O mais inteligente de todos
Tenho duas irmãs lindas. O que seria de mim se eu não fosse o mais inteligente?
Não me entendam mal. Minhas irmãs não são ‘loiras burras’ (ainda que uma adore ser loira). A Adriana é uma bem sucedida empresaria de gastronomia na França e a Letícia, com talento incrível para lidar com animais (excluindo os da raça humana), é a melhor veterinária do mundo! E ainda são lindas. Sobrou pra mim então ser o mais inteligente. Bom, pelo menos é o que elas dizem.
Mas não são só elas. Desde 1874 a relação sobre a ordem de nascimento e a inteligência é investigada. Na época, o autor, F. Galton, havia encontrado mais primogênitos em posições de destaque na sociedade do que ele atribuiria ao acaso. Desde então foram vários artigos, muitos deles em revistas prestigiosas como a Science (o que de maneira alguma garante a veracidade do estudo, mas ajuda).
Bom, já posso ver a minha amiga Daniela Peres exaltada, contra-argumentando que milhares de outros fatores podem ter levado os primogênitos a serem mais bem sucedidos. Bom, ela também não é a única, e muitos cientistas argumentaram que o ‘efeito primogênito’ seria na verdade uma falácia, uma relação falsa causada por fatores de confundimento dentro de famílias grandes. Mas as evidências eram tantas, inclusive vindas de estudos com gêmeos, que outros pesquisadores ainda, resolveram examinar a questão da falácia. Eles (esses últimos) mostraram, em novos artigos, que artefatos diversos não poderiam produzir os resultados observados (nem mesmo classe social das famílias): existe realmente uma relação entre a ordem de nascimento e a inteligência em nível populacional.
Abre parênteses: Em nível populacional, aqui, significa que na sua família especificamente, você pode ser o mais novo, mais bonito e mais inteligente dos irmãos, mas isso não muda o fato de se pegarmos muitas, muitas, famílias, a maioria dos mais velhos será mais inteligente que os caçulas. Fecha Parênteses.
Mas que teoria biológica poderia explicar isso? Que ‘princípio’ poderia estar na base desse fenômeno?Alguns pesquisadores sugeriram a hipótese do ‘ataque dos anticorpos maternos’: um fenômeno não comprovado mais (pouco) plausível, já utilizado para explicar outros fenômenos interessantes mas sem muito sucesso.
Então o grupo de Kristensen e colaboradores, do artigo que cito abaixo, mostrou uma coisa interessantíssima: nas famílias onde o primogênito morreu, o segundo irmão tem o mesmo QI dos primogênitos de outras famílias! E em famílias onde o primeiro e o segundo irmão morreram, o terceiro irmão apresenta o mesmo QI dos primogênitos de outras famílias (verdade seja dita, com uma variância muito maior). O fator não é biológico: é ambiental. Ou melhor, é cultural. Ou melhor ainda, familiar!
Os primogênitos estão mais expostos a linguagem adulta que os caçulas. Eles também assumem a tarefa de responder perguntas e explicar coisas para os irmãos menores. Diversos estudos já mostraram que a preparação para ensinar alguma coisa, um tema, é a que leva a melhor compreensão daquele tema.
Os irmãos mais velhos não são ‘naturalmente’ mais inteligentes. Eles ficaram mais inteligentes porque eram professores de seus irmãos mais novos.
Kristensen, P., & Bjerkedal, T. (2007). Explaining the Relation Between Birth Order and Intelligence Science, 316 (5832), 1717-1717 DOI: 10.1126/science.1141493
A verdade sobre Homens e Mulheres
Uma das coisas que aprendemos em biologia é que as pessoas são diferentes, mas são iguais.
Todos dividimos características, físicas e psicológicas, que nos permitem nos identificarmos como humanos. Mas também, todos possuímos características, físicas e psicológicas, que nos fazem diferente de qualquer outro humano. Nos fazem únicos. Parece um contra-senso, um paradoxo, mas não é. Essas características são consequência dos nossos genes e de como eles se funcionam (se expressam) no ambiente em que vivemos. E um ou outro evento aleatório (ao acaso) aqui e ali durante o percurso. Todos temos, mais ou menos, as mesmas coisas, aquelas que nos fazem iguais, mas em graus e quantidades diversas, o que nos tornam diferentes.
Abre um longo parênteses. Bom, mas quando eu digo que nós humanos somos todos iguais ao ponto de os reconhecermos como humanos, não estou sendo totalmente correto. Existem basicamente dois tipos de humanos, com diferenças suficientes para que possamos afirmar, do ponto de vista genético, fisiológico, molecular, bioquímico, que são diferentes: os homens e as mulheres.
“Ah… Mas isso é obvio!” Você pode dizer. E é. Mas as diferenças, biológicas, entre homens e mulheres vão mulher vão muito, muito além do obvio. temperatura do corpo, número de receptores de pressão na superfície da pele, concentrações de hormônios, receptores na membrana celular, neurotransmissores.
“Ah… Mas isso não me interessa” você pode dizer. E esse é o meu ponto nesse livro: deveria te importar, porque é importante. Essa é a razão pela qual homens e mulheres discutem, porque a comunicação é difícil, pela qual políticas de igualdade entre os sexos fracassam, porque meninos ou meninas fracassam na escola, porque você gosta de quem não gosta de você e porque você não gosta de quem gosta de você. Também é a razão pela qual seu coração bate mais rápido quando você encontra o seu amor, pela qual sua pele se arrepia, pela qual gostamos de beijar na boca (e em outros lugares), pela qual gostamos de dormir agarradinho, pela qual os homens ejaculam precocemente e as mulheres tem surtos de desejo sexual. Fecha o longo parênteses.
Ainda que as semelhanças que nos fazem iguais e as dessemelhanças que nos fazem diferentes não constituírem um paradoxo, elas geram um poderoso conflito: queremos fazer parte de um grupo, dividir uma identidade, mas queremos ser únicos, diferentes de todo mundo.
Do ‘não-paradoxo’ das semelhanças e dessemelhanças nascem um novo conflito, na minha opinião ainda mais poderoso (ouso dizer, o mais poderoso de todos): a nossa necessidade de segurança e de mudanças. Não são só as mulheres que querem segurança. Todos os seres humanos querem. Também não são só as mulheres que querem ‘novidades’ da moda. Todos os seres humanos são exploradores por natureza. Queremos segurança porque um mundo onde tudo muda o tempo todo é muito desgastante. A constância e a estabilidade são importantes para pouparmos energia. Poupar energia, por sua vez, é uma coisa importante também, porque a quantidade de energia disponível na natureza é limitada. E por isso a evolução nos tornou amantes da tranqüilidade e da segurança. Mas vivemos em um mundo onde os recursos também são escassos e devemos competir por eles com outros organismos, da nossa e de outras espécies. Se ficarmos acomodados ou parados no mesmo lugar, nossos competidores acabam por identificar nossos pontos fracos e Zaz… ou somos comidos, ou não conseguimos mais comer nada (e nem ninguém). Precisamos explorar novos territórios, novas fontes de alimento, precisamos criar novas estratégias, precisamos inovar.
Uma dessas inovações, criou mais um paradoxo, que na minha opinião é o que vivemos mais intensamente no dia-a-dia. A invenção foi a colaboração, que cria um paradoxo com a nossa necessidade vital de competir pelos recursos escassos da natureza. A verdade verdadeira é que não inventamos a colaboração: os lobos colaboram, as formigas colaboraram, os leões colaboram, os cupins colaboram. Mas nós elevamos a colaboração a um patamar muito superior ao de qualquer outra espécie e nos tornamos muito bem sucedidos por causa disso.
Como apareceu a colaboração? Nós conseguimos superioridade com relação aos outros macacos porque começamos a consumir muita carne. Nada de passar o dia procurando frutinhas e besourinhos. Depois que provamos o sangue e toda aquela proteína, não quisemos mais nada. Mas para comer carne, tínhamos que competir com os tigres e leões da savana africana pelas Zebras e Antilopes (aliás, carne de Antilope é uma delícia), animais que tinham sido preparados pela seleção natural por milhões e milhões de anos com armas (garras e presas) poderosíssimas para matar. Nós não tínhamos armas naturais, mas tínhamos um cérebro. E como diz a piada, ‘como um desses, podíamos obter um monte daqueles’. Colocamos o cérebro pra funcionar, inventamos lanças e machadinhos e aprendemos a colaborar para caçar. (Veja vai encarar?)
A colaboração parece uma coisa muito, muito boa. Intuitivamente tão boa, que se chegasse um cientista dizendo que ela não é boa, talvez vocês achassem ele maluco. O fato é que colaboração é insustentável. Em um planeta finito, não há recursos para serem divididos por todos, principalmente se continuarmos dobrando o número de ‘todos’ a cada 10 anos. A única coisa que é realmente sustentável é o egoísmo. (pausa para vocês tacarem pedras no cientista). Justamente porque ele não olha para o ‘grupo’ que pode crescer descontroladamente. Ele, o egoísmo, age para o indivíduo. A colaboração, vejam o paradoxo, só funciona em pról dos interesses egoistas dos organismos.
Para entender esse argumento sem querer tacar pedras no cientista, é preciso ver o mundo como a ciência vê. A vida apareceu no planeta há cerca de 4 bilhões de anos e os organismos, todos os organismos, são frutos de umas moléculas, o DNA (pra simplificar), que ser organizaram de acordo com fenômenos muito simples regidos pelas leis da física e que tinha um simples propósito: continuar existindo. Esse propósito, egoísta, não precisa de uma explicação moral. Ele obedece as leis da física. E essas leis, até onde sabemos, e nós sabemos bastante coisas, funcionam em todos os lugares do universo e funcionaram em todos os tempos e continuaram funcionando muito depois de termos nos extinguido.
“A vida como ela é”, como o cientista vê que ela é, não é uma opinião: é uma decorrência direta das leis da física, que são as únicas verdades inquestionáveis do universo. Especialmente de duas delas, denominadas, bobamente, de primeira e segunda leis da termodinâmica. Uma diz que nada se cria e nada se perde, tudo se transforma. Parece bom, não é?! Não morremos… nos tornamos anjinhos ou demônios. Mas não é bem assim, porque a segunda lei diz que nessa transformação, as coisas perdem qualidade, que em termos físicos significa que elas ‘viram calor’ até que cheguem ao ponto de não existir mais nada, só calor, o que é o fim do universo. Infelizmente, calor só serve para esquentar coisas e não serve pra mais nada.
Ei… vocês ficaram deprimidos? É justamente por isso que as pessoas não querem ouvir os cientistas? Mas veja, ainda que as razões sejam estapafurdias leis da física e as motivações egocêntricas não sejam exatamente nobres, elas permitem que façamos coisas maravilhosas como a nona sinfonia de Beethoven, Hamlet de Shakespeare, a teoria das supercordas ou o gol do Roberto Dinamite no Botafogo em 1976. Por sorte ou circunstâncias, nosso cérebro não foi feito para entender o Bóson de Higgs, a matéria escura ou o nosso próprio cérebro. Fomos feitos para buscar alimento, buscar abrigo, reproduzir, fugir ou lutar, mas para fazer isso com maior eficiência aprendemos a rir e a chorar, as nos emocionarmos com o belo, nos irritarmos com o dolorido, nos solidarizarmos com o sofrimento alheio, nos deliciarmos com boa comida e bom vinho.
E somos cheios de paradoxos e conflitos. No final das contas, parecemos todos doidos, Parece que queremos uma coisa agora e outra depois. Uma coisa em uma hora e outra em outra. Uma coisa hoje e outra amanhã. E ao contrario do que pode nos sugerir a nossa intuição, essas mudanças de humor e essa eterna insatisfação não são coisa ‘da nossa cabeça’. quer dizer, até são, porque estão no nosso cérebro, mas não dependem da nossa vontade, da nossa consciência. Da moral, ética ou dos bons costumes. Dependem de genes, instintos e hormônios. E por isso que um biólogo pode vir aqui falar pra vocês sobre isso e pode até escrever um livro sobre isso. É por isso que vocês devem ler “A Verdade Sobre Cães e Gatos”. Agora a venda no Facebook e na Amazon.br. Um ótimo presente de Natal.
Reflexo IN-condicionado
(Essa é uma postagem casada e você pode querer ler o post anterior antes desse aqui)
Quanto tempo leva entre você querer mexer o seu braço, o seu cérebro se preparar para mexer o seu braço e o seu braço efetivamente se mexer? Você nunca deve ter pensado nisso, porque, a não ser que você seja NERD que nem a gente, isso não importa: cai tudo na definição de ‘automático’. Mas nós, cientistas NERDs, damos valor a diferenças bem pequenas, desde que elas seja consistente. Então vamos lá, todos sabemos que todo movimento voluntário começa no cérebro. Mas quando?
Bom, bravos cientistas foram medir. Mais precisamente, foram medir o ‘Potencial de antecipação’ (PR), que é uma pequena mudança na corrente elétrica passando pelo couro cabeludo antes (1s ou mais) de um movimento rítmico tanto involuntário (como o batimento cardíaco) quanto voluntários (como mexer o braço. Uma medida é feita pelo eletroencefalograma (EEG), que é parecido com o eletrocardiograma, só que é feito no cérebro, com um monte de eletrodos colados na sua cabeça (pesquise no Google pra ver as imagens).
Mas a pergunta que eles queriam responder era outra. Eles, os bravos pesquisadores, estavam da ‘urgência’ (W), também chamada de ‘preparação’ (W), termos definidos pela auto-consciência do movimento: aquele exato momento em que você sente que seu braço… vai se mexer. Você nunca percebeu isso? bom, como eu disse, é porque tudo acontece muito rápido e nunca paramos para notar. Mas apesar de um evento subjetivo, sua existência é muito bem caracterizada e documentada. A estimulação de certas zonas do cérebro durante uma neurocirurgias de crânio aberto, induzem nos pacientes uma “vontade involuntária e inexplicável de rolar a língua” ou de “mexer o braço”. A questão é que o 1s entre a alteração no EEG e o movimento do braço, pareciam um tempo muito grande para uma ação voluntária e os pequisadores queriam saber se a urgência se ainda mais cedo.
Para isso bolaram o seguinte experimento:
Um grupo de voluntários ficava sentado confortavelmente, com eletrodos em suas cabeças e braços, olhando para uma parede onde um circulo, com raios parecidos com o de um relógio, estava desenhado. Como eu disse, parecia um relógio, mas não era. Os raios estavam nas mesmas posições 12 posições, mas um volta completa do ponteiro, na verdade um ponto de lazer vermelho, levava apenas 2,56 s para completar a circunferência.
A tarefa dos voluntários era simples: tinham de movimentar livremente, espontaneamente, quando quisessem o seu pulso e os dedos da mão direita (todos os voluntários eram destros). Quando fizessem esse movimento, olhando apenas para o relógio a sua frente, tinham de guardar (para relatar posteriormente – o que faz toda diferença em um experimento onde as variações ocorrem em milisegundos) a posição do ponto de luz veremelha no momento exato em que ‘percebiam’ a ‘preparação’. A ‘urgencia’ do movimento.
Vamos combinar, foi uma grande sacada dos pesquisadores (que eram psicólogos). O ponteiro de luz vermelha era emitido por um computador, ao qual também estavam conectados o EEG e o ‘eletromiograma’ (EMG), o sensor que media o potencial de ação do musculo esquelético do braço e que marcava o início ‘real’ do movimento. Com isso, ao relatar a posição do ponteiro de luz, como a anotação do tempo marcado no relógio para um evento, os pesquisadores foram capazes de transformar uma experiência subjetiva em uma medida computável. E assim, o momento da ‘preparação’ (W) pode ser comparado com o ‘potencial de antecipação’ (PR), anterior ao ato, no escalpo e com o momento da contração voluntária do pulso, medido pelo eletromiograma (EMG).
Abre parênteses: foram feitos diversos tipos de terinamentos e controles com os participantes, para reduzir tendenciosidade e outros tipos de interferências, ou de artefatos, nas medidas ou nos relatos.
Por exemplo, “Os movimentos foram voluntários, com instruções explicitas para que fossem o mais espontâneos possível (sem planejamento). Mas também, foram externos, induzidos por um observador que tocava as costas da mão a pessoa.” ou “Após 40 atos voluntários, os participantes eram questionados quanto a existência de algum movimento que não tivesse despertado a urgência (um tipo de movimento surpresa). Essas perguntas foram feitas para tentar eliminar Bias na reportagem de eventos por parte dos participantes e aumentar a confiança nos tempos que foram efetivamente reportados.” Ou ainda “Dois tipos de controle foram empregados. Um relato dos tempos de percepção de realização do movimento (M) e outro de percepção do estimulo na mão para a realização do movimento (S)”. De acordo com os autores, os participantes ainda eram capazes, facilmente, de diferenciar entre a ‘urgência’ e qualquer outro tipo de percepção planejadora ou que não levasse a um movimento. Vai entender…
Fecha parênteses.
Os resultados foram muito claros: os RP apareciam em torno de -500 ms, antes, dos potenciais de ação medidos pelo EMG, que foram tomados como ‘tempo zero’, para as medidas comparativas. Até ai tudo bem: o movimento do pulso (medido pelo EMG) era precedido por uma atividade cerebral (medida pelo PR) em aproximadamente 500 milisegundos. A coisa ficou estranha quando mediram os tempos de ‘urgência’ (W) (a percepção introspectiva e subjetiva da decisão de mover o braço): eles foram em media de – 200 ms (também em relação ao EMG)! Ou seja: A decisão sobre mover o pulso era percebido 300 ms DEPOIS do cérebro ter iniciado o processo de movimentação do pulso! As consequências são perturbadoras: se o cérebro começa a agir antes da decisão consciente, então… o livre-arbítrio pode simplesmente não existir!
Os autores fazem diversas ressalvas: “Os RP medidos no estudo, ainda que bons indicadores, representam a atividade de uma pequena área, a região motora suplementar no neocortex mesial” sendo que outras áreas poderiam estar sendo ativadas para a ‘decisão’ em outro local do cérebro. Na verdade, uma infinidade de mecanismos de ‘iniciação’ e ‘integração’ do sinal no cérebro, antes dele virar consciente e se tornar uma ação, poderiam atuar no cérebro. Um ‘pensamento’ não gera diferença de potencial suficiente para gerar um registro no EEG, e justamente por isso é tão difícil avaliar essa percepção subjetiva de forma objetiva. E é também por isso que os autores ressalvam : “Podemos ainda especular que exista uma fase anterior da consciência do movimento que não sejamos capazes de recapitular, ou que não possa ser armazenada na memória recente, dado que a habilidade de relatar esteja vinculada a memória recente.” Mas nenhuma dessas ressalvas mudam o fato de que a decisão sobre o movimento acontece de forma inconsciente. Nas palavras dos autores: “Concluímos que a iniciação de um ato voluntário no cérebro, como dos estudados aqui, pode começar, e usualmente começa, inconscientemente”
Abre parênteses: O termo inconsciente refere-se simpesmente a todos os processos que não são expressos como uma experiência consciente. Isso pode incluir, e não se distingue de, preconsciência, subconsciência e outros processos de inconsciência não reportáveis. Fecha parênteses.
É claro que a evidência de iniciação inconsciente de um ato voluntário relatada nesse artigo se aplica a um número muito limitado de atos. No entanto, um simples ato motor voluntário como o relatado aqui sempre foi considerado com incontroversamente e exemplo ideal de um ato engdógeno e livremente voluntário.
“Essas cpnsiderações parecem limitar o potencial dos indivíduos para exercer controle consciente (como iniciar) sobre seus atos. Considerando que atos voluntários espontâneos possam ser iniciados inconscientemente, ainda poderíamos imaginar duas condições em que um controle consciente poderia ser exercido: um ‘veto’ consciente que ‘aborta’ o processo espontâneo inconsciente (o que parece encontrar evidência mesmo nos resultados desse experimento) e em processos onde os atos voluntários não são espontâneos e nem de resposta rápida.”
Na melhor das hipóteses, assustador. Mas pelo menos agora você tem a desculpa perfeita para aquela olhada para o lado quando passa um bum-bum bonito ou um decote mais ousado.
Libet B, Gleason CA, Wright EW, & Pearl DK (1983). Time of conscious intention to act in relation to onset of cerebral activity (readiness-potential). The unconscious initiation of a freely voluntary act. Brain : a journal of neurology, 106 (Pt 3), 623-42 PMID: 6640273
Agindo sem pensar
Eu tenho um amigo, que tem um primo, que conhece um cara… que mesmo tendo como namorada a garota mais bonita da festa, não conseguia NÃO olhar pra qualquer rabo de saia que passasse na sua frente. Não, não estou dizendo que ele fazia isso na frente da namorada. Isso ele até dava um jeito de controlar. Estou falando de quando ela pra pista de dança e ele, por uma música ou duas, ficava sozinho com sua cerveja. Era ali, naquele momento, onde os riscos – e também culpa – eram mínimos, que ele se impressionava com a sua completa incapacidade de resistir a ‘querer’ olhar para qualquer garota. Alta ou baixa, gorda ou magra, feia ou bonita… Ele olhava justamente procurando o que nela poderia chamar a atenção dele de maneira que justificasse o desejo ‘gratúito’ que ele tinha por ela.
Esse amigo do primo do cara já tinha feito anos e anos de análise e sabia que não tinha nada a ver com inseguranças, desejos ocultos pela mãe ou revolta com o pai, não era porque tinha tomado um pé na bunda da sua namorada mais querida e nem porque outra tinha ficado com o seu melhor amigo. Também não era porque as meninas tinham sim, interesse nele; ou porque ele, ainda que não fosse lindo, tava acima da média dos caras com quem deveria competir. Não, não era nada psicológico, social ou cultural. Não sei se vocês conseguem entender e me acompanhar: ele não conseguia parar de pensar ‘naquilo’. Era biológico!
Ele não estava sozinho: “Eu acredito que existam dois tipos de homens: os que pensam em mulher 90% do tempo e os que pensam em mulher 99% do tempo”.
Não, não foi Woody Allen ou outro pervertido que disse isso: foi James Watson, isso mesmo, um dos descobridores da dupla hélice do DNA. “Eu era do primeiro grupo e acho que só por isso consegui ganhar um premio Nobel” escreveu no seu livro ‘Genes, Garotas e Gamow’.
Mas claro que eu não citei Woody Allen a toa. é dele, no filme ‘Desconstruindo Harry’ de 1999, a melhor frase de todas: “Eu não consigo olhar para nenhuma mulher na rua sem pensar como ela é nua e como seria fazer amor com ela.” (Nota do autor: na verdade essa era a frase como eu me lembrava dela. A frase mesmo foi: “Na verdade, nunca olhei para uma mulher, sem me perguntar como é que ela seria na cama”).
E se vocês me permitem mais uma citação, vou tentar subir um pouco mais o nível, para tentar tirar o ‘Oh’ de ultraje das minhas leitoras. é do jornalista carioca Carlos Eduardo Novaes, em um livro seu antigo, que caiu na minha mão não sei como: “A vida, para mim, só faz sentido quando temperada pelo encontro, o desejo, a paixão. Sem a mulher, vejo o mundo como um míope (18 graus) sem óculos. Tudo me parece fora de foco. O único luger que me permito frequentar sem me preocupar com a presença da Mulher é o estádio de futebol, Tainda assim, no intervalo do primeiro para os egundo tempo arriscu um olhar à minha volta. Nos demais – igrejas, bancos, batizados, supermercados, quadras de volei, velórios, praias – estou sempre à procura da Mulher que dará um novo signifícado à minha presença no local. Quando a descubro – nem que seja para contemplá-la -, o lugar se transforma como que tocado por uma varinha de condão.”
Sempre que alguém, amigo cientista ou pesquisador da área de humanas, discute comigo sobre a força da cultura ou do social eu sou obrigado a contestar. Sim, controlamos nossos impulsos, mas eles estão lá. “A vida é sorte e circunstância” diz a Sonia Rodrigues. Claro, preparo e competência são importantes, mas isso todo mundo, como mais ou menos esforço, pode ter. E ai… estar no lugar certo, na hora certa pode fazer toda diferença. Bom, eu acho que é isso também com os instintos. Eles deixam que nós controlemos eles até que eles sejam mais necessários ou… sorte e circunstância: se aparece uma oportunidade e ninguém está olhando, uma enxurrada de hormônios dominam (e determinam) nossas ações.
E agora que eu tenho uma assinatura da revista Scientific American, acabo sempre esbarrando em coisas legais que dão suporte científico as coisas que eu pensava e observava, ainda que com olhar de cientista, sem constatação factual. Foi o caso do artigo de Christof Koch ‘Encontrando o livre-arbítrio’ no número 2 (vol 23, maio/junho de 2012) da edição americana.
Ele usa uma situação onde um homem (mas poderia muito bem ser uma mulher) bem casado, que diante de um encontro fortuito, mesmo tendo plena consciência racional do erro do ponto de vista moral e ético, da baixa probabilidade de sucesso (medido em termos produtivos ou de felicidade) e o alto risco de desastre para diferentes vidas, dá início a uma cadeia de eventos que leva a um caso. Nessa situação, tão típica (afinal, todo mundo tem um amigo, que tem um primo, que conhece um cara que já passou por isso 😉 ele resolveu deixar pra lá todo a discussão filosófica milenar sobre o tema para buscar uma resposta apenas no que a física, neurobiologia e psicologia tinham a oferecer. Mas isso vai ficar pro outro post.
As melhores universidades do mundo!
“O Brasil tem, hoje, as melhores universidades do mundo!”
Eu, Ricardo Prado e Alex Pinheiro ficamos um pouco atônitos com a declaração de Domenico De Masi. Tivemos o prazer de almoçar com o ilustre sociólogo italiano na sua mais recente passagem pelo Rio de Janeiro. Eu já tive o privilégio de assistir uma das suas disputadíssimas (e caríssimas) palestras e já li diversos dos seus livros, o que me fazia pensar que conhecia bem sua opinião sobre as coisas. Mas a declaração das universidades brasileiras me pegou desprevinido: Como as nossas sucateadas instituições de ensino poderiam ser as melhores do mundo? Eu não tenho ‘complexo de vira-lata’ – aquele sentimento de que tudo que vem de ‘fora’ (leia-se EUA e Europa) é melhor – não, mas vivo a realidade da universidade diariamente e não tinha como concordar com isso.
“É claro, vocês brasileiros não vêem isso por que olham para os ‘rankings’. Nos rankings, Stanford, Harvard, Berkeley… são as melhores. Mas são as ‘Stanfords, Harvards, Berkeleys’ que FAZEM os rankings. E é claro que de acordo com os critérios ‘deles’, eles serão os melhores.”
Fazia todo o sentido.
“A universidade brasileira tem alegria, tem sensualidade, tem beleza. Essas as características mais importantes para o sucesso na sociedade pós-industrial. Para ter criatividade e para inovar.” E completou:
“Se o número de relações sexuais que ocorrem em um dia fosse o critério para determinar a melhor universidade, a UFRJ seria a número 1 do mundo!”
Todos rimos. Lembrei do Butão e do FIB, o índice de ‘Felicidade Interna Bruta’. Domenico disse que passa pelo menos 4 dias por ano no pequeno país encravado nas cordilheiras do Himalaia e que chamou atenção do mundo ao trocar o parâmetro de avaliação da qualidade de vida da sua população do PIB para o FIB.
“O Butão é um lugar maravilhoso. Até mesmo as empresas agora adotam critérios de bem-estar para avaliar a sua produtividade.”
Eu já tinha pensado sobre o Butão e o FIB, mas não seriamente. Eu gosto da idéia de se rebelar contra os critérios estabelecidos pelas classes (ou países) dominantes para avaliar qualidade, mas tinha parado por ai. Por outro lado, eu já escrevi aqui como me parece impossível para um povo sem problemas sociais, como os Noruegueses, fazerem inovação. Mas não tinha conectado as duas idéias.
“Mas o Butão é muito pequeno. Só o Brasil está em posição de mudar o mundo: é grande, é rico em recursos naturais, é uma democracia, é politeista e não tem conflitos nem internos, nem com seus vizinhos. Que outro país no mundo tem isso?”
Lembrei da minha turma da faculdade. Fomos a todos os Interbios (a olimpíada das universidades de Biologia), ENEBs e EREBs (encontros nacionais e regionais de estudantes de biologia), congressos, seminários, reuniões. Organizamos competições de Voley de praia na Barra, mostra de talentos, campeonato de truco. Passamos Festas Juninas, Carnavais do Rio e de Salvador, Natal e Ano Novo juntos. A beleza (como vocês podem ver), a diversão e a sensualidade (medida por enormes quantidades de beijos na boca e relações sexuais que se estabeleceram) foram sempre as forças motivadoras de todos esses eventos. E TODAS as pessoas nessa foto, uma amostra diversificada e representativa da turma 89/1, estão hoje entre os profissionais mais criativos e bem sucedidos que eu conheço.
É, pensando bem, Domenico está certo: Eu estudei na melhor universidade do mundo!
Moscas de bar
Como fazer para superar a perda de um grande amor? “Um outro amor” vai responder o seu melhor amigo garçon, enquanto te serve uma dose. Pois é, parece que esse não é um privilégio dos humanos (e vocês sabem que eu adoro quando descobrimos que os comportamentos humanos tem raízes ancestrais, muito mais instintivas e animais do que gostaria que fosse a nossa vã sabedoria e os cientistas sociais).
Cientistas da California (tinha que ser) descobriram que até mesmo as moscas-de-fruta (a famosa Drosophila melanogaster) ficam deprimidas quando são rejeitadas pelo sexo oposto e se embebedam para ‘esquecer’! Bom, se não é exatamente para ‘esquecer’, pelo menos é para ‘compensar’ a rejeição.
O experimento é simples e nem por isso menos interessante: os pesquisadores colocaram insasiáveis machos de mosca com fêmeas relutantes, porque haviam acabado de copular. Fizeram isso várias vezes. Mais precisamente, foram sessões de 1h de rejeição, 3 vezes ao dia, durante uma semana. Por outro lado, alguns machos sortudos tiveram sessões de 6h de cópula com multiplas virgens (um tipo de paraíso islâmico). Depois eles ofereceram aos machos suculentas porções de ração: sem ou com 15% de etanol. O resultado foi claríssimo e os machos que não transaram enchiam a cara de banana com cachaça, que em termos científicos pode ser descrito como ‘apresentaram índice de preferência por etanol significativamente maior’. Fêmeas que copularam também tiveram uma menor necessidade de encher a cara do que fêmeas virgens, que preferiram também a banana com cachaça.
Abre parênteses: A rejeição é tão poderosa, que machos de Drosophila que passaram por um processo contínuo de rejeição ficam mais sensíveis e tem dificuldade de se aproximar mesmo de fêmeas virgens, disponíveis e dispostas. Fecha parênteses:
Na verdade os dois grupos, rejeitados e bem sucedidos, apresentavam diferenças em vários aspectos além do consumo de álcool, segundo os pesquisadores: preferência por ficar sozinho ou em grupo, atitude frente a rejeição em uma situação social e exposição a feromônios de aversão das fêmeas copuladas.
Se os machos cresceram isolados ou em grupo, não faz a menor diferença: se transaram ficam felizes, se não transaram enchem a cara. Já se poupamos os pobres machos da rejeição de fêmeas satisfeitas, ainda que sem deixar eles transarem (o que é feito com a mórbida prática de coloca-los com fêmeas virgens decapitadas – que não possuem o feromônios de rejeição acetato de cis-vaccenyl cVA, mas também não são capazes de copular), eles também enchem a cara. E não é nem o cVA em si, já que se for exposto ao composto purificado em laboratório, o consumo de álcool também é elevado. A privação sexual, mais do que a rejeição, leva ao consumo de álcool! Então os pesquisadores fizeram o experimento óbvio, que era permitir que alguns dos machos rejeitados pudessem também copular com fêmeas virgens enquanto outro, pobres coitados, continuaram sem sexo. E… a preferência pelo álcool foi significativamente reduzida nas moscas que puderam transar!
Abre parênteses: evidências não científicas sugerem que nas mulheres a privação de sexo afeta a busca por chocolate 😉 Fecha parênteses.
Os autores quiseram ir mais a fundo e entender como as duas coisas estavam ligadas. Então foram estudar o Neuropeptídeo F (correspondente na Drosophila do NPY dos mamíferos e, acreditem, do NPR do C. elegans) que regula o consumo de etanol, para ver se ele era afetado de alguma forma pela experiência sexual. Em mamíferos se sabe que o estresse pode afetar esse gene e levar ao alcoolismo. Mas em moscas deprivadas de sexo… ninguém sabia o que poderia acontecer. Bom, aqui a coisa fica técnica demais, mas acreditem em mim quando eu digo que manipulando genes, usando morfolinos e outras técnicas, eles demonstraram que sim, que esse gene (NPF) tinha sua expressão reduzida pela privação de sexo e que isso levava ao alcoolismo. Provavelmente como uma expressão do sistema de recompensa do nosso cérebro. Pouco sexo leva a uma baixa de NPF que ativa um comportamento (através da ativação do sistema de dopamina) de busca por recompensa como o consumo de álcool, transformando os bichinhos em ‘moscas de bar’. Comparativamente, a copula cria um superávit de NPF que minimiza o comportamento de busca por recompensa e consequentemente por álcool. Eles também testaram e confirmaram essa hipótese.
O artigo é sensacional sem ser sensacionalista e, para mim, é um excelente exemplo de como se pode fazer ciência simples, interessante e divertida.
Shohat-Ophir, G., Kaun, K., Azanchi, R., Mohammed, H., & Heberlein, U. (2012). Sexual Deprivation Increases Ethanol Intake in Drosophila Science, 335 (6074), 1351-1355 DOI: 10.1126/science.1215932
Entre instintos, Rieslings e razão
“- Não é, não é! Não existe essa diferença entre razão e instintos. É tudo cérebro!”
disse minha amiga neurocientista Marília Zaluar, enquanto caminhávamos pela Gerbermühlstrasse em busca do recomendadíssimo restaurante Gerbermüehle. Fomos pra Feira do Livro de Frankfurt, aprender mais sobre livros didáticos digitais, mas como não poderia deixar de ser, aproveitamos pra comer e beber bem, o que adoramos fazer. E discutir ciência, o que não conseguimos deixar de fazer.
A frase dela marca uma discussão antiga que se acalora porque, naturalmente, temos a tendência de “puxar a sardinha, cada um, para a nossa brasa”. Os cientistas sociais dizem uma coisa e os biólogos dizem outra. Mas o que estou descobrindo é que cada biólogo também diz uma outra coisa diferente. Quem trabalha com o cérebro, favorece o cérebro e encontra as explicações para que tudo seja definido com base nos mecanismos neuronais. Eu trabalho, de certa maneira, com evolução, então acredito que a forma como o cérebro está organizado, como foi organizado evolutivamente pela seleção natural, influencia, determina, como o cérebro é capaz de responder. E isso impõe limitações, em nível de forma, intensidade, tempo e espaço, as respostas que o cérebro pode dar a estímulos externos. O fato dessas limitações serem flexíveis o suficiente para nos dar a ideia de que podemos ‘qualquer coisa’, não nos permite, efetivamente, ‘qualquer coisa’.
Alguns eventos permitem um alto nível (ou grande quantidade) de processamento para tomada de decisão antes de gerar a resposta, o que eu chamaria de razão. Outros, menos. E por menos, quero dizer que em algumas situações, pode ser processado, outras não. E outras situações, pode ser processado um pouco apenas. Mas em certos casos, não há processamento nenhum, nunca, como no caso da dor, que gera uma resposta motora de arco-reflexo. Se dói, é ruim e você não precisa de raciocínio pra saber, conscientemente, racionalmente, que deve se afastar. Por isso o reflexo motor foi desenvolvido pela seleção natural há milhões de anos e é compartilhado por muitos animais.
É verdade, nosso cérebro é muito, muito diferente dos outros animais. É muito melhor, é quase inacreditável E pode mesmo fazer ‘de um tudo’. Nós somos frutos da nossa cultura, porque nosso cérebro se adapta as necessidades e valores de cada tempo e de cada geração. Mas com relação aos mecanismos biológicos, não é tão diferente assim: Camundongos também fazem neurogênese (produção de novos neurônios, que ajudam consolidar aprendizagem e adaptar a novos ambientes). E nem por isso pensam, ou deixam de agir por instinto.
“- Você não acha que existem esses mecanismos ‘parcialmente processados’? E não posso chamar eles de instintos? E os plenamente processados de razão?” eu perguntei.
“- Acho que na verdade vocês dois estão falando da mesma coisa, é só uma questão semântica…” mas apesar do meu sócio Ricardo Prado ser uma maquina de falar, nesse dia estávamos inspirados e ele não teve a menor chance de continuar. A discussão seguiu acalorada, pela tortuosa via que levava ao restaurante.
Eu também acho que é tudo cérebro. Que está tudo no cérebro. Mas acredito que temos duas forças conflitantes, a razão e a emoção, que competem para prevalecer nas nossas decisões. Como vivemos em uma determinada condição social onde a colaboração impera, a nossa razão também impera no nosso comportamento. Se vivessemos em uma outra condição social… imperaria um outro equilíbrio.
“- Então… é a cultura moldando o cérebro…” retomou o argumento ela. “- Não, não é…” tentei consertar quando…
“- Olha só…”, disse novamente meu sócio, agora irritado, não pelo alto tom de voz e empoglação que beirava a irritação, mas porque o ‘Gerbermüehle‘ não chegava nunca.
“- Quem estava certo era Fernando Pessoa” e começou a recitar de cabeça:
“Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos:
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.”
Felizmente chegamos no Gerbermüehle, não porque se encerrou a discussão, mas porque estávamos morrendo de fome. E jantamos muitíssimo bem! Mas depois continuei, e mesmo agora ainda continuo, pensando sobre essa conversa. Não concordo totalmente com nenhum dos meus dois queridos amigos. Mas que é muito melhor discutir tomando uma garrafa de espetacular Riesling Alemão com pessoas inteligentes, isso é.
"Eu vejo… pessoas"
No (já considerado) clássico moderno “A Verdade Sobre Cães e Gatos”, o autor fala de sua experiência em uma discoteca na década de 80, quando resolveu argumentar sobre a viabilidade da astrologia com uma gatinha que ele tinha abordado e que tinha despretenciosamente tinha perguntado a ele qual era seu signo. Ele falou que Ptolomeu e Copérnico, sobre bilhões e bilhões de estrelas e sobre o charlatanismo. E ela… foi embora.
É impressionante a nossa capacidade de não responder o que foi perguntado ou de responder o que não foi perguntado. Ou, simplesmente, de falar demais. Principalmente quando falamos com (ou quando queremos impressionar) garotas bonitas. E foi isso que aconteceu, de novo, hoje.
Eu acesso super pouco o Twitter, mas hoje, quando dei uma olhada, lá estava ela, Eliane Brum, divulgando seu novo texto sobre a audiência pública do amianto no STF. Finalmente a minha jornalista preferida falava de um assunto sobre o qual eu podia me manifestar com propriedade.
brumelianebrum: Nesta sexta, começa a audiência pública do amianto no STF. Entenda o que está em jogo. Se puder, ajude a divulgar http://t.co/rCiRsa2s 23/08/12 14:09 |
brumelianebrum: Infelizmente, parece que parte dos brasileiros só vai acordar p/ os riscos do amianto qdo começarem as mortes p/ contaminação ambiental 23/08/12 14:11 |
brumelianebrum: É bem triste, mas enquanto “só” morrem trabalhadores, de mesotelioma e asbestose, mta gente acha que ñ precisa fazer a sua parte de cidadão 23/08/12 14:14 |
brumelianebrum: Quem anda pelo Brasil vê assentamentos, quilombos e aldeias indígenas cobertas de telhas de amianto. Como é possível? Por quê? 23/08/12 14:15 |
Eu estudo mecanismos de toxicidade, eu conheço epidemiologia de poluentes ambientais e até entendo de exposição ocupacional de um monte de substâncias tóxicas incluindo… o asbestos. Minha amiga Valéria Borges, pesquisadora da FIOCRUZ Bahia estudava os granulomas formado nos pulmões de trabalhadores da indústria naval expostos ao asbestos e que desenvolviam o ‘Pulmão de pedra’ no mesmo corredor do instituto de Biofísica da UFRJ onde eu avaliava a contaminação por Cádmio na Baia de Sepetiba e por Mercúrio no lago do Puruzinho na Amazônia. Fiquei tentado a responder a pergunta dela, e respondi:
vcqebiologo @brumelianebrum o risco da exposição ocupacional ao amianto é muito bem compreendido, enquanto o risco da exposição ambiental é bem menos 23/08/12 14:19 |
vcqebiologo @brumelianebrum E compreensão de risco, você sabe, é uma questão de educação científica e de ensino universitário de qualidade 23/08/12 14:21 |
brumelianebrum @vcqebiologo Concordo. Mas também de capacidade de enxergar além do seu umbigo. 23/08/12 14:23 |
vcqebiologo @brumelianebrum com uma sociedade distante da universidade, é mais difícil compreender o problema do amianto (e do mercúrio, e da soja…) 23/08/12 14:24 |
brumelianebrum @vcqebiologo Verdade. 23/08/12 14:25 |
vcqebiologo @brumelianebrum Sim, mas a maior parte dos estudantes do BR não sabe fração. Como entender a probabilidade e o risco, ainda que enxerguem? 23/08/12 14:26 |
vcqebiologo @brumelianebrum E sem entender o risco… não tem atitude, caem no marasmo e voltam pra TV e pros problemas do próprio umbigo. 23/08/12 14:28 |
brumelianebrum @vcqebiologo Qdo vejo alguém doente pq trabalhou numa fábrica q sabia dos riscos e ñ contou,eu enxergo.Enxergaria mesmo se ñ soubesse fração 23/08/12 14:29 |
vcqebiologo @brumelianebrum eu não quero dizer que a solução é dar educação. Isso é óbvio. Mas podemos começar prendendo quem faz isso com o trabalhador 23/08/12 14:33 |
vcqebiologo @brumelianebrum por mais que problemas como o amianto sejam terríveis (e eu estudo muitos deles), falta de saneamento básico ainda é o pior 23/08/12 14:36 |
brumelianebrum @vcqebiologo Algo interessante a se observar é q as pesquisas financiadas pela ind. do amianto são produzidas por profes. da Usp e Unicamp 23/08/12 14:37 |
vcqebiologo @brumelianebrum A quantidade de Hg nos lagos da amazônia é menos perigosa para ribeirinhos do q a quantidade de coliformes fecais nessa água 23/08/12 14:38 |
vcqebiologo: @brumelianebrum hehe… assim como são as de medicamentos questionáveis. O título acadêmico infelizmente não garante idoneidade moral 23/08/12 14:40 |
vcqebiologo: @brumelianebrum quer chamar atenção da sociedade para além do umbigo? Veja o uso rejeito químico como complemento mineral em ração animal 23/08/12 14:43 |
vcqebiologo: @brumelianebrum os índices de câncer de mama e outros em bichanos vem aumentando loucamente nos últimos anos 23/08/12 14:45 |
vcqebiologo: @brumelianebrum e você sabe… pode mexer com índio e pobre, mas se mexer com os ‘pets’… as madames gritam! 😉 23/08/12 14:45 |
Como naquela noite no Clube Naval em Charitas, fiquei falando sozinho. Me senti, depois, como uma das pessoas que ela provavelmente criticava. Sem a capacidade de “enxergar além do próprio umbigo”. No meu caso específico, de enxergar além da ciência do que eu estava falando, de enxergar as pessoas.
O título do post é uma brincadeira com a fala do personagem de Haley Joel Osment no filme ‘O sexto sentido’ de M. Night Shyamalan: “I see dead people” (eu vejo pessoas mortas). Eu tenho que confessar que enxergar as pessoas não é o meu forte, principalmente quando se trata de ciência. Eu poderia ficar ali a tarde toda, discutindo com ela argumentos de porque é inútil tentar resolver qualquer problema ambiental. A verdade é que a pouca esperança que as pessoas tem de que podem resolver algum problema ambiental é baseada em… esperança. Quanto mais investigo os problemas ambientais mais compreendo duas coisas: os homens serão os responsáveis por sua própria extinção (levando consigo algumas outras várias espécies) mas para o planeta, isso não fará a menor diferença. Um milhão de anos atrás o planeta era completamente diferente do que é hoje e daqui a um milhão de anos, será, novamente, completamente diferente.
Para a maior parte das pessoas, o que importa, são pessoas. Elas não estão preocupadas com eventos que acontecem na escala do muito pequeno (eletrônicos e quânticos) nem do muito grande (espaciais). Elas vivem o hoje, o ontem e o amanhã. Vá lá, o ano passado e o ano que vem. Mas falar em separação dos continentes e evolução das espécies é um pouco demais. Para elas não adianta dizer que, cientificamente, não há solução. Para elas, a solução está em acabar com aquela dor.
E se um cientista almeja divulgar a ciência para a sociedade, e que essa sociedade pague pela sua ciência, precisa ver isso. Vamos torcer para que os ministros do supremo, mesmo em meio ao julgamento do mensalão, vejam.
Porque eu tenho que escrever um blog?
“Mas porque você acha que todo mundo tem de ter um blog? Nem todo mundo quer, ou tem de querer, ter um.”
De todas as coisas que ouvi esse ano na FLIP, a que mais me motivou a escrever foi a pergunta da minha namorada. Mais importante do que as coisas que ouvi de Stephen Greenblatt falando de Shakespeare, Gabeira falando sobre autoritarismo ou Roberto da Matta falando sobre cidades e urbanismo. A resposta para essa pergunta é a razão pela qual deveríamos vir até Paraty, ano após ano, ouvir escritores falando sobre suas obras e sobre a arte de escrever.
E ao tentar responder a pergunta dela, vejo que a minha instrução para os meus alunos, meus pares, meus pais, meus amigos e para todo mundo que eu sugiro escrever um blog, pode estar errada, ainda que esteja certa. Explico:
Nunca antes na história a escrita foi tão importante para a comunicação. A tecnologia nos oferece diversas formas de comunicação, diversos veículos, diversas mídias, mas a escrita permeia todas elas. Fazemos vídeos, fazemos musicas, podcasts, discursos, palestras… e ainda assim o texto está lá. Se não é em primeiro plano, dominando completamente o ambiente, está nas entrelinhas ou nos bastidores, porque nada disso pode funcionar sem um roteiro escrito anterior a obra. Não é a toa que a escrita foi inventada para certificar transações comerciais e depois para escrever leis. Nada pode funcionar baseado apenas na volatilidade do discurso falado.
No entanto, acho que não são todas as pessoas que reconhecem isso. E mesmo aquelas que reconhecem a importância da escrita, não acreditam no fato que não sabem se comunicar habilmente por escrito. Elas acham que, porque conseguem se comunicar com habilidade no discurso falado, podem fazer o mesmo por escrito. Será que podem? Não!
A diferença fundamental entre os dois discursos é a sincronia. O discurso falado é síncrono: enquanto eu falo com alguém, tenho uma serie de sinais verbais e não verbais do meu interlocutor que me ajudam a saber se a minha mensagem esta sendo comunicada corretamente (da maneira como eu gostaria que fosse). Já o discurso escrito é assíncrono e quando eu escrevo, não tenho os mesmo sinais. Quando escrevo, não sei se serei entendido como eu espero quando for lido, se serei entendido de uma outra maneira ou se simplesmente não serei entendido. Como lidar com isso? Como aprender a lidar com isso? Ai vem a minha proposta: escrevendo um blog.
Hum… você ainda não se convenceu?! Quer mais motivos?!
No mundo de hoje, na verdade há muito tempo, somos avaliados por escrito. Não importa o que você pensou, o que você disse ou o que você diz: importa o que você escreve na sua carta de intenção, no seu CV, na sua resposta de prova, na sua tese, no torpedo, no seu twitter, no facebook. Apesar disso, na escola não nos ensinam a escrever. Quer dizer, ensinam, mas só a escrever. Na escola aprendemos a escrever, mas não aprendemos a nos comunicar por escrito. Precisamos, agora mais do que nunca, aprender a nos comunicar por escrito.
E o que é a comunicação por escrito? Como se alcança ela? Como fazemos para aprender? A resposta é, de novo: escrevendo um blog.
Eu, como cientista, tento buscar o lado científico das coisas. Mas acho que a escrita náo é só ciência. Ela esta mais para a psicanálise: um misto de técnica e arte que parece mas não é ciência. E quando é assim não adianta dar um método, uma receita, um truque, uma dica. É preciso praticar. É preciso escrever. É preciso ler, reescrever, reler e reescrever de novo. A comunicação eficiente com o leitor depende de empatia, senso estético e senso critico que são muitas vezes subjetivos. O importante não é tentar agradar a todos (ainda que sim, seja importante comunicar a todos), mas desenvolver uma linguagem própria, cuja qualidade mais desejável é a autenticidade. Não há outra maneira de encontrar essa linguagem própria que não seja a pratica freqüente e consistente da leitura e da escrita. E é por isso que o blog é tão importante.
O blog demanda atenção constante do autor para sobreviver. Se você não publicar no seu blog todo dia, toda semana, ele morre. Ou nem nasce. É como no meio acadêmico: ‘publish or perish’ (publique ou pereça)! E assim, você é obrigado a exercitar freqüência. Mas não é só uma questão de obrigação: o blog te coloca em contato com o público, com o seu público, muito rápido. E também coloca o público em contato com você, o autor. É perfeito para aprender a lidar com a assincronicidade da mensagem, porque o leitor não esta ‘ali’, mas esta mais próximo do que em um livro, uma revista ou um artigo em jornal. O leitor comenta, ‘curte’, compartilha, te xinga. Com ferramentas relativamente fáceis de usar e gratuitas, você instala um contador de acessos e pronto… tem um monte de informações sobre quem, como onde e quando te lê. É bem mais fácil colocar o blog na trilha certa e saber se seu conteúdo está angariando leitores ou sendo ignorado. Finalmente, quando você tem que escrever um texto curto, que o tamanho mais adequado ao blog, fica um pouco mais fácil se dedicar aos atributos que defendo que o texto tenha na Oficina de Escrita Criativa em Ciência: concisão, coesão, consistência, clareza (precisão) e criatividade.
Pronto, terminei. Espero que eu tenha te convencido. Mas é provável que não tenha. A experiência mostra que não convenço os outros a começarem a escrever assim… tão facilmente.
É uma pena. Entendo que Rubens Figueiredo, um escritor/tradutor/professor que dá aulas de língua portuguesa no turno da noite em uma escola da rede publica do subúrbio de São Paulo tem dificuldade de convencer seus alunos da importância daquilo que ele diz, eu entendo. Mas eu? Eu dou aula para a elite intelectual: alunos de pós-graduação (e professores) das universidades públicas federais. O ‘crème de la crème’. Meus alunos de PG não deveriam ter a dificuldade em ver a importância de escrever e de escrever bem. Mas tem e oferecem grande resistência a tudo que está relacionado com a prática da escrita. E isso me irrita e me entristece.
A beleza nas letras
“O Australopithecus sp. usava ferramentas, o H. habilis usava utensílios, o H. erectus começou a falar e construir; o H. sapiens, podia raciocinar de forma complexa. Acredita-se que há 100.000 anos, o Homo sapiens saiu da África para dominar o mundo, começando pela europa. No registro fóssil, encontram-se nessa mesma época, pedras que foram trabalhadas excessivamente. Mais que o necessário para que fossem úteis. Foram aprimoradas para ficarem… bonitas! Pela primeira vez o homem desenvolve a capacidade de projetar e confere concretude a fantasia, transformando-a em criatividade. O inicio de uma etapa que levou a organização social e a política.”
O texto de Domenico de Masi mostra como nosso senso de estética é ancestral, anterior mesmo a nossa fala (com a qual se desenvolveu muito da nossa inteligência). No paleolítico, a expectativa de vida era de 15 anos. Dor, esforço, intempéries, pragas, fome e doenças eram o dia-a-dia do homo sapiens. A vida não era fácil e os homens conviviam com a morte dos entes queridos. Nos vivemos 99% do nosso tempo de vida como espécie nesse estilo de vida. A arte e a religião eram as únicas formas de consolo da dura vida terrestre.
A beleza tem um papel preponderante na vida de todos nós. Mais até do que gostaríamos que tivesse. Mais do que nos orgulhamos que tenha. Vivemos em uma época em que apreciar o belo é politicamente incorreto, mas ao mesmo tempo, nunca buscamos tanto o belo, nunca a moda foi tão poderosa e o consumo tão forte. Nosso senso de estética se aprimora a medida que… A medida que o que? É provável que a medida que ficamos mais inteligentes! Quanto mais inteligente você é, e você fica, mais você admira o belo.
Não, a inteligência não substitui a beleza. A inteligência é sexy, mas sem a beleza, ela é capenga. Na verdade, a inteligência quase atrapalha.
Veja, se você é bonito, seus filhos serão bonitos. Se você é inteligente… não há nenhuma garantia que seus filhos serão inteligentes. Simples assim. Poderoso assim. Quase insuportável.
Sempre buscamos identificar a beleza. O ‘mais’ bonito. Tanto que temos ‘instintos’ de beleza: reconhecemos cor, brilho, simetria, tamanho… tudo como sinal de beleza.
Pelo nosso senso de estética, a beleza só pela beleza já seria suficiente, mas podemos usá-la também para coisas úteis. A beleza serve para avaliarmos saúde (ou você já viu alguém doente bonito?) e podemos usar a beleza para… ler! Duvida?! Continue comigo.
Nós começamos a escrever mais ou menos há 5.000 anos e ainda que pareça óbvia a associação entre ler e escrever, ela não é. É provavel que a identificação visual dos símbolos que chamamos de letras seja mais difícil para o cérebro do que a realização dos precisos movimentos manuais que gravam o símbolo em uma superfície (como a pedra ou o papel) com o auxílio de um instrumento (como o formão ou a caneta). A linguagem, nós aprendemos com Noam Chomsky, é bem anterior a tudo isso. Tanto que está gravada no nosso cérebro como um instinto, tendo areas bem reservadas para ela. O sistema visual é mais antigo ainda, análogo e homólogo a muitos outros sistemas visuais na natureza, e também tem áreas reservadas no cérebro. É a combinação desses dois sistemas que nos permite… ler. O sistema verbal transforma as letras em sons pronunciáveis e dá acesso ao conhecimento de palavras similares, para que possamos inferir significado. O sistema visual Identifica as letras de forma eficiente. Mas qual parte do sistema visual?
Uma variação da nossa região de reconhecimento de faces! O VMFA sigla do inglês Visual Word Form Area – ‘área da formação visual das palavras’, é uma região do ‘giro fusiforme esquerdo’, na parte central do sistema visual (o córtex occipto temporal) responsável pelo reconhecimento dos simbolos que compõe as letras e palavras.
Mas veja, porque nós desenvolvemos um sistema de reconhecimento de rostos, cujo principal atributo, um dos na verdade, é a beleza, podemos ler. Porque queremos reconhecer o belo, podemos nos comunicar. Que bonito!
Mas aprendemos a ler não é o único benefício dessa associação. Os benefícios neurológicos vão mais além: “A aquisição da leitura leva a melhor codificação fonológica através da influência das representações ortográficas.” diz a pesquisadora Dehaene. Isso quer dizer que quem lê, fala melhor. E evidências comportamentais mostram que as representações ortográficas da palavra são ativadas pela fala. Aprender a ler aprimora a fala e a fala melhora o reconhecimento dos simbolos da leitura, em um mecanismo de retroalimentação que termina por nos deixar mais espertos. As experiências mostram que vários tipos de efeitos ortográficos no processamento da fala, como o reconhecimento de rimas consistentes*, são afetados pelo letramento. O feedback direto da ortografia na fonologia é provavelmente responsável pelas modificações das respostas cerebrais à linguagem falada no sistema visual.
E ai uma cascata de efeitos acontecem. Basicamente nossa percepção se aprimora com a aprendizagem porque cria modificações nos mapas corticais, como campos de recepção e curvas de frequência mais precisas nos neurônios sensoriais, que se correlacionam positivamente com melhoras no comportamento. Percebemos, vemos melhor o mundo a nossa volta, porque aprendemos a ler.
E para que queremos uma percepção mais aguçada do que para perceber o belo? Vê-lo ainda mais belo?
É provável que haja outras razões, mas as minhas terminam por aqui.
* Céu e Véu forma uma rima consistente. Céu e Mel formam uma rima inconsistente.
—
Dehaene, S., Pegado, F., Braga, L., Ventura, P., Filho, G., Jobert, A., Dehaene-Lambertz, G., Kolinsky, R., Morais, J., & Cohen, L. (2010). How Learning to Read Changes the Cortical Networks for Vision and Language Science, 330 (6009), 1359-1364 DOI: 10.1126/science.1194140