Onde estão os alunos? Para onde vão os alunos?
Assim estava a minha sala de aula ontem, mais de 30 minutos depois do horário do início dos trabalhos.
Me senti como Dan Ariely no video abaixo (não precisa assistir o video todo – propaganda do curso dele no coursera – que é sensacional, diga-se de passagem – so o início já ilustra o meu ponto). A diferença é que… no meu caso… eles nem online estavam. O semestre vai terminar e ainda tenho alunos reclamando que não conseguiram se inscrever no site da disciplina. Se fosse o facebook…
Essa foto não é uma exceção… ao longo de todo o semestre, já há alguns anos, os alunos em sala de aula vão diminuindo. Eu já falei sobre o porquê em diversos textos no blog (veja “De muitos para muitos”).
Mas estou dessa vez não fiquei só irritado. Fiquei preocupado mesmo. Tinha acabado de voltar do evento ‘Educação Científica – Um desafio para a sociedade’, onde assisti uma palestra incrível de Jonathan Osborne, professor da Universidade de Stanford, que mostrou dados alarmantes sobre a diferença entre ‘o que’ e ‘como’ os alunos querem aprender, e ‘o que’ e ‘como’ os professores estão ensinando.
Mas é sinistro! NADA é capaz de mobilizar esses jovens. Tá bom… nada é exagero… Não temos recursos espetaculares (só tenho internet na sala de aula se levar meu cabo de rede e se for no subsolo… nem pensar), mas o problema vai além disso. Depois de anos e anos e anos de ensino equivocado (tudo bem, a gente não sabia o quanto equivocado era o ensino, mas já tem alguns anos que sabemos), agora temos uma geração que, mesmo se dermos as oportunidades, novas formas de ensino… eles não conseguem abandonar a indiferença com relação a formação deles.
Algo do tipo “já que eu não vou aprender nada mesmo… então não vou nem tentar mais”.
Ouvi dizer que há uns anos, jovens americanos estavam com essa atitude com relação a AIDS. “Há, se todo mundo diz que um dia a gente vai ter mesmo, então um dia a mais ou a menos não vai fazer diferença e vou transar agora sem camisinha”. É por isso que eu não gosto de abordagens alarmistas para combater desinformação e descompromisso: você arrisca criar indiferença.
Os alunos aceitaram o pacto pela mediocridade que reina na universidade, na educação brasileira, hoje. Professores completamente desmotivados ‘acham’ que ensinam enquanto os estudantes desmotivados e indiferentes fingem que aprendem. Uma catástrofe que marcará o nosso país por gerações!
Vejam esse vídeo (agora sim, até o final, juro que vale a pena), que é muito bem chamado de ‘Ignorância Plural’. Os alunos ouvem por vários minutos, sem saber, um texto produzido pelo computador para soar corretamente mas NÃO fazer SENTIDO ALGUM. E ninguém, ninguém se manifesta.
Não me contive, dei um esporro.
“O transito…”, “O bandejão cheio…”, “minha mãe tá doente…” todos tinham uma justificativa. Mas quando for o dia da entrevista para entrar na pós-graduação, ou para seleção de uma vaga de emprego, nenhuma dessas explicações servirá de explicação.
Enquanto explicava que a principal diferença entre nós e os outros animais é que conseguíamos pensar não apenas em recompensas imediatas, com os cães que farejam qualquer coisa por um biscoito e os golfinhos que fazem piruetas por sardinhas, mas conseguíamos ludibriar, com muita abstração, os nossos instintos primários de recompensas imediatas (jogar videogame, ficar no telefone brincando no FB, bater papo) com o valor das recompensas a longo prazo (ser incluído sócio-economicamente na sociedade).
Mas parece que a única coisa que eles aprenderam foi o conselho de David Dobel, personagem de Woody Allen no Filme ‘Anything Else’: “Ao longo da sua vida Falk, não faltarão pessoas pra te dizer como viver. Elas terão todas as respostas, o que você deve fazer, o que você não deve fazer. Não discuta com elas. Diga ‘Sim, brilhante, brilhante idéia”, e, em seguida, faça o que você quiser.”
E eles não querem fazer nada!
Sim, as aulas podem ser melhores, os cursos podem ser melhores. Mas como ouvi a psicóloga Rosely Sayão falar: sem disciplina, foco e trabalho, não há aprendizagem!
É triste, mas estes já estão perdidos. Como é que vamos salvar a próxima geração?
Sobre Beagles e Exoesqueletos
Hesitei em entrar nessa discussão por duas razões: primeiro porque não sou um especialista em ética ou em uso de animais em pesquisa; segundo, porque não acho que exista qualquer coisa que possa ser dita que vá aplacar a motivação daqueles que acreditam que os testes científicos em animais sejam um problema.
A triste verdade é que, com 50% da nossa população beirando o analfabetismo funcional, é extremamente difícil conseguir convencer as pessoas com argumentos técnicos e lógicos. E é por isso que eu acredito que as tentativas dos meus colegas cientistas que entendem muito mais do assunto do que eu para explicar a importância e o cuidado dos cientistas no uso dos animais, tem sido infrutíferas: seus argumentos técnicos funcionam apenas na legião de convertidos capaz de entendê-los e não conseguem alcançar para além deles, a grande massa de excluídos científicos que, sem noção do que é o método científico ou como as coisas que eles usufruem no dia a dia são possíveis, vivem a margem da compreensão das coisas, baseando suas decisões apenas em emoções e percepções superficiais dos problemas.
Quando alguns alunos viram esse vídeo de personalidades falando em defesa dos ‘pobres animais indefesos’, vieram me pedir para fazer um vídeo legal, bem produzido, numa linguagem acessível, sobre a importância do uso de animais em pesquisa.
Mas a verdade é que seria inútil.
, cito Dobzhansky, quando ele diz algo como “quando as conclusões forem desagradáveis, não importa o quão boa seja a explicação ou os fatos: as pessoas irão recusá-las”
Ainda assim, fiquei irritadíssimo ao assistir o tal vídeo: É lamentável que personalidades como essas se disponham a falar de um tema o qual não entendem minimamente, para o qual não apresentam qualquer argumento técnico ou evidência objetiva. Carl Sagan (que eu imagino eles não saibam que foi) disse muito bem: “As pessoas aceitam os produtos da ciência, mas recusam os seus métodos”. Eu gostaria de chamar de hipocrisia, mas é só uma triste falta de conhecimento mesmo.
Conhecimento que textos como esse da neurocientista Lygia Veiga ( A Escolha de Sofia: Os Beagles ou eu, mostra. Nós sabemos o quanto é difícil desenvolver modelos alternativos porque é justamente isso que estamos fazendo no laboratório: Nosso grupo de pesquisa é um dos que não trabalha com animais de sangue quente e sistema nervoso complexo em laboratório, e que se esforça para desenvolver modelos alternativos, que permitam, quando for possível (e é isso que estamos tentando determinar) usar invertebrados como ostras, mexilhões, caranguejos e camarões, em pesquisa biomédica. Bivalves produzem heparina e um monte de outras substâncias úteis para humanos. O primeiro passo para usar esses animais com um sistema nervoso bem primitivo em pesquisa, é conhecer seus genes. É isso que nosso grupo vem fazendo há mais de 3 anos, mas que só agora conseguimos publicar. Ainda assim, com dados preliminares.
Mas nada parece aplacar a ira dos ‘black ALF blocks’, que estão ameaçando pesquisadores e institutos de pesquisa nas redes sociais. E até mesmo meus amigos com grande treinamento em ciência tem postado comentários revoltados nos textos que compartilho na funpage do VQEB no Facebook.
Sob pena de ser julgado pela minha contundência, tenho de afirmar que eles estão equivocados e que nenhuma argumentação ética ou filosófica sobre esse argumento pode se sustentar.
A natureza é Amoral. Tente aplicar ética e moral a natureza e… vamos gerar conflitos irreconciliáveis.
Nos damos ao luxo de discutir o bem estar animal hoje, quando a competição por recursos DENTRO da nossa espécie foi minimizada pela agricultura e… a criação de animais. Por que se acabarmos com os supermercados e restaurantes, não nos preocuparemos nem mesmo com o próximo. Será cada um por si, como está ‘escrito’ nos nossos genes.
Todas, eu disse TODAS, as espécies animais e vegetais exploram o seu ambiente, o que inclui outros animais e vegetais.
Da mesma forma que não podemos acabar com a poluição, porque a segunda lei da termodinâmica dita que não há uso de energia sem produção de resíduo, não creio que seja possível acabar com a exploração animal e vegetal.
Isso não é um argumento para um ponto de vista ou outro: é uma constatação! A natureza é Amoral e não existe certo ou errado, bom ou ruim… o que existe são ‘Estratégias Evolutivamente Estáveis’: o que funciona, evolutivamente, em curto, médio e longo prazo.
Meu chute é que uma estratégia de ‘não exploração de recursos animais ou vegetais’ está fadada a não permanência no pool gênico das gerações futuras. Da mesma forma, não acredito que estratégias de exploração exaustiva fiquem para contar história.
Mas será que seremos nós a decidir? Eu acho que não. Acho que nos extinguiremos como espécie antes disso. É preciso ser mais inteligente do que nós somos, ou menos sensível aos nossos instintos, para criar uma estratégia evolutivamente estável no que tange a exploração de recursos, sejam eles animais, vegetais ou minerais.
Até lá, vamos fazer o melhor que podemos, o que inclui implantar cirurgicamente eletrodos na cabeça (no cérebro) de uma criança tetraplégica para que ela consiga operar uma roupa experimental com o pensamento e dar o ponta pé inicial da copa do mundo do Brasil.
Por que o Papa é pop?
Quando assisti ‘Contato’, de Carl Sagan, um trecho me impressionou especialmente. E não tinha nada a ver com a nave espacial que estava sendo construída com instruções extra-terrestres: durante a seleção de quem seria o piloto da nave, que representaria a humanidade no contato com uma outra civilização, a astronauta representada por Jodie Foster, apesar de ser a melhor candidata, foi rejeitada por não acreditar em Deus. Um dos responsáveis pela seleção disse a ela: “Nossa missão era escolher alguém para falar por todos. Eu não poderia votar numa pessoa que não acredita em Deus. Alguém que acha honestamente que 95%dos seres humanos sofrem de uma ilusão coletiva.”
Sou ateu convicto, daqueles que como Richard Dawkins faz pouco até dos agnósticos (que para mim, como para ele, não tem coragem de assumir o ateísmo), mas esse número me impressiona: O que faz com que 95% da população humana sinta a necessidade de acreditar em um Deus? Qualquer um?
Eu entendo ir pra Copacabana e passar a noite inteira em uma festa de 3.000.000 de pessoas. Fiz isso para ver os Rolling Stones, o Ano Novo. Fiz pior para ver a Timbalada no carnaval de Salvador. Se as músicas fossem boas talvez eu até fosse pra lá também. Só pela festa (mas não era o caso. Apesar de muito menos chatos que os evangélicos, os católicos são chatos também). Mas a necessidade autentica em acreditar em magia e milagre, de racionalmente negar a razão e se submeter aos caprichos e vontades de uma entidade superior a você? Para mim é um retrocesso no avanço cultural e científico da humanidade.
Mas 95%… é um percentual alto. Se fosse uma análise estatística, seria até significativa. Será que existe uma razão racional, até biológica, não para a Deus, mas para a necessidade de acreditar em Deus?
Mais uma vez a melhor resposta que encontrei para essa pergunta está no livro de Desmond Morris, ‘O macaco nu’
“Já que falamos em religião, talvez valha a pena observar mais de perto essa estranha forma de comportamento anima (…) O assunto não é fácil, mas, como biólogos, devemos fazer o possível para observar o que se passa na verdade. Se o fizermos, teremos forçosamente de concluir que, em sentido comportamental, as atividades religiosas consistem na reunião de grandes grupos de pessoas que executam longas e repetidas exibições de submissão, no intuito de apaziguar o indivíduo dominante. Esse indivíduo dominador assume muitas formas nos diferentes tipos de cultura, mas conserva sempre um fator comum: um poder enorme. (…) As respostas submissas que lhe são oferecidas podem consistir em fechar os olhos, baixar a cabeça, pôr as mãos em atitude de súplica, ajoelhar, beijar o solo, ou mesmo chegar à prostração extrema, freqüentemente acompanhada de vocalizações de lamento ou de cânticos. Se esses atos de submissão são bem sucedidos, o indivíduo dominante acalma-se. Como mantém enormes poderes, as cerimônias de apaziguamento têm de ser praticadas a intervalos regulares e freqüentes, para impedir que o dominador volte a sentir-se irado. Em regra, mas não sempre, o indivíduo dominante é chamado um ‘deus’.”
“Como nenhum desses deuses existe numa forma corpórea, é o caso de perguntar por que foram inventados. Para encontrar a resposta, temos de regressar às nossas origens ancestrais. Antes de nos termos tornado caçadores cooperantes, devemos ter vivido em grupos sociais semelhantes aos que ainda hoje se vêem em outras espécies de macacos e símios. Nos casos típicos, cada grupo é dominado por um só macho. Este é ao mesmo tempo patrão e senhor todo-poderoso e cada membro do grupo tem de apaziguá-lo ou sofrer as conseqüências. O chefe é também o membro mais ativo na proteção do grupo contra os perigos exteriores e no ajuste de contendas entre os restantes membros. Durante toda a vida, cada membro do grupo gira à volta do animal dominante. O seu papel de detentor de poder absoluto dá-lhe uma posição semelhante à de um deus. Voltando agora para os nossos antepassados mais próximos, torna-se evidente que, com o desenvolvimento do espírito cooperativo, tão fundamental para a caça em grupo, a aplicação da autoridade do indivíduo dominante teve de ser muito limitada, para conservar a lealdade ativa (e não passiva) dos restantes membros. Era preciso que estes últimos quisessem ajudar o chefe, em vez de se limitarem a temê-lo. Para isso, o chefe tinha de ser cada vez mais como ‘um dos outros’.”
“O antigo macaco tirano teve de desaparecer, para ser substituído por um chefe macaco pelado, mais tolerante e cooperante. Tratava-se dum passo essencial para a organização de um novo tipo de ‘entreajuda’, mas criou um problema. O domínio total do membro n.° 1 do grupo foi substituído por um domínio qualificado, de forma que aquele não podia impor uma lealdade cega. Embora essa mudança tenha sido vital para o nosso novo sistema social, deixou, no entanto, uma lacuna. Devido aos nossos antecedentes, conservamos a necessidade de uma figura todo-poderosa que mantivesse o grupo sob um certo controle, e a vaga foi preenchida com a invenção de um deus. Dessa forma, a influência da figura-deus inventada podia funcionar como uma força complementar da influência progressivamente decrescente do chefe do grupo.”
“À primeira vista, surpreende como a religião tem tido tanto sucesso, mas o seu enorme poder nos dá apenas a medida da força da nossa tendência biológica fundamental, herdada diretamente dos macacos e símios nossos antepassados, para nos submetermos a um membro do grupo dominador e todo-poderoso. Por esse motivo, a religião tem-se revelado extremamente valiosa como mecanismo de coesão social, e é mesmo possível que a nossa espécie não tivesse progredido tanto sem ela, dado o conjunto especial das circunstâncias que acompanharam a nossa evolução.”
Pelo visto, vamos ter que conviver com isso até evoluirmos para perder esse traço de submissão da nossa personalidade.
'Brothers in arms' – Quando a cooperação leva a guerra
“Como funciona a agressão? Que tipos de comportamento envolve? Como é que nós nos intimidamos uns aos outros? Temos, mais uma vez, de olhar para os outros animais. Sempre que um mamífero se torna agressivamente excitado, passa-se no seu corpo um certo número de alterações fisiológicas básicas. Todo o organismo vai se preparar para a ação, através do sistema nervoso autônomo. Esse sistema compõe-se de dois subsistemas opostos que se contrabalançam — o simpático e o parassimpático. O primeiro é responsável pela preparação do corpo para atividades violentas, o segundo tem a função de manter e reconstituir as reservas do corpo. O primeiro diz: “Está pronto para a ação, pode começar”; o segundo diz: “Tome cuidado, modere-se e conserve a sua força”. Em condições normais, o corpo presta atenção a ambas as vozes e mantém-se equilibrado. Mas, quando ocorre agressão violenta, o organismo apenas escuta o sistema simpático. Quando este é estimulado, aumenta a adrenalina no sangue e todo o sistema circulatório é profundamente afetado. O coração bate mais depressa e o sangue que circula na pele e nas vísceras é desviado para os músculos e para o cérebro. A pressão arterial aumenta. Acelera-se a produção de glóbulos vermelhos. O sangue coagula mais rapidamente do que em condições normais. Além disso, interrompem-se os processos de digestão e de armazenamento dos alimentos. A salivação é inibida, assim como os movimentos do estômago, a secreção de sucos digestivos e os movimentos peristálticos dos intestinos. O reto e a bexiga esvaziam-se com mais dificuldade do que normalmente. A reserva de hidratos de carbono é expelida do fígado, provendo o sangue de açúcar. A atividade respiratória aumenta. A respiração torna-se mais rápida e profunda. Os mecanismos reguladores da temperatura são ativados. Os cabelos põem-se em pé e há intensa sudação.”
Abre parênteses: Me permito, muito raramente, escrever com o texto de outros autores, sempre dando o devido crédito, é claro, porque simplesmente tem tanta coisa boa já escrita. As vezes do mesmo jeito exa
to que eu gostaria de escrever. Outras vezes só porque eu quero dizer par ao autora: cara…. como você mandou bem! Esse é o caso de Desmond Morris e ‘O Macaco Nu’. Alguns amigos as vezes me acusam de citar um livro. Não me sinto ofendido. Eu sei quantos livros já li. Eu fico com pena deles. Eu estou tentando quebrar o preconceito deles com as palavras e exemplos mais poderosos que tenho ao meu dispor e várias vezes elas vêm de um livro como ‘O Andar do bêbado’ de Leonard Modlinow. Mas preconceitos não caem facilmente e eles se apegam a argumentos como “você só sabe falar de um livro” pra justificar a manutenção das suas crenças arraigadas. Fecha Parênteses.
Mas mesmo com o corpo todo preparado, vale a pena lutar? A descrição de Desmond Morris e ‘O Macaco Nu’ é excelente.
“Com todos os seus sistemas vitais ativados, o animal está pronto para se lançar ao ataque. Mas há um obstáculo. A luta sem tréguas pode conduzir a uma vitória valiosa, mas pode igualmente acarretar sérios prejuízos para o vencedor. O inimigo não só estimula a agressão, mas também o medo. A agressão empurra o animal para a frente, o medo o faz recuar. Produz-se uma situação de intenso conflito interior. Tipicamente, um animal excitado para a luta não se atira de cabeça para o ataque. Começa por ameaçar que vai atacar. O conflito interior o sustem, já preparado para o combate, mas ainda não completamente pronto para começar. Nessa altura, é sem dúvida melhor que a atitude do animal seja suficientemente impressionante para intimidar o inimigo e esse se ponha em fuga.”
“A vitória pode ser obtida sem derramamento de sangue. Se a espécie é capaz de resolver as disputas sem grande prejuízo para os seus membros, não há dúvida de que se beneficia tremendamente do processo. Em todas as formas superiores de vida animal se tem verificado uma forte tendência nesse sentido — o sentido do combate ritualizado. A ameaça e a contra-ameaça foram substituindo em grande parte o combate físico propriamente dito.”
“Claro que ai
nda existem de vez em quando lutas sangrentas, mas apenas como último recurso, quando as atitudes e contra-atitudes agressivas não chegam para resolver uma disputa. A intensidade dos sinais que exteriorizam as alterações fisiológicas atrás referidas indica ao inimigo a intensidade da violência com que o animal agressivo se prepara para a ação.”
Todos nós, TODOS, já sentimos isso, essas mudanças fisiológicas. Chegou a apostar que sentimos até várias vezes ao dia. So sangue sobe a cabeça, você quer brigar com todo mundo: do funcionário do banco ao seu irmão ou irmã. Em geral o medo nos impede de prosseguir. Todo mundo tem medo e nossos principais medos são de duas coisas: violência física e abandono. Quando não é o medo, pode ser a nossa razão a nos segurar: Será esse o caminho para o que eu quero/preciso? Será que vale mesmo a pena? Quando nem o medo e a razão funciona, temos a polícia: que poderia sim funcionar como uma grande consciência, estando alí e tem lembrando do que é o correto, mas também pode, como tem feito, tentar te conter ao impingir medo, baixando a porrada.
O combate ritualizado foi um grande ganho evolutivo e certamente evitou a extinção de muitas espécies. Essa estratégia evoluiu, para garantir ainda mais a segurança dos combatentes, aumentando ao máximo a distância entre os combatentes. Nós, humanos, somos o ápice desse combate ritualizado, realizando guerras a distâncias continentais. Fomos tão bem sucedidos que exageramos na dose, e o que poderia ser a nossa glória, agora pode ser a nossa ruína.
“As lanças podem funcionar a distância, mas têm raio de ação muito limitado. As setas são melhores, mas falta-lhes precisão. As espingardas representaram um melhoramento dramático, mas as bombas, lançadas
do céu, podem ser ainda lançadas a maior distância, e os foguetões intercontinentais levam ainda mais longe o ‘golpe’ do atacante. Resulta de tudo isso que os rivais, em vez de serem vencidos, são indiscriminadamente destruídos. Como já expliquei, quando se desenvolve agressão ao nível biológico no interior de uma espécie, as coisas não se limitam a matar o inimigo, mas acabam por destruir a própria espécie. A fase final de destruição da vida costuma ser evitada quando o inimigo foge ou se rende. Em ambos os casos, termina o encontro agressivo: resolve-se a disputa. Mas, uma vez que o ataque se faz a tão grandes distâncias, os vencedores não conseguem ver os sinais de apaziguamento emitidos pelos vencidos e a agressão violenta transforma-se em devastação. A única forma de interromper a agressão é através da submissão mais degradante, ou da fuga precipitada do inimigo. Como nenhuma delas pode ser presenciada na moderna agressão a longa distância, a matança em larga escala atinge proporções muito maiores do que as alcançadas por qualquer outra espécie precedente”
Essa perda de controle do processo da agressão gerada pelo aumento da distância entre combatente foi maximizado pelo alto grau de cooperação que nossa espécie possui, levando a produção de ainda mais danos!
“O poderoso instinto de nos ajudarmos mutuamente tornou-se hoje suscetível de intervir poderosamente quando se geram conflitos agressivos entre os membros da espécie. A lealdade na caça transformou-se em lealdade na luta, e assim nasceu a guerra. Por uma verdadeira ironia, o nosso profundo instinto de ajudar o próximo desenvolveu-se de forma a constituir a principal causa dos horrores da guerra. Foi ele que nos levou a formar bandos, grupos, hostes e exércitos mortais. Sem ele, não haveria coesão e a agressão se manteria ‘personalizada’.”
Já me aproveitei do Morris até aqui, então vou deixar ele concluir também:
“Qualquer animal quer derrota, mas não assassínio; a agressão visa à dominação e não à destruição. Aparentemente, não somos diferentes das outras espécies, a esse respeito. Nem há qualquer razão para sermos diferentes. Simplesmente, tudo aconteceu por causa da associação viciosa do ataque a distância com a cooperação de grupo, e os indivíduos envolvidos na luta deixaram de ver o objetivo inicial. Atualmente, os lutadores atacam mais para apoiar os seus camaradas do que para dominar os inimigos, e quase não há possibilidade de exprimir a suscetibilidade de reagir perante o apaziguamento direto. Essa infeliz evolução pode acabar por ser a nossa ruína e conduzir à rápida extinção da espécie.”
Uma peça fundamental nisso tudo é o hormônio testosterona. Mas esse história fica pra outro dia.
Seriam os seres humanos essencialmente bons?
“Uma minoria de vândalos”
A frase passou da boca dos manifestantes, que queriam demonstrar para a sociedade que as imagens apresentadas pelos jornais e autoridades, como justificativa para o comportamento da PM; para as editorias dos próprios jornais, como anteciparam tantos dos meus amigos menos ingênuos, para que toda sorta de políticos e autoridades possam se apropriar das manifestações, contrárias a eles, que estão nas ruas.
“Deixem as ruas sem polícia e vamos ver o que dirão os manifestantes depois de 2 dias…” dizia um outro amigo, republicano radical, mas coberto de razão: assustados com a violência dos manifestantes para com o patrimônio público, com a polícia e com os próprios manifestantes, a galera mais tranquila dos protestos está assustada.
O que me chama atenção nos protestos do país do carnaval é a doce e ingênua ilusão, amplamente arraigada e difundida, que o ser humano, e especialmente o brasileiro, é, essencialmente, bom. Essa é uma gigantesca falácia que não encontra nenhuma sustentação na nossa história biológica ou cultural.
Explico.
Quando o clima começou a muda há cerca de quinze milhões de anos e as florestas que cobriam a europa e a Asia começaram a desaparecer, os símios resolveram descer das árvores e lançarem-se na vida terrestre, competindo com os outros animais, altamente especializados, que dominavam o pedaço. Para sobreviver, Ou se tornavam melhores assassinos que os carnívoros já experimentados, ou melhores pastadores que os herbívoros já existentes. Fomos bem sucedidos em ambos os setores, mas a agricultura, fruto da cultura, demorou muito para aparecer. Por outro lado, como diz Desmond Morris no sensácional livro ‘O Macaco Nu’ “era fácil apanhar animais jovens de todas as raças, desprotegidos ou doentes, e o primeiro passo para se tornar carnívoro não foi muito difícil.”
Compreender as mudanças de comportamento decorrentes dessa mudança de dieta é fundamental.
“passamos de vegetarianos a carnívoros (…) uma grande transformação desse gênero produz um animal com dupla personalidade. (…) Assume-se o novo papel com grande energia evolutiva (…) Ainda não houve tempo para se libertar de todos os velhos traços, mas apressa-se a adquirir novas características. Desenvolvemo-nos essencialmente como primatas de rapina. (…) Todo o seu corpo e modo de vida foram desenvolvidos para viver entre as árvores e, subitamente (em termos de evolução…), foi projetado num mundo onde apenas poderia sobreviver se se comportasse como um lobo inteligente e colecionador de armas.” , diz Desmond.
E continua: “A princípio, o macaco pelado não podia competir com os assassinos profissionais do mundo carnívoro. (…) um gato grande, era mais exímio em matar. (…) Os primeiros macacos terrestres possuíam já grandes cérebros de alta qualidade. Tinham bons olhos e mãos capazes de agarrar eficientemente as presas. Pelo fato de serem primatas, tinham também, inevitavelmente, um certo grau de organização social. À medida que as circunstâncias os obrigavam a aperfeiçoar-se na matança das presas, começaram a ocorrer modificações vitais: tornaíam-se mais eretos — correndo melhor e mais rapidamente; as mãos libertaram-se das atividades locomotoras — permitindo empunhar armas com mais força e eficácia; os cérebros tornaram-se mais complexos — tomando decisões mais rápidas e inteligentes. Tudo isso não se sucedeu segundo uma ordem bem estabelecida (…) uma competição baseada nas condições já existentes, (…) , originando um assassino mais parecido com o cão ou com o gato, (…) poderia ser desastroso para os primatas. (…) Em vez disso, fez-se uma tentativa completamente nova, em que se empregaram armas artificiais em lugar de armas naturais, o que dou resultado. (…) Pouco a pouco ia se formando um macaco caçador, um macaco assassino.“
Foi quando a coisa começou a ficar perigosa para a nossa espécie. Ou, quando nós começamos a ficar perigosos para a nossa própria espécie.
“Para compreendermos a natureza dos nossos instintos agressivos, temos de encará-los segundo a nossa origem animal. A nossa espécie está atualmente tão preocupada com a violência e com a destruição em massa, que somos capazes de perder objetividade ao discutir esse assunto. Ê um fato comprovado que os intelectuais mais sensatos se tornam muitas vezes violentamente agressivos quando discutem a necessidade urgente de suprimir a agressão.”
Como isso funcionava com os nossos antepassados primatas omnívoros e com os carnívoros ‘puros’?
“Entre os primatas, não há muito espírito cooperativo, como sucede entre outros animais — os lobos, por exemplo — que caçam em grupo. Existe sobretudo competição e dominação. Claro que em ambos os grupos existe competição na hierarquia social, mas no caso dos macacos e símios não há atividades cooperativas que a atenuem. (…) [Já para os carnívoros] no decurso de encontros sociais, as armas selvagens, tão importantes para a caça, constituem uma ameaça potencial para a vida e são utilizadas para resolver as mais íntimas disputas e rivalidades. Quando dois lobos ou dois leões se zangam, ambos estão tão fortemente armados, que, em questão de segundos, a luta pode originar mutilação ou morte. Isso podia ameaçar de tal maneira a sobrevivência das espécies, que, durante a longa evolução em que foram aperfeiçoando suas mortíferas armas de caça, os carnívoros tiveram igualmente necessidade de criar poderosas inibições quanto ao uso das armas contra os outros indivíduos da própria espécie. Tais inibições parecem ter uma base genética específica: não precisam ser aprendidas. Criaram-se posturas submissivas especiais, as quais apaziguam automaticamente um animal dominador e inibem-no de atacar.”
Mas para que lutar? Existem duas razões: ou para estabelecer domínio numa hierarquia social, ou para estabelecer os direitos em um território.
“Algumas espécies são puramente hierárquicas e outras puramente territoriais. Outras [ainda] mantêm hierarquias nos seus territórios e têm de encarar ambas as formas de agressão. Pertencemos ao último grupo: temos os dois problemas. (…) [com um agravante] a prolongada fase de dependência dos mais novos, que levou à adoção de unidades familiares unidas aos pares, exigia (…) que Cada macho passasse a defender a sua própria habitação no interior do grupo. (…) Como cada um de nós sabe por experiência própria, essas formas de agressão ainda hoje são bem manifestas, apesar das complexidades da sociedade atual.”
Apesar do que os muitos antropólogos (e eu sou fã e amigo de Massimo Canevacci e Alba Zaluar), sociólogos (e sou também fã e amigo de Domenico De Masi) e cientistas políticos falarão sobre os eventos dos últimos dias, cada um com uma explicação diferente (ou não) para os eventos, todos eles, TODOS, sem exceção, terão uma coisa em comum: ignorarão o papel dos nossos traços instintivos e heranças biológicas e relíquias comportamentais do nosso lado animal.
Não existe bom ou ruim. Por milhões de anos, para nos impormos como espécie, precisamos colocar em prática os nossos instintos mais violentos e conseguir outros. Somos violentos! Somos muito violentos! E ainda vamos precisar de muitos anos de escola e família, abundância de recursos e de um monte de outras coisas, para abandonarmos essa furia. Até lá… eu acho melhor não ignorar isso.
Capacete do Magneto
Ontem dei uma palestra sobre o método de ensino que estou empregando na disciplina de Biofísica para Biologia na UFRJ, que eu carinhasamente chamo de ‘de muitos para muitos‘, a convite dos professores Stevens Rehen e Marília Zaluar no Instituto de Ciências Biomédicas, também da UFRJ. O nome do evento era “O Futuro da Educação”.
O evento foi de altíssimo nível! Curto, objetivo, preciso. Mas temo que tenha sido inócuo. As pessoas na universidade, docentes principalmente mas também muitos alunos, não estão preparados para mudanças. NENHUMA mudança! E ao que parece não estarão preparados nunca!
“Eles estão usando o capacete do Magneto para que nenhuma onda cerebral externa entre” disse outro professor. O mais engraçado é que esses, aqueles, professores nem vão entender a piada. Aposto que não conhecem o Magneto.
O pior é que nenhuma crítica relevante apareceu. Tenho certeza que o método que descrevi aqui no blog em mais de 10 posts tem falhas e fraquezas, e um momento desses é importante para que professores experientes te ajudem a encontrá-las. Mas não. Ao que parece, se limitaram a encontrar um ou outro erro nos vídeos que os alunos fizeram, além, é claro, de criticar o uso do Funk como instrumento de linguagem. O preconceito deixou manchas no carpete do auditório. Não, eu não gosto de funk. Aliás, detesto. Especialmente o Lek, lek, lek whatever. Mas dai a negar o funk como movimento cultural legítimo… vocês não vão me ver fazendo isso.
como é que se avaliava antes das provas? Como as provas foram criadas com a educação em massa. porque hoje se sabe que não funcionam e porque uma nova forma de avaliar não pode ser avaliada com a métrica antiga e sim com princípios fundamentais que são justamente como a neurociência está mostrando que se aprende e como se deve ensinar.
Criticaram o que eu já sabia que iam criticar: como avaliar o modelo. Na verdade essa é a minha dúvida. A deles foi Como avaliar a aprendizagem do aluno.
Porra… será que não me ouviram falar por 30 minutos? Esse modelo foi criado JUSTAMENTE porque o modelo vigente de avaliação de aprendizagem dos alunos, qualquer que ele seja, NÃO FUNCIONA!
Sei, esse post está parecendo choro de botafoguense… Ia falar sobre o método de avaliação, mas vou parar por aqui.
Apropriação indébita
Eu sou muito emotivo, mas também sou muito apegado a regra. Sem ela, nao podemos ter o que Massimo Canevacci definiou brilhantemente hoje como a “imaginação exata”, aquela que produz coisas no mundo real. E por isso, quando torturam a regra, a minha regra, a ciência, eu ficou muito, muito incomodado. Não… Agora eu estou é puto mesmo!
Estou em Paraty em um evento organizado para refletir os caminhos para o futuro do Brasil. Super ‘selecionado’, supostamente, com a nata da intelectualidade brasileira, capaz de propor esses caminhos. E o que eu vejo e ouço? A apropriação indébita, incorreta e inconsequente de conceitos biológicos pelos cientistas sociais.
A biologia evoluiu muitíssimo nas últimas décadas. Especialmente a biologia evolutiva e a neurociência, com base nas técnicas de manipulação genética e celular. Isso proporcionou o acúmulo de um amplo e sólido corpo de evidencias biológicas, capazes de explicar comportamentos humanos. E por isso a ciência, ainda que distante da sociedade, se tornou fundamental para validar critérios e acreditar opiniões.
Então, intelectuais de ‘Meia cultura e falsa erudição’, como disse Ina Von Binzer ainda no Séc XIX, se apropriam de conceitos poderosos como gene, DNA, neurocientífico, significativo… até epigenética, para corroborar ideias, opiniões e pré-conceitos sociológicos, antropológicos, pedagógicos… insustentáveis!
“A ciência mostrou isso! Vamos falar de neurociência: está tudo lá na mitocondria! O Neguinho da Beija-Flor tem 70% dos seus genes brancos. A raça se consolida com a cultura! “
Pelo amor de Darwin! Como pode um psicólogo falar tantas besteiras em uma frase só?! A neurociência está na moda, no Brasil e no mundo, com todas as coisas bacanas que pessoas como Stevens Rehen, Suzana Herculano e Miguel Nicolélis fazem. Aí o cara resolve colocar ‘neurociência’ na apresentação dele. Só que ele não sabe nada disso! E nem da pesquisa do famoso geneticista mineiro Sérgio Pena, que usa genes mitocondriais para determinar ancestralidade (já que herdamos as mitocôndrias apenas de nossas mães, geração após geração). Só que o objetivo dessas pesquisas é justamente mostrar que a genética não sustenta o conceito de raças, que duas pessoas brancas podem ter mais diferenças entre os genes que um branco e um negro.
“A nova ciência da epigenética provou que o ambiente é mais importante que os genes para determinar a felicidade das pessoas”
Eu não acredito na humildade como força modificadora e acho que um dos ingredientes mais importantes do sucesso é saber reconhecer a diferença entre o que se sabe e o que não se sabe. Eu já ouvi falar tanto de Paulo Freire que sinto como se o conhecesse, mas a verdade é que li apenas um livro seu e não me considero capaz de falar em seu nome.
Então, por favor, estudem antes de falar dos genes. É difícil, eu sei. Como disse Domenico de Masi hoje “imparare è sempre faticoso” (aprender é sempre cansativo). Mas isso não justifica ou autoriza a apropriação indébita.
Onde está o cientista?
O carnaval está terminando e eu ainda não fiz o meu post sobre a(s) folia(s).
Eu ia falar, como todo ano, pra todo mundo usar camisinha, mas esse ano tenho um babado mais forte (mas por via das dúvidas, acabo de escrever um post curtinho e bonitinho falando pra todo mundo usar camisinha).
Eu vou chegar no babado forte, mas queria começar com essa foto clássica de Albert Einstein. Quando ele mostrou a lingua para o paparazzi que o estava atormentando no dia do seu 72o aniversário, acho que não pensou que estaria fazendo um desserviço a ciência. Ele só queria ser deixado em paz e quando o fotografo pediu para ele sorrir, botou a lingua pra fora. Mas acabou se tornando um símbolo da estranheza dos cientistas. Se juntou a tantas outras histórias, mais ou menos verídicas (como a que Einstein tinha apenas ternos iguais assim não precisaria se preocupar com o que vestir e podia utilizar a sua mente brilhante para coisas mais importantes), de como os cientistas são estranhos.
Quando comecei esse blog em 2005 um dos meus objetivos era justamente lutar contra essa imagem esteriotipada do cientista, que infelizmente persiste até hoje. Não que tenha algum problema ser estranhos. E é exatamente esse o ponto: de médico e louco todo mundo tem um pouco! Só que parece que os cientistas tinha mais de louco e isso foi afastando as pessoas, principalmente os jovens, da ciência. E isso não é bom. Principalmente porque não vejo nenhuma foto mostrando o quanto o Silas Malafaia é estranho (e perigoso) e quando 80% dos meus alunos de ciências biológicas se dizem evangélicos.
Ainda que muitas pessoas reclamem do seriado The Big Bang Theory justamente porque ele aumentaria esse esteriótipo, eu discordo. TBBT humaniza os cientistas, que tem suas estranhices esteriotipadas, mas tem problemas iguais aos de todo mundo e, ao contrário do Mackgiver, não são problemas que a ciência possa resolver.
Cientistas, principalmente os cariocas, gostam de cerveja, praia, futebol e carnaval. Entre outras coisas e não necessariamente nessa ordem. E estão em todos os lugares que as outras pessoas estão. Até no melhor bloco de rua do carnaval do Rio, a Orquestra Voadora. Você consegue encontrar o cientista?
Abre parênteses: Só temo que, se conseguir, acabe por confirmar o esteriótipo. Mas não me leve a mal, é carnaval! Fecha Parênteses.
Fazer ciência é legal!
Capacete no Canário
Todo ano, no carnaval, escrevo um post sobre a(s) folia(s).
E todo ano ele é um lembrete para sair de casa com camisinha. Qualquer que seja sua fantasia.
Mas o carnaval esse ano foi empenhativo e eu não consegui escrever. Mas não tem problema, porque esse lembrete é importante o ano todo. Então, passo adiante o depoimento do MEU bloco preferido: Capacete no canário!
Para vencer a astrologia
Em 1990 eu estava no segundo ano da universidade quando fui pela primeira vez a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Era o meu primeiro Encontro Nacional de Estudantes de Biologia (ENEB). Fui com Milton Moraes, hoje coordenador da pós-graduação da Fiocruz e mais uma galera da Bio UFRJ. Ninguém sai impune de um ENEB e eu certamente não sai. Fui a todos os outros durante toda a minha graduação (e alguns depois dela também). Fiz ali amigos para o resto da vida como minha querida Nádia Somavilla, que então era aluna de Biologia da Universidade Federal de Santa Maria. ‘Dançando Lambada’, do Kaoma, era o hit do momento (em todo o mundo) e eu lembro super bem de tantas coisas desse evento, que é de questionar se tudo que eu li esse ano sobre a fugacidade da memória é verdadeiro. Dormíamos no chão das salas de aula e o banho era frio, mas ali vi o Carlos Minc falar pela primeira vez e descobri o que era o movimento estudantil. Além, é claro, do Carimbó, com a sempre marcante delegação da UFPA. Lembro até de dirigir o FIAT UNO do Milton pelo campus, o que só aumentou hoje a minha surpresa, ao voltar a UFRRJ, quando me deparei com o belíssimo campus da universidade. Fui a convite da minha amiga, a jornalista e professora Alessandra Carvalho, falar sobre divulgação científica, dividindo a mesa com a também jornalista Eveline Teixeira, da Universidade Federal do Mato Grosso.
Eu não preciso de muito estímulo pra ir falar do meu blog. Principalmente agora que posso levar meu livro a tira colo. (fique até pensando, depois, se tinha alguma estória do ENEB no livro, mas acho que não. Ou será que falei daquela gaúcha de 1,90m da UFRGS que dançava lambada de mini-micro saia?) Mas quando cheguei lá, no cair da tarde, a beleza dos pastos e dos prédios me impactou.
Talvez por isso, apesar de ter falado bem (no sentido de conseguir dizer tudo que tinha pra falar), respondi pessimamente a melhor pergunta que foi feita na tarde. A pergunta era tão boa, que eu pedi para a Eveline deixar eu dar um aparte, mas como diria a minha irmã, eu sou daqueles caras que tem a resposta perfeita para um discussão, 2h depois dela ter acabado. A pergunta de um rapaz foi: “Todos os grandes jornais do Brasil e do mundo tem páginas e seções de horóscopo. Mas quase nenhum (mais) tem de ciência. Todos querem saber de astrologia e ninguém quer saber de astronomia. Por que perdemos tantos espaço para o esoterismo (hoje acertei Daniela Peres – na semana passada havia escrito esoterismo com ‘x’) e como podemos recuperar esse espaço?”
Essa pergunta está na raiz do problema! Ela é a principal razão pela qual precisamos divulgar ciência. A resposta da Eveline foi boa, mas foi padrão: “porque a ciência é difícil, está longe da vida das pessoas, enquanto o horóscopo… quem não quer saber se vai encontrar o amor da sua vida?”
Mas eu acho que não é só isso. Quer dizer, SEI que não é só isso. Não é a questão da dificuldade. Aprendi que as pessoas, as normais, não NERDS, só gostam e só se interessam por histórias. De preferência com outras pessoas. E é por isso que as pessoas gostam tanto de astrologia. Não, não tem nada a ver com astros, planetas, mapas, modelos malucos com cálculos absurdos: tem a ver com pessoas. Como se comportar em relação a você e em relação as pessoas a sua volta. Nada prende mais a nossa atenção do que isso!
E ai cometi a grande gafe: disse pro rapaz que não havia nada que pudéssemos fazer e que dificilmente ganharíamos da astrologia. A ciência é efetivamente muito difícil e está se afastando cada vez mais da escala das coisas que interessam as pessoas, para escalas, astronômicas ou moleculares, que pouquíssimas pessoas entendem.
E foi só duas horas depois, dirigindo, voltando para o Rio, que eu vi o quão errada foi a minha resposta. Caramba, toda a minha luta, método de trabalho, textos no blog, livro, é pra mostrar que SIM! A ciência não só pode ser interessante como ela É mais interessante que a astrologia. E SIM (!!!) nós vamos vencer o horóscopo! Fiquei tão empolgado que perdi a saída para a linha vermelha e fui parar dentro de Caxias.
O problema dos cientistas é que tiveram que estudar tanto para se super-especializarem nos seus assuntos, que criaram uma forma de transmitir conteúdo bastante prática, porém pouco intuitiva. Os artigos científicos tem tudo que precisamos saber de forma prática e segura. Mas fria e monótona. Só estudantes e profissionais altamente motivados (e eu garanto para vocês que o estresse de uma tese é um excelente fator motivador) conseguem superar a chatice dos artigos científicos (e do papo dos cientistas também).
Quando um cientista conta uma história… bem… é esse o problema: o cientista NUNCA conta uma história. Ele sempre transmite informação, mas nunca conta uma história. Só que a história é a melhor forma de transmitir informação! Não é a mais eficiente (como o artigo científico) mas é a mais eficaz! Quem ouve uma história, aprende alguma coisa. Já quem estuda um artigo… pode aprender se não pegar no sono antes.
Só que a história não é mais intuitiva ‘por que sim’. Ou ‘por acaso’. É ciência! Nosso cérebro foi programado pela evolução para interagir com outros seres humanos e tirar a maior vantagem reprodutiva possível. Em um mundo de coisas palpáveis. O nosso cérebro, capaz de linguagem, arte e música, é a nossa ‘cauda de pavão’: o instrumento de sedução mais eficaz criado pela natureza até hoje. E porque você nunca ouviu falar disso? Bom, primeiro porque está lendo horóscopo ao invés de livros como ‘a rainha vermelha’, ‘a mente copuladora’ e ‘a guerra dos espermatozóides’. Ou ‘A verdade sobre Cães e Gatos’. Mas também porque mesmo os hábeis autores desses livros, apesar de contarem muito bem a história da ciência e dessas descobertas, não conseguem criar histórias com o que se descobre dessa ciência. E ai… a comunicação da ciência fica capenga.
Vocês já ouviram a sinfonia 25 de Mozart? Ou o ‘Inverno’ de Vivaldi? São duas obras primas que foram, obviamente, compostas pensando em sexo! Elas tem todo o ritmo de uma relação sexual perfeita! Já pensaram em um livro que conte a história da criação dessas duas músicas maravilhosas, inspiradas por mulheres por quem eles tinham um desejo incrível, subsidiadas pela anatomia e fisiologia da mente humana, evoluída desde os primatas para seduzir parceiros sexuais? Seria um best seller!!! Ia virar filme em Hollywood!!! Acho que vou até escrever esse livro 🙂
Então me deixem responder pro rapaz novamente: “Contando histórias! Nós vamos ganhar da astrologia contando histórias!”