Cuidado com o Oscar

Na música ‘Senhas’, Adriana Calcanhoto diz: “eu não gosto do bom gosto, eu não do bom senso, eu não gosto dos bons modos”.

Eu sou um cara com uma alta dose de arrogância e seria muita desfaçatez da minha parte não dizer que um médico; que nem podemos dizer esquecido, porque provavelmente nunca foi lembrado; de um igualmente nunca lembrado setor de geriatria, de um conseqüentemente nunca lembrado hospital em Rhode Island nos EUA, que consegue, sem um experimento ou análise sequer, publicar um artigo, ainda que de relato, na mais importante revista de medicina do mundo, não é brilhante! Digno de todo nosso respeito e reconhecimento.

Minha bronca aqui, vamos deixar bem claro, não com esse médico e a forma original que encontrou de chamar atenção. Minha bronca é com os jornalistas de todo mundo que deram ao artigo, uma simples curiosidade, destaque de descoberta científica das mais importantes.

“Mas será que é pelo cheiro que ele reconhece quem vai morrer?” Me pergunta minha tia durante o almoço de domingo. Penso então em todas as tias que estão, nesse momento, e a partir dele, acreditando nos poderes sobrenaturais do gato Oscar. E com aval da The New England Journal of Medicine!

O relato do dr Dosa, médico geriatra da unidade avançada de demência do Hospital de Rhode Island e professor assistente da Brown University nos EUA conta um dia na vida do gato mascote da instituição Oscar, que, segundo o autor, desde que foi adotado pelo staff há dois anos, previu acertadamente 25 mortes. Sua presença ao lado do leito de um paciente é considerada pelos diretores do hospital razão suficiente para que as enfermeiras notifiquem a família.

O relato segue assim: Oscar passeia pelo corredor e observa Mrs P, que não é capaz de recordar a família que a visita diariamente, e que vive na área de demência à 3 anos, mas não lhe dá atenção. ‘Não chegou a sua hora'” As palavras na boca do gato é um dos artifícios utilizado pelo médico para angariar a atenção do leitor.

Oscar para na porta do quarto 310, onde Mrs T, vítima terminal de um cruel de câncer de mama, dorme acompanhada da filha que lê um livro; e espera até que a porta seja aberta. ‘Olá Oscar‘ saúda a filha, mas Oscar apenas sobe no leito, cheira o ar e decide ir embora. ‘Ainda não chegou a sua hora também’.” Não sabemos se ficamos felizes ou sentimos pena da paciente terminal que precisa de altas doses de morfina (de acordo com o artigo) para passar os seus dias.

A história muda quando Oscar chega ao quarto 313. “Quando a enfermeira vem checar sua paciente e encontra o gato sentado ao lado de Mrs K, volta para sua mesa, checa o prontuário da paciente e começa a fazer telefonemas. Em meia hora começam a chegar os primeiros familiares e também o padre. Mrs K faz sua passagem com calma e tranqüilidade. O gato some após seu último suspiro, silenciosamente, sem que os familiares nem mesmo percebam.”

Oscar volta para sua sala. Hoje não haverá mais mortes, porque no 3º andar, ninguém morre sem que Oscar faça uma visita antes” termina o relato do médico.

Não há charlatanismo. O relato fantasioso da conincidência observada pelo médico é certamente uma tentativa de aliviar a tristeza e as angústias daqueles que vivem ou que lidam, diariamente, com pacientes terminais. E que justamente por todo esse mérito, teve o reconhecimento da importante revista. No entanto, não podemos, em nenhum momento, deixar que a sensibilidade da história de Oscar confunda uma curiosidade com um fato científico. Minha bronca é, reitero, com os jornalistas que deturpam o fato para criar a notícia.

Diz uma recente pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia, que os jornalistas são os profissionais em que o povo brasileiro mais confia para se informar sobre ciência e tecnologia. Transformar um gato que passeia pelo corredor do setor de pacientes terminais em um gato que ‘reconhece a hora da morte’, e noticiar isso como verdade científica é fazer sensacionalismo. As consequencias imediatas para o povo podem parecer menores, mas em longo prazo…

Se não for suficiente para vocês que que as doenças terríveis, terminais, prolongadas, que afligem essas pessoas, sejam um presságio muito mais significativo que a presença de Oscar, então proponho duas simples verificações: A primeira testar as habilidades de Oscar fora do setor de pacientes terminais do instituto de demência geriátrica; e a segunda, observar quantos pacientes foram visitados por Oscar sem que nada acontecesse. Não acredito que o mito sobreviva após esses testes.

O maior mérito de Oscar é, como bem cita o artigo, o de fazer companhia àqueles que sem a sua presença, morreriam completamente só.

PS: Comente também no Roda de Ciência

A realidade e a relatividade

Vocês podem dizer que eu estou substantivando tudo. Mas uma leitora assídua me pediu para falar de relatividade e, como já tem livros demais, e textos demais, falando sobre Einstein, resolvi dar uma outra abordagem a relatividade.

Fui no CCBB ver o Veríssimo (, Luís Fernando) na “Oficina para escritores”. Cheguei mais de uma hora antes, mas a fila já dava voltas pelo salão. Sem chance! Então eu e o JP fomos ver a exposição ‘China Hoje’ e acabamos assistindo duas exposições paralelas sobre fotografia. A primeira tinha o nome do autor, o fotografo espanhol “Chema Madoz” e a segunda se chamava ‘Instantes de Felicidade’.

A primeira foto era do pioneiro Louis Jacques Daguerre. A primeira fotografia com uma figura humana: Um engraxate, que ficou na mesma posição tempo suficiente para ser capturado pela exposição de horas. Na foto, uma movimentada esquina de Paris aparecia vazia. Até esse momento, a foto não registrava o ‘instante’.

Eu devia estar com as palavras na cabeça, porque conforme via as fotos ia só vendo as diferenças entre a realidade e a realidade registrada na foto. E portanto, a relatividade da realidade.

Ao contrário do que podem pensar, a relatividade não é nova, nem foi concebida por Einstein. Galileu havia descrito a relatividade de um evento dependendo da posição de um observador (o clássico exemplo da bola de ping-pong quicando no mesmo lugar pra quem está em frente a mesa dentro do trem, mas formando arcos para quem vê desde o lado de fora, o trem passando). O que Einstein descreveu foi a relatividade especial, aquela que descreve os fenômenos ligados a luz. Tudo que acontece na velocidade da luz está sujeito a uma relatividade especial. E foi ai que ele descobriu a relatividade do tempo e do espaço.


Fotografia é um excelente exemplo de como ciência pode influenciar a vida das pessoas. Por exemplo, a arte, mas também todo o resto. Com a fotografia, a arte deixou de ser meramente representativa da realidade e pode partir para o abstrato. Ao mesmo tempo, foi a necessidade de retratar o real, exercida primeiramente pelo desenho e pela pintura, que motivou inicialmente Nicéphore Nièpce a explorar as possibilidades da fotossensibilidade. O tempo de exposição da fotografia diminuiu de horas para milésimos de segundo. E pudemos guardar o… instante. Para sempre! Depois, foi a fotografia que passou ao abstrato, como nas fotos de Madoz.

Em um dos antigos cofres do CCBB, uma projeção mostrava fotos do julgamento de Klaus Barbie: O Carniceiro de Lyon. Em uma das fotos, ele aparecia como um gentil velhinho. Poderia ser meu ou seu avô. Em outra foto, uma das testemunhas, um senhor chamado Favve, totalmente deformado pelas torturas, parecia um monstro. Mas era, na verdade, uma pessoa doce e gentil, em busca de justiça.

A realidade e a relatividade das imagens continuaram me assolando por toda exposição. Como podemos saber o que é realmente real? Se até o que é fotografado é relativo? (ainda mais nesses tempo de Photshop…)

A grande realidade está no saber. A informação é a única força capaz de alterar o estado da relatividade, transformando ela cada vez, mais e mais, em realidade. Com informação, a imagem de Barbie não pode ser suavizada pela fotografia.

Mas esse pode ser também o problema da informação. Uma vez que você sabe… não dá pra fingir que não sabe. Não dá mais pra relativizar a realidade.

Quem (se) importa?

Fazer ciência no Brasil não é fácil. Mas as vezes se torna impossível!

Vocês conseguem ver alguma coisa ai em cima? Pois é, nem nós! Então achei que se fazia necessária a compra de um microscópio decente pro laboratório. Passamos as últimas duas semanas procurando um modelo que atendesse as nossas necessidade e ao nosso bolso e, depois de verificar os preços astronômicos dos fabricantes americanos e europeus, conseguimos chegar a um fabricantes chinês, bastante elogiado (MOTIC) que tinha o microscópio que queríamos (modelo AE31; invertido, preparado para epi-fluorescência e como camera de vídeo).

Pedimos um orçamento e o valor girava em torno dos USD 5.000,00. Um site nos EUA anunciava o mesmo produto por USD 7.890,00. Ligamos para o representante nacional e qual não foi a nossa surpresa ao descobrir que o mesmo produto custava no Rio de Janeiro R$ 50.000,00!!! Com essa quantidade de encargos e impostos, não há parco orçamento de pesquisa que resista.

Saiu hoje uma nota na coluna da Márcia Peltier no Jornal do Comércio citando o drama. Clique na foto para ver a imagem ampliada.


Transcrevo pra vocês a nota:
“CÂMBIO: Pesquisador da UFRJ, Mauro Rebelo levou um susto quando fazia cotação para comprar um microscópio da chinesa Motic, para pesquisa de contaminação ambiental. Na China o equipamento é comercializado por US$ 5 mil. Nos EUA, por cerca de US$ 7 mil. No Rio, sairia por R$ 50 mil. Por essas e outras, a comunidade científica se mobiliza para entregar um relatório para o ministro Sérgio Rezende sobre as dificuldades de importação.”

Desde o ano passado faço parte de uma comissão, juntamente com a ONG Movitae e a Associação Brasileira de Ciências da Vida (dos fabricantes e representantes de material para pesquisa) para facilitar os procedimentos de importação do país.

Cavando pouco, muito pouco, descobrimos que o buraco é embaixo. Muito mais embaixo. Coisa pra dar CPI.

Enquanto isso, minha aluna de iniciação científica tem de usar a visão além do alcance pra ver as células de ostra do trabalho dela.

O Físico visita o Xamã

“O circulo é o universo. O ponto no centro do círculo representa o ser humano, a convergência de toda a energia do universo…”


É certo que existem muitas verdades, mas qual delas é a mais verdadeira? Eu continuo gostando das verdades baseadas em evidências, mais do que aquelas baseadas na fé. Não existe nenhuma evidência científica da lógica por detrás de um mapa astral. Absolutamente tudo é questionável.

“Mas qual premissa você questiona?”, perguntou o Xamã.
“De que o homem é o centro do universo, por exemplo!”, respondeu o Físico.
O Xamã faz uma cara de espanto e pergunta: “Mas… que outro ser existe?
O Físico pensa se espanta um pouco com a obviedade da resposta que está para dar, mas hesita por um brevíssimo momento: “Uhum… as bactérias?!?”

A longa gargalhada que se seguiu estabeleceu um consenso amigável entre duas realidades tão distintas. Estabelecemos ali os limites do nosso universo possível. O universo onde o físico e o xamã podem se encontrar.

Parênteses: Tenho pensado muito, muito nisso: como os limites, que dão idéia de restrição, podem funcionar para efetivamente te libertar. Uma vez que estabelecemos os limites que não podemos ultrapassar, tudo dentro daquele limite se torna possível. É assim em tantas, tantas coisas na vida. Um não abre uma gama imensa de possibilidades de sims. Fecha Parênteses.

Por que o cientista iria visitar o esotérico? Por que o físico iria visitar o metafísico? Por que o doutor iria visitar o Xamã? Porque abrir a mente é importante. E manter a mente aberta é fundamental. Um físico que vêm de uma família de bruxos precisa se exercitar constantemente para se manter físico. Mas, como em todo exercício, a gente corre risco de atrofiar o músculo. E eu não quero um cérebro atrofiado.

Pode ser que exista verdade por trás da astrologia. Mas se há, não é com a lógica que ela se apresenta que vamos conseguir aproveitá-la. Houve uma época em que pensava que se a lua podia mexer com os oceanos, outros astros também podiam influenciar na nossa vida. Não é só o fato de ser uma astronomia anterior a Copérnico. Toda essa coisa das 12 casas, etapas da vida… gente… tudo isso foi inventado pelo homem! A astrologia é uma grande epidemologia do ser humano. E é por isso que a astronomia se separou dela ao longo dos séculos. A primeira não sobrevivia ao exame da segunda. É o problema da epidemiologia: nem sempre (aliás, dificilmente) se consegue estabelecer a causa olhando a conseqüência.

Uma vez li sobre um experimento onde pediram a um astrólogo para fazer o mapa astral de 3 pessoas. Depois esses 3 mapas foram mostrados, juntamente com as 3 pessoas, a 100 (ou muitos) outros astrólogos, pedindo que eles identificassem a quem pertencia qual mapa. O índice de acerto foi de 30%. Ou seja… chute! Claro, o primeiro astrólogo pode ter sido o charlatão, o que prejudicaria o trabalho dos outros. Por isso seria importante fazer um segundo exame, que é: quantas vezes um mesmo astrólogo acerta? Não sei , mas algo me diz que é em torno de 50%. Chute novamente.

Não digo esse número por acaso. Uma amiga médica homeopata me pediu uma vez ajuda para fazer uma estatística da eficiência de seus tratamentos com crianças. Não cheguei nem mesmo a examinar os dados, porque só uma conversa inicial mostrava que a amostragem era tendenciosa. Se o paciente voltasse, queria dizer que o tratamento havia funcionado. Se ele não voltasse, não tínhamos como saber. Bom, isso criou um índice era de 50%, que como eu disse pra ela, a gente não tinha como avaliar. A homeopatia é outra pseudo ciência que também não consegue se apoiar em evidências científicas.

Então todos os astrólogos são picaretas? A ciência tem sido muito eficiente em rechaçar todas as tentativas de logro em massa inventadas ao longo da história. Mais ultimamente, as abduções e outros tipos de contatos com extraterrestres. É claro que a ciência erra (é feita por humanos), mas a ciência, como instituição, é muito honesta ao admitir o erro, e principalmente, a não se aventurar muito pelo desconhecido sem evidências.

Mas então como lidar com o inexplicável? Não aquilo que todo mundo acha que é inexplicável. Estou falando do que é REALMENTE inexplicável? Em um livro que li mais ou menos recentemente (Um adivinho me disse; Tiziano Terzani), um jornalista italiano viaja todo o sudeste da Asia e em cada cidade por onde passa com o seu trabalho de correspondente, visita o mais brilhante adivinho da região. Homens que lêem o futuro em cinzas de ossos, borra de café, na palma da mão. Chineses que prevêem que você ficará rico, muçulmanos que dizem que você terá muitas esposas. Um monte de charlatões, ainda que fossem charlatões que aceitassem visa, com fila de espera e consultados pelo altos escalões dos governos asiáticos. Mas ao se consultar com o astrólogo de um traficante de heroína na Birmania, ele se depara com um verdadeiro xamã. Ele dá seu nome, mas a data e hora do nascimento do traficante. O astrólogo faz uma perfeita leitura… do traficante, sem conseguir encaixar o que vê no mapa astral com a pessoa a sua frente. Parece que algumas pessoas realmente, lendo mapas ou cinzas, mãos ou datas de nascimento, conseguem algum tipo de conexão com outras pessoas.

No seu livro “O mundo assombrado pelos demônios” Carl Sagan dizia que a telepatia, em algum nível, era algo que a ciência eventualmente iria explicar. Aparentemente, existe um corpo de evidências grandes o suficiente para indicar algo nesse sentido. Nessa mesma direção, no livro “As ilusões da vida. A estranha ciência do extremamente comum”, Jay Ingran relata a série de experimentos que mostram que algumas pessoas, realmente possuem a capacidade de dizerem, a distância, se estão sendo observadas por outrem.

“Os olhos não vêem, quem vê é o cérebro”. Já ouvi essa afirmação muitas vezes e ela é completamente verdadeira (mas também já ouvi de neurocientistas a explicação de como nossa visão do mundo se organiza dentro de nossas mentes e garanto pra vocês que pode ser mais fantástico do que um jogo de Tarot). Está tudo na nossa capacidade de perceber o mundo. E essa capacidade é limitada por nossos cinco sentidos. Cinco?

É verdade que eu não conheço nenhum outro, mas durante muito tempo eu também tive dificuldade para entender como os físicos conseguiam pensar em 10, 11 dimensões (depois de muito tempo e muito esforço, comecei a conseguir entender a 4ª dimensão: o tempo). Hoje em dia consigo pelo menos assistir a um documentário da BBC sobre a Teoria das Membranas, a mais nova sensação entre os físicos para explicar o universo, e entender quase tudo. De qualquer forma não acho sadio acreditar que nossos sentidos são suficientes para percebermos o mundo como ele deve realmente ser. Alguns animais conseguem, por exemplo, enxergar comprimentos de luz no ultravioleta. Com ajuda de equipamentos especiais nós também podemos ver fenômenos de fluorescência de UV. Imagina como seria uma imagem do mundo se pudéssemos ver o UV emitido e refletido pelos objetos? Qual seri
a a ima
gem que teríamos do mundo se tivéssemos outros sentidos para captar outros tipos de energia que estão pairando pelo universo?

Um cientista não pode ser permitir fechar os olhos, ou os outros poucos sentidos que têm, para perceber a coisas que não pode explicar no. Corre o risco de perder o NOVO. Aceitar o novo pode ser difícil, mas é inevitável. E talvez por isso, é brilhante! Mas o que é esse novo que estou me dispondo aceitar?

“Há mais entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã sabedoria” disse Shakespeare. É pouco provável que você encontre um bom xamã. No seu livro “A imortalidade” Kundera discorre sobre a limitação física do corpo humano e usa um aceno de mão como partida para mostrar que nossos gestos se repetirão inevitavelmente em outras pessoas, por uma simples limitação biológica. O lugar comum entre os humanos é mais comum do que imaginamos. Chico Buarque deveria ser o maior Xamã de todos, afinal, quem não se identificou, tantas vezes, com o que ele diz em suas canções? Chico Buarque também é um grande epidemiologista da humanidade!

Assim como encontramos médicos que são melhores ou piores epidemiologistas, você pode encontrar xamãs que sejam melhores ou piores epidemiologistas. Deixe ele desenhar o circulo dele, mas desenhe você o seu. Mas dependendo de quão bom epidemiologista você é para com você mesmo, esses caras podem realmente ser de muito pouca ajuda.

Mas, digamos que você cruze com um xamã de verdade no seu caminho. Alguém que, como o inseto que eu falei, vê com outros sensores o que nós não conseguimos ver. Nesse momento, se o coração e a mente estiverem abertos, pode ser que a gente aprenda a ver um pouco mais também, dentro do círculo de possibilidades infinitas.

Diário de um Biólogo – 5a feira 03/05/07


A Rê pediu pra eu levar ela até Far(away)manguinhos. O carro dela ainda não está pronto e lá fomos nós. Paramos pra tomar café na loja do posto, o que já está virando mania. Veja que não é qualquer posto e está é a mania. Acho que vou ficar cheio de manias quando ficar velho. Depois seguimos pela linha amarela enquanto apreciávamos o congestionamento que eu ia pegar pra voltar. O amor é lindo!

Chegando no fundão eu gastei uma grana em um drive externo para o computador do lab. Cansei de apurrinhação com os backups. Pelo menos em disco eu não vou mais ter problema de espaço. Depois passei o resto do dia preparando e corrigindo poster. Lembrei do tempo em que, depois de terminar o mestrado e antes de entrar no doutorado (e até mesmo um pouco depois) fazia um extra diagramando posters que meu pai imprimia na TecImagem. Eu era bom! Queria ter mais coisas para contar nesse último dia de diário, mas o dia passou e quando eu ví, já era hora de ir embora e nem tinha começado a fazer a aula de ecologia.

Fui tomar um chopp no Belmonte com alguns amigos da Rê mas não fiquei até tarde porque 100 páginas de “Dinâmica de Populações” me esperavam antes da aula as 8 da manhã do dia seguinte.

Preciso me organizar melhor. Preciso realmente voltar a fazer exercícios.

Diário de um Biólogo – 4a feira 02/05/07

Odeio acordar cedo!

Chego no Fundão pra dar aula de Fisiologia Cárdio-Vascular pro curso de Odontologia. Meia duzia de gatos pingados na sala. Poderia dizer que ainda não tinham voltado do feriado, mas na semana anterior tinha sido a mesma coisa. Pior pra eles! Todo mundo se salva em fisiologia porque tiram nota boa em Cárdio. Não tem mistério. Eu e Célio não somos médicos mas sabemos fisiologia, por isso a gente ensina fisiologia e não clínica. Sabemos o que ensinamos e sabemos o que queremos avaliar se eles aprenderam. A prova não tem pegadinha. Sabe-sabe, não sabe-não tem muito como enrolar, a gente percebe na 2a linha. Depois do intervalo tem ainda menos gente na turma. Uma, duas piadinhas… ninguém nem ri. Falo da vazão do coração… ninguém se impressiona. Depois do intervalo tem menos gente ainda. Uma tristeza.

Volto pra minha sala e a quantidade de papel na minha mesa me assusta. Acendo a tela do computador e pipocam vários Post-it eletrônicos com milhares de coisas pra fazer. Fico mais assustado ainda. As coisas estão se acumulando: textos pra ler, artigos pra escrever, coisas pra fazer. Não consigo fazer tudo que eu quero. Eu sei que todo mundo tem esse problema, mas eu gosto de planejar o que eu consigo fazer e FAZER! então pra mim esse é um problema maior que para os outros.

A Silvia veio apresentar uma palestra sobre o trabalho dela na UENF. O títluo parecia chato mas a palestra foi interessante. Vários dinoflagelados (algas que causam a mará vermelha) tóxicos estão presentes ao longo de toda costa do Rio de Janeiro (e do Brasil). Fico pensando se os bichos (eu sei, algas não são bichos) vieram por água de lastro, como espécies invasoras, mas a Silvia acha que eles sempre estiveram aqui, só que ninguém procurou antes. Ainda penso na questão da biotransformação das toxinas pelos peixes, diminuindo a toxicidade (tenho que escrever sobre os P450 um dia). Isso é relativamente inédito e eu gostaria de saber como funciona nos moluscos bivalves.

Volto pra minha sala pra passar o resto da tarde perdido entre os papeis. Consigo discutir um pouco do poster do Rodrigo e, sem saber por onde começar, paro e vou almoçar. Encontro a Silvia e a Gisela almoçando. Fico pensando se faço picuinha por causa da Sala de aquários na Biomar mas deixo pra lá. Algumas fofocas sobre o povo de Rio Grande depois vamos pagar e voltar para o sub-solo. Os representantes da Labiocenter aparecem pra tentar resolver a questão da centrifuga. O fabricante colocou o chip errado e ela funciona no mássimo por 300 s. Fala sério, ninguém merece ter que ficar resolvendo essas porras. Preciso de uma secretária!!!

Decido mexer no artigo para o congresso. Procuro no diretório onde ele deveria estar mas não está. Quando procurei em casa jurava que estava no computador aqui do lab. Agora que estou no lab vejo que realmente está no computador de casa. Um dia ainda vão inventar uma rede como diretórios virtuais acessíveis fácil e rapidamente de qualquer lugar. Olho no relógio doido para ir embora, mas ainda tem análise hoje.

Fui pra Sara e depois peguei a Rê na Estácio em copa. Comemos em um Japa em Botafogo mas sem nenhum atrativo especial. nem mesmo o preço. Precisamos comer mais em casa.

Chego em casa e não consigo produzir direito também. Pelo menos a casa está limpa. A Denise (minha nova faxineira) foi um achado! Preciso liberar espaço no computador mas o gravador de DVD não funciona. Passo horas procurando na Internet o motivo e descubro, totalmente por sorte, que depois de intalar o iTunes o Windows XP para de reconhecer o gravador de DVD como tal, reconhecendo apenas como gravado de CD.

Ah, não!!!! Entro no site do curso a distância da UAB e tem um motim estabelecido. Corto cabeças pra lá e pra cá. Estou esgotado. Duplamente, porque produzi muito pouco. Melhor ir dormir. Amanhã tem que acordar cedo. E eu ODEIO acordar cedo!

Diário de um Biólogo – 3a feira 01/05/07


Acordei com dor nas costas e preguiça de ir a praia. A Rê foi e eu fiquei em casa escrevendo um monte de textos pro blog. Terminei de ler a tese do Rodrigo e comecei a ler aulas novas do curso da UAB. São tantas coisas que tenho de preparar até o dia do congresso (Domingo) que não sei como vou fazer. Mas sei que eu sempre faço!

É dia do trabalho e vai ter show de graça na praia. Nada mais carioca do que show de graça em Copacabana. Quando voltei pro Brasil ia em todos eles, qualquer que fosse, só pra injetar carioquice na veia.

Almoçamos um monte de salada com a truta defumada que compramos ontem e cerveja Original que eu encontrei no supermercado e fomos pro show da Daniela Mercury. Eu sempre a achei melhor que a Ivete, ainda que eu ADORE a Ivete. Mas o show, como os últimos dela que eu vi, foi chatinho. Valeu pela Margareth Menezes.

Voltamos de metrô. Lar-Doce-L… Apagamos antes de terminar a frase.

Diário de um Biólogo – 2a feira 30/04/07


Adoro a tecnologia! Quando já estava me desesperando por ter de ir até Friburgo pra sacar dinheiro e voltar a Lumiar para pagar a pousada que não aceitava cartão, descobri que podia fazer uma transferência entre contas pelo celular no site WAP do BB. Adoro a tecnologia!

No caminho de volta (dessa vez o caminho certo) fomos obrigados a parar em um lugar que anunciava: Orgasmos degustativos! Degustação de orgasmos seria melhor, mas a parada valeu a pena e compramos truta e um monte de outras coisas defumadas.

Chegando no Rio, fizemos compras na Cobal de Botafogo e almoçamos no Zé. A preguiça de Lumiar não largou a gente e deve ter sido duro pra Rê ter de ir dar aula a noite. Eu mal dei conta de desarrumar a mala, mas preparei Pesto Genovês que comemos com uma garrafa de Porca de Murça. Ainda dei uma olhada no curso de capacitação da UAB antes de dormir, mas parece que o povo todo estava de preguiça no feriado: “Nenhuma atividade desde o seu último login“.

Fomos dormir sem lareira, mas com o coração aquecido.

Diário de um Biólogo – Domingo 29/04/07

Quando acordamos a lenha da lareira tinha queimado toda. Enquanto tomava café terminei de dar uma lida na tese do Rodrigo. Está bem escrita, mas tem algumas informações demais e outras de menos. Não cita nenhum trabalho do Viarengo ou do Dondero, fala de um monte de metalotioneínas de outros bichos que interessam menos e pouco das ostras, nosso objeto de estudo. Alem disso se ateve aos efeitos toxicológicos e esqueceu completamente a geoquímica, que é o curso dele. Vai ter que reescrever muita coisa. Eu sou muito crítico com a escrita dos outros, mas sou muito crítico com a minha também.

Fomos caminha pelo Rio Macaé até o Poço do Giannini. O lugar é muito legal, uma piscina natural enorme, mais bonito que o Rio Preto em Mauá. Duas cenas aconteceram: primeiro um casal apaixonado discutiam a relação abraçados, em cima de uma pedra, no meio do rio, onde certamente cabia apenas um deles. Na outra, bizarra, outro casal a margem do rio se assustou com o barulho que fizemos na picada e sairam correndo pelados para se esconderem atrás das árvores. Pareciam dois ETs, daqueles com braços e pernas desproporcionalmente maiores que o tronco, correndo por cima das pedras; brancos e totalmente desengonçados.

Almoçamos porcarias enquanto o Botafogo da Rê concedia o empate ao Flamengo e depois subimos pra ver a festa em Bocaína. No caminho paramos pra tomar um café em São Pedro da Serra, que é certamente mais bonitinha que Lumiar. Como o mundo é do tamanho de um Ovo Kinder, na mesa ao lado encontrei meu chefe (Olaf Malm) com a família. Algumas lojinhas e ateliês depois seguimos estrada e chegamos na festa. Não tinham mais que 3 barraquinhas de cachorro quente e um disco de forró tocando enquanto as pessoas esperavam pelo Bingo (cujo prêmio principal era um liquidificador). Mas o forró era pé-de-serra e paramos a pista dançando juntinho. Quanto tempo que a gente não dançava. Na volta paramos de novo em São Pedro da Serra pra tomar caldo de Truta.

Assistimos “As idades de Lulu” do Bigas Lunas enquanto a lareira esquentava o quarto. A lenha ia queimar de novo antes do dia seguinte chegar.

Diário de um Biólogo – Sábado 28/04/07


Acordei fui com a Rê até Farmanguinhos levar o carro dela ao mecânico, com um pit-stop pra conhecer a sala dela. Vendo um lugar com infra-estrutura adequada ao trabalho, segurança, limpeza e organização, fiquei deprimido com a situação da universidade. Cada vez mais tenho certeza que não são os míseros recursos do CNPq, da CAPES, do MCT e do MEC que vão tirar os pesquisadores brasileiros do sufoco. No mundo inteiro as universidades e institutos de pesquisa estão buscando fontes alternativas de financiamento, porque aqui os dirigentes de instituições de pesquisa são tão resistentes?

Enquanto pegávamos a estrada pra Lumiar, ela foi lendo o texto da revista Piauí onde estva publicado o diário de uma Ghost Writer que inspirou o diário que os alunos do curso de poesia para físicos estão escrevendo (este aqui!). Enquanto eu me perdia na estrada ficamos conversando sobre a questão legal envolvendo a definição de vida que foi levantada no Tribunal Superior Federal na semana anterior. Eu estava apavorado com qual interpretação os ministros poderiam dar a um tema sobre o qual não existe consenso científico. A vida começa com a fecundação, mas ela é significativa antes do aparecimento de um sistema nervoso? E a vida das células (óvulo e espermatozóide) antes da fecundação? É relevante? Falamos sobre os diferentes direitos da personalidade (que diferencia os direitos de um feto no útero dos de uma pessoa depois que sai da barriga da mãe) até resolvermos parar na sub-sede do parque nacional da serra dos Órgãos. Eu já estava completamente fora da estrada pra Friburgo mesmo e o Poço Verde valia a parada.

À noite, enquanto tomávamos uma garrafa de um assemblage Sul Africano na pracinha de Lumiar e comíamos escondidinho de truta defumada, ficamos falando sobre nossos ambientes de trabalho e a delicada relação com as decisões políticas que, muitas vezes, inibem o progresso da ciência ou da justiça. Cheguei a conclusão que com falta de verba, de um chefe que seja chefe e de uma justiça que seja justa não dá pra fazer nenhum bom trabalho.

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