Aluno, Alumni, Alumnus

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Algumas pessoas sugerem que a palavra ‘aluno’ significa ‘sem luz’, pois derivaria do latim ‘alumni‘ em que ‘a‘ quer dizer ‘sem’ e ‘lumni‘luz’. Na verdade, a palavra se origina do latim ‘alumnus‘, que significa ‘criança de peito’ e é o particípio passivo perfeito do verbo ‘alere‘, que significa ‘alimentar‘. Uma visão romântica da etimologia da palavra concebe o aluno, portanto, como aquele que é ‘alimentado com conhecimento‘.
Como vocês podem imaginar, a diferença não é banal e gerou muitos problemas. Um deles foi a adoção da palavra ‘estudante‘ no lugar de ‘aluno‘, para retirar o caráter pejorativo de ‘não iluminado‘. No entanto, ‘estudante‘ e ‘aluno‘ não são exatamente sinônimos na língua portuguesa. De acordo com o dicionário Michaelis, estudante é ‘aquele que estuda‘. Assim, eu posso ser um estudante de Paulo Freire sem ter sido seu aluno; ou posso ter sido aluno de Freud sem ser seu estudante.
Um termo também utilizado para substituir aluno é a palavra ‘aprendiz‘, que deriva do particípio passado arcaico ‘apprendititum‘. O verbo ‘apprehendere‘ significa segurar, prender. Aprender significa tomar conhecimento de, reter na memória.
Mais outro termo utilizado recentemente é ‘cliente‘, apesar do preconceito com que ele é visto nos meios acadêmicos, devido à associação com as relações comerciais. Mas o seu significado é nobre. Cliente é aquele que tem confiança em quem lhe presta um serviço. Assim, o termo é mais comumente aplicado em relações profissionais com advogados, médicos e outros serviços. Mas por que não seria também na educação?
(Publicado originalmente no material didático para o curso de capacitação de professores em EAD da UAB)

Ti-ti-ti! A fofoca como instrumento de ensino

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Quando fomos para a África capacitar professores para a produção de material didático para o ensino a distância em Moçambique, vimos que o desafio seria grande. Tirando as questões relacionadas com infraestrutura, finanças e tempo, que estavam além do nosso controle, esbarrávamos na dificuldade relacionada a(s) língua(s), que eu já relatei aqui, e com a extrema formalidade dos docentes no trato conosco, com eles próprios e com os alunos. Com aquela formalidade toda, não se faz educação a distância. Mas e como convencer eles disso?
As boas aulas que demos com a nossa informalidade, não foram suficientes e vi que precisaria de mais argumentos, científicos, para convencê-los. Então montei uma apresentação, curta, mas embasada no ótimo livro “The Red Queen“, sobre o qual eu já falei aqui. O livro fala de evolução e quando eu o li, já tinha pensado que deveria organizar algumas idéias ali em um artigo, pra que pudessem ser aplicadas na educação.
Funcionou! Eu consegui que os professores rissem contando algumas fofocas sobre o meu companheiro de quarto, que não estava presente na aula, e depois de muita discussão conseguimos que eles escrevessem com um pouco mais de informalidade.
E agora, seis meses depois, o artigo está pronto e publicado no Bioletim. Não deixem de ler, tenho certeza que vão gostar e usar o que aprenderem em sala de aula. Ou em qualquer outra situação que queiram chamar a atenção de alguém.

Check-List

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“Tô cansado do meu cabelo, tô cansado da minha cara, tô cansado de coisa vulgar, tô cansado de coisa rara”
Eu sei, tô muito novo para estar cansado, mas me dá um desanimo cada vez que tenho que ler uma tese, participar de uma banca, seja de tese ou de seleção. Talvez esteja até irritado esses dias, porque esse é meu terceiro post amargo. Mas… se os Titãs puderam um dia, então eu também posso.
É o seguinte, tá na hora de fazermos uma mea culpa para podermos mudar o status quo e preparar essa garotada para o mundo cruel ai fora.
Somos, muitas vezes, condescendentes com nossos alunos menos favorecidos ou menos capazes, por que nos convém: nos ajudam no lab, sabem uma coisa que os outros não sabem e demorariam para aprender, estão com a gente a muito tempo e desenvolvemos um carinho paternal/maternal, ou pelo motivo menos nobre de todos: obedecem nossas ordens sem questionar. Uma maravilha!
Mas a verdade é que não estamos formando bons profissionais. Estamos formando bons alunos para seguirem sendo ‘nossos’ alunos. Sim, porque se eles saírem de nossos laboratórios para uma outra universidade ou para um emprego fora da academia… eles não tem a menor chance.
Ou vocês acham que um entrevistador da ‘Natura’, por exemplo, tem 20 min para cada candidato apresentar seu projeto? Aonde o candidato ainda ultrapassa os 20 min? Sendo que levou 18 min para chegar aos objetivos?
Como disse semana passada, eu ainda acho que eles estão seguindo um modelo. Que lhes foi passado, ou que eles deduziram, vendo outras teses, aulas e seminários. Mas que está equivocado. E nisso, ela tinha razão (assim como tinha razão em várias coisas, mas nunca conseguiu ficar tempo suficiente para descobrir isso). Modelos pré-estabelecidos não servem. São para preguiçosos e pessoas pouco inteligentes. O que nós precisamos é de um check-list.
Então vou propor um check-list defesa de tese, de projeto, de seminário, de entrevista. Assim, que me encontrar ou me convidar para uma banca daqui pra frente, não vai poder dizer que não estava avisado:

  1. Seu título não tem mais de 30 palavras? (Uma linha. No máximo duas. Título não é resumo)
  2. Seu resumo responde as perguntas: O que? Quem/Qual? Quando? Como? Onde? Por que? Para que? (na verdade TODO o seu texto, cada primeiro parágrafo de sessão, deveria responder essas perguntas)
  3. Suas palavras-chave Não são vagas? Elas repetem palavras do título?
  4. Sua introdução ocupa menos de 30% da sua apresentação/tese? Ela esclarece o que o leitor precisa saber para avaliar seus resultados? Ela não repete desnecessariamente informações que o seu leitor já possui?
  5. Sua apresentação tem um número de slides correspondente a, aproximadamente metade do seu tempo de apresentação? (se você gasta menos de 30 s em um slide, é provavel que a sua platéia não tenha entendido direito. Se você gasta mais de 2 min, ela está entediada com ele. em ambos os casos, o slide não cumpre seu papel. Na média, você deve levar 2 min por slide. Por isso, NÃO INSISTA e não coloque slides demais!)
  6. Seus slides estão abarrotados de informação? Suas figuras são grandes o suficiente para que que o leitor possa efetivamente ver a informação? (florzinhas são para alunos do 2o grau enfeitarem o orkut. Uma figura ilustra e explica. Ou ainda sensibiliza. Em ambos os casos, ela deve ser nítida. Não use mais que 6 itens por slide e não mais que duas frases por item. Mais que isso… sua platéia perdeu o fio da meada).
  7. Sua apresentação usa fundo escuro e letra clara? Seu poster usa fundo claro e letra escura? (por causa do brilho da tela do computador, ou projetor, devemos evitar fundos claros. Fundo azul e letra amarela dão a melhor relação contraste/legibilidade. Se você não sabe montar uma apresentação com uma combinação de cores e distribuição de espaço e tipos de letras, escolha uma pronta do PPT. Elas estão lá pra isso e muitas foram feitas por especialistas.
  8. Seus dados são normais? Sua estatística é não paramétrica? Seus gráficos mostram média ou mediana? Desvio padrão ou quartis? (se você não sabe isso, vá descobrir antes de apresentar seu trabalho para uma platéia)
  9. Seus gráficos com resultados comparativos tem eixos na mesma escala? Os eixos tem nomes? Dá pra ler os eixos?
  10. Você sabe que ‘significativo’ é um termo estatístico? Você sabe o que é erro do tipo I e erro do tipo II? Você sabe a diferença entre coeficiente de regressão e correlação? O que é uma variável independente? E a diferença entre significância estatística x biológica? (se não sabe… vá descobrir, de novo, antes de se apresentar em público. Mas já tá arriscado a ter que adiar a sua prévia. E aprenda o que é um gráfico box-plot, porque existe uma chance enorme dele ser o gráfico correto, e não um gráfico de barras).
  11. Seus objetivos batem com suas conclusões?
  12. Você treinou antes da sua apresentação? Falou para o espelho? Gravou você falando no MP3? Ouviu? Releu o seu trabalho? Releu em voz alta?
  13. Seu orientador leu seu trabalho? Tem certeza? Alguém mais leu? Você atendeu as sugestões dessas pessoas em cuja experiência/opinião confiou?
  14. Você não abusa das cores e ornamentos? O tamanho das letras é legível? Mas também não é grande demais?
  15. Você passou o corretor ortográfico? Pediu para alguém revisar o inglês? Escolheu um padrão para títulos e subtítulos? Escolheu um padrão para a bibliografia e manteve esse padrão?

É isso gente, 15 itens que podem salvar a sua tese. Pelo menos se eu estiver na banca. Claro, dado que você tenha feito um bom trabalho experimental e que saiba do que está falando. Se seguirem esse check-list, garanto que não vão passar vergonha. Nunca! E ainda podem sair com um título, uma vaga, ou um emprego.

Desmaiando de chatice

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Enquanto preparo o programa de aulas para o semestre que se inicia, me pego perdido em pensamentos: será que foram boas aulas? Será que os alunos gostaram?
Bom… essas duas perguntas não são complementares, porque dado que uma, nada garante a outra. E nada pode garantir que todos os alunos gostarão de uma aula, como já falei brevemente aqui.
Então me pergunto a única pergunta que posso responder: será que eu gostei?
Revejo o programa, revejo algumas aulas, revejo algumas atividades.
Sim, gostei de muita coisa. Mas não, não gostei de muitas coisa também. Tivemos tantas aulas… chatas!
Eu coordeno 3 disciplinas. O que quer dizer que monto o programa (com a contribuição de outros professores) e supervisiono as aulas. Dou várias aulas também, mas atualmente as disciplinas quase sempre envolvem mais de um professor. Na maior parte das vezes, por ser o entendido, especialista no assunto. Mas algumas outras vezes, porque justamente na falta de um especialista, sobrou pr’aquele pobre coitado falar do que ninguém mais queria falar.
Outra característica das disciplinas é a presença de alunos de pós-graduação dando aulas. Muitas vezes porque são muito bons e são, eles próprios, os especialistas nas diferentes áreas, e não o docente responsável. Mas várias vezes apenas para cumprir os pré-requisitos da bolsa da CAPES.
Os próprios alunos também dão aulas. Bem, na verdade não são aulas, são seminários, que não são exatamente aulas, mas que eles acabam apresentando como se fossem. Confuso? É exatamente isso que os seminários dos alunos são.
Então temos um pouco de tudo nas aulas. E apesar dessa ser uma possibilidade enriquecedora, o que temos é confusão. Quase caos!
Não há como requerer o mesmo conhecimento, o mesmo esforço ou a mesma habilidade natural para todos os professores. E muito menos para os alunos.
Alguns professores são claramente melhor que outros. Não só no conteúdo específico, mas principalmente no jeito de dar aula. Pode ser fruto de uma estratégia pensada, com resolução de problemas, planejando cuidadosamente a construção do conhecimento ou o que vai chamar atenção ou motivar os alunos. Outras vezes são ‘naturais’. Não precisam fazer nenhum esforço para manter atenção dos alunos. São encantadores de serpentes, sedutores de massas. É lindo ver um ‘natural’ dar aula. Mas são tão raros quanto os dedicados do início do parágrafo.
A maior parte dos professores acha que o que eles tem para ensinar é tão importante que o aluno não faz mais que a obrigação de prestar atenção e aprender. Talvez um dia tenha sido assim, mas não é mais. Hoje o professor tem que concorrer com MTV, cinema 3D, videogame, Vampiros, facebook e Google. O principal erro deles é não selecionar informação. Dão um monte de artigos para os alunos lerem, esperando que eles depreendam as coisas corretas, sem ter preparado eles pra isso. E esse, os 10 artigos, é só um exemplo. Mas eles podem fazer isso com qualquer coisa, até mesmo com uma pergunta em sala de aula, daquelas que com a escassez ou excesso de informação que foi dado, apenas ele, professor que fez a pergunta, e ninguém mais, tem como saber a resposta.São de uma chatíce infinita. E as aulas, de desmaiar.
Os alunos reclamam e com razão. Ou… não reclamam, e fazem o mais fácil: vão embora e não assistem a aula.
Sim, também vão embora das aulas boas, mas por outras razões, que certamente incluem vagabundagem, mas que não vêm ao caso aqui.
Abre parênteses: as salas de aulas estão cada vez mais vazias. Quando o professor faz chamada e é exigente com assiduidade e pontualidade, a sala pode até estar cheia, mas as mentes estão vazias. E quando ele é muito exigente na prova, os olhos até ficam grudados no quadro negro, aquele artefato antigo, ou no projetor multimídia, os cadernos podem até estar cheios, de anotações, mas as mentes continuam vazias. De um jeito ou de outro, as salas de aulas estão vazias e isso é um perigo. Fecha parênteses.
Os professores podem ser novos, mas os métodos de ensino são tão, tão velhos. Na palestra do Luli Radfaher ele menciona a parabola de Simon Paper, que fala do professor que adormeceu há 200 anos e quando acordou encontrou a escola… exatamente igual. Chata.
Por que será? Porque será que nada mudou na escola nos últimos 200 anos? Sim, porque quem acha que datashow é um grande avanço tecnológico se engana. O último grande avanço tecnológico na escola, nas palavras do Cristovam Buarque, foi o quadro negro (inventando em 1781), que permitiu que as aulas fossem ministradas para 40 e não mais 4 pessoas.
A resposta, na minha experiência, é que, apesar daqueles exemplos românticos do ‘professor que mudou a sua vida’, os alunos que ficam na escola e se tornam professores não são os melhores alunos e nem são os que tem mais iniciativa; são os que tiram boas notas porque são bons de imitação, já que imitando os professores ganham boas notas, e achando isso legal, se tornam eles também professores.
Deve ser isso. Qual é a outra explicação para tantos professores chatos? E tantos alunos com aulas chatas? Sim, porque os alunos podem ser muito críticos na hora de questionar a estratégia didático-pedagócia do professor, mas na hora que ele tem que dar uma aula… faz igualzinho. O que com falta de experiência, quer dizer PIOR!
Na sua grande maioria, as aulas dos alunos de pós-graduação são as piores. Desculpem, vou refrasear, são as aulas mais chatas.
Mas pode ser que eu esteja errado e haja outra explicação. A aula talvez tenha que ser chata mesmo. O nosso cérebro tem um esquema impresso no seu hardware e é o mesmo pra todo mundo. E é feito para aprender coisas muito diferentes de matemática. Talvez por isso, os professores preparam aulas há séculos da mesma forma. E os alunos, quando convidados a prepararem uma aula, fazem a mesma coisa. O que torna a aula chata então não é o formato da aula ou o conteúdo, é o fato que hoje, na universidade, o aluno está ali mas gostaria de estar em outro lugar.

"Você sabia?" (Mas quem foi que te disse?)

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Com esse bordão, a ZYJ 465 ‘Rádio Relógio Federal’ do Rio de Janeiro AM 580 Khz tocava curiosidades diversas enquanto a bela voz da bela modelo e locutora Íris Lettieri (a voz do aeroporto internacional do Rio) anunciava a hora minuto-a-minuto. Eu era criança e me lembro de várias vezes ficar, realmente, ouvindo o tempo passar.
As curiosidades da radio relógio, como as que você pode ouvir no trecho acima, vinham de enciclopédias, essa maravilhosa e ultrapassada invenção do iluminismo francês. Eu me pergunto, se nessa época alguém questionava a validade das informações colocadas nas enciclopédias ou divulgadas na rádio relógio.
Como eu já falei aqui, hoje em dia nosso maior problema não é obter informação, mas saber se podemos ou não confiar nela. E estou muito atento a isso.
Entao, agora que estou preparando a aula de abertura do ISMEE e queria usar ‘aquela’ citação, ‘daquele’ cara, que vi ‘naquele’ video, que falava ‘daquela’ coisa, você sabe qual é? (1) Odeio quando meus alunos usam pronomes demonstrativos por falta de vocabulário ou por falta da informação correta. Então não podia fazer isso também. Fui correr atrás da informação correta.
Aquela‘ citação era: “as 10 profissões mais solicitadas de 2010 não existiam em 2004” (the top 10 in-demand jobs in 2010 may not have existed in 2004). E era seguida por uma outra, que é a que eu mais gosto: “Nós estamos preparando estudantes para empregos que ainda não existem, para usarem tecnologias que ainda não foram inventadas, para resolverem problemas que nós ainda não sabemos que são problemas” (we are currently preparing students for jobs that don’t yet exist, using technologies that haven’t been invented yet, in order to solve problems we don’t even know are problems yet) e o vídeo era “Did you know? Shift happens” (Você Sabia? Mudanças acontecem), esse mega hit do Youtube, aqui em uma das suas muitas versões.

Apesar de ser esse grande sucesso, eu tive um trabalhão pra achar o vídeo de novo, porque obviamente apaguei o e-mail de ‘quem quer que tenha mandado’ porque sempre apago, geralmente sem ler, e-mails que me mandam ver algum vídeo. Bom, e provavelmente por alguma incompetência em procurar coisas no youtube também.
O vídeo é realmente instigante. Até mesmo chocante. Mas para usar aquelas informações (se é que alguém no planeta ainda não viu o vídeo – ou justamente porque todo mundo já viu), eu tinha que verificar o que estava sendo dito ali.
A primeira tarefa foi descobrir o autor do vídeo. Não foi tão difícil chegar até Karl Fisch, professor e adminstrador da Arapahoe High School nos Estados Unidos. Esse professor veterano todos os anos dava uma palestra para os professores sobre as novidades em tecnologia na escola, para que eles soubessem o que poderiam usar durante o ano letivo. Mas em 2006 ele resolveu fazer algo diferente e preparou uma apresentação sobre para onde ele achava que ‘eles’, enquanto escola, deveriam ir.
Ele alcançou o objetivo, fazer seus professores pensarem a respeito das questões que o inquietavam, e muito mais. Como eu disse, milhões de pessoas assistiram o vídeo na internet. Como um cara conectado, Karl rapidamente liberou os direitos da apresentação para que fosse editada, modificada, alterada, copiada, duplicada, reproduzida e replicada. E felizmente se preocupou em organizar e divulgar as fontes de TODAS informações contidas na apresentação, documento que pode ser encontrado no seu blog.
Mas que surpresa quando justamente a referencia para as citações que eu queria usar não estavam lá. Em princípio ele estava justamente citando outra pessoa, Ian Jukes um especialista no uso de computadores na educação e responsável pelo projeto ‘um laptop por criança’ (One Laptop per child) de inclusão digital. Bom, mas o Ian também estava citando alguém, e consultado algumas fontes, chegamos a conclusão que todos estavam replicando o que havia sido dito pelo ex-secretário de educação dos Estados Unidos Richard Riley, no livro “The Jobs Revolution: Changing How America Works” (a revolução dos empregos: mudando como a américa trabalha) publicado em 2004 por Gunderson, Jones e Scanland.
Bom, pra terminar a história, parece que não é verdade. Dois sites, esse e especialmente esse, fizeram um amplo trabalho de pesquisa sobre cada afirmação do vídeo. Com algumas imprecisões, muita coisa é verdadeira, mas no caso dos ‘empregos’, alguém cometeu uma gafe ao publicar em 2009 dados de uma previsão de 2004 que já poderiam ter sido verificados e considerados equivocados. Isso porque o ministério do trabalho americano já havia publicado, em 2009, uma lista com as 10 profissões mais procuradas. As 5 primeiras eram:

  • Enfermeiras
  • Gerentes gerais e de operações
  • Médicos e cirurgiões
  • Professores do ensino fundamental
  • Contadores e auditores

Verdade seja dita, essas profissões não só existiam em 2004, como em 1904 também. Mas verdade ainda maior, não consegui confirmar essa informação no site do ministério do trabalho dos gringos.
O que me diz a minha experiência e meu bom senso? Como já discutimos aqui, o Brasil tem um deficit gigante de professores de física para o ensino fundamental. E eu não tenho dúvida que quem se formar professor de Física pelos próximos 10 anos terá emprego garantido. Mas também sei que alguém que se formar em Biotecnologia ou Tecnologia da informação terá um emprego e um salário melhor do que alguém que se forme apenas em Biologia ou em Física.
Existem sim novas carreiras, novas tecnologias e novos problemas. Mas elas não substituem as antigas: elas se acumulam as antigas. Para cada biofísico que precisarmos, precisaremos de mais dois biólogos e três físicos. É provável que o biofísico, biotecnólogo, tenha um ‘valor agregado’, da mesma forma que o suco de laranja tem mais valor agregado que a laranja no pé.
O que nós NÃO podemos, nesse mundo cheio de novos desafios e saturado de informação, é descuidar das nossas fontes. A frequencia com que uma informação aparece serve para endossar essa informação.
1 – Não tinha um comercial que fazia uma sátira a isso? Eu acho que era com a Fernanda Torres, ou com a Montenegro, mas pode ter sido também a Marília Pera. Novamente estou sendo impreciso, mas queria muito usar esse comercial em uma aula. Alguém sabe de qual estou falando? Se souber pode deixar um comentário?

Titiririca na cabeça

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Em 1988 o chimpanzé (Pan troglodytes) do Zôo do Rio Macaco Tião (1963 – 1996) chegou em terceiro lugar, entre doze candidatos, na eleição para prefeito do Rio de Janeiro. Foram mais de 400 mil votos.
Mas por mais inteligentes que os macacos possam ser, nunca serão mais que um humano. Nem mesmo que o Tiririca. E ainda que tenha conseguido um terceiro lugar com um volume de votos de um terço do fenômeno das urnas de 2010, o Macaco Tião não era um candidato pra valer e nunca poderia ocupar o lugar que certamente lhe caberia em uma eleição para deputado ou vereador. Mas Tiririca ocupará. E se não for dessa vez, será em uma próxima. A cassação da sua candidatura por analfabetismo, na minha opinião, o transformará em um tipo de mártir e lhe garantirá ainda mais votos na próxima eleição.
Mas tenho que confessar que fiquei, assim como muitos de vocês, imagino, pensando no que leva 1,3 milhão de pessoas a votar em um palhaço semi-analfabeto que prega a ignorância através do deboche. Sim, porque eu entendo votar no Macaco Tião. É uma forma de protesto. Inclusive mais debochado e mais engraçado do que o do Tiririca. Afinal, o pessoal do Casseta & Planeta (que propuseram a candidatura do Macaco) é muito mais engraçado do que o Tiririca. Mas votar nesse cara fantasiado para deputado federal?! O que poderia ser?
Eu acho que sei. Uma parte pelo menos. Não é explicação definitiva, mas pode contribuir para esse que certamente é um fenômeno complexo, com diferentes forças atuantes. Pelo lado de lá, o despreparo, descrédito e a descrença nos políticos em geral, a propaganda, a imagem, a televisão, etc. Do lado de cá a lista também é ampla e eu incluiria a falta de opção, o protesto, o despreparo e a falta de educação da população em geral.
Mas eu também incluiria, no topo dessa lista, a falta de educação científica. “Mas como assim?!?!” Vocês vão dizer. “O que a ciência tem a ver com o Tiririca?!?!”
Uma população que não é educada e treinada em ciência não aprende a valorizar a evidência. Como disse Richard Dawkins na conferência TED de 2002:
“Na minha opinião, não é só a ciência que é nociva para a religião, mas a religião também é altamente nociva para a ciência. Ela ensina as pessoas a se contentarem com o trivial, com não-explicações sobrenaturais, e os cega para as explicações reais e maravilhosas que temos ao nosso alcance. Ela ensina a aceitar a revelação, a autoridade e fé, em vez de insistir sempre em evidência.”
Imaginem que Tiririca fosse candidato a piloto de avião e seu discurso fosse o mesmo:
“Vocês sabem o que acontece em uma cabine de 747? Eu também não! Mas vou contar pra vocês”.
Ele não teria como, mesmo que quisesse. Mesmo que quisesse muito. E aposto que nenhuma das pessoas que votou nele para deputado, votaria nele para piloto de um avião em que eles embarcariam.
Não há nenhuma evidência para apostar que Tiririca possa trazer alguma grande contribuição para a política nacional. Só a crença no sobrenatural pode levar alguém alguém a votar nele.

PS: Enquanto isso, a manchete do jornal “O Globo” de hoje diz que Dilma vai atrás dos votos dos religiosos no 2 turno. Que Deus nos proteja!

Fazendo mais pelo português que os portugueses

O VQEB embarcou para a África em numa aventura educacional. Comandados pela capitã Cristine Barreto, fomos para Moçambique treinar a ‘tropa de elite’ que vai escrever o material didático para os pólos da Universidade Aberta do Brasil em Moçambique.
Mas um estrangeiro em Maputo, a trabalho, pode muito bem não ver África alguma. Um bom hotel, bons restaurantes… e a África mesmo nem apareceria. Mas ela está nos detalhes. Alguns, como o aeroporto são detalhes chocantes, principalmente depois da troca de aviões em Johanesburgo, cujo aeroporto, reformado para a copa ou não, parece uma estação espacial. O preço da conexão a internet (USD 5,00 por hora) também é um detalhe que carrega muita informação.
Mas com um olhar atento, você vê a África quando conversa com o motorista de táxi, com a garçonete do Zambea e com os professores para os quais demos aulas. Ai vemos a África de verdade. E, como o Brasil, ela é cheia de contrastes.
Sorrisos lindos e tecidos coloridos (Capulanas) contrastam com ruas mal iluminadas e construções depreciadas. “Não se constrói nada em Moçambique desde que os portugueses foram embora” nos contou Orlando, o dono da reprografia da universidade, enquanto nos dava uma carona no seu carro verde, depois de um dia de aula, quando não conseguíamos, de jeito algum, um táxi para nos buscar. O ‘Zouk’, ou ‘Passada’ como é chamado lá, toca em cada esquina, em rodas de adultos, jovens, crianças ou idosos que estão jogando cartas, batendo papo ou bebendo xidibandota (um destilado caseiro feito com ‘o que quer que seja’ e que, segundo os relatos, já causou muitas mortes – provavelmente porque não removem direito o metanol que deveria sair na primeira destilação) contrasta com uma incidência de HIV superior a 15% na população adulta (dados do INE/MZ).
Acredito também que o maior desafio para implementar o ensino a distância em Moçambique também está nos detalhes. É claro que a falta de infra-estrutura é um problema (enquanto estávamos lá, um aeroporto no norte do país estava parado sem pousos ou decolagens há 3 dias, porque, simplesmente, não conseguiam fazer chegar combustível até lá), assim como as diferenças culturais (o tempo em Moçambique parece fluir mais devagar… um jeito baiano de viver a vida). Mas apesar desses desafios serem grandes, eles são óbvios, certamente do conhecimento dos responsáveis pela implementação desse projeto, e a solução para esses problemas é simples. Pode ser cara, porque construir estradas, importar equipamentos de laboratórios, instalar cobertura 3G para internet pode ser muito caro, mas é simples. Uma vez que se decide e se obtém os recursos em pouco tempo tudo pode estar resolvido.
Mas alguns detalhes que inicialmente passam desapercebidos, se revelam problemas bem mais graves e de solução muito mais complexa, do que construir estradas, hospitais e escolas.
A nova Constituição de 2004 diz que “Na República de Moçambique, a língua portuguesa é a língua oficial” e o ministro da educação de lá se orgulha de ter feito pelo língua portuguesa na África, mais que os próprios portugueses. Afinal, na época da colonização apenas 6% da população falava português e agora chegam a 40% (dados do INE/MZ).
Mas será que falam mesmo?
Na primeira missão de treinamento, os professores perceberam que para serem bem compreendidos, tinham que falar mais devagar. A solução para encontrar o ritmo certo era, muitas vezes, deixar que os próprios alunos lessem os trechos de textos que seriam discutidos na aula. Mas mesmo com o jeito baiano de ser, o ritmo as vezes era lento demais. A ficha quando o motorista de um dos táxis que tomamos nos levou ao ‘mercado’ (que são camelôs espalhados por todas as calçadas das ruas do centro da cidade) para procurarmos um adaptador para as estranhíssimas tomadas de 3 pinos originais da África do Sul e utilizadas no nosso hotel. Ele gritava ‘tomadas, tens tomadas?’ mas fora isso, entendíamos pouco, muito pouco do que ele falava. Isso porque, de verdade, ele falava pouco, muito pouco português. Sua primeira língua, como fomos descobrir depois é a primeira língua de muitos maputenses, é o Xichangana.
No dia seguinte, durante a aula, notei que os professores usavam muitos pronomes demonstrativos, como ‘esse’, ‘isso’ ou ‘aquilo’, numa clara demonstração de vocabulário restrito. Perguntei então qual era a primeira língua de cada um deles e apenas 1 em 10 respondeu português. Echuwabo, Chope, Xichangana… entre 10 alunos, tínhamos 8 línguas diferentes! Em Moçambique todo, são mais de 40 idiomas (dados do INE/MZ).
O Brasil é um país de dimensões continentais, mas mesmo quando fui para o Lago do Puruzinho, escondido num recanto do Rio Madeira, na divisa entre os estados de Rondônia e do Amazonas, podia falar exatamente a mesma língua, e exatamente da mesma forma, que em casa, no Rio de Janeiro. A língua é um instrumento fundamental de integração nacional e acredito que apesar de não representar nenhuma das línguas nativas, Moçambique só tem a lucrar como nação com o uso do português nas escolas e na universidade.
E esse é um objetivo que justifica a nossa busca por estratégias para capacitar esses docentes a produzir aulas a distancia que sejam instigantes, claras, objetivas, atraentes e corretas, num idioma que não é o deles.
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PS: Enquanto escrevo esse texto, com um pouco mais de uma semana de atraso, uma revolta popular explode em Maputo, pelas ruas por onde passei há tão pouco tempo, deixando centenas de feridos e um aperto no meu coração. O desafio não para de aumentar.

Espreguiçado

Detrítos ou partículas de neve marinha em torno das tubulações próximas a um recife de coral.

Quando eu estava no mestrado, em uma cidade fria a longínqua, fiz uma disciplina excelente de microbiologia marinha. Até hoje uso o que eu aprendi nas várias aulas de ecologia e biologia marinha que eu eventualmente ministro por ai.
Mas tive um problema com o professor que, até hoje (na minha cabeça) não resolvi direito. O problema é que ele meu deu B em um curso que eu (achava que) merecia A (bom, houve outros problemas também, mas isso fica pra outra vez – ou não). Como eu disse, eu gostava e entendia do tema. Também lia os artigos e participava das aulas. Mas isso não era suficiente para ele. Ele queria superação! E ao invés disso eu optei por ir passar o final de semana em Santa Maria na véspera do prova dele. Fui lendo os artigos pra prova na viagem de ônibus, mas era de noite e eu acabei optando por dormir. Acabei deixando os artigos na poltrona do ônibus e não estudei nada o final de semana todo. Peguei o ônibus de volta no domingo a noite e cheguei de volta em Rio Grande na hora da prova. Fiz uma boa prova mesmo sem ter estudado (afinal, eu assistia atentamente todas as aulas) e quando recebi o B no final do curso, fui falar com ele pra tentar entender o porquê. A resposta foi frustrante:
“Mauro, você é muito bom e você sabe que é bom. E por isso você é preguiçoso. E é por isso que eu te dei B.”
Talvez seja importante acrescentar que o mané da oceanografia física que fez uma bosta de prova tirou A, porque ele se ‘superou’.
Hoje eu reconheço que eu era (e em parte ainda sou) meio preguiçoso mesmo. Mas também hoje, que dou meus próprios cursos e tenho meus próprios alunos de pós-graduação, discordo, veementemente, da estratégia de avaliação dele.
Ele quis me dar uma lição, que eu provavelmente precisava, enquanto me avaliava com relação a disciplina que ele ministrou. Mas nem sempre dois coelhos podem ser mortos com uma cajadada só. É que a preguiça é um critério difícil de avaliar de forma acadêmica. Acredito que um professor pode usar o critério que lhe convier para avaliar os alunos. A justiça não está no critério em si, mas no conhecimento dos critérios a priori. Se eu soubesse que o critério era superação, talvez tivesse me comportado de maneira diferente. Ou, mais provavelmente, não teria feito a disciplina.
O resultado é que ele perdeu meu respeito como professor (como eu disse, houve outros motivos) e pra me dar meia lição, eu nunca mais aprendi nada com ele.
Porque lembrei disso hoje? Porque eu tenho um aluno que também é brilhante e preguiçoso. E ainda teimoso (como eu também era/sou). E como meu professor 15 anos atrás, me debato em como lidar com a preguiça dos alunos brilhantes.
A preguiça não é um problema quando você tem critério. Eu acho que já tinha critério, por isso acho que minha preguiça nunca me impediu de progredir. Mas o problema da preguiça é que ela pode corroer os seus critérios, e ai você afunda.
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Envolvi meus alunos de doutorado em um projeto interessantíssimo chamado TRIVIA, coordenado pela Sonia Rodrigues, que envolve preparação para o vestibular (ou ENEM), inclusão digital e inclusão científica. O trabalho parecia simples: formular questões de biologia que preparassem os alunos para as provas que tem de enfrentar ao final do ensino médio. Mas como as questões seriam oferecidas na internet, o formato e a linguagem tinham especificidades. E para um aluno de doutorado que almeja um futuro na academia, uma oportunidade dessas é, mais do que a chance de conseguir uns trocados, é a chance de aprender algo novo que poderá ser útil no futuro. E nesse caso, não é a ‘biologia’ das questões que eles vão aprender, mas a linguagem e o formato da WEB, que estarão cada vez mais presentes no presente de professores e alunos.
As questões deveriam ser curtas, objetivas e o mais importante, deveriam, no enunciado e no gabarito, SEMPRE, ensinar alguma coisa. É simples e deveria ser fácil. E é, mas fazer direito, dá trabalho.
Os alunos foram aprendendo e incorporando o formato a medida que preparavam as questões. Mas ainda assim, um deles continuou cometendo os mesmos erros de forma desde o início. E hoje, quando estou para entregar a última fornada, vejo que é por uma dificuldade de incorporar o modelo. Como eu disse, o cara é brilhante. O problema é preguiça.
Existe alguma outra explicação para um cara brilhante fazer a seguinte pergunta:
Pergunta: As espécies que se alimentam de plâncton são chamadas de:

a) Planctívoras
b) Herbívoras
c) Carnívoras

Gabarito:

a) Correto. Espécies planctívoras se alimentam de plâncton.
b) Incorreto. Herbívoras se alimentam de vegetais e o plâncton também é composto por animais.
c) Incorreto. Carnívoros se alimentam de carne e o plâncton também é composto por vegetais.

Isso me frustra, como orientador, de diferentes maneiras (que eu ainda vou discutir no próximo post), porque mostra que eu não estou sendo orientador o suficiente (e não é por preguiça). Mas me estimula também a buscar novas maneiras de dizer as principais coisas que alunos de pós-graduação precisam aprender:

  • Que a seleção natural não dorme nunca! Que enquanto eles deixam de aprender uma coisa, outro aprende, essa e mais algumas outras.
  • Que no mundo de hoje, mais importante que acumular conhecimento, é ter critério para selecionar conhecimento que realmente importa.
  • Que se não dá pra fazer tudo, e se é importante namorar, dormir, fazer festa e ir a praia, use a sua preguiça para não aceitar todos os desafios. É mais honesto e menos arriscado do que tentar fazer mais do que você consegue de forma preguiçosa.

É isso. Todos precisamos nos superar.

As metáforas científicas no discurso jornalístico

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Hoje dei uma palestra sobre Escrita Criativa em Ciência na III Escola Temática de Química da UFRJ cujo tema era Divulgação Científica. Na palestra anterior a minha, um aluno perguntou que ferramentas poderiam ser utilizadas para sensibilizar o público da presença da ciência no nosso dia-a-dia.
Uma possível resposta para essa pergunta foi dada pelo nosso colega blogueiro e físico da USP-Ribeirão Osame Kinouche, com a psicóloga Angélica Mandrá, no ótimo artigo “Metáforas científicas no discurso jornalístico”. Meus amigos jornalistas deveriam adorar. Quando conversei com eles pela primeira vez sobre esse assunto, no I EWCLiPo, fiquei pasmo: era óbvio e eu nunca tinha pensado a respeito.
O que só torna a percepção deles mais genial: existem dezenas de termos utilizados na linguagem formal e informal cuja etimologia é científica.
As mais fáceis de reconhecer são termos da geometria Euclidiana como Ponto de vista; Linha de raciocínio; Traçar um paralelo; Analisar por outro ângulo; Volume de conhecimentos; Plano pessoal; Círculo de amizades e Triângulo amoroso.
É verdade que o oposto também é verdadeiro, e os cientistas se aproveitam de termos coloquiais com forte apelo imagético/sensorial para criar expressões científicas que possuem forte carga metafórica: barreira entrópica, relevo de energia, poço de potencial, ruído branco, paisagem rugosa, rede cristalina, buraco negro, supercordas. Termos mais simples como “carga”, “corrente”, “fio”, “pressão”, “resistência”, “campo” etc. também são etimologicamente anteriores ao seu uso científico.
Algumas vezes a comunicação tem ruído e as metáforas não funcionam bem. E com conseqüências relativamente sérias para o aprendizado de alguns conceitos em física: as palavras “aceleração”, “força”, “peso”, “trabalho”, “energia”, “calor”, tem sentidos coloquiais diferentes do técnico. Ou você não sabia que o que chamamos de ‘peso’ na verdade é a ‘massa’ de um corpo, e que o peso mesmo é a resultante da ação da gravidade nessa massa?! E dai?! Você pode dizer. Bom, você pode achar que isso não tem importância, mas dá um nó na cabeça dos alunos tanto no ensino médio quanto depois na faculdade de física. E nós já temos problemas suficientes para formar todos os físicos que o Brasil precisa.
A saída acha pelos cientistas para minimizar essa confusão não ajuda em nada a aproximar a ciência do cidadão leigo. Eles criam neologismos radicais, com um mínimo de sentido metafórico: quark, próton, entropia, entalpia, fractal, quasar etc. Mas mesmo assim, esses termos acabam chegando metaforicamente a linguagem comum, como já acontece com entropia (como metáfora para desordem) e fractal (como metáfora para organização em vários níveis). Não é um barato?!
Para vocês terem uma idéia, numa análise do número de vezes que os termos ‘pêndulo’ (física clássica) e ‘buraco negro’ (física moderna) são utilizados metaforicamente em aproximadamente 50% dos textos jornalísticos dos portais da Folha de São Paulo, do Estado de São Paulo e do G1 (confira o artigo para ver os números exatos).
O uso desses termos também demonstra que o uso metafórico de termos técnicos científicos serve para aumentar o potencial de expressão criativa do cidadão comum, ou mesmo um reconhecimento mais correto do mundo que o cerca, porque amplia ou expande a sua compreensão: termos como “forças políticas”, “equilíbrio de poder”, “fonte de atrito”, “tensão social”, sugerem a visão mecanicista da sociedade como uma máquina, que remete a física clássica determinística de Newton. No entanto, muitos desses fenômenos não tem nada de determinísticos. E a medida que aumenta a compreensão dos cientistas de fenômenos não lineares, como aqueles governados pela teoria do Caos, novos termos que expressam mais corretamente a incerteza relacionada aos fenômenos, como “efeito borboleta”, se incorporam a linguagem e permitem a representação mais correta dessas idéias.
Isso é muito importante porque, como dizem os autores, “Nosso repertório metafórico não apenas limita nossa capacidade de falar sobre tais sistemas, mas afeta nossa maneira de concebê-los e interagir com eles.”
Osame e Angélica terminam concluindo que o pensamento, o ato da cognição, é metafórico e usamos metáforas para compreender um conteúdo-alvo abstratos a partir de um conteúdo-origem concreto. Ao enriquecer o repertório conceitual da população, a educação e a divulgação científicas produzem novas metáforas no discurso comum, que permitem a melhor descrição de sistemas complexos como os sistemas sociais e econômicos.
Se você se interessa por ciência e por divulgação científica não pode deixar de ler.
PS: E olhem só, apesar de eu ter conversado apenas um pouco com um e outro tempos atrás pelo grande interesse que o assunto me despertou, ainda ganhei uma menção nos agradecimentos. Obrigado!

Bob Marley, Abrahan Lincoln e a credibilidade da Internet

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Não dá pra confiar em tudo que aparece na internet.
Tudo bem, isso a gente já sabe. Mas quando o acaso me levou a uma informação em princípio banal, mas que avaliada com um pouco de profundidade mostrou o quão levianas podem ser as publicações e atribuições na grande rede, eu me assustei.
Outro dia, escrevendo uma carta, disse que a melhor forma de evitar a decepção com relação a uma pessoa, era conviver com ela em público. Por que, continuava, fazendo referência ao grande Bob Marley, “nós podemos enganar algumas pessoas por algum tempo, mas não podemos enganar todo mundo, o tempo todo”.
Fiquei pensando um minuto sobre a profundidade da frase e, sem querer desmerecer o guru do movimento Rastafari, pensei: mas será que foi mesmo o Bob Marley que falou isso? Ou ele já estava citando alguém?
A citação está na canção “Get up, Stand up” de Bob Marley e Peter Tosh, que apareceu no álbum Burmin’ de 1973: “You can fool some people some time, but you can’t fool all the people all the time”. Mas como canções não trazem referências bibliográficas, eu fui perguntar pro oráculo: o google.
Descobri então vários sites de citações que atribuiam a célebre frase ao célebre 16o presidente americano Abrahan Lincoln (1809 – 1865). Lincoln teria dito a célebre frase em um discurso na cidade de Clinton, no estado americano de Illinois, no dia 2 de Setembro de 1858, durante uma série de debates com o também candidato ao senado Stephen Douglas.
A frase original seria “You can fool some of the people all of the time, and all of the people some of the time, but you can not fool all of the people all of the time”.
Porém, uma pesquisa ainda um pouco mais profunda mostrou que não, não foi Lincoln. Nenhum jornal da época confirma que ele tenha dito isso durante esse discurso. Os sites sobre a série de debates nem mesmo relacionam a cidade de Clinton (o discurso teria sido em Quincy em 27 de Setembro de 1858). Em uma pesquisa do professor de história americana David B. Parker, a primeira atribuição formal, por escrito, da frase a Lincoln está em uma edição do The New York Times de 1887. Antes disso não há nenhum registro da citação por escrito, seja para Lincoln ou qualquer outra pessoa. Ainsworth Spofford, que foi o diretor da Biblioteca do Congresso americano por muitos anos, por indicação do próprio Lincoln, e que disse que ele nunca havia dito aquilo.
Finalmente a frase é atribuida a Phineas T. Barnum, diretor do famoso Ringling Bros. Barnum and Bailey Circus, e que era amigo pessoal de Lincoln. Barnum era um homem do espetáculo, e vivia em um ambiente onde a frase já seria mais apropriada. Mas ele também era autor de livros e político amador. Muitas referências apontam para ele. Mas ainda há quem diga que foi o escritor Mark Twain ou um jornalista qualquer que criou a frase e colocou nos lábios de Lincoln.
Eu já escrevi aqui sobre a credibilidade na internet. Mas o mais importante é a questão do critério do leitor, que eu já discuti aqui e aqui. A importância de formar um público leitor capaz de avaliar a credibilidade da informação na internet é determinante para a inclusão digital e é um trabalho da escola, mas também uma responsabilidade da comunidade científica. Sem educação científica não há inclusão digital!
Numa série muito bacana de artigos sobre os professores do futuro no blog Inclusão Digital da escritora Sonia Rodrigues, ela cita uma entrevista com o escritor e filósofo italiano Umberto Eco, que disse: “Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites confiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação nos próximos anos.”
E um desafio para nós!

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