Diário de um Biólogo – Domingo 11/05/2008

Nos próximos dias, se encerram 3 editais importantes para financiamento de pesquisa. Dois são editais apenas para jovens cientistas, uma iniciativa pelos quais eu e meus amigos temos lutado muito. Desde que eramos jovens…

Mas não posso deixar de notar no que se transformou minha atividade científica. Entre as aulas que tenho que dar, provas e trabalhos para corrigir, teses para ler, teses para corrigir, teses para avaliar, e os muitos editais por ano que temos que responder para conseguir dinheiro para sustentar o laboratório, praticamente não sobra tempo para fazer pesquisa

O pior é que o dinheiro dos projetos também não é suficiente para sustentar um laboratório, assim como o tempo para escrever os projetos. Então estou me tornando um mestre em “corte e costura” de projetos para poder atender a todos os editais. E todas as necessidades dos meus alunos.

Que venham os resultados!

Alguma coisa está fora da ordem

No Globo de ontem, duas notícias me chamaram atenção e me lembraram a música do Caetano.


Primeiro foi o lançamento, anteontem, do maior engôdo dos últimos tempos: o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o REUNI. Explico o porquê do engôdo. Depois de anos de esquecimento, as universidades federais do pais estão sucateadas. É uma triste realidade, mas convido qualquer um, você leitor querido, o ministro da educação ou o presidente Lula; a fazer uma visita as instalações do meu, que é um dos mais respeitados e produtivos institutos de pesquisa do país.

Na semana passada, realizamos o encontro presencial do curso de capacitação de gestores da e-TEC, a escola técnica aberta do Brasil. Como eu sou coordenador do curso, procurei realizar todas as atividades do encontro presencial na UFRJ, porque acreditava que teríamos tudo que fosse necessário a mão. Ledo engano. O laboratório de informática da biblioteca não possuia computadores em rede, os banheiros do auditório da decania do CCS não eram limpos há 15 dias e os participantes, quase 100 professores de escolas técnicas de todo Brasil, tiveram de segurar a bexiga enquanto eu falava e transpirava, porque o auditório também estava com o ar-condicionado quebrado.

Posso ainda lembrar do recente evento dos funcionários da Light (distribuidora de energia elétrica do Rio de Janeiro) adentrado os corredores da reitoria para cortar a luz, já que a conta não era paga há meses. O índice de roubo de carros na cidade universitária é um dos maiores do Rio e o bandejão vem sendo empurrado com a barriga há pelo menos dois anos. O próprio secretário estadual de C&T do Rio, Alexandre Cardoso, no seu discurso de posse, mostrou-se indignado com a situação do reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, cuja maior preocupação é a de pagar a conta de luz. No ano passado, uma aluna se queimou com ácido em um acidente causado pela queda de um garrafão de água destilada. Não foi o suporte que prendia o garrafão na parede que cedeu. Foi a parede!

Nesse contexto, o governo propõe as universidades um aumento de 20% da verba, condicionado a inclusão da universidade no REUNI: um pacote de medidas que visam aumentar a produtividade da universidade. Criar mais vagas, mais cursos, aprovar mais alunos etc. Tudo muito correto, muito bonito e muito inviável. Por uma razão simples: os 20% a mais no orçamento não são suficientes nem para recuperar o sucateamento dos últimos 10-15 anos, quanto menos para criar os 36 novos cursos e 3.350 novas vagas que o programa prevê.

Com água pelo nariz e prestes a se afogar, sob o peso de forte pressão política, o reitor não tem opção a não ser aceitar o pacote de medidas para ter os 20% na mão. Ele não pode se dar ao luxo de discutir seriamente a proposta e o REUNI é enfiado goela abaixo da comunidade academica encadernado em papel 180 gramas.

Não tem como funcionar. Mas pelo menos não vai funcionar com 20% a mais de verba para o reitor. É isso que a comunidade academica reluta em entender. e por isso que estão todos reclamando do pacote no Globo de ontem. Os 20% são um paleativo. O reitor assinaria qualquer coisa para tirar a água do nariz e deixá-la no queixo. O MEC sabe disso, assim como sabe que as propostas são impossíveis. Se isso vai ser usado lá na frente contra a própria universidade, eu não sei. E parece que o reitor não quer saber também. Afinal, ele tem uma conta de luz pra pagar.

Como fazer, em meio a esse caos, para estimular jovens professores e pesquisadores, inovadores, produtivos e cheios de energia, a ficarem no Brasil? Não dá! E o que o governo faz para reverter essa situação? Essa é a segunda reportagem: suspende as bolsas de doutorado pleno no exterior.

O drama da CAPES é a evasão de cérebros. Quando um aluno vai fazer o doutorado pleno no exterior, fica pelo menos 4 anos fora. As pessoas lá fora não são mais inteligentes do que nós, mas em geral tem mais dinheiro e melhores condições de vida e de trabalho. Durante 4 anos fora trabalhando duro, são poucos aqueles que mantém um vínculo acadêmico-político (esse último tão importante quanto o primeiro) com universidades ou outras insitituições de pesquisa no país. E vocês sabe; quem não é visto, não é lembrado. Quando termina o doutorado, como convencer alguém a voltar ao Brasil para ser desempregrado (real, porque não consegue emprego, ou funcional, quando consegue um sub-emprego onde não tem condições de trabalho)?

É verdade que muita gente sabe disso até mesmo ANTES de sair do país. E que se assina um termo de compromisso que voltará ao país, e blá, blá, blá. Mas é bom lembrar que nenhum, NENHUM, programa de recém-doutores da CAPES ou do CNPQ sobreviveram para entrarem no segundo edital. Todos pereceram antes. E pelos mesmos motivos: falta de dinheiro e falta de vontade política para criar uma política de longo prazo de C&T para o país. E pelo visto, não é o PAC da C&T que vai solucionar essa pendenga.

Há mais de 20 anos, o Brasil investe em pós-graduação sem investir em infra-estrutura nas universidades e centros de pesquisa. É isso que está fora da ordem. E agora, com um monte de doutores desempregados funcionais, continua sem querer investir em infra-estrutura. Afinal, é mais fácil suspender as bolsas de doutorado pleno no exterior do que enfrentar o congresso para acabar com o contingenciamento de recursos para C&T no Brasil.

Porque o carro pára sem explicação no meio da duna?

Li uma vez que existem três tipos de conhecimento: o religioso, o filosófico e o científico. O religioso depende da fé para existir, o filosófico da lógica e o científico de evidências experimentais. Claro que houve vários cientistas filósofos, religiosos que foram cientistas e filósofos que eram religiosos. Há quem diga, como eu, que todo conhecimento é válido como argumentação, mas o conhecimento que é importante mesmo, é o científico.

Vamos examinar a pergunta do título.

O religioso diria: Porque é a vontade de Deus. Ou porque eu pequei.

O filósofo diria: Porque você está de férias. Se estivesse trabalhando, pararia sem explicação na Linha Vermelha.

O cientista diria: Porque acabou a gasolina. Não, peraí?! Eu enchi o tanque, não pode ter acabado a gasolina. Ligo o carro novamente, pega. Acelero, morre. Ligo de novo, pega de novo. Não acelero, ele continua ligado. Não é gasolina, nem sistema elétrico. Acelero, morre. Reparo que enquanto estiver abaixo de 1000 rpm tudo bem. Quando sobe, dá um clique e morre. Vela eu penso. O que será? Areia? Tinha areia nos últimos 50 km. O que aconteceu 5 min antes? O riacho. O guia mandou atravessar ali na direita, onde era mais raso. Só que não era raso e se eu não tivesse embalado, tinha ficado no riacho. Molhou todo mundo dentro do carro. Deve ter encharcado o motor. Distribuidor. Não, carro moderno não tem mais distribuidor. Isso era quando eu dirigia a Caravan 1979 do meu pai. Vela. Tem que ser vela. Devem ter molhado e só uma está funcionando. Por isso a marcha lenta funciona. Abro o capo. Sol a pino. Acho as velas. Tiro a última primeiro. Sempre é a última. Não era. Seca. Tiro a segunda, porque quando não é a última, a primeira também não é. Lembro que isso é superstição e não ciência. A segunda também está seca. Tiro a primeira e depois a terceira. Todas secas. Não é vela. Tem que ser alguma coisa que molhou. Se molhou vai secar. Vou dar um mergulho. Volto. Ligo, pega, acelero, morre. Abre o capo, sei que não é vela, tem que ser alguma coisa eletrônica, porque o carro não engasga. Tem o clique bem no 1000 rpm. Tem pequenas poças d’água por todos os lados. Porque não fiz mecânica ao invés de biologia? Procuro tomadas e plugs. Acho um, grande, vários fios coloridos. Deve ser importante. Desplugo. A água não parece ter entrado, mas está molhado nas bordas. Sopro daqui, sopro dali, seco com a camisa. Encaixo. Ligo, pega; acelero, soluça. Vrumm, clic, vruummm, clac. Acelero bem devagar. Chego a 1500 rpm. Saímos do lugar. Na primeira duna tento chegar a 2000 rpm. Morre. Digo todos os palavrões que conheço. São muitos. Ligo, pega; acelero, 1500, 2000, 2500, 3000. Saímos do lugar, subimos a duna de Tatajuba, descemos e não passamos mais por nenhum riacho. Chegamos em Icaraizínho de Amontada. Era o plug colorido.

O que diria o religioso: ‘Graças a Deus’
O que diria o filósofo: ‘Logo, a culpa foi do guia’
O que diria o cientista: Quem tem treinamento em ciência resolve qualquer problema!

Amém

Acordo de cavalheiros


O livro que eu estou terminando de ler (“O quadrante Paster” de Donald Strokes), discute uma questão complicada: a Utilidade da ciência.

Como assim a utilidade? Como negar os benefícios da ciência para a humanidade? Difícil. As evidências são tantas que apenas um organismo muito doente ou muito motivado poderia refutá-las. Por que então a dificuldade?

O cientista americano Vannevar Bush, que não é parente de nenhum dos dois presidentes Bush, foi conselheiro científico de Roosevelt e Truman durante a segunda guerra. Ao final do conflito, ele escreveu um documento chamado “Ciência, a fronteira sem fim” (Science, the endless frontier), aonde ele estabelecia a existência de duas ciências: uma básica, onde os cientista deveriam ser livres para escolher e conduzir seu tema de pesquisa; e outra aplicada, que se alimentaria desse fluxo de novas informações para transformá-las em conhecimento e tecnologia. É de Bush a idéia de que a ciência básica alimenta a tecnologia.

Para esse sistema funcionar, era necessário um acordo entre a sociedade (o governo) e a academia (a comunidade científica). Os cientistas desenvolveriam a ciência que em última instância geraria a tecnologia e aumentaria a qualidade de vida da sociedade. A sociedade paga a conta. O governo deveria se responsabilizar por financiar esse modelo científico de liberdade de escolha e ação do pesquisador. Era a única forma desse modelo funcionar. Não te parece razoável? Bush tinha um excelente argumento nas mãos: a ciência é que tinha ganho a guerra para os EUA. E depois que eles ganharam aquela, não queriam correr o risco de perder outras (ainda que tenham perdido e continuem perdendo). O modelo de Bush era razoável e o governo dos EUA topou o acordo. O modelo foi rapidamente aceito por outros governos, em outros locais do mundo e a ciência foi se sistematizando. O homem chegou a Lua, parecia que o modelo estava realmente correto.

Muitos anos depois, a sociedade não está mais satisfeita com esse acordo. Existem três razões principais: A primeira, é um acordo caro! A segunda, é que a sociedade se distância cada vez mais da ciência porque essa, por sua vez, está cada vez menos acessível à sociedade. Ninguém gosta de pagar uma conta alta sem saber direito o porquê. Em terceiro, parece que o modelo está incorreto.

Boa parte da tecnologia atual não veio, diretamente, de uma idéia da ciência básica. Essa falha no modelo começou a aparecer no final do século passado. Alguns estudos mostraram que os grandes benefícios vieram de iniciativas diferentes da ‘ciência aplicada’, baseadas em um modelo de pesquisa ainda mais antigo que o de Bush. O modelo de Pasteur. Nesse modelo, a aplicação da ciência move o objetivo científico. Uma ciência direcionada, onde a aplicação prática move o objetivo científico e ao alcançar esse objetivo, o cientista contribui de forma contundente com o avanço (e acúmulo) do conhecimento.

Fazer ciência básica virou fazer ‘qualquer coisa’. O cientista é uma pessoa diferenciada pela sua capacidade de observação. Observar, identificar, hipotetizar, testar, reportar e explicar. Mas também é humano. Isso quer dizer que pode errar nesse processo, mas pior do que isso, pode deixar o processo científico, que deveria ser amoral como a natureza, ser influenciado por crenças e emoções. A pior coisa que pode acontecer à um cientista é se tornar tendencioso. E como mostra Ioannidis no seu fabuloso artigo ‘porque a maior parte das pesquisas publicadas são falsas’ (Why most published research findings are false) os cientistas se tornaram tendenciosos. Muitos deles adeptos da crença no Deus Dinheiro e na Santa Indústria de Fármacos.

Os cientistas começaram a focar nas respostas (número de artigos publicados, número de projetos aprovados, de teses defendidas, de patentes registradas) e foram perdendo a habilidade mais peculiar à atividade científica: fazer boas perguntas! Uma leitora fã do Zen e um amiga fã do Jostein Gaarder já falaram disso esse ano pra mim e tenho cada vez mais pensado no assunto: Uma boa pergunta é mais importante que a resposta!

Temos que voltar a fazer boas perguntas. E temos de ensinar nossos alunos que o mais importante são as perguntas. Pra isso, vamos ter de trabalhar o conceito de utilidade. Um conceito que também só se define de forma completa à luz da estatística. Mas isso fica para o próximo texto.

Quem quer ser cientista?

O tema desse mês na Roda de ciência é a representação social do cientista e eu não poderia deixar de participar de um tema tão importante e que me mobiliza há bastante tempo.

No mês passado descobri que poderia colocar uma enquete no Blog e o tema que escolhi justamente esse: O que você acha dos cientistas? Em mais ou menos um mês, 25 visitantes do blog votaram escolhendo entre as 4 opções de resposta:

São pessoas normais (25%);
São mais inteligentes que a média (31%)
São muito racionais e pouco emotivos (15%);
São malucos (28%).

Com uma pesquisa assim, meio de brincadeira, só podemos afirmar que felizmente já existem pessoas acham que o cientista é um cara normal, mas muitos ainda enxergam o estereótipo do cientista maluco.

Em 1998, o grupo do prof Leopoldo de Meis publicou um artigo mostrando como as crianças de 8 países vêem os cientistas. Eles analisaram desenhos respostas de 3053 crianças brasileiras e 1842 de crianças dos EUA, França, Itália, México, Chile, Índia e Nigéria. A partir dos 5 anos existe uma definição do que é um cientista e essa imagem está relacionada com um ambiente de trabalho cercado por instrumentos (especialmente vidraria) e equações matemáticas. Algumas vezes com o espaço. Palavras que apareciam relacionadas com os desenhos mostravam ‘descobertas’, ‘invenções’ e ‘experimentos’. A conclusão é que as crianças sabem o que é um cientista.

Mais ou menos como na nossa enquete, 20% das crianças se referiram ao cientista como um ‘humanitário que ajuda os outros’ enquanto outros 20% acreditavam que os ‘cientistas são malucos’ e que a ‘ciência é perigosa’.

Eles terminam o artigo comparando a visão das crianças com a que os professores tem dos cientistas, e que os cientistas tem deles mesmos, e concluem que a visão dos jovens é similar a que o cientista têm de si próprios hoje, e que por isso a ciência não deve mudar nas próximas gerações.

O problema é que a maior parte dos cientistas se desenhou no ambiente de trabalho ou perdido em pensamentos. Ou os dois. O cientista se vê como um ser anti-social. Quem vai querer ser cientista?

Outro dia uma amiga escritora estava se debulhando em elogios para o livro de Oliver Sacks “Um antropólogo em Marte”. Isso porque nos agradecimentos, o autor descreveu as circunstâncias em que escreveu o livro: após uma cirurgia que imobilizou seu braço direito. Com isso, segundo ela, ele humaniza o cientista, e permite empatia do leitor. Não é mais um cientista escrevendo, é uma pessoa. Como um ‘Agora você já pode ler!’

Ter um amigo cientista deve ser legal. Mas ir à uma festa de cientistas deve ser meio pesado. Minha namorada que o diga! Por outro lado, os cientistas parecem achar qualquer festa que não seja de cientistas, um saco. Eu que o diga!

Cria-se um círculo vicioso: visão que a sociedade tem do cientista é influenciada pela visão que o cientista tem da sociedade. E essa, em geral, é distante.

No seu livro, “O quadrante Pasteur – a ciência básica e a inovação tecnológica” Donald Strokes levanta muitas questões relacionadas com o “acordo” selado entre sociedade (governos) e cientistas (comunidade científica) depois da II guerra mundial.

“Essa afirmação (…por um apoio público vigoroso à pesquisa básica pela simples reafirmação dos argumentos a favor da ciência pura nos termos do paradigma do pós-guerra) coloca cada vez mais a comunidade científica no papel de um grupo de interesse procurando apoio para uma atividade que reflete suas próprias necessidades essenciais, em vez de mostrá-la no papel de um porta-voz capacitado de um interesse geral importante.” Mas a resposta da sociedade é clara: Não importa o quanto a comunidade científica se encante e lute pelo ideal de autonomia da investigação pura, esse não é mais um bom argumento para convencer a sociedade a financiar pesquisa!”

Só tem uma chance da gente quebrar esse vício: Nos aproximarmos da sociedade. Não só divulgar, mas popularizar a ciência. O mundo moderno vai ser construído pela informação. Precisamos que mais crianças saibam que a ciência é legal, mas que quando elas crescerem e se tornarem cientistas, não vão se tornar também seres anti-sociais.

Os dois textos mais lidos do VQEB (esse e esse) são de perguntas feitas pela Maria, essa menina linda sentada no meu colo. A curiosidade é inerente ao ser humano. E ser cientista, e explicar o mundo, é a profissão mais linda de todas. Tomara que a Maria concorde comigo.

Por favor, comentários aqui.

Missão dada é missão cumprida!

Essa semana três experimentos falharam porque meus alunos não cumpriram o protocolo. A primeira não obedeceu a concentração de magnésio em um PCR. A segunda não colocou as cultura celulares na placa de petri, mas ‘inventou’ uma camara de incubação que congelou as células e o terceiro, não preencheu todos os campos do formulário.

Quando bandidos malvados são libertados por um erro no processo ficamos bravejando, que uma banalidade burocrática não deveria impedir a justiça. A gente esquece que o processo, o protocolo, existe justamente para tentar garantir que a justiça exista, e não dependa de variações no procedimento.

Da mesma forma, ciência feita com protocolo aumenta precisão e acurácia. Economiza tempo (ainda que não imediato) e dinheiro.

Nem sempre o protocolo está escrito (um problema que estamos tentando corrigir no laboratório). Por isso, muitas vezes, o protocolo é o que eu digo pra eles que é. Ás vezes o protocolo não existe. Especialmente nesse caso, é importante seguir o que eu digo. Ou porque eu tenho mais conhecimento, ou porque de vez em quando tenho boas idéias. Não é democrático, mas a ciência não é uma democracia.

Cumprir as ordens, ás vezes, é a melhor maneira de alcançar um bom resultado. E por isso o laboratório ganhou hoje um cartaz do ‘Tropa de Elite’: “Missão dada é missão cumprida.” Pelo menos enquanto eu estiver são e não estiver pedindo nenhuma maluquice.

Mas por que os alunos, ou todos nós sempre que estamos na posição de alunos, questionamos os protocolos (foi assim com os professores do curso de capacitação da UAB, está sendo assim no curso de narrativa, onde eu sou aluno também)? Por que?

Vou dar a resposta do dr. David Greb, o chimpanzé filósofo semiótico humanista da sociedade simiesca que Will Self criou no seu livro “Grandes Símios”. É ótima!

“Da mesma forma, a capacidade humana de gerar até cinqüenta fonemas diferentes e – acreditava-se – interpretá-los devia, Grebe afirmara, ser um exemplo de como o desenvolvimento neural humano tornara-se um mal-adaptativo. Uma parte tão grande da vasta capacidade cerebral humana devia se ocupar com a atividade de interpretar esses sons confusos, que não houve oportunidade de ocorrer o ‘Bing Bang’ que se deu na evolução símio-antropóide.

Ao contrário dos Chimpanzés, cuja competência sinalizadora evoluíra ao longo de 2 milhões de anos de seleção contínua, determinando a interação cérebro-signo, o humano atolara em um perverso e clamoroso jardim sonoro, sua capacidade de gesticulação efetiva tão atrofiada e deformada quanto seus dedos das mãos e dos pés atrifiados e deformados. Esses argumentos situram Grebe solidamente no âmbito de de Noam Chomsky e outros psicossemiólogos que afirmavam que a sinalização era atributo único do compacto cérebro chimpanzé. Dada a incrível plasticidade do cérebro primata, seria de admirar que uma supersuficiência neural levasse a seleção natural a ser incapaz de trabalhar capacidades cognitivas?

Assim, a capacidade humana de processar informação e desse modo aprender tarefas ficou ironicamente circunscrita pela falta de circunscrição. Em termos simples: o humano estava perdido dentro da própria cabeça. Incapaz de criar uma mente integralizada; condenado a obedecer para sempre os inúteis ditames da memória filogenética e os grosseiros gorgolejos de suas promíscuas vocalizações sem propósito.”

Diário de um Biólogo – Sábado 29/09/2007


“Você quer que eu vá com você?” A Rê perguntou enquanto tomavamos um café da manhã chic, comemorando que eu estava na lista dos “Jovens cientistas do nosso estado” divulgada pela FAPERJ no dia anterior.

“Não… porque você iria querer perder a sua tarde em museu de ciência decadente?”

Téééééééééééé!!!!!! Resposta errada!

Quando disse essa infelicidade, tinha em mente o museu montado em um galpão abandonado que restou das obras do metrô que revolveram nos anos 80 a Praça Saenz Pena, na Tijuca onde eu nasci e cresci.

Quando cheguei hoje no “Espaço Ciência Viva“, atrasado para a exposição dos resultados que meus alunos do curso “formação continuada para professores de 2o grau”, não poderia ter uma surpresa melhor. Um museu pequeno, simples, mas revigorado e bem arrumado. E o que é mais importante: cheio! E o que é mais importante ainda: cheio de crianças!

Todo último sábado do mês, o espaço organiza uma tarde temática, com um monte de professores, pesquisadores, alunos de pós-graduação, graduação, monitores e voluntários ensinavam uma orda de pessoas, de todas as idades, mas principalmente crianças, pelas diferentes opções de contato com a ciência do museu. Desde uma simples garrafa de Coca-cola cheia de água, com furos perto do gargalo, no meio e no fundo da garrafa, para explicar o efeito da pressão em grandes profundidades (ilustrada por fotos dos estranhos seres encontrados no fundo dos oceanos) até uma exposição sobre a visita de Einstein ao Brasil na década de 20, onde foram confirmadas as mais importantes previsões da sua teoria da relatividade espacial.

Sai de lá meio emocionado. Sei do esforço que os professores responsáveis por recuperar o museu fizeram para que ele esteja agora de volta a árdua missão e divulgar ciência para um publico cada vez mais metralhado com consumismo e misticismo.

No próximo mês, sou eu que vou chamar ela para ir.

Izquierda ou direita?

Na sexta feira fui assistir uma palestra da Sonia Rodrigues na FIOCRUZ sobre escrita criativa. Já assisti essa oficina muitas vezes e hoje sou um entusiasta da qualificação de leitura. Acho que é um caminho para que alunos de graduação e PG escrevam melhor e se tornem melhores pesquisadores.

Ela inventou um método para ‘liberar’ a mente do vício da interpretação na hora de escrever baseado na retórica Aristótélica e em outros modelos de narrativa descobertos na Roma antiga e testados ao longo dos últimos 25 séculos por caras como Shakespeare. E por mais gente suficiente para que um pesquisador da platéia, especialista em alguma coisa mas certamente leigo em muitas outras, não se sinta credenciado para criticar tão facilmente.

Em um momento, havia um texto de 54 palavras sendo projetado. O texto era inconclusivo, mas repito, em 54 palavras, dizia quem, quando, onde e criava uma situação onde era inevitável um conflito. Como a platéia teve dificuldade de identificar esses elementos, algumas pessoas começaram a dizer que o texto estava mal escrito. Bem, o texto era de Monteiro Lobato, o primeiro parágrafo do primeiro capítulo de Robin Hood, sobre o qual o ilustre escritor infantil, discorre depois 300 páginas.

Ainda sem saber disso, um pesquisador pede a palavra e critica tudo: forma e conteúdo, palestra e palestrante. Ele prossegue citando, pelo menos 3 autores que desqualificariam a apresentação (e com isso Aristóteles, Shakespeare e Monteiro Lobato, pelo menos).

Mas ele ainda citou os ‘memes‘ de Richard Dawkins para falar da importância da cultura e de como o conhecimento se perpetua; e o neurocientista Ivan Izquierdo, para dizer que o contexto criado pela dissertação era fundamental para que o conteúdo da narrativa fosse fixado pela memória

A Sonia respondeu as críticas muito bem e ficou tudo esclarecido, mas grande parte do tempo da palestra se perdera nesse processo: a discussão do procedimento e do conteúdo adotado por uma pessoa que já foi avaliada em todas as instâncias acadêmicas possíveis, autora de mais de 20 livros, que estava ali convidada pelo coordenador da pós-graduação e com um auditório cheio para ouvi-la. Ele foi deselegante e me fez perder meu tempo, simplesmente porque não estava ali para escuta-lo.

E de quebra, ele fez pelo menos duas intervenções incorretas: os ‘memes’ são uma grande besteira que Richard Dawkins, apesar de grande nome da biolgia evolutiva (muitas vezes citado nesse blog), escreveu. O que se comprova por nenhum outro autor ter discutido seriamente essa ‘teoria da comunicação baseada na seleção natural’. A outra, é que o contexto seria assim, tão importante, na formação da memória. O que o cientista argentino radicado no Brasil Ivan Izquierdo diz, e eu o assisti ainda no mês passado na conferência de encerramento da FeSBE, é que o MEDO e não qualquer outro contexto, auxiliam na fixação da memória.

Houve debate sobre a impostura do pesquisador após a palestra. E como em todo caso, opiniões prós e contra. Mas como um amigo levantou, o ambiente acadêmico é muito corporativista, e dificilmente teríamos um pesquisador criticando avidamente outro (mesmo que fossem inimigos)
durante uma palestra. O cara exagerou!

Esse mesmo amigo ainda perguntou: “porque nós cientistas, especialmente quando se trata de área social/humanas, nos achamos credenciados para discutir mesmo com uma base teórica pobre?”

Eu acho que a resposta é uma só: vaidade.

O cientista, em geral, só usa a inteligência para se vangloriar, já que dinheiro, é muito mais difícil de conseguir nessa profissão. É da inteligênicia que ele tira seu prestígio. Mas isso não é credencial. Repito o horóscopo: “você pode ter muitas opiniões, mas isso não significa que saiba muita coisa”. Como a própria Sonia diz, “o brasileiro intelectualóide é pseudo erudito e de meia cultura.”

Meu amigo, com dois artigos na Nature e coordenador do maior curso de pós-graduação da FIOCRUZ, chegou a tentar vestir a carapuça e se incluir nesse grupo de ‘intelectualóides’. É verdade que ele é metido a entender de vinhos, mais do quer realmente entende. Mas confesso que eu também sou. E que mesmo assim, ele entende mais de vinhos do que eu. Mas será que nos encaixamos nesse grupo? Acho que não. Pelo menos não consigo me ver, ou vê-lo, levantando no meio de uma palestra do sobre os Pinot Noir da Borgonha, e discutindo com o autor com base em 1 (um) artigo que ele leu na Wine Expectator.

Acho que existe diferença em ter um ponto de vista diferente e ficar ‘procurando’ um ponto de vista diferente pra poder pedir a palavra e falar, mais de uma vez, por mais de 20 min. E sem manifestar sequer uma idéia original sua. Pecou pela vaidade.

Para dar só as impressões superficiais dele sobre o tema, ele devia ter um blog.

Sei ou não sei? Eis a questão!

O tema do Roda de Ciência desse mês é ‘A importância da comunicação da incerteza para o público leigo’.


Eu não tenho certeza, mas foi com o prof. Paul Kinas, e não com Heisenberg, que eu passei a perceber a incerteza do mundo. Ele era um mago da estatística Bayesiana que ensinava estatística como filosofia de vida. Filosofia que eu adotei.

Marcelo Gleiser começa o livro ‘Dança do Universo‘ falando da importância da dualidade para o ser humano: Dia e Noite, Claro e Escuro, Quente e Frio, Certo e Errado! O meu professor de estatística dizia que o problema é que nós não fomos educados a conviver com a incerteza. Durante toda nossa educação formal, fomos obrigados à escolher entre o ‘certo’ e o ‘errado’. Não nos ensinaram que as coisas, muitas delas, eram (e sempre serão) ‘incertas’. Aprendemos a fazer aproximações, aprendemos a escolher entre o ‘certo’ e o ‘errado’. Mas não aprendemos que entre os dois existe o ‘incerto’. Aliás, é muito pior, aprendemos a ignorar o incerto, ou tortura-lo até que se torne ‘certo’ ou ‘errado’. O resultado é desastroso: a grande incapacidade da maioria das pessoas de entender a ciência.

O Kinas dizia que deveríamos poder, na escola, escolher o certo apontando nosso grau de certeza relacionado com a escolha: “Acho que está certo, mas tenho com 70% de certeza!” Não seria lindo poder dar uma resposta dessas no vestibular?

Bom, ele nos deu uma prova assim. Lembro até hoje de algumas das perguntas:
“Qual cidade tem maior área urbana, Rio de Janeiro ou Buenos Aires?” Bairrista, respondi ‘Rio’ sem titubear. 95% de certeza! Mas como a geografia não se dobra a emoção, errei e perdi muitos pontos. Porém, mais pontos perdia quem dissesse que ‘sim’ ou que ‘não’ com 50% de certeza (que reflete não só a ignorância, mas o descaso e o descompromisso com a questão). Isso trás outra questão: a importância de escolher. O fato de existir incerteza não nos exime de ter de tomar decisões frente à ela.

Os psicólogos vão dizer que sempre fazemos escolhas, pois mesmo quem não escolhe, está fazendo uma escolha. E está mesmo. Só que as pessoas acham que têm de estar seguras do ‘certo’ pra escolher, quando o que nos diferencia do todo são justamente nossas escolhas frente ao incerto. Já escrevi aqui que acreditar no óbvio é fácil. Tomar decisões quando se tem todas as informações também é. Já quando a gente não sabe…

Bem, quando a gente não sabe, pode sempre recorrer ao ‘Cálculo de utilidades’ e as muitas outras ferramentas de ‘Tomada de decisão’ e ‘Análise de risco’, que a estatística tem a nos oferecer. E que, diga-se de passagem, deveriam ser matéria obrigatória na escola, porque podem ajudar muito a escolher a melhor opção frente a incerteza. Da mesma forma que companhias de seguro e cassinos fazem (e ganham rios de dinheiro com isso).

Mas enquanto isso não entra no currículo, poderíamos pelo menos parar de perguntar aos nossos alunos ‘se’ eles sabem, e começar a perguntar ‘o que’ ou ‘o quanto’ eles sabem.

Por favor, comentários aqui!

Concluir é atrofiar?


O valor que a gente dá as coisas depende da régua que a gente usa.

Assisti uma prévia de tese de um amigo médico. Há algum tempo, descobri que tenho muitas diferenças com ele e hoje descobri o por quê. Ele abandonou a razão!

A melhor disciplina que fiz no doutorado foi “História e Filosofia da Ciência”. Já devo ter falado dele antes, mas foram tantas palestras bacanas que eu sempre devo ter um motivo diferente para falar de novo. Em uma delas, o prof. Leopoldo de Meis fala de uma pesquisa feita com diversos cientistas sobre a maneira como eles fazem ciência. A maioria deles respondia sem titubear: “O método científico”.

“Formulo uma hipótese e determino os objetivos. Vejo a metodologia mais adequada, executo e analiso os resultados. Concluo” é a resposta básica.

Não há como negar que o método científico trouxe uma sistematização que alavancou a ciência e tornou ela a mais produtiva ferramenta do intelecto humano. Os críticos do método gostam de aplicar um tipo de “princípio da incerteza” de Heisenberg, dizendo que a observação de um evento por si só afetaria a percepção desse evento e, portanto, o método não seria válido. Mas nenhuma alternativa contribuiu tanto para o avanço da ciência, o desenvolvimento da tecnologia e a compreensão do mundo e do universo. O método científico é uma ferramenta tão poderosa que é quase impensável utilizar qualquer outra.

Mas o método tem alternativas. Lembrei disso hoje.

Na aula do prof. de Meis, alguns dos cientistas entrevistados, após começarem a responder “o método…” paravam, refletiam e diziam: “Na verdade, não é nada disso. Temos uma idéia, partimos dela e não paramos até que tenha sido realizada”.

Lembro de ter ficado marcado por essa resposta. Não podia contestar o método, mas não podia negar a importância dessa abordagem. Então hoje, enquanto tentava acompanhar a apresentação, que estava muito confusa apesar de eu já conhecer o tema, o trabalho feito e o apresentador (e até mesmo a apresentação), tentei não me irritar.

O médico dizia: “Fiquei muito feliz ao ver que os grupos se separavam daquela forma”; “Isso nos deu tranquilidade para continuar perseguindo nossa idéia”; “as condições ‘lamentáveis’ de vida…”.

Uma vez vi o Fritz Utzeri dizer em uma palestra que o jornalista nunca deve se indignar. Ele tem de dar a notícia. “Quem tem de se indignar é o leitor!” Meu amigo médico é um pesquisador determinado, emocionado e indignado. Isso possivelmente é o que faz dele o médico mais atencioso com os pacientes que conheço. Mas é uma combinação perigosa para um cientista. Como manter a racionalidade se o seu instrumento de pesquisa perturba a sua razão? É muito complicado e ele falhou.

Lutou pelas suas premissas com paixão. Conseguiu seus dados com determinação. Desafiou as conclusões com indiganção. Apresentou seus resultados com amor (também um pouco de ironia e sarcasmo). Mas ele abandonou a razão. E custou caro (em todos os sentidos). Foi vencido por um desenho amostral despreocupado, por objetivos confusos, resultados pouco relevantes e conclusões limitadas.

O que leva uma pessoa a ter tanto trabalho para responder tão pouco? Será que valeu a pena?

A resposta da razão científica e dos critérios das agências de fomento (Capes e CNPq) é óbvia: não!

Mas fico pensando se a resposta pode ser outra. Esse trabalho levou o médico a pessoas e lugares nunca antes visitados por um pesquisador. Ele apresentou a ciência (além da medicina) até pessoas passariam a vida sem saber o que era isso. Ele trouxe pessoas até a ciência e isso determinou o caminho que elas seguem agora.

Será que valeu a pena?

Ainda não consigo responder. Por teimosia, arrogância, porque podia, ou simplesmente, porque deixaram, ele escolheu permanecer a pedra bruta e não quis se lapidar. Mas será que é tão estranho assim alguém querer permanecer em estado bruto? É provável que não, mas é provável que as arestas incomodem mais. Um professor uma vez me disse: “A academia aceita a inovação, mas você tem de ser brilhante!”

Será que valeu a pena?

Tento pensar que sim, mas o desperdício ainda deixa a minha mente embaçada. Talvez seja melhor assim. Um pouco de neblina pra variar. Um poeta de rua uma vez me disse: “concluir é atrofiar”!

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