O velho truque da mariposa na árvore

Todo mundo aprendeu no colégio a seleção natural de Darwin. O exemplo clássico, presente em todos os livros didáticos, era das mariposas brancas da Inglaterra, que após a revolução industrial tornar o céu esfumaçado, ficaram escuras para se adaptar ao novo ambiente. Quer dizer, elas não “ficaram” escuras. O que a teoria diz é que mariposas escuras apareceram por acaso e, por se camuflarem melhor, foram “selecionadas” em comparação a suas irmãs brancas, que, por se destacarem, acabaram sendo mais visadas (comidas) pelos predadores. Certo?! Seria o exemplo perfeito… se fosse verdade!

O “melanismo” é o nome do fenômeno relacionado ao escurecimento da pele, pelagem ou plumage, não está relacionado apenas a predação. Na mesma época, não só as mariposas, mas também outros animais, menos sujeitos a predação intensiva, como gatos, besouros e pássaros; também escureceram. Nos pássaros por exemplo, o melanismo pode favorecer a absorção de luz solar e o aquecimento do corpo, ou a coloração da plumagem pode favorecer nos rituais de acasalamento.

No exemplo dos livros, a mariposa Biston betularia, não apresentava formas escura até revolução industrial. A forma pigmentada foi observada nos arredores de Manchester em 1848 e teve a sua freqüência aumentada até alcançar 90% da população no início do século XX. Mas com a redução da poluição, as formas melânicas tiveram novamente uma redução na freqüência para menos de 10% da população. A verdade é que as formas pigmentadas já existiam nas florestas da Inglaterra e também da América do norte, mas a forma clara, salpicada de melanina era a mais freqüente na cidade, e se misturava com os liquens das árvores.

Foi em meados dos anos 50 que um autor chamado Kettlewell explicou a variação da freqüência das diferentes formas em função da pigmentação e da predação por pássaros.
De acordo com a “lenda”, a forma clara estava adaptada a camuflagem nas árvores cobertas de liquens. Quando a poluição aumentou, os liquens (que são super sensíveis a poluição atmosférica) desapareceram e as mariposas claras ficaram mais destacadas nos troncos escuros das árvores e podiam ser mais facilmente identificadas pelos pássaros. O aparecimento de uma mutação para mariposas com maior pigmentação, levou a uma maior eficiência na camuflagem. E com a menor predação pelos pássaros, essa variedade pigmentada conseguia se reproduzir mais e aumentou a sua freqüência na população.

Mas adivinhem…. muitos autores demonstraram que essas mariposas praticamente não ficam nos troncos das árvores! Principalmente durante o dia, preferindo as copas das árvores, que são áreas mais protegidas.

A B. betularia pode apresentar 3 padrões de pigmentação, que dependem da expressão de 4 genes (4 alelos porque são genes que juntos determinam uma mesma característica): a típica forma “Pálida”, a intermediária “Insulária” e a forma melanômica total “Carbonária”.

Apesar da forma Carbonária ser efetivamente melhor camuflada que a forma típica Pálida, nunca houve uma substituição total de uma população pela outra. Além da freqüência da forma típica ter voltado a aumentar em Manchester quando os níveis de poluição diminuíram, existe uma alta freqüência da forma Carbonária em regiões não poluídas da Inglaterra. Isso sugere que o rápido aparecimento das formas pigmentadas foi, provavelmente, uma “exportação” dessas formas. Sem a necessidade do aparecimento da “mutação”.

O assunto é polemico e tem despertado livros e artigos de autores defendendo e questionando o melanismo das mariposas como o melhor exemplo vivo de evolução natural atuando.

Um experimento de criação dos 3 tipos de mariposas em laboratório mostrou que a raça típica Pálida tem uma sobrevivência 30% inferior a da Carbonária e 7% inferior a Insulária. Um modelo de computador que leve em consideração essa sobrevivência geral mostra que a distribuição prevista após 150 gerações de mariposas (um número razoável de se imaginar de 1848 até agora), se aproxima muito mais a distribuição atual do que quando se leva em consideração apenas a capacidade de camuflagem e a poluição.

É mais difícil provar o que é menos intuitivo, ainda que seja o verdadeiro!

Bate Coração!

No último domingo, a revista do Globo publicou uma reportagem sobre as descobertas da ciência que previnem o infarto. Como eu dou aula de fisiologia cardíaca, fui lá conferir. Que decepção. Não tinha nada de fisiologia! Era quase uma propaganda de um novo exame que obviamente não previne nada, diagnostica! O que previne o infarto é uma mudança de estilo de vida, que na sociedade moderna, é difícil.

Pensei que eu poderia fazer um artigo com coisas bem mais legais para serem contadas sobre o coração.

Vocês sabiam que o som do tambor é o único som presente em todas as culturas? Alguém se arrisca no porquê? Exatamente, o som do coração! Desde a antiguidade clássica (egípcios, gregos e romanos), ainda que não se soubesse muito de anatomia e fisiologia, já era conhecida a relação entre os batimentos do coração e a vida.

Só que era uma relação intuitiva: nos corpos vivos dá pra ver, sentir, ouvir os batimentos no peito, enquanto nos mortos… não.

Essa relação entre os batimentos e a vida, levou esses povos a acreditarem que o coração era a “residência da alma”. Por isso, era o órgão aonde se depositavam todas as emoções humanas. Entre elas, o amor!

Nasceu entre os egípcios a tradição de usar um anel pra representar o casamento. Mas foi depois de 2000 anos que os gregos inventaram de usar o anel no dedo anular da mão esquerda. Segundo eles, um anel imantado ajudaria a atrair o coração. Isso por que no dedo anular esquerdo existiria a vena amoris a “veia do amor” que conectaria direto com o coração! Mas antes que as meninas delirarem dizendo “ah…. que romântico”, devo dizer que não existe nenhuma evidência científica ou anatômica da venas amoris! Era tudo um truque de algum Don Juan barato da época.

Mas essa não foi a única confusão que os antigos fizeram por não saberem anatomia. Eles confundiram um monte de coisas. Pra eles era o fígado que produzia e bombeava o sangue, que só caminhava pelas veias. Isso por que eles viam apenas pessoas mortas. E nos mortos, o sangue sai das artérias e se acumulam no fígado. As artérias ficavam vazias. Alias, esse era outro equivoco. Eles acreditavam que era ar que circulava pelas artérias. Tanto que receberam esse nome AR-TÉRIA “caminho do ar”. Se vocês prestarem bem atenção, vão ver que o coração nem está do lado esquerdo do peito. Ele tem uma posição central, estando ligeiramente apontado para o lado esquerdo. Feche o seu punho esquerdo. Coloque na região central do toráx, acima da barriga e entre os peitos. Ai fica o seu coração. E ele, inclusive, tem aproximadamente esse tamanho: o de um punho fechado!

Foi apenas durante a época dos gladiadores que o papel do coração começou a ser esclarecido. Galeno, o médico chefe dos gladiadores, tinha chance de observar corpos vivos abertos. Alguém tomava uma espadada e o peito aberto podia ser observado: o coração batia e o sangue jorrava pelas artérias. Conforme o gladiador ia morrendo, os batimentos iam diminuindo e se Galeno tivesse sido um pouco mais observador, já poderia ter observado a contração seqüencial dos átrios antes dos ventrículos.

Mas ele foi muito importante e durante mais de 10 séculos suas descobertas guiaram a medicina. Claro, com uma pequena participação do fato dos experimentos necessários para aprimorar os seus conceitos acabarem levando as pessoas para morte na fogueira durante a idade média.

Atualmente, as coisas estão muito mais avançadas e o Brasil é líder mundial nas pesquisas de células tronco para o tratamento de infarto do miocárdio (inclusive, o instituto onde eu trabalho é o líder!).

Mas quando eu dou aula, uma coisa que chamam mais atenção é da força do coração. Um coração sadio em bate cerca de 70 vezes por minuto. E em cada batimento, bombeia cerca de 70 mL de sangue para a Aorta. Faça as contas e você vai ver que o coração é capaz de bombear em torno de 5 litros de sangue por minuto. Você sabe quanto é isso? É muito! Pra vocês terem uma idéia, eu fiz um vídeo caseiro. Peguei uma garrafa de 1,5L de água e abri a torneira do tanque a ponto de enchê-la em 18s (faça de novo as contas, 5L em 60s; 1,5L em 18s). A vazão dessa torneira é a vazão do seu coração quando você está tranqüilo, lendo um livro ou vendo TV. Em repouso. (O video termina antes de encher a garrafa porque minha câmera é antiguinha e só grava 15s.)

Mas já se a mulher da sua vida rêaparecer, se um caminhão quase te atropelar ou se você resolver correr a meia-maratona do Rio, a vazão do coração pode aumentar muito. Em situações de ansiedade, estresse ou, principalmente, de esforço físico; os tecidos do corpo vão precisar trabalhar com mais intensidade, vão gastar mais energia e precisar de mais oxigênio. E como quem leva o oxigênio é o sangue, então o coração tem que bombear o sangue com mais intensidade. No vídeo abaixo, abri totalmente a torneira do tanque, e a garrafa levou sete segundos para encher. Isso corresponde ao coração batendo em torno de 180 vezes por minuto.

Só que não pára por ai. O coração ainda é “elástico” e com a necessidade, pode passar a bombear mais de 70mL/batimento. Com o aumento do volume bombeado para 130mL/min e o aumento da freqüência cardíaca para 220 bat/min, faça as contas novamente, e você vai ver que o coração pode chegar a incrível marca de 28.600 mL/min. Quase 30 litros de sangue por minuto!

Pense nisso da próxima vez que for maltratar seu coração!

PS: Algumas dessas curiosidades estão no livro: “As dez maiores descobertas da medicina. (Friedman M, Friedland GW. 2000. Capítulo 2: 37-63. Companhia das Letras. Rio de Janeiro. 363pp)”

O gene do Tocha humana

Queria começar esse texto com a etimologia da expressão “queimar o filme”, mas rapidamente vi que seria impossível e então desisti antes de começar. Era importante pra explicar que a expressão é utilizada pra dizer que “alguém” pode queimar o “seu filme”, o que geralmente acontece se você é vacilão, mas e quando VOCÊ é o grande especialista em “queimar” o seu próprio “filme”? Uma daquelas pessoas que “se queima sozinha”, sem nem precisar da trapalhada dos outros? Um tocha humana, que basta dizer “inflame-se” e pronto… se queimou!

A questão levantada na última mesa de bar, com maioria arrasadora de biólogos, do tipo que não perdoam uma, foi: existe um gene para a “autocombustão”?

Sabe quando está passando aquela mulher gostosézima, você está com a sua namorada do lado e… você sabe que ela vai estar te vigiando, mas…. você deveria olhar pra calçada, mas… não consegue se controlar e…. olha pra bunda da gostosa?! Tipo quando está em uma mesa predominantemente de mulheres e… começa com o maior papo machista de falar mal da mulher que você tem (ou bem das mulheres que você não tem)? Isso serve pra contar piadas de mal gosto, dar aquele drible a mais no futebol, tirar a cebola da pizza e pra mais um monte de coisas. É queimação na certa, mas é inevitável.

Fiquei pensando se esse comportamento não se encaixaria em um dos padrões conhecidos de expressão gênica, e esse gene, quando ativado por algum fator externo, levaria a uma disfunção na cascata de ativação das fosforilases que deveriam ativar o seu superego, a região do seu inconsciente que trava, por razões boas ou ruins, essas enxurradas de inoportunismos.

Os genes em organismos superiores, os eucariotos, são controlados de muitas formas, apesar de poderem apresentar um mecanismo básico: possuem uma região promotora, que é capaz de receber sinais do exterior da célula e ativar a transcrição do gene; possuem seqüências espaçadoras chamadas Íntrons, que ajudam a determinar a forma final do RNA; precisam de um conjunto de enzimas para transcreverem a seqüência do DNA em uma seqüência de RNA; e de um outro conjunto de enzimas e moléculas (os ribossomos) para transformarem esse molde de mRNA em uma proteína.

Muitos genes possuem mecanismos de indução e repressão. Moléculas sinalizadoras (em geral proteínas) chamadas fatores de transcrição, podem se ligar ao DNA fazendo com que o gene seja mais. Outras moléculas, chamadas repressores, enquanto estão ligadas ao DNA, impedem que o gene seja ativado. Nesses casos, o sinal para ativação do gene é o desligamento dessa molécula.
Em geral (de novo) o mecanismo de comunicação entre o meio extracelular e o núcleo da célula (onde está o DNA) é através de uma cascata de reações. Uma proteína receptora específica na membrana celular é ativada pela ligação do seu sinal específico (por exemplo, o álcool no sangue). Essa proteína usa então passa um fosfato para uma outra proteína abaixo dela, que vai passando o fosfato adianta, através de várias outras proteínas no citoplasma, até a proteína, final, ligada ao fosfato, entrar no núcleo e se ligar ao promotor do gene no DNA, ativando a transcrição.

Então, voltando ao gene de “autocombustão”. Me parece um mecanismo de repressão clássico, com uma molécula ligada ao DNA constantemente, que impede que a gente seja inconveniente na maior parte do tempo (pelo menos a maior parte de nós, por que tem gente… que insiste em ser inconveniente o tempo todo). Algum fator… que não me parece ser o álcool, a nicotina, ou a cafeína; poderia ser o desbloqueador desse gene. Mas ainda assim, me parece estranho… não deveríamos ser inconvenientes em momento nenhum! E qualquer gene que levasse a inconveniência seria rapidamente excluído da população pela seleção natural. Como já vimos, os chatos acabam se reproduzindo assexuadamente.

Então o gene não seria da autocombustão e sim um gene da resposta mal-criada (esse sim, com grande utilidade em diferentes momentos). Por um erro na cascata de fosforilação, esse gene seria ativado em situações desnecessárias fazendo com que você, ao invés de mal-criado, acabe sendo inconveniente, inoportuno e… se queimando.

Finalmente, poderíamos ter um gene do “não-tô-nem-ai”, que também é muito útil, mas que funciona com um mecanismo diferente. Esse, em geral, não tem repressor, nem ativador, está acionado o tempo todo. Tem gente que é assim mesmo.

Mas, infelizmente, tudo isso é divagação. Não existe nenhum gene para esse comportamento. Como começamos a ver no início da semana, o determinismo biológico é furado! A inconveniência, a autocombustão e o inoportunismo dependem do ambiente e do contexto. O problema da gente não é ativar um gene ou outro: é não reconhecer os diferentes contextos, ambientes e situações particulares. Pode ser por falta de hábito, pode ser por desatenção, falta de jeito ou por pura falta de educação mesmo.

Ainda sobre a vida

Depois de ter publicado um texto sobre a definição de vida, Não posso deixar de contar pra vocês que hoje assisti uma palestra expetacular (sempre com x do sotaque carioca) sobre a busca de estruturas biológicas no universo.

A palestra começou com a frase: “Não existe uma definição de vida!” Lindo! “Podemos denominar os atributos da vida, mas não defini-la”.

E a palestra continuou tão bem quanto começou. Mostrou que apesar de existirem muitas moléculas biológicas espalhadas pelo cosmos, mesmo no interior de estrelas, como o aminoácido Glicínia, não encontramos nenhuma indicio de planetas com vida. Um desses indícios seria a presença de Ozônio (O3) na atmosfera, ou um pico de absorção de energia na mesma faixa da clorofila. Ambas características presentes quando observamos a Terra do espaço.

Os estudos se baseiam em algumas premissas lógicas difíceis de serem testadas, como das zonas mais tranqüilas das galáxias para que fosse possível a formação de vida. Mas no fim das contas, mostram que outro composto abundante no cosmos, o cianeto de hidrogênio (HCN), pode reagir com ele mesmo formando dímeros, trímeros, tetrâmeros e assim por diante, até formar a base purínica Adenina, um dos tijolos fundamentais da bioquímica. Ela está presente nas moléculas que armazenam e trocam energia (ATP) e também informação (DNA).


O fato de não encontrarmos essas moléculas inteiras no cosmos pode sugerir que a vida ainda não se formou em outros planetas ou… já foi extinta! E o que vemos são os blocos da degradação dessas moléculas.

A palestrante, Dra. Claudia Lage do IBCCF/UFRJ, terminou falando que “(…) isso tudo se… a vida fosse como nós esperamos que seja. Mas como ela pode ser totalmente diferente…” Sem concluir! Lindo novamente!
Lembrei da poesia que li uma vez e que dizia “concluir é atrofiar“!

O que é a vida?

A pergunta, simpática e difícil, foi feita por uma advogada que estava estudando direito biológico (o que quer que isso seja!).

A mais manjada das definições de ser vivo, que todo mundo lembra do 2o grau, é que ele nasce, cresce, se reproduz, e morre.

E na verdade, desde o segundo grau desse que voz fala, e provavelmente de muitos de vocês, a definição não mudou. Obviamente, estou ignorando qualquer discussão sobre vida metafísica e vida extraterrestre.

À definição de vida, na Terra, devemos adicionar o ponto de vista bioquímico (entidades que possuem metabolismo), genético (entidades com capazes de auto-replicação e evolução) e até termodinâmico (sistemas abertos onde a entropia tende a diminuir). Todos essas definições encontram problemas para explicar algumas exceções: algumas vezes máquinas apresentam essas mesmas características, outras vezes alguns seres vivos falham em apresentar alguma delas.

Mas para minha linda advogada, preocupada com os homens e não com os bichos, a questão era ainda mais complicada. Quando a vida começa? E meu primeiro pensamento foi de responder com outra questão: de que ponto de vista? Bioquímico, genético ou termodinâmico? Mas acho que advogados não gostam muito de pontos de vista diferentes e isso não resolvia o problema dela. Comecei a sugerir que era no momento da fecundação, mas essa vida não era independente. Depois falei do parto, mas no final já estava arriscando “aos 5 anos de idade” que é a idade a partir da qual acreditam que um ser humano seja capaz de se alimentar sozinho. Foi ai que ela me veio com uma outra pergunta: quando a vida acaba? Já estava me dando por derrotado quando então lembrei do “princípio Ana Karenina”.

O princípio não tem nada a ver com biologia, mas sim com romance. De acordo com ele, o um relacionamento entre duas pessoas só pode funcionar se uma série de fatores funcionarem concomitantemente. A falha em qualquer um desses fatores, leva ao fim do relacionamento. Por isso, que tantos relacionamentos terminam: é muito difícil encontrar todos os fatores necessários para que duas pessoas funcionem juntas.

Para que haja vida independente, é necessária a conjunção de uma série de fatores. E a falha em qualquer um deles, ainda que não diretamente, vai levar a morte.

Acabei gostando da definição. E (d)ela também!

Até onde você bebe a sua cerveja?

Ontem um amigo querido perguntou, não diretamente a mim, por que algumas pessoas não jogam suas cervejas quentes fora e pedem outra mais gelada. Essa é uma pergunta complexa que de ontem pra hoje me rendeu muitos pensamentos. Lembrei na hora de um livro cosi cosi que eu li chamado “31 canções”, onde o autor se lembra com orgulho da primeira vez que ele se libertou e saiu de um show (que estava sendo ruim) pela metade, para ir no pub jogar sinuca e tomar cerveja (uma diversão no mínimo secundária já que o show era do Led Zeppelin). Lembrei de outro livro, este sim espetacular, chamado “O Zen e a arte da manutenção de motocicletas”, onde o autor separa as pessoas em dois tipos, aquelas que fazem questão de conhecer o funcionamento de suas motocicletas e realizarem elas mesmas a manutenção, e um outro tipo, que faz questão de não entender nada e que toda manutenção seja feita por um especialista (o mecânico).

Fiquei pensando se o mundo seria dividido entre as pessoas que tomam sua cerveja até o último gole (não importando se ela esquentou, por que nada pode ser desperdiçado) e outras que se recusam a tomar cerveja quente (não importando o desperdício ou o motivo do aquecimento, já que o prazer da cerveja gelada é insubstituível)?

Provavelmente sim. (Agora eu fiquei até curioso: E você, troca sua cerveja quente ou toma ela até o final?)

Assim como poderíamos fazer muitas outras classificações. O curioso, e inquietante, é que nunca conseguiríamos criar categorias sem que houvesse interseções. Somos iguais, mas somos todos diferentes. Isso me lembrou um pequeno fragmento de um filme (Kinsey – vamos falar sobre sexo) cujo personagem biólogo e estudioso de vespas (antes de mudar pra um assunto muito mais interessante, o sexo entre humanos) fala: “Depois de estudar milhares delas (vespas) sob o microscópio, ainda não consegui encontrar uma que seja idêntica à outra. Na verdade, são tão distintas, que as crias de uma geração se parecem com os pais tanto quanto uma ovelha se pareceria com uma cabra. Alguns de nós podem ficar felizes com esse fato. Considerem as implicações, se cada ser vivo é diferente de todos os outros seres vivos, então a diversidade se torna o fato irredutível da vida. Só as variações são reais, e para vê-las, simplesmente temos de abrir os olhos.

Vejam como a biologia é psicanalítica… primeiro, podemos ser incorentes por que todo mundo é! E agora, podemos ser diferentes, por que TODOS os seres vivos são! A classificação e a separação, duas etapas praticamente inerentes a todo processo de estudo e aprendizagem, servem apenas para… propósitos de estudo e aprendizagem. Para mais nada! Por que, somos todos diferentes! É um fato. Nem mesmo os clones são iguais (você não sabia?! Em breve republicarei um texto explicando isso)!

A compreensão de que TODOS os organismos da natureza são diferentes deveria ser acalentadora: Você pode ser igual a todo mundo fazendo o máximo para não ser absolutamente igual a ninguém! E podemos ir mais alem: não deixe ninguém te dizer o que você deve fazer. E já que eu hoje (hoje?) estou cheio de citações, me lembro de uma do Woody Allen: “Se alguém quiser te dizer como você deve fazer alguma coisa, ouça com atenção, concorde na hora, agradeça e depois, ignore completamente e faça do jeito que você quiser”.

Então, se você toma sua cerveja até o final, ou se você pede logo outra, o importante é que vocês possam beber juntos na mesma mesa de bar!

Neurônios que perdem cromossomos

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Como vocês sabem, o DNA é a molécula que carrega o código genético, aquelas informações que fazem com que sejamos quem somos e que cada um de nos seja diferente do outro. Por isso, as possibilidades decorrentes do conhecimento e da manipulação desse código têm sido apresentadas em diversos estudos com os mais diversos tipos de organismos, tendo como exemplo mais ilustrativo a clonagem da ovelha Dolly.
Em 2001 foi anunciado o sequenciamento do genoma humano, e a possibilidade de cura de doenças, retardamento do envelhecimento etc, foram amplamente comentadas pela mídia. (ainda que alarde tenha sido um pouco maior do que a possibilidade científica de cura trazida pelo simples sequenciamento do genoma, mas sobre isso escrevo outro dia). Boa parte da importância dada ao sequenciamento do genoma reside no fato de todas as células de um organismo possuem não só o mesmo DNA como a mesma quantidade dele.
Ou seja, uma célula do cérebro tem o mesmo DNA, e na mesma quantidade, de uma célula do fígado. Elas são diferentes na sua aparência e função porque as partes do DNA (seqüências, genes) que estão ativas em uma são diferentes daquelas que estão ativas em outra.
Uma descoberta recente (mesmo, publicada no mês passado) de um jovem pesquisador brasileiro (lá pelos seus 30 anos) é de que as células do sistema nervoso de mamíferos não têm necessariamente a mesma quantidade de DNA, observadas pela ausência ou duplicação de alguns cromossomos (estruturas formadas pelo enovelamento do DNA para facilitar a sua duplicação e transferência durante a divisão celular).
Os neurônios, que são as principais células do sistema nervoso, apresentam uma característica especial: eles não se multiplicam (por isso, quando você toma um porre e o álcool destrói alguns dos seus neurônios causando dor de cabeça e preda de memória, você fica sem eles pra sempre). Já neuroblastos são células jovens, essas sim com capacidade de crescer e se dividir, que quando atingem seu estagio maduro ou adulto dão origem aos neurônios. Nesse estagio, para obter o alto grau de especialização necessário às funções de transmissão do impulso nervoso, elas abriram mão da capacidade de reprodução (não foi exatamente uma escolha, mas vamos manter a metáfora).
A descoberta do Dr. Rehen e seus colaboradores é que nem todos os neurônios apresentam o mesmo número de cromossomos, mesmo em organismos saudáveis. Esse resultado foi curioso porque ate agora a alteração no número de cromossomos estava relacionada com doenças bastantes serias, como o retardamento mental da síndrome de Down, causada pela trissomia do cromossomo 21. Os resultados da pesquisa mostram que 33% das células (neuroblastos) analisados (em um total de 212) haviam perdido ou ganho um cromossomo somático. Esse número é muito superior a taxa normal de aneuploidia de outros tipos celulares, como os leucócitos, que é de meros 3%. O artigo revela ainda que aproximadamente 5% das células do cortéx embrionário de camundongos machos perderam ou ganharam um cromossomo sexual . É possível inclusive que células de camundongos machos apresentem o genótipo XX característico das fêmeas, pela perda de um cromossomo Y e ganho de um X. No cérebro adulto, a frequencia de perda/ganho de cromossomos sexuais é de 1%, mas outros cromossomos também apresentam número de copias diferentes do esperado (que seriam duas, uma vinda do pai, e outra da mãe).
Um dos mecanismos observados pelo grupo para gerar essa diferença, é que, no momento da divisão celular dos neuroblastos (antes de virarem neurônios), alguns cromossomos migrariam de forma mais lenta (talvez por você ter bebido cerveja demais no dia anterior 🙂 para a célula “filha” acabando por ficar fora da nova célula. Permanecem a mãe com um cromossomo a mais e a filha com um a menos.
Como esse mecanismo seria controlado por fatores “externos” ao controle do DNA, ele geraria células com números diferentes de cromossomos meio que ao acaso. Como em geral esse tipo de variação ao acaso traria prejuízo para as células, não se pode saber ainda a natureza da função dessa diversidade cromossômica nos neurônios. Nem mesmo as conseqüências que ela pode trazer.
As hipóteses vão desde vantagens adaptativas geradas pela maior possibilidade de resposta das células diferentes a estímulos ambientais diversos, a propensão ao câncer e mal de Alzheimer (doenças classicamente relacionadas com números diferentes de cromossomos).
Esse mecanismo de diferenciação de células não coordenado pelo DNA poderia explicar, por exemplo, as diferenças encontradas entre gêmeos idênticos (que possuem o mesmo DNA por que são originados da mesma célula) e que também poderiam ser encontradas em futuros clones de uma pessoa.

O que você não tinha como saber sobre clonagem

Essa semana li nos jornais que o lesado do presidente dos EUA, Mr. Bush, está querendo proibir os testes com embriões clonados. Me vieram em mente duas questões. Primeiro que lideres políticos não deveriam se intrometer em assuntos científicos (mas abaixo comento o por quê) e segundo que muitos de vocês não devem saber de alguns detalhes importantes sobre a clonagem de seres vivos.

Então, se você está ansioso por clonar a si próprio, para viver todas as aventuras amorosas sem deixar nenhuma pra trás, ou para levar paz e prosperidade a todos os cantos da terra, saiba que:

  • O DNA é muito fino, mas muito comprido. Em algumas células ele pode ter até dois metros. Na hora da célula se dividir e duplicar, ele se encolhe e se espreme em estruturas que chamamos de cromossomos. O cromossomo parece um X. As cromátides são as pernas do cromossomo, formadas pelo DNA enroscado. No meio o centrômero. Em cada uma das cromátides existem estruturas chamadas telômeros. Uma enzima, a telomerase, tem a função de retirar um telômeros da cromátide a cada vez que a célula se divide e se multiplica. Já que multiplicação é a forma utilizada para o organismo crescer, isso faz com que o número de telômeros seja uma forma de calcular a “idade” da célula. Toda essa historia é pra dizer que quando se pega uma célula qualquer de um organismo adulto e separa-se o seu DNA para ser inserido em um óvulo “vazio” para dar início a clonagem, geramos um bebê com a idade celular de um adulto. Um clone será sempre igual, porém mais velho, que o ser original. É por isso que a Dolly sofre de envelhecimento precoce.
  • Além disso, quando se pega um óvulo e se retira o seu material genético, esvaziando-o para receber o material genético da célula adulta do organismo a ser clonado, a célula não esta realmente vazia. Ficam, assim como todas as outras organelas celulares, as mitocôndrias. Mas ao contrário das outras organelas (lisossomas, retículo endoplasmático, ribossomas etc) as mitocôndrias, que acredita-se foram bactérias simbiontes em um passado distante, possuem seu próprio DNA. Assim, o clone possui o DNA do seu doador a ser clonado, mas possui o DNA mitocondrial da célula mãe que hospeda o clone. Os dois materiais genéticos podem apresentar conflitos que levem a doenças e a morte da própria célula. Ou seja, até agora, o clone não é totalmente um clone.
  • Por fim, os genes do clone carregam a mesma informação do clonado, mas a forma como essa informação é “lida”, “processada” e “interpretada” pelo maquinário enzimático da célula é muito dependente do ambiente onde a célula se desenvolve. Os estímulos externos como calor, temperatura, pH, até luz, mas principalmente determinados sinais químicos, podem fazer com que um determinado gene seja ativado e outro seja desativado. Especialmente durante as fases de desenvolvimento. Ou seja, um clone não será, necessariamente, igual ao seu original.

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