"A verdade sobre Cães e Gatos" o livro do Blog "Você que é Biólogo…"
Saiu o livro do blog!
Uma seleção de textos em torno de assuntos que interessam e agradam a todos nós: homens, mulheres, amor, sexo, instintos e emoções. São 51 textos que trazem uma visão científica e divertida desses temas, e vão colocar um pouco mais de pimenta na já acalorada disputa entre os sexos.
O lançamento oficial, transmitido ao vivo pelo Hangout, será no dia 12/06, dia dos namorados, as 18h na livraria Folha Seca, no Centro do Rio de Janeiro. Depois o autor vai a São Paulo, Campinas, Salvador, Recife e Natal. No final do Ano, Curitiba, Porto Alegre e Caxias do Sul.
Leia aqui a resenha na contra-capa feita por Cristine Barreto e o texto sobre o autor escrito por Eduardo Goldenberg.
O livro está a venda na loja da Singular digital, no formato impresso e digital ou eBook.
Aqui nessa página você pode deixar os seus comentários sobre livro e sobre o autor.
A universidade é o carrasco da ilusão da sociedade
Eu adoro a jornalista Eliane Brum. Acho até que amo. Não, está mais pra uma fixação. Tudo começou com o artigo dela “Meu filho, você não merece nada!”. Espetacular! Depois li aquele sobre o ‘Criacionismo‘, sobre a usina de “Belo Monte“, e depois um monte de outras coisas. Não bastasse ser inteligente e perspicaz, ela é bonita (mesmo com aquele sotaque de gaúcha que, vamos lá, não combina tão bem com mulheres bonitas). Comecei a segui-la no Twitter e, eventualmente, cheguei até a sua entrevista no programa provocações da TV cultura. Excelente! Suas opiniões sobre a morte e a coluna prestes são fortes e bem embasadas. “Quando eu vejo alguma coisa interessante, eu raspo a minha poupança, pego todo o meu dinheiro e vou lá, porque eu não falo do que eu não vi”. Por isso tudo, fiquei triste, bem triste, quando ao final do programa, perguntada pelo Abujarana sobre a academia, ela respondeu “a universidade está distante da sociedade”. E nem foi só assim, a seco. Foi com um certo desdém. O mesmo desdém com que eu, por exemplo, falo do congresso nacional.
Só que não fiquei não só triste. Fiquei também preocupado: “Se uma jornalista do calibre dela tem essa opinião da universidade, qual será a opinião que o resto das pessoas tem?” Mas mais do que isso, me perguntei: “Será que ela está certa mesmo?“
Falar mal da universidade, principalmente das públicas, é chutar cachorro morto: remuneração ruim, abandono, burocracia, lentidão… Mas ainda assim são ilhas de saber e conhecimento e um porto seguro quando se trata de questões práticas que requerem saber ou tecnologia. Seja na área do ensino, das engenharias, do meio ambiente ou da saúde. Discutir porquê a universidade está longe da sociedade é muito relevante no momento em que os professores das federais param em greve.
A universidade está sim, distante da sociedade. Mas sempre que alguém diz isso, como quando a Eliane Brum disse, parece que a culpa é da universidade. Será que é? A responsabilidade pela distância entre a academia e a sociedade é da universidade? Ou, no mínimo, será que é SÓ da universidade?
Eu sou da opinião de que só a opinião das pessoas conta pouco, ou muito pouco, e, por isso, devemos observar o que as pessoa fazem, não o que elas dizem ou querem. E se eu olho a nossa sociedade, o que eu vejo é que o primeiro eletrodoméstico de uma família é a TV, mesmo que seja uma família muito, muito pobre do sertão do cariri, mesmo antes da geladeira. Vejo qu
e o Brasil é reconhecido no mundo, hoje, por Paulo Coelho e Michel Teló (já foi por Carmem Miranda e Pelé), que temos muito mais horas por semana de programas religiosos na TV (190h) mesmo do que de esportes (50h), notícias ou entretenimento (Ciência tem míseras 8,5h). E que o BBB e o Ratinho são campeões de audiência. Como uma sociedade assim pode se aproximar da universidade (e vice-versa)? O que a universidade tem a oferecer a essa sociedade? Podem me chamar de preconceituoso, mas quando paro para pensar na resposta a essa pergunta, quase me desespero. Chego a conclusão que muito pouco ou quase nada. Tirando o diploma, o documento em si (e não o conhecimento associado a ele), acho que a sociedade não reconhece na universidade nada que possa interessar a ela.
Vejam, não estou dizendo que é verdade ou que eu concor
do com isso (que a universidade não tem nada a contribuir com a sociedade). E vou dar um exemplo prático. O ministério da educação, quando instituiu a Universidade Aberta do Brasil, o fez seguindo um modelo semi-presencial, que incluía a criação de pólos presenciais em parceria com as prefeituras, onde os alunos a distância pudessem usufruir de uma série de serviços como biblioteca, aulas práticas e tutoria. O governo federal financiaria, de diversas maneiras, esses pólos para as prefeituras que submetessem projetos. Mas… nada! As prefeituras simplesmente não submeteram porque… infelizmente… não há pessoas, na maioria das prefeituras dos mais de 5.000 municípios brasileiros, capazes de ler um edital e escrever um projeto adequado a ele. Isso vale também para outras áreas como saneamento básico, segurança pública e meio ambiente. Uma colaboração entra a prefeitura e a universidade mais próxima, qualquer uma, pública ou privada, poderia facilmente preencher essa lacuna e permitir o acesso a esses recursos que trariam benefícios diretos e visíveis a população.
A sociedade consome os produtos da ciência, mas
é avessa a sua filosofia. Por falta de educação, provavelmente. Afinal, temos apena 14% dos nossos jovens entre 18 e 24 anos na universidade (menos que a bolívia!). Aproximadamente o mesmo percentual de outros jovens mais jovens na escola. O que podemos esperar dessa população, a não ser que por algumas gerações a distância continue grande?
O Brasil tem um povo sofrido, explorado, que tem na esperança a única ferramenta para a paz de espírito, para lidar com a incerteza de uma vida em uma das sociedades com pior distribuição de renda e índices de corrupção do mundo. O Brasileiro sabe, sempre soube, aprendeu, a ter fé e usar a fé para combater a incerteza. A universidade usa a ciência para combater a incerteza, reduz a esperança, e mostra que o trabalho e a razão são mais importantes que a oração; que a educação combate a corrupção, mas que para aprender, tem que estudar e tem que trabalhar. É muita coisa. (Principalmente quando nossos políticos usam a estratégia da religião: prometem reco
mpensas enormes e colocam a responsabilidade na fé do cidadão, sem precisarem prestar contas dos resultados). A ciência mostra que as recompensas não podem ser tão grandes, que precisam ser conquistadas com trabalho e precisam, a todo momento, serem postas a prova. A ciência acaba com a esperança de sucesso fácil, mas mostra que o sucesso é mais provável com trabalho.
E é demais. O que eu tenho percebido é que o golpe da ciência na esperança é forte demais, e não sobra nada em pé para que uma sociedade literal e digitalmente excluída construa em cima. O golpe na esperança é fatal e quando vem a ciência em cima, não há mais nenhum terreno para fecundar. Se você não entendeu o que eu quis dizer com isso, pode ser que essa tirinha ajude.
É isso… a ciência é o carrasco da ilusão, que mata junto a esperança. Haja coração!
Adianta greve de professor?
A greve dos professores, que começou há duas semanas, me mobilizou para escrever um post sobre a distância entre a sociedade e a universidade, motivado por uma frase dita pela jornalista Eliane Brum em um programa de televisão. Mas para isso, precisei falar primeiro da greve em si.
Eu sou um cientista. Já disse que isso não é o que eu faço, é o que eu sou, e por isso não consigo evitar a abordagem científica momento algum. Se acredito que o método científico é a melhor maneira para se resolver um problema, como posso aplicá-lo no laboratório mas não aplicá-lo em casa, quando tento entender porque um souflé não funcionou ou porque uma lâmpada queima recorrentemente? Como posso aceitar a fé como fonte de explicação na minha vida pessoal, quando sei, pela experiência, que só as evidências científicas criam um saber consistente, coerente e permanente? Talvez outros possam, mas eu não posso. É por isso que quando meus colegas professores começam a se mobilizar por uma greve, eu não consigo me mobilizar ou aderir. Pela simples razão de nunca uma greve de professores ter dado qualquer resultado em função dos danos causados pela paralisação em si. Por que daria agora?
Avanço nos transportes, nas comunicações, na medicina, no ambiente… Talvez, nunca antes na história da civilização a sociedade tenha sentido tanto o efeito do saber que é produzido na universidade. Mas, sem uma população educada, é também provável que nunca antes a sociedade tenha se sentido tão afastada dessa instituição. Por que isso acontece é o argumento do meu próximo texto. O fato é que o governo primeiro contribui para essa distância ao investir na formação de doutores, mas cortar financiamento para pesquisa. Ao criar programas de treinamento para jovens, mas não fomentar o ensino fundamental e médio que prepare esses jovens para a universidade. Ao promover o aumento de vagas nas universidades sem dar infraestrutura. E depois o próprio governo usa a universidade abandonada como justificativa para não investir mais na universidade.
Os professores e pesquisadores, com todo o amor que tem pelo que faze, tem de matar uma manada de leões por dia para dar conta de ensinar em salas de aula quentes, sujas, mal equipadas uma geração de jovens super conectada e dispersa.
A classe jornalística, ao invés de denunciar isso, faz pouco, como no ‘causo’ que vou relembrar agora: No final de 2010, ia para a universidade ouvindo a CBN no Rádio quando o Carlos Alberto Sardenberg comentou que o prestígio do Mercadante estava baixo porque havia sido indicado para o MCT&I, na opinião dele, “um ministério menor”. Ainda que o MCT&I não tenha importância política (que advém da sua inexpressão econômica, que advém do Brasil apostar que o seu crescimento depende apenas da replicação de indústrias antigas – sujas e insustentáveis – com modelos e tecnologias importadas), é inadmissível que um jornalista desse porte faça esse comentário sem que seja acompanhada de uma crítica feroz e a exaltação da sua importância estratégica
É um triste exemplo do quanto os diferentes setores da sociedade pouco se importam com o que acontece na universidade. Como podemos esperar algum efeito de uma greve?
A motivação da greve é mais do que justa. Os professores universitários são os profissionais mais mal remunerados do serviço público federal, trabalham em péssimas condições em universidades sucateadas por anos de abandono, e ainda é tratado como palhaçada pelo governo na proposta de aumento salarial. Na prática, o salário de um professor adjunto da UFRJ, com 10 anos de casa, doutorado e pós-doutorado, com não sei quantos artigos publicados e alunos de graduação e pós-graduação, foi de R$13,00.
Além do papel na formação de cabeças pensantes e trabalhadores qualificados na universidade, o Brasil só pode contar com os professores universitários para movimentarem um sistema de inovação no país. É que sem uma indústria de transformação, aquelas pequenas empresas capazes de transformar o conhecimento produzido na academia em protótipos e produtos para a indústria (e sem uma política econômica e social que possibilite o desenvolvimento dessas empresas – o que inclui a falta de jovens com ensino fundamental, médio e superior de qualidade), essas duas tarefas caem nas mãos dos professores universitários. E não sou eu que estou dizendo isso não: é o próprio governo. Ou porque vocês acham que o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) virou MCT&I (de Inovação)? O Brasil está fazendo de bobo a categoria mais importante no seu plano de se tornar um país com uma posição mundial de liderança no século XXI.
Mas será que a greve é a forma de reinvidicar melhores condições de trabalho?
Hoje em dia, qualquer manifestação na INTERNET vai mobilizar muito mais a opinião pública do que uma passeata de 50 pessoas. Ou mesmo de 500, ou mesmo de 5000 pessoas. Vejam só o ‘Veta Dilma’. Escrever 1, 2, 10, 50 blogs mostrando dia após dia, de forma consistente, de forma crítica, de forma direta os problemas e os responsáveis pelos problemas na universidade, denunciem no jornal, no rádio, na TV, sensibilizem um ator global para fazer um pronunciamento, façam um vídeo viral na internet… era isso que as associações de trabalhadores e sindicatos deveriam estar fazendo no século XXI, mas não… E o movimento grevista contagia até mesmo os alunos, que resolveram entrar em greve também. Greve de aluno é uma incoerência, é uma ingenuidade. É claro que os alunos tem o direito de, e devem, se manifestar contra as péssimas condições da universidade, mas chamar de ‘greve’ (é um direito trabalhista e aluno não é trabalhador) e se recusar a assistir aula como forma de protesto é uma estratégia muito pouco eficiente. É antiga, sensibiliza negativamente a opinião pública e prejudica, em última instância, e principalmente, os próprios manifestantes: os alunos, já tão prejudicados por tantas outras coisas.
Talvez a única maneira dessa greve funcionar fosse justamente o contrário: Ou até o contrário: lutar para ter aulas seria a melhor forma de transformar a greve dos professores em algo que viraria notícia. Se os principais prejudicados pela greve dos professores fazem greve também…. ninguém vai se incomodar com mais nada.
Ou… como tantas vezes… talvez estejam todos certos e eu esteja errado. Se os professores universitários que estão sendo solicitados a fornecerem a inovação que o Brasil tanto precisa, não conseguem sequer bolar uma forma nova de protesto que não seja uma greve, talvez não mereçam reconhecimento mesmo.
A tese sobre a escrita da tese
Em um mundo saturado de informação, não basta mais o aluno ‘saber’. Ele precisa saber aprender e saber mostrar o que aprendeu também. Se não souber selecionar informação, se não souber ser preciso, conciso, coeso e coerente, não vai conseguir identificar o que importa do que não importa no mar de informação. E não vai conseguir responder uma pergunta de prova, montar uma apresentação para um processo de seleção, nem sobreviver a uma entrevista de emprego.
Para todos os alunos, a experiência mais comum de produção de conteúdo é a resposta de prova. Por mais namoradas que um cara tenha na vida, ele responderá muito mais questões de prova do que escreverá cartas de amor. Ainda assim, na escola ninguém ensina a gente a ‘responder’ o que o professor está perguntando, o que é uma habilidade tão importante quanto ‘saber’ o que o professor quer saber se a gente sabem ou não. Para alguns alunos, aqueles que chegaram na pós-graduação, as angústias da resposta da prova se multiplicam e se amplificam na hora de escrever a tese. Sim, porque não conheço nenhum curso de pós-graduação que ensine seus alunos a escreverem suas teses (da mesma forma que não ensinam os professores a avaliarem essas teses). É como se escrever fosse uma habilidade natural, com a qual a gente já nasce. Ou um talento, que quem tem está feito e quem não tem… está… perdido.
Com a ‘Oficina de Escrita Criativa em Ciência‘ nós temos tentado mostrar que escrever não é uma questão de talento, é uma questão de prática, porque envolve uma coisa que não se ensina mas se pratica, que é critério. Então pra melhorar a sua escrita você precisa primeiro querer escrever melhor e depois… escrever!
Mas ainda assim as pessoas tem dificuldade. Escrever, como disse a Bruna Surfistinha, ‘É uma questão de coragem’, coragem de se expor, coragem de errar. E muita gente não tem essa coragem. Mas ainda assim temos que escrever. Então nós criamos o ‘roteiro do bioletim‘ que deveria ajudar as pessoas a selecionar informação de uma maneira amigável. Com a experiência, descobrimos que nem com o roteiro do Bioletim as pessoas escrevem. Por mais que ele te ajude a organizar as idéias, ele não ajuda a diminuir o medo e ele não pratica por você: você ainda tem que buscar fontes, identificar seu público alvo, escrever, rescrever… dá trabalho.
A segunda constatação é que quem tenta escapar do trabalho… não escreve. Ou não escreve bem, o que, em um mundo saturado de informação, acaba dando no mesmo (porque ninguém vai ler). Essas pessoas não vêem valor no roteiro do Bioletim porque ele é um roteiro sem ser um guia. Ele te diz ‘o que’ tem de ser feito, mas não diz ‘como’. Ele estabelece limites (de seções, de tópicos, de número de parágrafos, de palavras por parágrafo), te ajuda a escrever um primeiro rascunho (que é a parte mais complicada para a maioria das pessoas) mas não há garantias de que você selecionou a informação corretamente e nem que o artigo produzido seja interessante. Ou que alguém vá querer ler. Nunca há garantia de que o resultado tenha sido bom.
As angustias vão se acumulando e quando você vê, está na hora de escrever a tal da tese e você não tem idéia do que fazer. Ou melhor, tem sim: quer escrever a tese da mesma forma que você ‘lê’ a tese. Você quer começar pela introdução, depois os objetivos… e terminar na discussão e nas conclusões. Na verdade, você senta no computador e quer escrever o título, fazer a folha de rosto e escrever os agradecimentos. E quer deixar as referências por último. TUDO ERRADO! Não é assim que se escreve uma tese. Quer dizer, pode até ser, mas é bem mais difícil, ainda que dê menos trabalho.
Ops, como é que pode ser mais difícil e dar menos trabalho?! Bom, leia aqui o texto “Foi o Google quem disse…’ pra saber porque um texto mais curto dá mais trabalho pra ser escrito. Quanto menos trabalho você coloca no texto, pior ele fica e mais tempo leva para ele ficar bom. De novo, não tem como fugir do trabalho para produzir um bom texto. Mas se você quer seguir a sua ‘intuição’ ou se quer ‘esperar a inspiração’ então boa sorte. Você vai precisar.
Mas se quer escrever uma boa tese, é assim que se faz:
- Escreva um rascunho respondendo os ‘sete lugares do pensamento’ pra sua tese. Se você já fez a ‘Oficina de Escrita Criativa em Ciência’ vai ser fácil. Se não fez, você pode estudar alguns textos sobre o assunto que estão compilados no livro digital que nós produzimos para a oficina e tentar. Esse rascunho será o seu ‘mapa’ para escrever a tese mais rápido e melhor. Vai te dar direção e permitir que você corrija desvios no caminho. Responda cada pergunta com uma frase de no máximo duas linhas. Você pode imprimir essa 1 página e colar na parede atrás do monitor do computador. Esse mapa será seu companheiro pelas próximas semanas.
- DEPOIS (e só depois) de responder as sete perguntas dos lugares do pensamento, escreva uma versão reduzida, de 3 a 5 páginas, da sua tese. Essa versão é pra você contar a história da tese e não pra fazer um resumo dela. Conte como começou, qual foi o primeiro experimento, como você progrediu, o que aconteceu depois, quais foram os experimentos que se seguiram, o que você aprendeu, o que precisou estudar, o que descobriu… O mais importante nessa versão é que ela tenha começo meio e fim, ao invés de Introdução, M&M, Resultados e Discussão. Essa versão não servirá de base para a tese, mas vai te ajudar a criar um fio condutor para suas idéias que te ajudará enormemente durante a produção do manuscrito
- Isso tudo você pode fazer mesmo antes de ter terminado todos os resultados. Mas para começar a escrever a tese mesmo, é importante ter todos os seus resultados (ou quase todos) prontos. Isso porque a tese, se começa a escrever pelos resultados.
- Organize seus dados em tabelas e gráficos. Pode organizar os mesmos dados em tabelas e em gráficos para depois decidir qual deles permite uma compreensão melhor dos resultados. Nesse caso a primeira etapa é escolher qual gráfico é mais adequado para os seus dados.
- Gráficos de barras são adequados para variáveis que ‘saem’ do zero e ‘chegam’ a um valor. Crescem ou decrescem. Valores pontuais, obtidos de replicas técnicas e biológicas, que são muito comuns em experimentos na área biomédica, devem ser representados por gráficos do tipo box-plot.
- Não, nem tudo na vida é normal. Muito menos nos seus experimentos em laboratório. Se você não sabe muito bem o que está fazendo, então use boxes com mediana e quartis. Visualmente você já vai ter uma idéia a distribuição (normal ou não) de cada grupo de dados. E é justamente ai que, nesse grupo de dados, que deve ser testada distribuição a priori e não nos conjuntos de todos os dados para uma variável. Abre parênteses: Um erro comum é ‘agrupar’ todos os dados de uma variável (controle, tratado, tempos, réplicas) e avaliar a normalidade desse conjunto de dados. Isso está errado! Você tem que avaliar a normalidade em cada grupo de dados que será utilizado para calcular a média e o desvio padrão que serão utilizados para comparação entre esses grupos em um teste de hipótese. Como a maior parte das pessoas usa um n=3 para suas réplicas biológicas, são esses 3 míseros dados que devem ter a normalidade testada. Como você verá muitas vezes o software nem consegue fazer isso e se ele te diz que os dados são normais… não confie. Fecha parênteses
- Se você não tem muita certeza do que está fazendo, use o teste não paramétrico U de Mann-Whitney para comparar qualquer dois grupos que te interessem e regressão de Sperman-Karber para ver a dependência entre duas variáveis contínuas. Se houver diferença mesmo, ela vai aparecer do mesmo jeito que na análise paramétrica usando média e desvio padrão, só que você não corre o risco de criar diferenças quando elas não existem, e nem de passar vergonha na hora que a banca te perguntar porque você usou uma coisa ou outra.
- Depois dos resultados, escreva as conclusões. Em tópicos numerados, com base nos resultados como foram descritos acima.
- Depois das conclusões, os Objetivos. Também em tópicos identificados por letras.
- Associe os objetivos (letras) e as conclusões (números). Não pode ter objetivo sem conclusão ou conclusão sem objetivo. Todo objetivo deve ser respondido por (pelo menos) uma conclusão. Toda conclusão deve estar associada a pelo menos um objetivo.
Volte ao mapa da tese e confira se objetivos e conclusões estão dentro dos sete lugares do pensamento. Faca ajustes no ‘mapa’ se necessário (mas se o seu mapa foi bem feito, é mais provável que você tenha que fazer ajustes nos seus objetivos e conclusões). - Faça um mapa conceitual da sua introdução. Mapas conceituais são uma técnica que ainda não tratamos na oficina de escrita, mas que você pode estudar um pouco sobre ela aqui. Ela ajuda a identificar os os núcleos conceituais que devem estar na introdução, e que são aqueles necessários para que o leitor entenda os objetivos, os métodos e os resultados do seu trabalho. Abre parênteses: Você não precisa dizer tudo para o leitor: defina quais as ‘ lacunas’ você espera que o leitor preencha e quais você vai preencher pra ele. Não trate o leitor como burro: se ele já deve saber alguma coisa, ou se é de domínio publico, você não precisa dizer. Lembre-se também que seu público, na tese, é limitado e especializado. Fecha parênteses.
- Faça outro mapa conceitual para a discussão. O mapa conceitual ajuda a estabelecer relações, filtrar informação e sair da confusão geral da cabeça. Te permite também corrigir depois o texto corrido.
- Na discussão, seus resultados vem SEMPRE primeiro. Levantamento bibliográfico é pra ser feito na introdução. Na discussão, discutimos o SEU dado, e não tudo que já foi feito no mundo.
Abre parênteses: a discussão é um delicado equilíbrio entre o que os seus dados deixam e o que eles não deixam você dizer. Até onde a evidencia permite que você vá e até onde você e eu permitiremos que a especulação vá. Além dos resultados, isso será avaliado na tese.dizer menos do que os dados permitem, não extraindo conclusões, é ruim, talvez até pior, do que expectar e inferir sem lastro experimental e estatístico. Fecha parênteses. - E os dados mais importantes vêm sempre antes dos dados menos importantes.
- Pronto. Agora você pode fazer todo o resto, que é escrever sumário, resumo, referências, título.
Fazer desse jeito vai te dar trabalho, mas te garanto que você não ficará nenhum dia olhando para o computador perdido sem saber que fazer. As correções serão menores também. Se você ainda tiver alguma dúvida, dê uma olhada no post ‘check-list‘, onde eu já discuti quais os critérios que um aluno deve usar para saber se a tese dele está ‘pronta’ para a defesa.
Fantasia e Concretude
Essa semana voltei aos meus tempos de adolescente e dei uma de tiete, igual aqueles malucos que vão pra fila da Madonna, 3 dias antes do show, pra pegar o primeiro lugar na fila. O show era a palestra do sociólogo italiano Domenico de Masi, em Curitiba.
Quem me apresentou Domenico foi meu amigo Milton Moraes e depois que eu li ‘A emoção e a regra’, minha vida não foi mais a mesma. Comecei a me interessar muitíssimo pelas razões que tornam um grupo criativo e o interesse apenas aumentou com o tempo. Hoje eu já li quase tudo que Domenico de Masi publicou e como eu escrevi aqui, ainda estou no meio de Fantasia e Conretude, um calhamaço de 1000 páginas sobre a criatividade.
Apesar de Domenico vir com regularidade ao Brasil, assistí-lo não é fácil. Como um dos homens que previu a falência do sistema de trabalho industrial no mundo pós-industrial, hoje ele é requisitadíssimo por grandes empresas para falar para executivos de alto nível sobre como eles devem gerir seus recursos humanos. Assistir uma palestra do Domenico de Masi pode custar R$1.500,00!
Mesmo assim, de vez em quando eu entro no seu site (www.domenicodemasi.it) pra dar uma olhada na agenda dele. Quando fiz isso no sábado passado, vi que ele estava no Brasil, mais especificamente no Paraná, e que falaria em Curitiba na 4a e 5a feira. Fiquei agitadíssimo, como fiquei para a palestra do Richard Dawkins anos atrás, como fico toda vez que a Madonna vem ao Brasil. Sem pensar muito, cancelei minhas aulas, comprei uma passagem e fui pra Curitiba, determinado a dar um jeito de assistir meu ídolo. Aos 42 minutos do segundo tempo, consegui a confirmação que poderia assistir a palestra exclusiva para professores da PUC – Paraná e gestores da Volvo do Brasil que ele daria na própria universidade.
No auditório cheio, resolvi dar um gostinho pra quem não estava lá e minha primeira transmissão ao vivo pelo twitter. Sei que pelo menos @alesscar e @srehen seguiram 🙂 Ao contrário do Richard Dawkins, Domenico é uma simpatia, conquistou a platéia, deu uma palestra interessantíssima e no final foi rodeado por uma orda de professores (principalmente professoras) querendo fotos e autógrafos. Eu fiquei com vergonha, achando que era mico, mas fui lá apertar a mão dele e convidá-lo para participar da próxima edição do PRIMO’s next, a escola internacional de pós-graduação que organizamos todos os anos.
Pra quem ainda não acompanha o @vcqebiologo ou não conseguiu seguir a transmissão #domenicodemasipucpr, eu resolvi compilar os twitts, algumas pérolas, aqui no VQEB. Espero que vocês aproveitem.
- Sou NERD mesmo… Parece que vou ver a Madonna, mas é o Domenico de Masi
- Será que ele vai falar alguma coisa que não esteja nas 1000 páginas de ‘Fantazia e Concretezza’?
- Quantas vezes as autoridades vão repetir o título antes do início da palestra?
- Criatividade é começar! Não tentem produzir o processo completo. Ajustes são feitos no caminho. (Jaime Lerner)
- De onde viemos, p/ onde vamos e o que temos p/ o Jantar? W Allen Ñ adianta pensar gde problemas se ñ resolvemos os pq
- A luta entre Tesis e Metis. A luta entre Corbusie e Niemyer. A luta entre a reta e a curva.
- Qdo Marx escreveu ‘o capital’ 94% dos trabalhadores de Manchester trabalhavam com as mãos
- A principal característica da sociedade industrial é o colonialismo: quem produz coloniza quem consume
- 5 fatores de inovação: globalização, difusão da escolaridade, perdi os outros
- Mesmo quem nasceu em uma sociedade industrial vive hoje já em uma sociedade pós-industrial
- Hoje apenas 1/3 dos trabalhadores usa as mãos. 1/3 trabalho intelectual repetitivo e 1/3 trabalho intelectual criativo
- Hoje a palavra ‘trabalho’ se aplica a diferentes atividades. Mas tratamos todos os trabalhadores do mesmo jeito
- ‘como explicar a minha mulher que qdo olho pela janela estou trabalhando’?
- Gestores de recursos humanos das empresas não evoluíram da sociedade industrial para a pós industrial
- as pessoas estão sempre infelizes n trabalho
- Nos países latinos apenas os homens fazem carreira. As convenções parecem o gay pride
- vale ainda o princípio do iluminismo onde o que vale é a racionalidade. O que é emotivo é ruim e… Feminino
- o homem que tanto se dedica ao trabalho… Morre mais cedo!
- Marília Zaluar e Silvana Allodi iam adorar isso
- assim como neurônios não crescem: estabelecem novas conexões, como serão as conexões entre os 7bi de cérebros em 2020?
- não se é velho enquanto não se perde a vontade de seduzir e de ser seduzido. O que nao acontece aos 60 anos
- a cultura enriquece as coisas de significado. Quando sei que o pêssego veio da China, Japão e Pérsia, ele parece + doce
- no mundo, aprendemos a produzir cada vez mais com cada vez menos trabalho. Isso é difícil de explicar no Brasil
- difícil explicar no Brasil: quanto mais riqueza em um pais: menos trabalho
- o aumento da tecnologia tira o trabalho. Para resolver o problema, temos que diminuir as horas de trabalho
- em 2020 a tecnologia tornará o adultério impossível! 🙂
- gdes empresas farmacêuticas estão investindo em drogas ante-ciúmes!!!
- Enquanto a sociedade industrial pensava em organizar o trabalho, agora temos que organizar o tempo livre
- Berlusconi, por exemplo, só tinha ‘problemas de tempo livre’
- o carnaval do Rio é um grande exemplo dessa ‘organização’
- Produção contemporânea de riqueza, saber e alegria: isso é o ócio criativo – Não a preguiça
- em 2020 a sociedade será andrógina. Mulheres cada vez mais masculinas. Homens mais masculinos
- a sociedade pós-industrial depende fortemente da ética e respeito, pq depende de serviços, que dependem de confiança
- os ‘analógicos’ principalmente os anciões tem medo de tudo que é novo: computadores, redes, gays, tudo que é novo
- Eraclito: é no repouso que as coisa se acomodam. É importante incorporar a inovação com ‘leveza’
- se dependesse de mim seria sempre imaturo no relacionado as idéias -Rob Freire. Estar sempre abertos a novas idéias
- não se pode pedir aos homens, ou a quem não esta no poder, de deixar o poder
- fazem carreira as mulheres que tem mentalidade andrógina. O desafio das mulheres e mudar a organização das empresas
- as empresas são lugares de sofrimento. A mulher tem que mudar a organização e até lá é melhor ter homens no poder
- o poder é tomado com ‘graça’ ou com a revolução
- os bancos nasceram na Itália, no séc XII, junto ao purgatório, para gerir os recursos do ‘indulto’ pago a igreja
- o paraíso é um paradoxo: todos querem ir pra lá, mas o mais tarde possível!
- “não digo a vocês como é o paraíso de Maomé, porque senão todos se converterão ao islamismo”
- em nenhum ‘paraíso’ se trabalha!
- O futuro é dos humanistas. Bastam poucos engenheiros pra planejar e poucos operários para produzir, mas…
- … Precisamos de milhares de humanistas para colocar conteúdo lá dentro. O outros milhões para usa-lo.
- escola de música de Antônio Abreu na Venezuela. Platão já dizia que o mais importante a ensinar, é a música
- Bolschoi Brasil em Joinville, escola em foz do iguaçu, músicos do sertão brasileiro. Todos exemplos do futuro da escola
- governo Berlusconi foi a primeira ditadura mediática do mundo: a violência nãoo é física. A tortura é intelectual
- na ditadura mediática, o governo faz o que o povo quer, que faz o que a TV sugere, que sugere o que o governo quer
- a genialidade é feita de grande fantasia e grande concretude. Hoje temos muitos com excesso de um ou outro. Ñ de ambos
- a bossa nova no Brasil é um grande exemplo de criatividade pós-industrial
- em foz do Iguaçu, a natureza das cataratas competem com o humanismo da hidrelétrica de Itaipu. Eu já tinha dito!
- na universidade há sempre a luta entre a inteligência e a imbecilidade. Ambas são infinitas! Ainda que com ‘violência’
- o maior inimigo do criativo é o burocrata. Os burocratas são sempre seguros pq pensam ao passado
- os burocratas são sempre amigos de Burocratas. Deus foi criativo! (como deus nao existe…)
- a única arma contra os burocratas é a ironia: a arma dos gênios e dos criativos
Pra quem ficou com gosto de ‘quero mais’, se tudo der certo, teremos ele novamente no Brasil em Outubro, dessa vez patrocinado pelo VQEB.
Diálogo
Meus amigos inteligentes, e eu tenho muitos, são uma constante fonte de inspiração para mim. Mas também de inquietação. Uma inquietação produtiva, como eu já descrevi aqui.
Nesse feriado prolongado chuvoso que termina hoje com a previsão de sol para amanhã, eu tive que defender a ciência em roda de samba e mesa de bar (só faltou estádio de futebol, mas eu estava na mesa de bar vendo o jogo – sim, porque se o Vasco perdeu, então a taça Rio não era final, porque não é campeonato pra ter campeão e vice – e não é mesmo!) de amigos brilhantes mas que não são tão nerds quanto eu.
A questão é simples: quanto tenho um argumento ‘científico’ para uma discussão qualquer (como a que eu estava tendo domingo com o matemático Fernando Goldenberg na praça São Salvador, no Rio, sobre a formação de comportamentos sociais a partir de instintos biológicos, enquanto as garrafas de Bohemia se empilhavam na mesa na mesma velocidade dos contra-ataques do Botafogo) me encho da força, da convicção e até mesmo da contundência que um argumento científico proporciona (muitas vezes pelo menos). Bom, as vezes um pouco da arrogância também.
E foi com essa convicção que eu estava afirmando que, por mais que eu adore e seja fã da psicanálise, não posso considerá-la uma ciência. O conhecimento e o sucesso obtidos por essa prática não obedecem os requisitos para serem considerados ‘científicos’ (basicamente, serem obtidos pelo ‘método científico’). E por isso, essa prática não pode ser considerada ‘ciência’.
“Mas o que é ciência então?” perguntou o Fernando
“Ciência é o que você obtém por um processo que, quando repetido ou replicado, alcança o mesmo resultado” eu respondi.
“Mas isso então exclui todas as ciências sociais como ciência” ele retrucou
“Exatamente” eu conclui, para desespero da minha amiga Alba Zaluar, caso ela venha a ler isto.
Mas o Fernando, além de matemático, foi dono de bar (do Estephanio’s Bar na Tijuca, o melhor bar do mundo), o que o torna mestre, doutor PhD e pos-doc em sociologia, sociopatia, antropologia, antropofagia, antropomorfia e o que mais você quiser. E não se entrega fácil.
“Mas a verdade científica muda. Sempre mudou. O que é verdade hoje não é mais amanhã” ele constatou.
“Sim, porque o método científico aceita a incerteza.” disse enquanto abria mais uma garrafa de Bohemia.
“Então meu amigo, se o que você chama de ciência aceita a incerteza, porque não podemos aceitar que as ciências sociais, que são cheias de incerteza, também sejam ciência?”
Touche! Nunca tinha pensado nisso. Ou melhor, tinha sim, lendo, no ano passado, um livro que peguei emprestado do próprio Fernando, e que já resenhei aqui: O último teorema de Fermat. Nesse livro incrível, que, além dde contar a epopéia do inglês Andrew Wiles na resolução do maior problema do mundo, conta também uma excelente história da matemática, o autor discute logo no início do livro a questão da prova absoluta.
“Em matemática, o conceito de prova é muito mais rigoroso e poderoso do que o que usamos em nosso dia-a-dia e até mesmo mais preciso do que o conceito de prova como entendido pelos físicos e químicos. (…) Os teoremas matemáticos dependem deste processo lógico, e uma vez demonstrados eles serão considerados verdade até o final dos tempos. A prova matemática é absoluta.”
Como cientista, eu me treino, e treino os outros, para reconhecer, compreender, aceitar e finalmente lidar com a incerteza. E sei, portanto, que por causa dela, a prova científica nunca será definitiva como a prova matemática.
“Aceite Mauro, só a Matemática pode ser chamada de ciência!” Um pavor tenebroso percorreu todo o meu corpo. Era o terceiro gol do Botafogo e sob o efeito do álcool, que eu sou capaz de explicar ao nível bioquímico e molecular, um pilar das minhas certezas estava para ser demolido: teria eu de parar de chamar a biologia de ciência? Também não me entregaria facilmente.
O que mais me incomodava no argumento do Fernando era o fato da matemática em si não ser uma ‘ciência’. Quer dizer, é, mas há controvérsias. Pelo menos na minha cabeça. A matemática é um sistema lógico criado pelo homem. Ela também fornece um conjunto de ferramentas que são utilizadas pelas outras ciências para explicar o mundo. O estudo desse sistema lógico em si (a matemática) pode ser considerado uma ciência (a única capaz de dar provas absolutas) mas ela também é a única ciência que usa as próprias ferramentas que constituem esse sistema lógico para estudá-lo e explicá-lo. A matemática é, até certo ponto, no meu entender, um argumento circular. Isso era um argumento para contrapor qualquer afirmativa do Fernando, mas ainda assim, isso não retrucava o argumento dele, que nesse momento se deliciava com a cerveja gelada e com a minha angustia.
“Fernando, a diferença é que a incerteza do que eu me permito chamar de ‘ciência’ está na ‘medição’. São nossos sentidos e instrumentos que são imperfeitos e sujeitos a imprecisões, não os objetos dos nossos estudos ou o sistema lógico do método científico. Já nas ciências sociais, a incerteza está justamente nesses objetos de estudo. Eu posso não saber a posição e a velocidade de um elétron, como diz o ‘principio da incerteza’, porque não tenho como usar nada menor do que um outro elétron para fazer essa medição e a interação entre eles impede o registro perfeito ou completo das variáveis. Já nas ciências sociais e humanas, além da incerteza na medição (causada pelo fato da observação influenciar no comportamento do observado) nós temos a incerteza no objeto: você nunca sabe o que um homem vai fazer. Pior, o próprio homem nunca sabe o que vai fazer até que a situação apareça e um processo complexo e nem sempre racional, leve a decisão. Nas ciências naturais eu posso conhecer a incerteza (e eventualmente lidar com ela), nas ciências sociais, não. Por isso os processos nunca levam ao mesmo resultado, por isso não são reprodutíveis e replicáveis e por isso não são ciência.”
O argumento foi bom o suficiente para que os dois parassem a discussão (ou foi a menina de shortinho curto e camiseta apertada do botafogo que atravessou o bar que distraiu nossa atenção?!). Brindamos com a saideira e mudamos de assunto. Voltei pra casa triste com a derrota, mas não derrotado. O pilar continua firme, posso continuar implicando com o pessoal das ciências sociais, e como meu time não está ‘de férias’, posso pensar no próximo jogo que é da Libertadores. E na próxima discussão. Dessa vez, 4a feira, no bar do Macarrão, em São Januário.
Band-aid pra estancar hemorragia
A relação entre jornalistas e cientistas é complexa. Ponha um junto com o outro e, quase obrigatoriamente, um dos dois ficará insatisfeito. Foi o que aconteceu ontem com a reportagem sobre a burocracia na importação de material científico que foi ao ar no Repórter Brasil, telejornal da TV Brasil.
Quando o editor me ligou no dia anterior para saber se eu poderia falar ao jornal sobre o programa do CNPq expresso, eu disse que não. Apesar de ter me envolvido muito com a questão da importação de material científico em 2007-2009, eu acabei me distanciando. Foi quando em 2009 o próprio presidente Lula admitiu o tamanho e a importância do problema, intimou as agências responsáveis a resolverem a questão em 45 dias e ainda assim nada de produtivo foi feito. Eu descobri que esse problema era muito maior do que eu e que sem um respaldo de uma entidade superior (como o que a FeSBE prometeu mas não deu), nada poderia ser feito. Desde então tinha abandonado um pouco essa causa.
A burocracia da importação não tem uma origem unica: ela é resultado da burocracia da ANVISA, da Receita Federal, do MAPA, do MCT, do CNPq… E por isso, iniciativas isoladas não tem como resolver o problema. Só que uma iniciativa conjunta, requereria um gerente com influencia e força política, o que nenhum cientista tem. Pior, que a ciência não tem!
Me lembro no início do governo Dilma, quando os ministérios estavam sendo formados, e o Senador Aloysio Mercadante foi indicado, para a surpresa de todos, para a pasta da ciência e Tecnologia. O jornalista Carlos Sardenberg disse em seu programa na CBN que a indicação demonstrava o Mercadante estava em baixa, porque aquele era um ministério ‘menor’.
Abre parênteses: Que comentário mais infeliz! Ainda que seja verdade, um jornalista que se preze deveria ter vergonha de dizer isso em rádio nacional. Pobre do país que considera a ciência e tecnologia ‘menor’ e pobre do país cujo jornalista propaga essa desimportância sem criticar. Sardenberg perdeu o meu respeito e a minha audiência naquele dia. Fecha parênteses.
Enquanto a C&T (e agora I de Inovação) não for vista pelos nossos governantes e políticos como a principal arma, que é, para o desenvolvimento do Brasil, então nunca teremos um ministério rico e politicamente forte, que seja capaz de não de empurrar… mas de catapultar a ciência no Brasil. E a ciência no Brasil está pronta para isso, para ser catapultada! Mas… insistem apenas em dar um empurrãozinho. E sempre mais do mesmo. Sim, porque é isso que é o que é o CNPq express: Mais do mesmo. Um band-aid para estancar uma hemorragia. Uma peneira para tapar o sol.
Os problemas para se fazer ciência no Brasil são muitos e muito grandes, e não será como band-aid ou peneira que vamos resolver. As medidas que ajudam são aquelas com benefícios consistentes e de longo prazo. Quando o Rio resolveu imitar São Paulo e cumprir a determinação da constituição estadual de destinar 2% da sua receita a C&T, a FAPERJ cresceu, se fortaleceu e fortaleceu a comunidade científica fluminense – que não se enganem, será muito solicitada para resolver os desafios, por exemplo, da exploração do pré-sal.
Pois bem, mas todo esse relato começou por causa do telefonema do editor pedindo que eu desse um depoimento sobre os problemas da importação de material para pesquisa no Brasil, o que eu fiz durante maia hora com ele no telefone e por outra uma hora com a repórter no meu laboratório. Mas a reportagem mostrou apenas a necessidade de se trabalhar com material importado no laboratório e nem sequer discutiu as chances de um programa como o CNPq expresso funcionar.
Aprendi muito sobre o lado dos jornalistas quando ouvi Bernardo Esteves e Alessandra Carvalho no II EWCliPo em 2009. Acompanho os blogs de jornalistas que falam de ciência como o Reinaldo e a Isis Nobile, mas não tem jeito… na hora que você tem que falar com um jornalista… a chance do resultado agradar é muito pequena. Minha experiência mais frustrante foi essa daqui, quando a jornalista da FAPERJ me ouviu por duas horas e depois… disse na reportagem o que eu não disse na entrevista. Tive que ficar me retratando para os meus pares por um tempão até que, eventualmente, a reportagem foi esquecida. E poderia ter sido pior, porque eu poderia ter sido até processado pelo que ela disse que eu disse: que frutos do mar dos restaurantes do Rio estavam contaminados por metais pesados.
Talvez não haja solução e teremos simplesmente aprender a lidar com a frustração. Ou quem sabe no dia em que a Eliane Brum me entrevistar tudo fique direitinho. Porque ela é o máximo!
Cerveja, Piruvato e novidades na sala de aula
Dia 17 de março foi dia de São Patrício (St. Patrick). Eu não saberia disso se não estivesse fora do Brasil, porque aqui não se comemora tanto o dia do padroeiro da Irlanda. E porque se comemoraria? Bom, porque a festa do padroeiro da Irlanda acabou virando a festa da Cerveja, o produto mais associado aos irlandeses, e os brasileiros também adoram cerveja. Mas acho que o carnaval e a Oktoberfest (a nossa é a segunda maior do mundo e a segunda maior festa brasileira – não religiosa – depois do carnaval) já cumprem esse papel.
E o que isso tem a ver com biologia além do fato dos biólogos adorarem cerveja? A cerveja é um ótimo assunto para ensino e divulgação científica. Um dos meus primeiros textos foi sobre o consumo do álcool e mais recentemente escrevi sobre a toxicologia do álcool e o interesse que esse assunto desperta nos alunos. E chamou a minha atenção o vídeo feito por um biólogo sobre a biologia da cerveja:
Não é um barato?! Para fazer esse vídeo eu tenho certeza que ele aprendeu muito mais do que se estudasse para qualquer prova. Também tenho certeza que muitos alunos, ou apenas beberrões curiosos, aprenderam (e aprendem) mais com ele do que com qualquer livro didático. E contribui para isso o fato de ser um vídeo e de estar no youtube, onde as pessoas podem acessar de qualquer lugar e quantas vezes quiserem.
Fiquei me perguntado porque não temos alunos assim: criativos, divertidos, dedicados, interessados e inovadores? Ops! Mas peraê… nós temos sim!!!
O video abaixo sobre a via glicolítica foi feito por alunos da UFRJ e é um sucesso na internet:
Ainda que algumas pessoas possam questionar o bom gosto dos produtores, o ‘Piruvato’ é sensacional! Esse vídeo, essa música, deveriam ganhar prêmios! Eu queria dar um premio pra esses caras.
Ops, mas peraê de novo. Eu conheço esses caras! Eu conheço essa sala de aula! São os meus alunos, é a minha sala de aula. Esses rapazes e moças passaram pela minha disciplina sem nenhum brilho, sem nenhuma iniciativa. Provavelmente sem presença também. Por que será que esse interesse não se manifesta no dia-a-dia da sala de aula?
Porque, vamos combinar, a aula é muito chata! A escola é chata e a universidade é chata também. Não é (quase sempre) culpa de ninguém, é o fato da escola não ter acompanhado as mudanças tecnológicas da sociedade nos últimos 100 anos, como diz Seymour Papert.
“Alguns setores da atividade humana, como a medicina, os transportes e as comunicações, foram transformados drasticamente, a ponto de não reconhecermos, durante o século XX. Comparadas com essas mega mudanças, as práticas da escola permaneceram virtualmente estáticas. Isso se deve a aprendizagem não ser suscetível a mudanças? ou a tecnologia apropriada ainda não ter aparecido?”
Por melhor professor que eu seja – e eu sei que sou – não tem como a minha aula, nos moldes em que se espera que eu dê aula, possa competir com os estímulos do mundo moderno. Eu sou a favor de fazer um monte de coisas super legais em sala de aula, mas como fazer isso se temos que passar conteúdo para os alunos?
A relação com o conteúdo tem que mudar. Tem, pelo menos, que mudar o ‘momento’ de passar o conteúdo. Não pode ser mais a sala de aula. A aula tem que ser pra discutir as respostas dos alunos com eles. REspostas que eles encontraram no youtube, no google, no facebook. Que conversaram entre si, que perguntaram pra alguém ou ouviram falar no jornal, na TV, pixado em um muro. Que ouviram no video engraçado do ‘Piruvato entra e sai’.
Fora umas pouquíssimas iniciativas isoladas, como a escola do Oi Futuro da qual a Samara Werner fala aqui, o professor é obrigado, ou só sabe, ou só tem instrumentos, para dar uma aula chata. É obrigado a cobrar dos alunos uma performance chata e tem de se contentar com um resultado medíocre. Todos restam decepcionados. Mas será que tem de ser assim?
Ahh… eu vou mudar isso. Vou mudar isso a partir de agora. A partir de hoje.
Ostras felizes não fazem inovação
O título do livro de Rubem Alves ‘Ostra feliz não faz pérolas‘ chama a atenção de qualquer um que, como nós do Laboratório de Biologia Molecular Ambiental, trabalha ou aprecia esses simpáticos bivalves. Mas o significado é muito mais profundo, como vocês podem ver na resenha feita pelo próprio autor:
“A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si um grão de areia que a faça sofrer. Sofrendo, a ostra diz para si mesma: ‘preciso envolver essa areia pontuda que me machuca com uma esfera lisa que lhe tire as pontas…’ Ostras felizes não fazem pérolas… Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. O ato criador, seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma dor doída… Por vezes a dor parece como aquela coceira que tem o nome de curiosidade. Este livro está cheio de areias pontudas que me machucaram. Para me livrar da dor, escrevi.”
Lembrei disso esses dias. Estava na Noruega para dois dias de reunião de um projeto que envolve, ou deveria envolver, inovação. O Brasil tem agora um monte de petróleo e um monte de dinheiro para aplicar em ciência e tecnologia por causa do petróleo. Esse dinheiro para pesquisa será usado, principalmente, para explorar mais, e melhor, todo esse óleo, mas para isso precisamos de mais engenheiros, geólogos e um montão de outros profissionais, além de empresas que forneçam maquinas, equipamentos e serviços. Assim, uma boa parte desse dinheiro será usada em educação e formação de pessoal e na criação do que se convencionou chamar ‘conteúdo local’, empresas nacionais capazes de fornecer tudo que a indústria petrolífera necessitará. E não é pouco dinheiro não: estima-se que a Petrobras sozinha investirá em média 1,8 bilhões de reais por ano até 2020 (da acordo com a ANP). Então, todo mundo, literalmente, que trabalha com a indústria do petróleo, inclusive, e principalmente, os cientistas, está de olho no Brasil. E os noruegueses também.
“Descobrir petróleo pode ser a salvação ou a ruína de um país” me disse o cônsul norueguês outro dia. Para a Noruega, o petróleo que eles descobriram no ártico nos anos 70 foi a salvação. E desde que as Nações Unidas criaram o ranking de países com melhor qualidade de vida baseado no índice de desenvolvimento humano (IDH), há 20 anos, a Noruega está em primeiro lugar.
Abre (um curto) parênteses: Esse índice tem de ser furado… nenhum país com aquele frio todo pode ter a melhor qualidade de vida do mundo! Fecha (um curto) parênteses.
Toda essa qualidade de vida deixou esses noruegueses assim… bem de vida. São ostras felizes. São super educados, inteligentes, informados. Viajam, falam outros idiomas, tem respeito pelos gêneros e culturas. Mas falta a eles o incomodo da dificuldade. Aquele que faz com que você queira planejar um futuro melhor. Aquele que faz você economizar um pouco a cada mês, mesmo que tenha que deixar de comer fora, pra um dia comprar a casa própria e sair do aluguel. Continuando a metáfora, eles não tem que sair do aluguel, então… pra que se furtar a comer fora?
Os noruegueses tem certeza que as soluções que eles desenvolveram para a exploração de petróleo na Noruega, e que levaram o país deles a melhor qualidade de vida do mundo, serão úteis para a exploração de petróleo aqui. Pode até ser, mas historicamente, a experiência brasileira, é que não são. E pela primeira vez na história, o Brasil está disposto a ‘fazer pesquisa’ para desenvolver suas próprias soluções, ao invés de comprar as importadas que vem prontas mas não solucionam os nossos problemas (como as usinas de Angra 1, 2 e 3).
É difícil para os noruegueses entender os problemas e o povo brasileiro. Entender essa coisa de passar fome e brincar carnaval, de virar a panela vazia para fazer batucada. É difícil para mim também, devo confessar. Mas é assim que é e eu sou feliz de que seja assim. E se isso se reflete na nossa forma de resolver problemas, é importante que quem esteja interessado em participar da solução desses problemas, entenda, ou simplemente aceite, isso: chegou a hora do Brasil produzir e exporta soluções! O que os noruegueses, e todos os outros povos interessados no dinheiro para pesquisa do petróleo brasileiro tem que pensar é “o que nós podemos desenvolver aqui no Brasil e que poderemos usar de volta em nossos países para melhorar – ainda mais, que seja – a nossa qualidade de vida?”. E com R$ 2 bilhões por ano… eu aposto que tem muita coisa que pode ser feita.
Mas para isso, tem que inovar. E me parece que é bem mais difícil inovar se você é uma ostra feliz.
Antes tarde do que nunca
“O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vai acrescentar, na plataforma eletrônica Lattes, que traz currículos e atividades de 1,8 milhão de pesquisadores de todo o País, duas novas abas para divulgação pública. Em uma delas, os cientistas brasileiros informarão sobre a inovação de seus projetos e pesquisas; e na outra, deverão descrever iniciativas de divulgação e de educação científica.”
A matéria do jornal da ciência anunciando que finalmente o CNPq, o conselho nacional de ciência e tecnologia, vai reconhecer divulgação científica como produção científica é um alento para a sociedade, para os cientistas e para os blogueiros. A sociedade porque financia a ciência com os seus impostos mas não é capaz de entender os artigos científicos extremamente técnicos que órgãos financiadores exigem, e os cientistas porque vão poder divulgar seu trabalho e se aproximar do seu público sem que isso signifique ‘desperdício’ do tempo que deveria ser investido em artigos técnicos. Finalmente, para os blogueiros, que vêm fazendo essa divulgação sem nenhum apoio dos órgãos de fomento ou dos seus próprios pares. Tomara que os alunos de pós-graduação percebam a importância de divulgar seus trabalhos para a sociedade e, ao escrever, praticar a sua escrita.