerados ignóbeis todas as obras, profissões e ensinamentos que rendam inadequados as obras e ações da virtude, o corpo ou a inteligência do homem livre. Portanto, todos os trabalhos que prejudicam as boas condições do corpo devem ser chamados de ignóbeis, como também os trabalhos assalariados, porque privam a mente do ócio e a fazem pequena”.
Apesar do que você pode pensar, Aristóteles não apreciava ou encorajava a preguiça, a ociosidade a apatia ou a inércia. Muito pelo contrário! De Masi diz que Aristóteles acreditava na nobreza do trabalho intelectual que acontecia nos limites entre o estudo e o jogo, na excelência da reflexão filosófica e na atividade mental que se exprime através da política e da arte. O que de Masi chama de ‘Ócio Criativo’.
Mas como é possível dedicar-se ao ócio criativo sem morrer de fome?
Para Aristóteles e para os ‘clássicos’ a resposta é simples: “Acima de tudo, é preciso reduzir ao mínimo o desejo por objetos e serviços, de todos os supérfluos bens materiais. De luxo, isto é, ostentação de riqueza, é até desnecessário dizer; a verdadeira habilidade é a razão e o único verdadeiro luxo é a sabedoria. Reduzida a necessidade de bens materiais, se reduz também a necessidade de trabalhadores.”
Vivemos em um mundo em crise, onde só a criatividade pode nos salvar da bancarrota. Mas enquanto estivermos preocupados em comprar o último modelo de iPhone, com uma assistente pessoal que não fala português e não entende os seus comandos de voz (além de fazer julgamentos morais sobre suas perguntas) não podemos pensar em soluções criativas para os problemas que temos e teremos de enfrentar. E continuaremos produzindo gases do efeito estufa.
Slesser, M. (1993). Is an environmentally sustainable future for the European Community compatible with continued growth: carbon dioxide and the management of greed Science of The Total Environment, 129 (1-2), 191-203 DOI: 10.1016/0048-9697(93)90170-B
Jesus e a ciência da arte da restauração de Afrescos
“A maior parte das pessoas, quando vê uma representação qualquer pintada em uma parede, chama de ‘Affresco‘. Uma pintura na parede, a óleo, tempera, acrílica ou cera, é somente um mural. ‘Affresco‘ é oooooutra coisa”
Minha querida amiga Francesca Radiciotti é restauradora. A visita que fiz ao canteiro de obras de uma igreja na pequena vila de Sermoneta na Lazio em 2010, além de uma tarde agradabilíssima (me dá água na boca só de lembrar do Carpaccio de Buffalla com Azeite de Oliva de primeira prensada) foi uma aula de história da arte.
“A técnica dos afrescos é antiquíssima, nascendo na Itália com os afrescos romanos, e terminando (a não ser por um episódio nostálgico do facismo) no séc XIX. Os afrescos são encontrados quase exclusivamente na Itália (também no oriente médio, mas apenas afrescos bizantinos). Mesmo aqueles encontrados em outros lugares, foram feitos por um italiano ou por um bizantino. A particularidade está na execução de uma técnica genial, responsável pela sua conservação até os dias de hoje: é o único caso onde a cor é aplicada na parede sem o uso de um fixador (protéico, oleoso, acrílico etc..), mas aproveitando a reação química da carbonatação do cimento para fixar, para sempre, o pigmento simplesmente diluído em água”.
Até então, tinha para mim que restauradores eram artistas. E artistas, como sabemos, são a antítese dos cientistas. Será que são mesmo? Ou um artista também é um cientista? Veja a explicação, sempre da Radiciotti, que se segue:
“O processo químico é idêntico àquele da formação dos mármores coloridos, onde o óxido de ferro e vários outros metais de cores variadas são englobados no material carbonato durante a sua formação. Sobre o reboco úmido, formado de areia e cimento (hidróxido de cálcio) e água, são espalhados os pigmentos (mas só aqueles adequados, ou seja, que resistem ao ambiente fortemente alcalino) diluídos em água. Durante de secagem, ou seja, da evaporação do H2O, o hidróxido de cálcio reage com o oxigênio do ar e forma CaCO2, englobando dentre de si o pigmento, fixando ele para sempre sempre. É o único caso onde o pigmento não está aderido a superfície (a parede) por um fixador aderente, mas sim ‘dentro’ da própria superfície (de novo, a parede), formando com ela uma unidade, da mesma forma que uma pedra colorida”
Eu estou lendo o interessantíssimo ‘Proust foi um neurocientista‘, presente da minha amiga neurocientista Silvana Allodi, que fala de como alguns artistas, mesmo sem conhecimento científico, apenas (sic) da natureza humana, anteciparam a ciência e algumas das mais modernas e atuais teorias científicas. Será que a antitese não é verdadeira? Ou será que os artistas, mais que os alquimistas, foram os primeiros químicos, antecipando a ciência que estava por nascer?
“É por isso que o pintor tinha tão pouco tempo para pintar. (…) A pintura tinha que ser feita velozmente (…) ou a obra poderia se tornar apenas pó. É uma técnica que não admite erros e hesitação. O traço deve ser conciso e decidido. Não é possível apagar nada (a não ser colocando todo o reboco a baixo e recomeçando do zero). A grandeza do artista pode ser vista ainda na medida das porções de reboco pintado: quanto maior o afresco, mais rápido foi o artista (o da capela Sistina de Michelangelo é enorme!) O artista que pintava ‘a fresco’ era o melhor de todos (o mais capaz e o mais bem pago), porque deveria saber quando o reboco estava pronto para ser pintado e quando deveria suspender a pintura: eram inúmeras variáveis com a massa, a espessura do reboco (os romanos chegavam a fazer 9 camadas de reboco), o microclima do ambiente etc…. Mais que arte, era uma ciência!”
E ela continua “Você pode se perguntar para que tanto trabalho: porque não simplesmente aderir a tinta na superfície? Não era só porque a técnica aumentava em muito a durabilidade das pinturas, mas principalmente porque um reboco pintado dessa maneira, refletia e refratava a luz em uma maneira impressionante. Talvez somente subindo nos balcões próximos ao teto da Capela Sistina para compreender verdadeiramente: Michelangelo trabalhava os afrescos de uma maneira tal que ao final a matéria parecia se desmaterializar e transformar-se em luz pura. E portanto, espírito puro, qualquer coisa de sobrenatural”.
Sobrenatural, para mim, era o talento desses homens. A dificuldade era enorme. Eram montados andaimes e o artista passava muitas e muitas horas deitado próximo ao teto, desenhando e pintando.
Quando chegaram a Sermoneta, os restauradores começaram os testes para fazer a restauração. Pequenas áreas da pintura são tratadas com diferentes substâncias químicas para identificar qual pode ter a melhor resposta (veja a foto abaixo). Foi ai que tiveram uma surpresa: riscos que sugeriam uma figura que não era a figura aparente. Enquanto o desenho mostrava a manga da vestimenta de nossa senhora, mas as incisões sugeriam a presença de uma mão.
Haveria alguém riscado o sagrado afresco? Muito pior.
“Uma das formas de se transportar para a parede o desenho preparado antecipademente, era riscar no reboco fresco as formas que seriam pintadas. Nem sempre foi assim. Essa prática é usada desde o renascimento, mas antes disso, os romanos e os bizantinos desenhavam diretamente as figuras com pincel. Não é preciso que haja riscos para que seja um afresco. Mas se os riscos estão lá… com certeza é um”.
Nesse caso, os riscos eram uma evidência mais marcante da presença de um afresco do que a pintura aparente. Alguém, ainda muito tempo atrás, resolvera pintar um mural em cima do afresco verdadeiro e original. O espírito humano é tão poderoso quando as intempéries mais duras e, com certeza, muito mais rápido. Mas apenas as incisões não bastavam como evidência e era preciso mais para ter certeza de qual era o desenho original.
” É quando entram em cena os cientistas da restauração: os químicos, físicos e biólogos que determinam as causas da degradação da obra de arte. Nesse caso coletamos uma amostra do reboco para análise estratigráfica no microscópio óptico de polarização, de camadas finas e opacas, para determinar a composição mineralógica dos extratos de cores (e descobrir se o que havia sob a pintura era verdadeiramente um afresco) e a posição estratigráfica relativa (para verificar se o que havia sobre era uma pintura a óleo). Outra opção seria fazer uma FTIR (espectrofotogrametria) para analisar a composição dos fixadores orgânicos que mostram que você não está em frente a um afresco, mas simplesmente a frente de um mural”.
As análises mostraram que realmente havia um afresco sob a pintura a óleo e começou então o trabalho artístico de restauração. Minha amiga é uma artista! Aos poucos as mãos de Maria Madalena aos pés de um Jesus crucificado foram aparecendo, como na figura abaixo.
O resultado desse belíssimo trabalho de investigação científica e habilidade artística, vocês viram na imagem que abre esse texto. Lindo, avassalador!
Tudo fica mais bonito quando se sabe a ciência que está por trás.
Aprendendo a se importar
Mais um ano letivo vai terminando. E mais do que em outros anos, me assusturam as salas vazias. Na pauta, 67 alunos; na sala, 14 alunos. Como é que pode?
Não sou daqueles politicamente corretos que não usam certas palavras por prevenção. Então me pergunto: de quem é a culpa? A responsabilidade eu sei: é dos alunos. São eles que não aparecem e eles que levantam no meio da aula e vão embora, para atender o telefone, comer, ir no banheiro, porque não estão entendendo nada, porque acham que podem copiar do colega ou buscar no google, porque já não assistiram as outras aulas mesmo. Ou, simplesmente, por que não estão nem ai.
Mas e a culpa? Será que é do professor? Não são bons? Não sabem a matéria? Não sabem dar aula? São chatos?
Uma coisa é certa. Na verdade duas coisas são certas. A primeira é que o professor não sabe mais tudo (já soube algum dia?). E o trabalho dele não é mais saber tudo para passar isso para o aluno. O trabalho dele não é nem mesmo ‘fazer um resumo’ para o aluno do que é mais importante, porque a quantidade de informação no mundo é tanta, que qualquer resumo é superficial e individual. A segunda é que o Google, os slides da aula e as anotações do caderno do colega não substituem o professor.
Então entrar na UFRJ e passar pelo curso de graduação, no caso dos meus alunos em Biologia ou Biofísica, achando que você não tem nada a aprender, ou que porque os métodos são meio antiquados o que você pode aprender ali não vai fazer diferença na sua vida, é um grande, um enorme, um gigantesco erro.
Duas outras verdades: A primeira é que muitos dos alunos só vão descobrir isso quando for tarde demais. Quando a competição (sim, porque em algum lugar tem alguém estudando mais, prestando atenção em um professor que não é tão ‘cool’ quanto o facebook da sua namorada, ou lendo aquele ‘livro careta’) tiver atropelado ele na corrida pela bolsa de mestrado ou pelo posto de trabalho. Ou talvez nem isso, já que muitos fazem parte da geração ‘eu mereço’ da qual fala a Eliane Brum. Vão ficar se perguntando “Como puderam dar a vaga (ou a bolsa) para el@? Eu merecia!”
“Meu filho, você não merece nada!” Adorei a reportagem da Eliane. Me lembrei agora de um quadrinho que postaram no facebook e que eu, sem saber a quem referir o original, em nome da boa mensagem que ele traz, posto aqui também.
Não acho que a culpa seja do professor e não acho que vamos resolver esse problema citando ‘Sociedade dos Poetas Mortos‘. No semestre que vem, vai ser como Mercy Tainot, a professora universitária em um ‘community college‘ americano interpretada por Julia Roberts em ‘Larry Crowne‘. No primeiro dia de aula ela fala a seus 9 alunos:
“Isto é o que vão aprender a fazer na minha aula.
IMPORTAR-SE
Se não ligarem para minha aula, eu também não vou ligar.
Se não chegarem aqui tendo dormindo o mínimo de horas necessário para participarem e demonstrarem interesse durante os 55 minutos que preciso estar aqui três madrugadas por semana,
então vocês não se importam com a Oratória 217: a Arte de comunicação informal.
Portanto, saiam. Saiam, agora! Imediatamente! Fora!”
Eu tive vários professores chatos ao longo da minha vida. Mas em um determinado momento descobri que você pode ‘tirar’ do professor aquilo que é interessante pra você. Perguntando, sugerindo, discutindo. Se o professor topar esse esquema, ele é bom (independente de ele ser um bom comunicador).
A aula não é só o professor quem faz.