As Certezas Médicas

Outro dia, conversávamos, eu e meu amigo Kretinas, sobre os mecanismos geradores de certeza. Recomendo a leitura dos dois posts e também dos comentários para que se acompanhe o raciocínio desenvolvido neste.

Qual é o principal mecanismo gerador de certeza de um médico? Melhor, o que faz um médico se convencer de que determinado procedimento deve ser realizado ou não? Dois elementos principais: o primeiro é sua própria experiência; o segundo, a experiência dos outros. O paradigma tradicional era baseado na experiência do médico, no número de casos acumulados durante a vida e na conduta do professor, que era quem trazia informações novas de outros serviços ou de congressos internacionais. O paradigma atual é a literatura médica e a metodologia desenvolvida para avaliá-la criticamente: a medicina baseada em evidências. Ensaios clínicos randomizados (ou aleatorizados) com grande número de pacientes são o modelo para demonstração do efeito de tratamentos experimentais. As metanálises são, grosso modo, conjuntos de ensaios clínicos com tratamento estatístico, de modo a multiplicar o poder para responder perguntas relevantes. Metanálises e ensaios clínicos embasam normas que serão reunidas em diretrizes. Uma diretriz pretende ser um conjunto de normas para tratar uma doença ou situação clínica. Nem todas as normas de uma diretriz têm embasamento suficiente de acordo com o modelo atual, baseado em metanálises e ensaios clínicos, por isso foram atribuídas notas aos graus de “evidência” que embasam determinada norma e as maiores notas são para os dois tipos de estudos descritos acima. A experiência individual dos médicos tem nivel bastante inferior de acordo com esse sistema de classificação.

Voltemos à conversa do início. Um dos pontos defendidos no meu post é de que uma “certeza” é um estado psíquico e, sendo assim, só pode ser avaliada criticamente por quem a possui. Dizia que esse talvez fosse o paradoxo do ceticismo: se os céticos não tem as certezas para que possam criticá-las, os crédulos que as possuem, não querem fazê-lo. Em seu post, Kretinas critica minha postura racionalista, mas rebato com o que os médicos têm de mais peculiar em relação aos filósofos: a prática. Um médico tem, deve, precisa tomar decisões a todo momento. Mesmo que se tome decisões sem a certeza absoluta de que é isso o melhor a ser feito no momento — e essa situação ocorre muito mais frequentemente do que seria desejável –, o mero fato de que a decisão tenha sido tomada, indica um viés de certeza sobre determinado assunto ou situação, viés que deve, no médico honesto, estar amalgamado com intuição e com grandes doses de literatura médica, sob a pena de virar um exercício de palpites, no caso inverso.

Críticas há, sobre esse tipo de metodologia. Um exemplo já foi sugerido. O de que algumas decisões não são tomadas “com certeza”, mas muito mais pela necessidade de agir. Outra crítica seria a de que nem toda certeza se manifestaria diretamente na forma de uma decisão ou ato externos. De qualquer forma, convenhamos que para um médico “abrir a barriga” de alguém ou prescrever uma medicação que tem efeitos colaterais, algum grau de certeza ele deve ter ou então, seria um irresponsável. Isto é suficiente para essa análise. Se a medicina é uma profissão fortemente baseada na ciência médica – mas não reduzida à ela, como canso de repetir – uma abordagem como a “medicina baseada em evidências” deveria ser suficiente para, se não “convencer”, pelo menos deixar bastante propenso qualquer médico a adotar (ou abandonar) determinada conduta.

Preciso então, de ao menos um exemplo no qual uma conduta médica vá contra as evidências científicas para mostrar que uma certeza — pelo menos as certezas médicas — não dependem de uma racionalidade imediata que liga diretamente o raciocínio lógico ao ato. Um exemplo para mostrar que entre a conclusão lógica e a “certeza” há um universo – provavelmente afetivo, na falta de um termo mais adequado – que adiciona um fator de imprevisibilidade à certeza e que, sendo esta necessária à decisão, gera, digamos, um “frio na barriga”. Só um exemplo para mostrar que a “certeza” talvez seja simplesmente um sentimento demasiado humano.

Foto by *c h r i s* at Flickr

Artigonistas e Libronios

2008_09_21_22_30_36_livros_abertos.jpg Já se vão alguns anos desde minha formatura (jamais saberão quantos, hehe) e tive a oportunidade de ver algumas mudanças importantes na medicina, na ciência médica e, como não poderia deixar de ser, na prática médica – um corolário das duas primeiras. Uma das mudanças das quais já falei foi a digitalização dos artigos e a facilidade de encontrá-los em contraposição com a enorme dificuldade de fazer um levantamento bibliográfico antes do advento da National Library of Medicine e do PubMed.

Bem antes disso tudo, a transmissão do saber médico estava vinculada à figura do “professor de medicina”. Era esse professor a fonte das novidades. Era ele quem atravessava o Atlântico uma vez por ano de navio, normalmente em direção à França, mas também á Inglaterra em busca de novidades que seriam repassadas em doses homeopáticas em grandes visitas à beira leito. Depois, os livros importados, as revistas fotocopiadas para, finalmente, chegarmos à verdadeira devassidão de arquivos pdf trocados em emails e pendrives individuais ou grupos de estudo com disseminação geral do conhecimento, computadores de mão e até celulares, levando centenas de megabytes de informações ao bolso dos médicos.

Essa facilidade de estar atualizado às vezes, com estudos que ainda não foram publicados, de ter acesso a centenas de publicações tão facilmente, não poderia deixar de influenciar a conduta do médico. A medicina é uma profissão que depende de um saber científico e a tensão da decisão prática da qual já falamos tanto, é irredutível. Com isso, houve uma diminuição da utilização dos livros técnicos em detrimento aos artigos científicos. Chegando ao ponto dos “pais fundadores” da medicina baseada em evidência decretarem a morte dos livros de medicina.

artigos.JPGQual o papel dos livros de medicina na formação do médico? Será que o conhecimento adquirido por meio de artigos científicos e revisões é do mesmo tipo daquele adquirido junto aos livros?

Poderíamos dividir os médicos em duas populações: os provenientes do planeta Artigon e os do planeta Libron. Artigonistas argumentam que livros demoram a ser escritos e quando publicados já apresentam um grau de obsolescência considerado inaceitável. Os artigos permitem trabalhar dentro da melhor evidência possível por serem atualíssimos. Libronios dizem porém, que artigos causam fragmentação do conhecimento. Não permitem um conhecimento exegético do assunto. “Mas quem quer conhecimento exegético?” – perguntaria um artigonista. “Aqueles que querem ter uma visão crítica de um assunto!” – responderia um libronio, numa discussão sem fim.

A medicina pela sua inerente relação com a prática, talvez seja uma das únicas atividades de cunho científico que permite essa dúvida. Medicina de livro ou de artigo?

Artigo vs Artigo (ou Sobre a Metafísica da MBE)

Metrô de SP by Fabio Ornellas at Flickr

Contra um artigo, somente outro artigo!

Toda análise ou artigo que se preze atualmente vem com um final mais ou menos assim: ainda não existem estudos suficientes para justificar determinada conduta; ou estudos específicos são necessários para responder essa questão, etc…

Um vício induzido pela MBE é o de que não há artigo perfeito. Por isso, devemos criticá-los e criticá-los até descobrir todos os seus defeitos e saber, só então, se suas conclusões são aplicáveis na prática ou não. Ou ao menos, aplicá-las com mais parcimônia. Na verdade, comparamos o artigo com um modelo idealizado de estudo que foi ficando, através dos anos, cada vez mais rigoroso e, porque não dizer, divino, posto que não é, de fato, deste mundo. É sintomático analisarmos “evidências” antigas e torcermos o nariz com estudos mal-desenhados, confusos e “fracos”. Nada mais metafísico!

Se tomarmos o exemplo da crítica literária na qual não existe a figura da verdade, resta aos críticos apenas comparar um livro contra o outro. Contextualizar e intertextualizar um romance é a melhor forma de compará-lo a outras obras e mostrar no que ele é diferente. Ver no que um cientista se inspira nos outros artigos e porque os autores resolveram aplicar tantos recursos e tanto tempo na abordagem de uma pergunta, denota o que Harold Bloom – um crítico literário – chamou de “angústia da influência“, presente na poesia e que, temo, esteja presente também na ciência.

Metanálises procuram responder perguntas, como se as perguntas tivessem uma única resposta. A conclusão é inevitável: é impossível responder a essa questão com as evidências que temos hoje! Muito melhor seria a comparação de vários pontos de vista de modo que o leitor pudesse ter sua própria perspectiva do problema. Mas isso ia causar muito mais insegurança do que temos hoje. Por que ia fazer da prática um ato pensante e desconfortável. Sabedoria prática não depende de erudição teórica, depende de julgamento. Como o ato moral.

Ah! – dizem meus amigos – mas isso já não é mais medicina, isso é filosofia! Ninguém trata pacientes com filosofia. E o ciclo se fecha. A medicina não se pensa. E eu concordo que tratar pacientes com filosofia não é mesmo possível. Mas cuidar deles é sim.

The Independent Physician

O New England Journal Medicine publica hoje um artigo sobre a independência do médico. Chama-se médico independente aquele que, além de prover cuidados a pacientes segurados e não-segurados, o faz ou de forma independente, que aqui chamaria-se autônoma, ou em pequenos grupos ou clínicas. Os dados são preocupantes. O número de médicos que migra desse tipo de prática isolada ou de pequenas associações para juntar-se a grupos maiores ou corporações onde frequentemente são empregados, é crescente como mostra a tabela abaixo.

O médico, juntamente com o contador e o advogado, entre outros, é um exemplo de profissional autônomo. Muito mais que uma relação trabalhista, aqui ‘autônomo’ também se opõe a heterônomo. Se nomos for traduzido como norma, regra, autônomo é o que faz as suas próprias. Heterônomo é o que obedece as regras feitas por outros. Não é difícil imaginar as repercussões à prática médica desse fato.

Quando levantei a questão do público e do privado na medicina baseada em evidências era exatamente sobre isso que gostaria de escrever. Quais implicações teríamos se esse médico trabalhasse para o Estado, para si mesmo ou para uma empresa com ações na bolsa de valores que tem como objetivo primordial remunerar acionistas?

Ainda a MBE

este post é a continuação deste

O julgamento de Paris

Qualquer artigo, aula ou texto que pretenda ensinar os princípios básicos da Medicina Baseada em Evidência (MBE) começa com o seguinte checklist: Tome um paciente; Faça uma pergunta relevante; Procure a melhor evidência para responder à questão; Critique as evidências; Aplique as evidências; Monitorize as mudanças.

Um médico bem intencionado, mesmo antes de 1991 – ano em que as bases racionais da MBE foram lançadas – faria exatamente isso ao defrontar-se com um paciente um pouco mais complexo. Qual a inovação trazida pela MBE, então? Em primeiro lugar, houve uma sistematização da procura num momento extremamente favorável que foi a explosão da internet. (Lembro-me de procurar artigos no falecido Index Medicus – livrões enormes e cheios de pó que ficavam expostos nas bibliotecas. Depois de marcar cada artigo, solicitava as revistas, uma por uma, ao bibliotecário que as mandava pelo elevador a um outro funcionário. Vinha a pilha de revistas e os artigos interessantes eram xerocados.)

Em segundo lugar, veio uma hierarquização dos artigos, ou como queiram, das evidências. Alguns artigos valem mais que outros e o médico precisa saber disso para tomar suas decisões. Isso até que não foi difícil de entender, mas o que pouca gente sabe é que a hierarquia dos artigos é a seguinte, no caso de tratamento, do mais importante ao menos: Ensaio N-de-1; Revisões sistemáticas de ensaios randomizados; Ensaio randomizado; Revisões sistemáticas de estudos observacionais; Estudos observacionais; e por último, observações clínicas não-sistemáticas. O ensaio N-de-1 é um ensaio onde podemos utilizar placebo ou tratamento ativo em apenas um único paciente, é considerado um aperfeiçoamento do processo informal de tentativa e erro tão usado na prática clínica. E aqui, somando o primeiro parágrafo com esse, creio termos chegado a uma reposta à pergunta deixada no post anterior: a MBE foi criada para ser uma atividade médica PRIVADA.

Entretanto, não sei se por ser oriunda da epidemiologia (ou até por má fé de algumas medicinas de grupo), há uma inversão da aplicação da MBE. Ninguém faz a pergunta que inicia todo o processo de busca sistemática pela informação que levará o médico finalmente, à sua tomada de decisão. A informação vem primeiro e tem a intenção de sobrescrever o médico; impedi-lo de perguntar e pensar. O médico deve se render “às evidências” e fazer o que se espera que alguém racional faça: obedecer perante a força das informações geradas pelo método científico. A profusão de guidelines, consensos e diretrizes de tratamento e diagnóstico das mais variadas formas de perecimento humano é sintomática. As sociedades médicas, quando perguntadas se não estariam “legislando” sobre a Medicina, respondem que “não, de forma alguma, isso é apenas um guia, tendo o médico autonomia para não segui-lo”. Na prática, isso infelizmente não ocorre. O sequestro da MBE – de seus resultados pragmáticos e de suas consequências lógicas na forma de geração de diretrizes médicas – pelas medicinas de grupo, fontes pagadoras dos médicos, transforma diretrizes em leis. Isso vem bem de encontro à onda padronizante que os serviços hospitalares vêm sofrendo nas últimas décadas. Mas os médicos também têm sua parcela de responsabilidade nesse processo.

Se pensarmos um pouco melhor, veremos que a MBE é uma ferramenta de aplicação de conhecimentos públicos em pacientes individuais (privados). Eterna tensão da Medicina. Numa sociedade tecnologizada, diretrizes e comportamentos padronizados, de preferência hiperespecializados, são requeridos pelos próprios membros da sociedade e também pelos médicos pois aliviam a tensão causada pela tomada de decisão.

Não se pode atribuir a decisão de tratar ou não, operar ou esperar, observar ou intervir a um artigo ou conjunto de artigos médicos. A decisão final caberá sempre ao médico do paciente. A ação do médico deve, sem dúvida, ser guiada pela melhor evidência existente. “Seguir ou não, ou adaptar tal recomendação vai depender exclusivamente de circunstâncias que estarão presentes apenas naquele paciente, naquela determinada situação que deverá ser julgada por aquele médico específico.” Essa decisão depende do poder de julgamento, bastante em falta hoje em dia.

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Medicina baseada em evidências: o público e o privado

A medicina baseada em evidências (MBE) surgiu em 1991 , com o propósito inicial de, a partir do paciente, estabelecer a melhor conduta investigativa e/ou terapêutica, baseando-se exclusivamente no melhor da literatura médica publicada. Fundamentalmente, este é um debate sobre epistemologia pois aborda de onde o conhecimento médico vem ou, pelo menos, de onde deveria vir. Duas visões médico-científicas polarizam esse campo epistemológico: uma visão identifica o conhecimento médico com expertise, atribuindo credenciais a uma autoridade reconhecida. É também, uma visão que reforça um certo personalismo, pois o processo que produz o conhecimento é centrado numa experiência pessoal. O sistema da autoridade/experiência do médico como fonte de saber é antiqüíssimo e extremamente arraigado na medicina; é excludente (pois inibe opiniões contrárias), autoritário e baseado nas conclusões de um indivíduo apenas ou, quando muito, um serviço ou escola. Quando o conhecimento médico entretanto, é baseado nas melhores evidências disponíveis, nada disso pode ser defendido. De certa forma, isso democratiza o conhecimento e, no mínimo, o abre à discussão.

Com esse tipo de “compartilhamento comunicativo”, nada mais natural então, que a MBE tenha se tornado um paradigma da racionalidade médica. Mais que isso, tornou-se quase um imperativo ético, pois não se pode admitir um médico que não forneça o melhor disponível na literatura médica para seu paciente. O apelo desse tipo de abordagem foi tão poderoso, que a própria reação da sociedade médica a ela já foi, em si, um sinal de sua própria necessidade. A tal ponto que a sociedade leiga, ao ver o entusiasmo como foram acolhidos os conceitos e os princípios da MBE, vem propondo abordagens baseadas em evidências para educação e outras áreas das ciências.

Mas como quase sempre o entusiasmo leva a certos exageros, uma maliciosa confusão ocorre desde quando foram lançadas as bases racionais para a MBE em 1991. Muito já se escreveu e debateu sobre isso, mas acredito que uma outra abordagem seja útil para entendermos o problema. É a confusão (eterna) entre o público e o privado.

Se aceitarmos que um médico detém um saber-poder, esse saber-poder poderá efetuar-se na esfera privada ou pública. A figura acima mostra as principais possíveis áreas de atuação do médico. Um médico pode atuar de forma coletiva em populações, seja através de estudos epidemiológicos, seja através da atuação em uma instituição. Pode também trabalhar em um laboratório, com células ou pedaços de células. E, por fim, pode exercer sua função em seu próprio consultório. Nesse momento, é útil formularmos a pergunta: o saber, suas consequências e as responsabilidades que advirão de cada interação em cada área pertencem a qual esfera? Pública ou Privada? Ao aplicarmos a fórmula às relações da figura, fica claro que a única atividade privada é o consultório particular de cada médico.

Então, cabe a pergunta: A Medicina Baseada em Evidências pertence a esfera pública ou privada?

Ver a continuação desse post aqui

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Luz no Túnel

Com uma iniciativa conjunta entre o Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz e a Biblioteca Regional de Medicina (Bireme), o Brasil se junta a países como Grã-Bretanha, Japão, Austrália, pelo menos, no que se refere ao registro dos ensaios clínicos que são realizados dentro de suas fronteiras. Qual é a relevância desse registro?
Primeiro precisamos entender o que é um ensaio clínico. Como descreve a profa. Isabela Benseñor: “Ensaio clínico é qualquer tipo de estudo que avalie os efeitos clínicos, farmacológicos ou colaterais de medicamentos ou qualquer tipo de tratamento em seres humanos. Existem normas muito precisas para condução desse tipo de estudo. No Brasil, os estudos em seres humanos têm que ser aprovados pelo Comitê de Ética das Instituições e estão sujeitos a várias regulamentações do CONEP (Conselho Nacional de Ética em Pesquisa) e da ANVISA (Agência de Vigilância Sanitária).” Pelo seu poder de resolução, o ensaio clínico é um dos estudo de maior peso em um decisão médica.
Exatamente pela mesma razão, o ensaio clínico é utilizado por indústrias farmacêuticas para demonstrar os efeitos de uma determinada medicação sobre uma doença ou estado patológico qualquer. Quando o resultado é positivo, o estudo, normalmente publicado em alguma revista de impacto, é divulgado à exaustão. São milhares de cópias distribuídas (e, naturalmente, pagas ao períodico) e traduzidas aos médicos, num verdadeiro bombardeio no intuito de demonstrar que a prescrição do medicamento faz parte da melhor prática possível para aquele determinado paciente.
Até aí, tudo bem. A coisa começa a ficar interessante quando o estudo não resulta naquilo que os autores pré-determinaram. Já discutimos aqui o que se convencionou chamar viés de divulgação. Os estudos negativos são menos badalados, divulgados e lidos que os positivos. Mas além disso, muitas indústrias farmacêuticas de fato “escondem” os estudos que fornecem resultados que não interessam a elas (ver o exemplo do ENHANCE e o blog do Paulo Lotufo para informações mais detalhadas).
Um registro como esse que agora o Brasil tem, impede que pesquisas nas quais se gastam milhões, sejam abandonadas no fundo de uma gaveta ao sabor de estratégias de mercado. Mesmo estudos considerados negativos podem trazer informações importantes sobre os pacientes e no mínimo são um banco de dados interessante. Luz nas trevas.

Simpósio sobre Placebo

Para divulgar o I Simpósio Internacional em Placebo com início em 12 de Fevereiro de 2009. Muitos dos temas foram comentados aqui no Ecce Medicus. Mais informações no site do Instituto Scala.

Dia 1 – 12 de fevereiro de 2009 – quinta-feira (das 18:00 às 22:00hs)
História do efeito placebo em medicina: da adivinhação e rituais mágicos ao uso de estudos placebo-controlados na medicina baseada em evidências.

Ted Kaptchuk, Harvard University

Pesquisando o efeito placebo: como investigar o efeito placebo?

Ted Kaptchuk, Harvard University

Controvérsia: existem pacientes respondedores ao placebo?

Ted Kaptchuk, Harvard University

Dia 3 – 13 de fevereiro de 2009 – sexta-feira (das 14:00 às 18:00hs)
Discussão de estudos importantes em placebo: papel da expectativa e condicionamento no efeito placebo e efeito placebo em dor e ansiedade

Ted Kaptchuk, Harvard University

Efeito placebo na medicina alternativa e acupuntura

Ted Kaptchuk, Harvard University

Induzindo malefícios através da sugestão: discussao do efeito nocebo

Ted Kaptchuk, Harvard University

Dia 3 – 14 de fevereiro de 2009 – Sábado (das 09:00h às 16:00h)
Efeitos neurais do efeito placebo: mecanismos de ação do efeito placebo

Felipe Fregni, Harvard University

Efeito placebo em psiquiatria: antidepressivos não são superiores a placebos?

Laura Guerra, University of Sao Paulo

Placebo em pesquisa clinica: aspectos éticos do uso de placebo em pesquisa clinica

Paulo S. Boggio, Mackenzie University

Efeito placebo em Homeopatia: discussão do efeito placebo da prática médica humanizada

Marcus Zulian Teixeira, University of Sao Paulo

Novas ferramentas para investigação do efeito placebo: eletroencefalograma, neuroimagem e estimulação magnética transcraniana

Felipe Fregni, Harvard University

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O Risco

Photo by Ivan Makarov

Na Epidemiologia do Risco, a “velha” epidemiologia observacional das doenças infecciosas, com “inveja” das ciências médicas experimentais, abandona sua antiga metodologia da exposição e passa “a tratar principalmente das doenças crônicas não-transmissíveis, para as quais os métodos observacionais ainda não foram completamente explorados. Através do estudo das circunstâncias sob as quais essas doenças experimentam uma prevalência incomum, espera-se identificar áreas nas quais o trabalho experimental laboratorial possa se concentrar para a identificação dos agentes causais específicos.”
No Risco, a especulação causal é a razão de ser da investigação biomédica e deve sugerir vínculos causais para que as ciências biomédicas experimentais explorem “adequadamente” tais associações. Uma das principais críticas desse tipo de atitude é sua inerente “rarefação teórica”. Se quer dizer com isso que a validação das proposições geradas na epidemiologia do risco não vem de “dentro”, mas de “fora”, ou seja, das ciências biomédicas, ditas “duras”. Ao terceirizar seu discurso de verdade, a epidemiologia ficou refém da doença e de seus correlatos.
Essa situação abre caminho, na minha maneira de ver, para as deformações do pensamento médico da atualidade. Hoje a Epidemiologia do Risco (com toda sua rarefação teórica) substitui a Anatomia Patológica na racionalidade médica contemporânea! A validação do discurso da Anatomia Patológica era dada através da própria experimentação e análise post-mortem. A Epidemiologia do Risco não valida seu discurso, remete essa tarefa às ciências biomédicas que, por não terem o norte do bem-estar do indivíduo nem o conceito de saúde ou produção de felicidade, tecnologizam a relação médico-paciente, dando a exata sensação de caminhar em círculos (ora uma conduta é válida, ora não!). Ao transferir esse raciocínio para a esfera do mundo acadêmico, entendemos o porquê das “máquinas de publicação”, fator impacto, medicina baseada em evidências, medicalização, tecnologização e todos os fatores que tornam a medicina contemporânea tão estranha e assustadora aos olhos dos pacientes, médicos e fontes pagadoras. A impossibilidade da razão instrumental em se pensar. Quão distante estamos da fronésis aristotélica…

Philanthropy Based Medicine

Tem-se falado mal das indústrias farmacêuticas – a Big Pharma. Em especial, sobre o modo como elas, de uma forma geral, vêm tratando as evidências que elas mesmas produzem. Várias são as acusações de distorções de dados e até tentativas recentes de não publicar estudos negativos (aqueles nos quais o efeito esperado de determinada droga não pôde ser demonstrado).

Não que a grande indústria seja filantrópica, mas existem ações positivas de fato. Como conhecer essas ações e, o que é mais interessante, como comparar ações de diferentes corporações entre si é a pergunta que o access medicine index tenta responder. Os objetivos da fundação são:

“The Access to Medicine Foundation believes that improving global access to medicine is a responsibility of us all. That includes governments, medical researchers and nongovernmental organizations. It also includes investors and pharmaceutical companies, which, as the owners of vital knowledge, technology and infrastructure, have particular roles to play. Indeed, the last Millennium Goal includes the aim to provide access to affordable essential drugs in developing countries in cooperation with pharmaceutical companies.”

No site (muito bonito por sinal!), pode-se baixar relatórios sobre as indústrias, verificar áreas onde elas têm uma atuação mais decisiva e ver o ranking de 2008. A campeã esse ano é a britânica Glaxo Smithkline.

A exemplo do que descrevemos para as notícias médicas divulgadas na mídia leiga, tal iniciativa deve ser usada para argumentar e repensar o papel das companhias farmacêuticas na melhoria da qualidade de vida das pessoas, principalmente as de países em desenvolvimento.

Da mesma forma que se propõe um consumo dirigido a empresas que demonstram ações ambientais, talvez chegue o dia em que prescreveremos medicações baseados em filantropia.