Você que é biólogo…

Sempre que ouvia essa frase sentia um arrepio. Alguma pergunta idiota estava por vir. Claro, nenhuma pergunta é idiota, dirão os pedagogicamente corretos. Mas é um fato científico, algumas perguntas são idiotas! O tempo passa e sempre, SEMPRE, alguém inicia a fatídica frase: Você que é biólogo… e, talvez por que eu esteja sendo mais complacente, ou por que tenho novos amigos, ou por que meus amigos estão ficando mais interessados (e interessantes) as perguntas não são mais idiotas. Tanto que me animaram a voltar a escrever no blog simplesmente para respondê-las. Um outro motivo é eu adorar falar, especialmente pros outros, meus amigos, e amigos deles, sobre ciência. Um tipo de catequese. No último final de semana, em São Paulo, onde fui assistir a duas rodas de samba especiais, respondi perguntas sobre as marés de sizígia, com direito a explicações sobre a natureza da gravidade, e o efeito Doppler. Vejam bem que, nem sempre, ou quase nunca, as perguntas são sobre biologia, o que aumenta em muito a minha capacidade de divagar sobre o assunto, e impressionar meus amigos parecendo que efetivamente entendo de tudo. E a maior prova de que não entendo, é uma pergunta bastante pertinente, feita há mais ou menos cinco anos, quando escrevi um artigo sobre o artigo de um outro amigo, que é a chance nacional de ganhar um prêmio Nobel, sobre os mosaicos do número de cromossomos no cérebro humano. A pergunta era sobre os efeitos do álcool nos nossos neurônios. Talvez por que quisesse dar uma resposta completa e adequada ao curioso, seguramente um bêbado, acabei deixando o cara na mão. Hoje, anos depois, ainda sem uma resposta completa, vou tentar me virar pra não deixar o curioso ainda mais ansioso. Ou seja: vou fazer um misto do pouco que sei sobre o assunto com um monte de divagações e torcer pra tentar impressionar! Existem diversos estudos que mostram que o álcool causa danos diretos no sistema nervoso. Ou seja, causa a MORTE dos nossos neurônios. Por sorte, nós temos bilhões deles e podemos nos dar ao luxo de perder alguns de vez em quando por uma causa tão nobre. Muitos dos efeitos são causados pela produção de radicais livres. O álcool é metabolizado em organelas celulares chamadas peroxissomos, que entre outras coisas, ajudam a célula a se livrar do peróxido de hidrogênio, que a maior parte de nós conhece como água oxigenada. Que deixa os pelos loiros, mas dentro da célula, produz radicas hidroxila, destruindo a membrana plasmática, os lisossomos, o DNA, proteínas diversas… e por aí vai. Essa é a mais provável razão da morte celular direta (necrose) e também da indução de morte celular programada (cujo nome chique é apoptose), que é um mecanismo para evitar que células com o DNA danificado se reproduzam formando, por exemplo, tumores. Como então o vinho, consumido em quantidades moderadas, parece ter um efeito benéfico a saúde? Por que apesar do álcool, o vinho é rico em substâncias antioxidantes. Que combatem os radicais livres. Não só os produzidos pelo efeito do álcool, mas aqueles outros produzidos no corpo diariamente. Está comprovado que pessoas que vivem em regiões (sul da Europa) que tradicionalmente consomem mais vinho, tem menos derrames e doenças do coração. Por outro lado, uma série de experimentos com camundongos demonstram, claramente, que o álcool afeta o equilíbrio e, principalmente, a memória de curto prazo. Nos famosos experimentos com labirintos, onde os camundongos mostram sua capacidade de “decorar” o caminho, os bichinhos que consomem álcool se enrolam todos pra chegar do outro lado. Nada que a gente precise de cientistas em laboratório pra já ter descoberto! E nem adianta comprar Ginkgo Biloba pra compensar. Os camundongos que tomaram o remédio não melhoraram em nada a sua performance no labirinto. Ou seja: é placebo! Quer um consolo: cigarro faz muuuuuito mais mal que o álcool. Quer uma solução? Sexo! O coquetel de hormônios produzidos pela excitação sexual e pelos orgasmos contribuem, entre outras coisas, pra aumentar nossas defesas imunológicas e antioxidantes. Mas se você beber até cair…
"Disseram que eu voltei americanizada"

Pergunto isso por que um amigo biólogo, certamente futuro premio Nobel, acaba de voltar definitivamente para o Brasil após um par de anos nos EUA. Cara… o cara anda no carro sentado no banco do carona segurando na maçaneta, fechando os olhos e eriçando a espinha; totalmente assustado com o transito no Rio. Quer sair da UFRJ antes do sol se por com medo dos tiroteios, prefere não sair de noite e não conhece mais as ruas por onde passa.
Não, ele não é um nerd. Esse cara toca percussão numa banda de Reggae formada por outros cientistas, pega onda de pranchão e é campeão de volei da biologia. Mas acho que as paranóias americanas afetaram ele.
Fiquei pensando em todos os meus amigos cientístas e na variedade de perfis. Incluindo o meu.
Tem o prático. Gosta da ciência mas gosta mesmo é de viver a vida. Foi morar na Suécia porque lá tudo funcionava e o tempo que a gente gasta a mais no laboratório porque falta luz, falta água, ou um equipamento não funciona; ele faz curso de fotografia, computador, e sueco. Se casou com um suéca e tem uma filha linda. Hoje mora na Inglaterra, onde tudo também funciona.
Tem o correto. Quebra a cara porque nunca usa o dinheiro de um projeto em outro. Passa meses esperando que as coisas funcionem pelos caminhos corretos. É preocupado com os aspectos sociais de tudo que faz. Brilhante pesquisador, descobriu a causa das mortes em uma clínica com problemas no tratamento da água mas, como quis fazer tudo correto, a chefe dele quem levou o crédito. Se casou com uma promotora e mora no interior de Pernambuco.
Tem o carismático. O cara consegue tudo com seu carisma. Bons alunos, bons colaboradores. Mas como só carisma não basta, trabalha como um condenado. Faz um monte de coisas ao mesmo tempo, mas como é muito competente (como todos os outros) consegue fazer tudo e tem dois artigos publicados na Nature. Não fica entediado: “seu nome é trabalho!” Esse canta na banda de Reggae, tem duas filhas pré-adolescentes e é casado com uma dançarina de Flamenco expetacular.
Tem o certinho. Nosso amigo americanizado gasta tanto tempo montando sua agenda que eu não consigo imaginar qeu sobre tempo pra fazer o que tem de ser feito. É talvez o mais brilhante de todos, mas atravancado pelas correntes que o aprisionam. Explico: no colégio tinha uma caneta de cada cor para sublinhar (com régua) as informações de acordo com o tema ou importância. Também é carismático, mas faz o tipo discreto (e um sucesso…). É casado com uma cientista.
Tem o meu tipo. Fica difícil eu mesmo me definir. Acho que trabalho por pulsos. Fico atolado com milhares de coisas pra fazer durante muito tempo, e depois, em pouco tempo, resolvo tudo. Sou dedicado, mas não muito. Conto com meu jogo de cintura e acho que sou muito criativo. E que esse é meu grande trunfo perto desses monstros consagrados que trabalham pra caramba. Cultivo a amizade deles como ouro e não sou casado.
O que eu não posso deixar de falar é que nosso só voltou americanizado porque voltou. E voltou porque quis voltar. Fez questão. Ama o Rio, ama a família que está no Rio. Ama o Brasil e faz de tudo pela ciência brasileira.
Massa de modelar
Desci pra tocar café da manhã. Toda 2ª feira as 10:00h tem Bagels and coffee pra enturmar o pessoal. Antigamentee, quando as revistas eram apenas em papel, esse era também o momento de ver as novas edições. Como os caras aqui tem grana, eles continuam tendo algumas revistas impressas. E foi assim que eu me deparei com a capa de um número da Nature falando de “Intelligent design” (veja o artigo na integra aqui). Não, não tem nada a ver com uma nova arquitetura planejando melhor novos ambientes. Apesar do criacionismo ter muitos adeptos entre pais e políticos americanos (e aparentemente no Rio de Janeiro), ele encontra dificuldade para se difundir nas universidades. Apesar disso, com a educação religiosa que muitos estudantes de ciência receberam em algum momento de suas vidas (independentemente da religião), existe um choque entre a bagagem que trazem e as informações que recebem quando iniciam seus cursos. Independentemente de serem ciências físicas, químicas ou biológicas.
A nova teoria tenta reconciliar a experiência religiosa de cada um com os novos conhecimentos científicos, mas adventa que os fenomenos que observamos no dia a dia de nossos laboratórios ou no ambiente natural, tem explicações científicas, mas são “guiados”, “conduzidos”ou “orientados” por uma “força superior”, Deus.
Esse pensamente fere profundamente a razão científica e deve ser duramente rejeitado.
Atualmente, a maior parte dos cientistas concorda que Ciência e Religião tem de continuar separados (é curioso como muitos desses mesmos cientistas conseguem fazer essa separação em suas vidas, já que conduzem suas pesquisas de maneira cética, mas acreditam em forças superiores em suas vidas particulares). Quantas conquistas a ciência proporcionou a humanidade? Quantos milagres Deus presenteou os seres humanos?
Enquanto muitas pessoas acreditam que suas vidas não tenham sentido a não ser a luz de um projeto maior coordenado por uma força superior, a vida passa. E preocupados com o que vem após a morte, esquecem de viver a vida. John Lennon já dizia “Life is what happens while you’re busy making other plans”
E Deus criou o chimpanzé…
PS: os textos estão publicados e podem ser acessados no arquivo do blog (ano 2002).
Uma bolsa e um porta-lápis
É justa a preocupação do ministro da educação com a mal distribuição das bolsas de pos graduação no Brasil. Uma breve analise do site do CNPq mostra que no ano de 2000, 60% das bolsas e do fomento a pesquisa se concentram no sudeste, enquanto na região norte, por exemplo, o percentual é de 2,5 %. Em 2001 a CAPES titulou, na área de ciências biológicas, 987 mestres e 599 doutores na região sudeste, enquanto na norte foram 61 mestre e 29 doutores.
Seria justa também a preocupação do ministro com relação a falta de aumento nas bolsas de pós-graduandos nos últimos 10 anos.
Em recente resposta da CAPES ao manifesto entregue ao presidente Luis Inácio pelos Pós-graduandos, a culpa foi colocada no restrições econômicas as quais estão submetidos os diferentes ministérios.
O problema das bolsas de pos graduação no pais é o mesmo de tantas outras políticas: a falta de uma política a longo prazo.
Em 2001 o lançamento do programa Profix do CNPq chamou a atenção de muitos recém doutores. No entanto o numero de bolsas ainda foi muito aquém das necessidades causada pela interrupação dos programas anteriores de recém doutor e fixação das agencias. O resultado foi uma enxurrada de pedidos, também muito concentrados no sudeste
A pós graduação no Brasil cresceu nos últimos 20 anos e com ela a produção cientifica do pais, que entrou no seleto grupo dos 20 paises responsáveis por mais de 1% da produçÃo cientifica mundial. Mesmo com a redução do fomento a pesquisa, o numero de bolsas se manteve ou aumentou. A produção cresceu se apoiando no esforço desses jovens cientistas.
Existem programas de iniciação cientifica e de jovens talentos que levam jovens estudantes para dentro dos laboratórios das universidades e abrem as portas para um mundo de pesquisa que é muito sedutor. No entanto, as agencias parecem esquecer que esses vão virar alunos de mestrado e doutorado, vão precisar de reagentes, saídas de campo, instrumentação, discussão em congressos, publicação de dados em revistas, comprar livros, assistir aulas sem que falte luz, realizar experimentos em laboratórios onde não falte água.
Como dizia a música do Casseta e Planeta, “Se aqui é assim, imagine na Jamaica”. Mesmo com um sistema de pesquisa saturado, é melhor se apertar em um laboratório montado do sudeste, em uma universidade com professores doutorados que ainda tem chance de participar pelo menos uma vez por ano em um congresso internacional (finaciando do seu próprio bolso ou com dinheiro de agencias internacionais) do que ir pra uma universidade nova, onde não existem equipamentos ou uma “massa crítica” que possibilite a produção científica e a construção do conhecimento.
Enquanto o governo achar que vai conseguir levar jovens doutores formados no exterior ou no sudeste para pequenas universidades do norte e nordeste apenas com uma maior oferta de bolsas, a única coisa que vai conseguir é aumentar a competição por um menor numero de bolas no sudeste. Uma passagem do Rio de Janeiro até Porto velho custa mais que uma viagem a Europa. Isso quer dizer que um pesquisador não poderia visitar sua família. Que o frete de material cientifico que já é problemático no sul e sudeste seria desastroso. No Acre as estradas ficam submersas 6 meses por ano por causa das cheias dos Rios. Ainda é melhor lutar contra a falta de água e luz e dinheiro na UFRJ do que na UNIR.
Embaixadores do Brasil
Os cientistas, por necessidade de intercâmbio científico, maior disponibilidade de recursos ou algum outro motivo relacionado com sua carreira, em diversos momentos da sua vida se vê praticamente constrito a viver no exterior.
Durante muitos anos o protótipo do cientista, talvez baseado na personalidade agressiva e introspectiva de Newton, ou nos cabelos arrepiados de Einstein, tem sido do louco, que só pensa em trabalho e vive o tempo todo no laboratório. Por mais que muitos jovens pesquisadores brasileiros deixem suas famílias e amigos no Brasil para procurarem o salto em suas carreiras que pode ser proporcionado por uma estada junto a um grande grupo de pesquisa no exterior, a maior parte deles não se enquadra necessariamente nesse perfil, e a distancia pesa.
Os sinais dessa distância podem ser notados por toda parte: uma bandeira do Brasil aqui, um boné ali, uma camiseta de Porto Seguro vestida em um dia de inverno, a página do JB como default na Internet ou ouvir a Globo FM pra saber como vai o transito no Rio mesmo quando vc vive em Londres. É um tipo amenizado de “Banzo”, a melancolia que matava metade dos escravos nos navios negreiros antes de chegarem ao seu destino.
Nos defrontamos cada dia com a imagem construída que o Brasil tem no mundo: Uma mistura de mulatas, carnaval e paraíso tropical da alegria, com trafico de drogas, execução de meninos de rua e pobreza. Variando as concentrações de cada um desses elementos dependendo do pais onde se encontre. Isso também é produto da heterogênea população de brasileiros que se pode encontrar em toda parte. Um primeiro escalão de embaixadores, que ostentam uma riqueza que é representativa da nossa grandeza territorial, mas não da nossa sociedade, como a o palácio da embaixada Brasileira na Piazza Navona em Roma; seguidos pelos turistas ricos, pouco representativos também da nossa riqueza cultural. Ai temos um grande lapso na escala, que deveria ser formada pelos diferentes grupos de turistas de classe média, estudantes de universidades, jovens em intercâmbio e mochileiros, que são uma pequeníssima fração nesses tempos atuais, frutos da alta do dólar e da recessão econômica. Sobram ainda as putas, transexuais e capoeiristas, empregadas domesticas e… os cientistas!
Institutos de Pesquisa e Fé e a Ética na ciência.
Algumas semanas atrás falei sobre clonagem, na onda da discussão sobre a proibição das pesquisas com embriões humanos. Naquele artigo relutei em falar sobre a ética aplicada a essa questão, por achar que os argumentos técnicos seriam mais importantes para formar a opinião geral.
No entanto, ao ler um livro essa semana que continha o discurso de Galileu Galilei, ao se retratar publicamente frente a inquisição romana, por defender suas idéias e estudos sobre o heliocentrismo (o sol como centro do universo e a terra em movimento ao redor dele), e ao ler no ‘Jornal da Ciência’ o artigo cujos trechos cito a seguir, não resisti a comentar o tema.
O artigo era de Evaristo Eduardo de Miranda, doutor em ecologia, pesquisador da Embrapa e membro da diretoria do Instituto Ciência e Fé. Instituto de Ciência e Fé?!? Já desconfiei. Faço parte do grupo que não concorda que fé e ciência sejam compatíveis. Mas começo a achar que seja uma minoria, devido ao grande número de pessoas, incluindo pesquisadores renomados, que acreditam que isso seja possível. Tanto que pelo visto existe até um Instituto da Ciência e Fé, do qual o autor do cito artigo é presidente, e que pretende ser um “espaço privilegiado para o diálogo entre pessoas de diversos horizontes, perspectivas religiosas e políticas”. O saudoso Dr. Chagas, o maior cientista brasileiro do ultimo século, tinha o cargo, para mim insólito, de “adido científico do vaticano” só pra exemplificar.
O autor do artigo afirma que “nunca os princípios de humanidade estiveram tão ameaçados […] por membros da comunidade científica…”, sendo que ele chama de “cientismo” uma utopia que “resolveria todos problemas da humanidade, satisfazendo todas as necessidades legítimas da inteligência humana”. E continua que “Seus adeptos não admitem limites em suas pesquisas, nem orientação e, muito menos, oposição. Mesmo quando ameaçam princípios fundadores de nossa humanidade”.
Princípios fundadores da nossa humanidade?!? Desconfiei de novo.
O que é a ética, a moral? Uma questão filosófica certamente importante e fora do escopo desse artigo e dessa coluna. Mas vale a pena ressaltar que nossa ética é quase toda baseada nos preceitos cristãos. E que, diga-se de passagem, não são preceitos naturais e estão longe de serem consenso entre a humanidade.
No ambiente científico, as questões éticas estão tendo uma importância cada vez maior. Por exemplo, qualquer pesquisador para obter um financiamento do importante Instituto Nacional de Saúde americano(NIH), tem que apresentar no seu currículo um curso de ética. O próprio instituto oferece seu curso “básico” de ética que tem sido freqüentado por um grande número de pesquisadores. Acredito que a ética na ciência esteja ligada com o fator da exploração da vida e da natureza, assim como em muitas outras questões. Animais não acreditam em Deus, e certamente as cobaias de laboratório não questionam ou procuram explicar seu Karma em função de vidas passadas. Porem, a exploração de um recurso em prol de outro gera encruzilhadas que muitas vezes são de difícil transposição. Por isso acredito mais em estratégias que sejam eficientes e sustentáveis em longo prazo, do que em preceitos morais filosóficos. Sejam eles católicos, cristãos, muçulmanos, budistas etc.
Para isso, precisamos aprender a desenvolver nosso senso crítico, e não nossa capacidade de crença. Esse curso de ética do NIH, apesar de algumas baboseiras típicas de americanos, como ensinar um pesquisador como se comportar com suas alunas para que não possam ser acusados de assédio sexual (tipo, jamais conversar sobre a tese no escritório de portas fechadas); ensinam mais a desenvolver o raciocínio crítico, dentro de um contexto científico atual e histórico. No Brasil uma tentativa pioneira nesse sentido foi aplicada por jovens pesquisadores no congresso da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE) de 2001 em Caxambu. Mais de 150 alunos de graduação e pós-graduação estiveram presentes. Esperamos que o curso possa ser repetido na reunião de 2003.
Acredito que o verdadeiro objetivo da ciência seja descobrir a natureza e não resolver todos os problemas e ansiedades da sociedade humana. E ela cumpre seu papel a medida que mostra “como o mundo funciona” ao contrário de “como ele deveria funcionar” (o que é uma função da filosofia e da religião).
Por isso a melhor lição de ética que podemos dar a nossos cientistas é de desenvolver o senso crítico e não procurar verdades absolutas (até mesmo porque poucas existem). E repito que, o problema não é que ciência os cientistas fazem, mas que política os políticos fazem.
Talvez a clonagem seja muito perigosa. Ou não. E talvez seja um grande erro autorizar esses experimentos. Ou talvez seja um erro maior não autorizar. Acredito que quanto maior for essa dúvida, maior a necessidade de estudar e pesquisar o tema a fundo. Sem limites, sem proibições. Só assim poderemos conhecer o verdadeiro benefício e o verdadeiro perigo. E só assim poderemos tomar as decisões corretas do que fazer com eles. É sempre melhor que todos saibam o que pode acontecer, do que não saber nada.
“Eu, Galileu Galilei […] aos setenta anos de idade […] e ajoelhado diante de vós, Eminentíssimos e Reverendíssimos senhores Cardeais […] juro que sempre acreditei, acredito agora e, com a ajuda de Deus, acreditarei futuramente em tudo o que é aceito pregado e ensinado pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana […] Visto que, após me ter sido feita a injunção judicial por esse Santo Ofício […] para que eu abandone por completo a falsa opinião de que o Sol é o centro do mundo e imóvel, e de que a terra não é o centro do mundo e imóvel, e me proibindo de aceitar, defender ou ensinar […] a doutrina […] escrevi e imprimi um livro no qual discuto essa doutrina […] e por essa razão apontou-me o Santo Ofício como veemente suspeito de heresia […] Assim sendo, visando dissipar […] essa forte suspeita […] abjuro, amaldiçôo e abomino os já mencionados erros e heresias, e de um modo geral todo e qualquer erro e seita que de qualquer maneira sejam contrários à Santa Igreja […] Eu […] jurei, prometi e me comprometi acima […]”.
Giordano Bruno morreu queimado na fogueira por heresia 50 anos antes de Galileu proferir seu discurso para evitar a morte pela mesma razão. Eu me sinto horrível de pensar que daqui a 300 anos alguém possa ler sobre a nossa época e pensar que as pessoas que queriam estudar a clonagem tiveram de morrer na fogueira ou negar ridiculamente suas idéias como Galileu (diz a lenda que quando Galileu se levantou da sua posição de joelhos murmurou: “E no entanto ela se move”).
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“Não é função do nosso governo impedir que o cidadão caía em erro. É função do cidadão impedir que o governo cai em erro”. Robert H. Jackson, Juiz da suprema corte, EUA. 1950.
Quem tem medo dos cientistas?
Mas existe realmente razão para a sociedade ter medo dos “cientistas loucos” e seus brinquedinhos perigosos? Pego emprestada uma história contada por Sagan, mas relatada também por muitos outros cientistas que viveram o pós-guerra/fria nos EUA.
O físico húngaro Edward Teller, ainda jovem, fez grandes contribuições na mecânica quântica, física do estado sólido e na cosmologia. Em 1931, Teller levou o também físico Leo Szilard até a praia onde Albert Einstein tirava férias, propiciando o encontro que gerou a histórica carta de Einstein pra o presidente Roosevelt, sugerindo enfaticamente, em função dos recentes acontecimentos políticos, que os EUA montassem uma bomba de fissão nuclear (ou atômica) antes que os alemães o fizessem.
Os EUA juntaram a elite mundial da física e montaram o projeto Manhatan que construiu as duas bombas que foram detonadas em Hiroshima e Nagazaki. Apesar de sua participação no encontro histórico e do convite posterior para integrar o projeto Manhatan, Teller recusou. Não por que fosse contra as possibilidades da destruição atômica, e sim pelo contrário. Teller queria construir uma bomba de fusão atômica, ou bomba termonuclear, ou a bomba H (de hidrogênio). Quando os átomos de H se fundem formando o Hélio, liberam enormes quantidades de energia.
A capacidade destrutiva da bomba H é muitas vezes superior a bomba atômica, e enquanto existem limites para a potencia de uma bomba atômica, não existem limites para a de uma bomba H.
Apesar de ter sido a URSS a primeira potência a construir uma bomba termonuclear com eficiência (as idéias iniciais de Teller estavam bastante equivocadas, e o trabalho de muitos físicos foi necessário para corrigi-las, mesmo assim ele é considerado o Pai da bomba), os EUA ainda construíram MUITAS bombas H. Teller foi uma figura política importante para fomentar a corrida armamentista e a guerra fria. Ele gerou intrigas e minou a influência de Oppenheimer, o brilhante físico que comandou o projeto Manhatan e que no pós-guerra comandava a comissão de energia nuclear americana, e que era contra a chamada “Super”.
Em 1983 foi descoberto que os incêndios causados nas cidades pelas armas nucleares gerariam enormes quantidades de fumaça, que ficariam presas na atmosfera e poderiam abaixar a temperatura da Terra em uma média de 15 a 20 oC (as estimativas atuais mais precisas colocam entre 10 a 15 oC). Era o inverno nuclear, que destruiria qualquer nação que lançasse armas termonucleares, mesmo sem revide do adversário.
Teller chegou a declarar na revista “Time” sua “determinação quase fanática” em construir a “super”. Para justificá-la ele sugere que são as bombas termonucleares que mantém a paz, através da ameaça da sua utilização (ainda não tivemos uma guerra mundial não é mesmo). Ele propõe a utilização de bombas H para dragar portos (propôs isso a rainha da Grécia que respondeu que o pais dela já tinha numero suficiente de ruínas exóticas) e para estudar a composição química da Lua (estudando o espectro do clarão de da bola de fogo formado por uma explosão termonuclear). Ele tem sido o maior obstáculo para a assinatura de um amplo tratado de fim dos testes com armas nucleares, e foi ele quem propôs ao presidente Reagan a construção de um escudo no espaço formado por lasers de raio X impulsionados por bombas H. O polêmico projeto “Guerra nas estrelas”. Depois das guerras não parecerem mais uma ameaça para a humanidade, Teller tem defendido a explosão de uma nova geração de bombas super potentes no espaço para desviar ou destruir possíveis asteróides em rota de colisão com a Terra.
Enquanto Teller fazia todos os esforços para que o mundo reconhecer as bombas H (e ele) como salvadores da humanidade (ao invés de carrascos), ele foi o cientista que mais teve poder e responsabilidade sobre os riscos que a humanidade correu. Jeremy Stone, então presidente da federação de cientistas americanos escreveu que “com sua fixação pela bomba H, Edward Teller pode ter sido o ser humano que, mais que qualquer outro da nossa espécie, contribuiu para colocar em risco a vida no planeta Terra”.
A verdade é que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Mas como disse o chefe da CIA uma vez, “o sigilo absoluto corrompe de forma absoluta”. Não precisamos de governantes que decidam com quais temas devemos ou não nos preocupar, quais conhecimentos são perigosos e quais não, e de quais verdades temos de ser “protegidos”. Apenas a ampla discussão das idéias, o desenvolvimento da consciência critica, a alfabetização literária, política e científica podem fazer isso, libertando o povo da ignorância que permite que tipos como Teller influenciem na política de uma nação inteira e no destino do planeta por mais de 5 décadas. Teller quase destrói o mundo com sua POLÍTICA e não com sua CIÊNCIA.
Depois de um século onde tivemos tipos como Stalin e Hitler e começando um outro com outros tipos como Bin Laden e Bush, é em nossas lideranças políticas que não podemos confiar cegamente.
O encontro dos presidenciáveis com a ciência
O que espera a Ciência do Brasil nos próximos anos? Graças a Deus (aquele no qual eu não acredito) o governo do Efêagá esta terminando. Quando da época do pareamento do real com o dólar, o orçamento do CNPq era de USD 642 milhões. Hoje é de R$ 642 milhões. Além disso, o governo federal contingenciou 45% do valor que seria repassado este ano.
Em uma tentativa de tentar responder a pergunta no inicio do parágrafo anterior, a sociedade brasileira para o progresso da Ciência (SBPC) em sua 54ª Reunião Anual, no campus da Universidade Federal de Goiás, elaborou o ‘Encontro com os Presidenciáveis com a ciência’ realizado na última quinta-feira. Um fracasso! Apenas o candidato, José Maria, do PSTU, compareceu, e pôde apresentar livremente todas as suas idéias, por mais polêmicas que fossem.
Garotinho, que tinha garantido presença, na última hora, como tem se repetido com alguma freqüência nas suas participações em reuniões científicas, foi impedido por um “problema grave” no Rio de Janeiro (compreensível). Mas tudo bem; Garotinho mandou seu principal assessor para a área de C&T, Wanderley de Souza, cientista de renome e ex-secretário de C&T/RJ, que apresentou o pronunciamento inicial, previamente elaborado, do candidato. Alem disso, a atuação de Garotinho frente a fundação de amparo a pesquisa do Rio de Janeiro, FAPERJ, nos seus quase 4 anos de governo foi muito louvável. Ele aumentou em muito os recursos do estado para a pesquisa, criou uma estrutura para dedicar definitiva e diretamente verba do tesouro estadual para a instituição, que por sua vez conseguiu recuperar a credibilidade frente à comunidade cientifica Fluminense.
Lula, que tinha garantido participação, foi sorteado para falar ao ‘Jornal Nacional’ da Rede Globo justamente na hora do evento da SBPC. É… a corda rompeu do lado mais fraco (compreensível). Mas o candidato do PT ao menos tinha comparecido no evento na segunda-feira, dia 8. Lula conversou com a presidente da SBPC, Glaci Zancan, e com a reitora da UFG, Milca Severina Pereira, e explicou os motivos de sua ausência no programa desta quinta-feira. E o principal: Lula deu publicidade às idéias básicas de seu programa de governo para a área de C&T.
O que fizeram Ciro Gomes e José Serra? Logo que a assessoria de Ciro recebeu a carta-convite da SBPC, de 13 de maio, o senador Roberto Freire, presidente do PPS, partido de Ciro, respondeu a um telefonema da assessoria de imprensa da SBPC e confirmou a participação de Ciro. Posteriormente, a assessoria de Ciro disse que ele viria e depois disse que não viria. A carta-convite da SBPC não mereceu a consideração de uma resposta por escrito. Quanto a Serra, seu coordenador de agenda enviou à SBPC um fax, daqueles primores de comunicação formal e burocrática (uma resposta padrão), apenas 3 horas antes do evento, alegando que ‘o senador’ estava ‘impossibilitado de comparecer por conta de compromissos anteriormente assumidos’. E esse era o ministro da saúde!
De qualquer forma, mais ou menos, a gente sabe o que a ciência pode esperar de cada candidato.
Mas, na ausência dos presidenciáveis, a comunidade teve tempo suficiente para discutir e elaborar propostas que serão entregues aos presidenciáveis
O básico: que o Brasil tenha diretivas de C&T em longo prazo! E que elas sejam respeitadas. Pedem um pouco mais de consideração com as instituições que ajudaram a colocar o Brasil na 17ª posição no ranking mundial de produção científica, sendo um dos 20 paises que contribuem com uma produção científica superior a 1% da produção mundial. No que se refere ao desenvolvimento tecnológico, nossa situação é pior, pois ocupamos hoje a 43a posição em um ranking elaborado pela ONU. Isso por que complexo técnico-científico brasileiro está localizado principalmente nas Universidades públicas e em centros de pesquisas públicos e foi, em sua quase totalidade, criado à margem do sistema produtivo.
Que a área econômica entenda que a manutenção dos recursos para ciência e tecnologia precisa ser permanente. Que “Não podem ser vistos como custo. Mas como investimentos”. Ex: Há cerca de 10 anos o Brasil remetia algo em torno de 300 milhões de dólares a título de importação de tecnologia; hoje, essa despesa já representa cerca de 2,5 bilhões de dólares, sem que necessariamente esse aumento extraordinário se devesse às demandas de nosso desenvolvimento.
Na abertura da reunião da SBPC, o ministro de Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, se disse “constrangido” com a atual situação financeira do MCT. Para um país onde estima-se que existam cerca de 200 mil pessoas envolvidas em atividades de C&T, o que representaria cerca de 0,13% da população (índice este ainda muito baixo quando comparado até mesmo com nossos vizinhos), esperamos mais que isso dos nossos ministros e futuros presidentes.
Tudo acaba em Pizza
A ciência tem sempre de ser séria. Ou melhor, confiável. O que não quer dizer que não seja engraçada de vez em quando. Talvez quando estejamos tratando de temas menos “científicos”, digamos. Como por exemplo a pesquisa do Dr. Hisch, do instituto de aromas de Chicago (só poderia ser nos EUA). Essa particular instituição tem como objetivo estudar o efeito dos aromas nos seres humanos. Um objetivo bastante nobre, eu diria, dados os efeitos de feromônios (aquelas substâncias que funcionam como mensageiros e, por exemplo, podem ativar o desejo sexual) e outras substâncias no nosso organismo.
Enfim, este senhor descobriu, após testar mais de 40 combinações de odores, que a mistura de tomate, mozzarela e orégano, ativa de forma significativa em até 40% a circulação de sangue do órgão sexual masculino. Ou seja, a pizza Marguerita é um tremendo Viagra. Gatinhas, dá próxima vez que forem convidadas pra comer uma pizza e tomar um chopp… já sabem do que se trata (é…. como se não soubessem!).