Broadcast yourself or die!

Será que é possível, atualmente, dar uma disciplina na universidade sem que os alunos morram de tédio e  o professor de desgosto? E ainda mais, que os alunos estudem, trabalhem em grupo e sejam criativos? E ainda mais, que o material didático seja de qualidade, disponível na internet e acessível a todo mundo?

Parece sonho, mas com um pouco de disposição, muita coragem e o apoio do meu amigo e coordenador de graduação Marcelo Einicker, conseguímos fazer exatamente isso na disciplina de Biofísica da graduação em Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Apesar da apatia que sempre reinou, mesmo com meus esforços mais hercúleos, eu sempre soube que meus alunos (porque eu fui um deles anos atrás) tinham potencial (veja aqui a resposta sensacional a uma questão de prova criativa, postada por um aluno há dois semestres). Mas foi só quando eu vi o vídeo do Piruvato, feito por um ex-aluno meu, que eu percebi que estava apontando eles na direção errada. Discuti isso em um post no início do semestre e propús aos meus alunos a mudança do rumo do navio, mesmo com ele em curso.

invertemos tudo: as provas foram publicadas na internet e a cada semana uma das questões era discutida em sala de aula. Os alunos tinham até as 22h do dia anterior a aula para postarem na internet, no site da disciplina baseado em MOODLE, conceitos, idéias e materiais multimídia que pudessem auxiliar na construção da resposta em sala de aula no dia seguinte. A nota… era baseada simplesmente na presença em sala de aula durante a discussão da resposta: postou argumentos no site e estava presente durante a aula, ganhou o ponto!

A lista de chamada… uma foto da turma tirada com o celular. Começaram a sair de sala? Dormiram? Outra foto. Como eu já discuti aqui, quem não consegue disposição para estar 2h por semana na minha sala de aula lépido e faceiro, não merece educação pública de qualidade e gratúita. Mas todo mundo queria ‘sair bem na foto’ e, e eu tive a maior frequencia em sala de aula desde 1849.

É claro que ainda tinha gente que não ia, que só assinava a chamada e escapava, que só ficava pra foto… que comia, que dormia, que namorava… Mas tinha um monte de gente trazendo conteúdo, tirando dúvidas, perguntando, explicando.  E transformarmos aquele momento que era frustrante para todo mundo, a aula presencial, em ‘um momento de qualidade’.

Mas o ponto máximo foi a aula de hoje, quando eles apresentaram seus “Projetos Artístico Científicos Culturais Criativo Educacionais”. No início do curso, eles receberam uma tarefa, que seria a principal nota do curso: Produzir um material didático alternativo, que pudesse ser disponibilizado na internet para todo mundo, que ensinasse um (qualquer um) tema ou aspecto da biofísica. O material deveria:

  • Ser publicado na internet (videos no youtube, textos em blog) com uma licença creative commons (utilizado, copiado e distribuido gratuitamente)
  • Videos não poderiam ter mais de 10 min. Os blogs não poderiam ter menos de 20 textos e cada texto não poderia ter mais de 500 palavras. Foto novelas e histórias em quadrinhos também eram permitidas.
  • O material poderia, deveria, ser engraçado, irreverente, bonito, provocante, surpreendente, sensual, criativo… mas como isso tudo é difícil de avaliar, o critério objetivo era: tinha que ensinar biofísica. E tinha que ter ensinado biofísica a quem tivesse preparado o material.

Ninguém estava acostumado a fazer isso, e ninguém deveria nascer produtor de cinema. Por isso, as idéias foram transformadas storyboards, os storyboards discutidos e transformados em roteiros, os roteiros discutidos e finalizados. Depois ensaiados, gravados, editados, finalizados e ‘subidos’ para a rede.

O resultado foi surpreendente. Todos cumpriram as instruções e levaram nota máxima (e ganharam livros “A Verdade Sobre Cães e Gatos“. Os vídeos estão na página da disciplina no Facebook. Vale a pena conferir!

Certamente existem outras soluções para o problema da apatia na sala de aula, mas posso dizer que fiquei muito satisfeito com essa. Estamos no caminho certo: Broadcast yourself or die!

 

O ritmo contagiante do Kuduro conquistou a todos. A letra dessa versão é brilhante: correta, inteligente, divertida… Notem os pequenos detalhes como a transferência dos ‘elétrons’ bolinha, a rotação da bomba de prótons e a distribuição dos ATPs. Mas quando Francisca Paiva entra em cena como ‘energia luminosa’… ninguém consegue se segura e as palmas explodem no salão!

Engraçadíssimo… Os ancoras Arthur Santana e Bruna Maria… a ‘contra-rega’ Camila Puga… o professor Pedro Feio… E claro… os sensacionais Poraquês! Dr. Chagas ficaria encantado com o vídeo.

Muito boa a mistura de Escolinha do Professor Raimundo, Chaves e Casseta & Planeta. Destaque para Isabela Espasandin fazendo a “Loira Burra” morena, carioca e inteligente. E para os malucos diversos do Interbio 2012. Ficou ótimo o efeito de ‘película’ na imagem. Tratamento professional!

Outro grupo criou o blog Teorias do Envelhecimento para discutir e explicar as teorias sobre o envelhecimento. Os textos são ótimos! Stevens Kastrup Rehen iria adorar! Tomara que eles continuem publicando.

Os personagens no estilo South Park são caricaturas dos alunos do grupo. A platéia não resiste e bate palmas no ritmo do refrão “onda, onda, olha onda – clap, clap”

Caras e caretas viram um alerta sobre os sintomas e problemas da contaminação por mercúrio em uma rodinha de violão.

A ecolocalização explicadinha. Chamar Batman e Aquaman para explicar o fenômeno comum em golfinhos e morcegos foi uma excelente idéia. Os personagens de massa de modelar ficaram ótimos!

O projeto foi feito para ajudar os alunos do vestibular comunitário da UFRJ e o destaque é a trilha sonora de Fernando Tuna.

Aproximando os cientistas da sociedade

O mundo hoje é diferente do que era há 5000 anos. Do que era há 500 anos. Do que era há 50 anos. Até mesmo do que era há 5 anos. Por causa da ciência.

Leopoldo De Meis mostrou que, desde que a ciência foi institucionalizada, o número de cientistas passou de algumas dezenas de pessoas que trabalhavam isoladasnos séc XIV e XV, para, nos dias de hoje, alguns milhões trabalhando em universidades e institutos de pesquisa, e publicando seus achados em revistas especializadas de circulação internacional. Os resultados dessas pesquisas transformaram completamente (exponencialmente) a sociedade. Passamos dos 5 km/h que conseguíamos alcançar com nossas próprias pernas à 200.000 km/h que alcançamos com foguetes capazes de nos levar a outros planetas. Nossa expectativa de vida aumentou de 15 anos no pleistoceno para 90 anos em países desenvolvidos depois que o cientista Pasteur mostrou,  no século XIX, a relação entre a contração de doenças e a higiene pessoal. E a população cresceu então de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 2 bilhões em 1930, 3 em 1960 e 7 bilhões em 2012. Podemos transmitir texto, sons, imagens, dados de um canto a outro do planeta imediatamente através de cabos de fibra ótica no fundo dos oceanos e satélites em órbita no espaço.

Ainda assim, o que observamos nesse começo de século é uma sociedade cada vez mais distante da ciência. (veja ‘O que os brasileiros pensam da ciência?‘) Porque?!

A resposta para essa pergunta é complexa e o melhor que eu deveria fazer é ficar quieto, ao invés de arriscar uma resposta. “Mantenha-se discreto e nada de mau te acontecerá” dizia o saudoso prof. Tito Eneas Leme Lopes. Mas eu sou atrevido e vou dar o meu palpite. Para mim, a velocidade de produção de informação e, principalmente, de transmissão da informação, superaram, em muito, a velocidade de educação da população.

O processo educacional, há séculos, está focalizado em uma pessoa: o professor. Na grécia antiga, o ensino era para muito poucos: um professor ensinava de 3 a 4 pupilos e o método principal era a imitação. Depois vieram as universidades na idade média e ainda ali, apesar de discursos para uma dezena de pessoas, o ensino continuava sendo para poucos: aqueles que podiam entrar em contato direto com um mestre ou tutor. Foi apenas no século XIX, com a invenção do quadro negro por um Escocês, que o ensino pode ser ampliado e um professor podia transmitir seu conteúdo para dezenas de pessoas. Desde então apareceram o behaviourismo e o construtivismo, massificamos as formas de avaliação e aumentamos o número de professores e escolas, mas um professor continua ensinando ainda um número bastante limitado de alunos. Isso indica, para mim, que alcançamos o limite e não há como superar esse número com a escola tradicional.

(pausa para os professores na sala atirarem pedras no cientista)

A consequencia dessa deficiência no ensino é que, de certa forma, os cientistas modernos, apesar de todos os nossos meios de comunicação, estão mais isolados do que os cientistas estavam no  renascimento. Isso porque a sociedade, em geral, hoje em dia é tão incapaz de entender o que os cientistas fazem como era há 500 anos. (Veja ‘A universidade é o carrasco da ilusão da sociedade‘)

E assim criamos um paradoxo: as pessoas nunca usaram tanto a ciência (e a tecnologia), nunca foram tão dependentes da ciência e, ao mesmo tempo, nunca estiveram tão distantes dela. É como se os computadores, os tecidos, as viagens, os remédios, as comidas, os livros… como se tudo isso viesse de algo que não foi, em um passado recente, uma idéia de um pesquisador em um laboratório.

Parte da culpa é dos cientistas. Eles nunca se esforçaram muito para traduzir seus achados para a população, apesar da população pagar pela produção desse conhecimento científico. “Nos dêem financiamento e nos deixem trabalhar em paz. Afinal, vocês não entenderiam mesmo o que estamos fazendo” escreveu o biólogo Stephen J. Gould sobre essa ‘atitude arrogante’ do cientista em ‘Seta do tempo, Ciclo do tempo’. Essa postura arrogante não contribuiu para aumentar o diálogo com a população. Mas é verdade que não foi só com arrogância que se construiu essa falta de diálogo. Uma certa timidez de muitos cientistas e um tanto de excentricidade de outros, ajudaram a criar um esteriótipo pouco atraente para a sociedade. Em nossa defesa, tenho que dizer, mesmo sob o risco de alimentar a imagem arrogante, que não podemos ignorar o fato da ciência ser difícil (sem tirar o mérito de ser Loira do Tchan, que eu também acho difícil), e que o público leigo tem mesmo dificuldade de entender, e que não podemos fazer muito com relação a isso. Trabalhamos com coisas pouco intuitivas, intangíveis e altamente especulativas. A industria do entretenimento, por exemplo, trabalha justamente com o oposto: nossos sensibilidade inata para a fofoca (veja ‘Ti-ti-ti! A fofoca como instrumento de ensino‘), a beleza (veja ‘A beleza nas letras‘ ) e o medo (veja ‘Por que as pessoas sentem medo?‘). Por isso Big Brother, Paris Hilton e Crepúsculo fazem tanto sucesso. Em uma sociedade sem mentes preparadas pela educação para entender a ciência, os cientistas continuarão isolados.

Ainda há, acredito eu, três outros fatores que contribuem para aumentar essa distância entre a ciência e a sociedade.

O primeiro fator é o mais delicado, o mais perigoso, e o que impõe o maior desafio para o cientista que quer se comunicar com o grande público: É o fato da ciência requerer um rigor que nós, pessoas leigas, não queremos nas nossas vidas. Na verdade, um rigor que não podemos ter. Grande parte dos nossos problemas, no dia-a-dia, são resolvidos por empirismo e intuição. O cientista tira das pessoas as certezas construídas por essas duas forças, sem colocar nada no lugar! Quero dizer, o que a ciência tem a oferecer para colocar no lugar do vazio da morte da ilusão (que é o incrível prazer de compreender o incompreensível e a avassaladora paz de espírito de fazer parte de algo tão maior do que nós mesmos que a nossa própria linguagem é incapaz de expressar com precisão), está fora do alcance da maioria das pessoas. Não falo isso com arrogância. Aprendi com o Millor que “somos todos ignorantes, apenas assuntos diferentes”. Eu mesmo não posso explicar pra vocês o Bóson de Higgs ou os fenômenos quânticos do emaranhamento e da sobreposição porque eu, simplesmente, não sei. Não sei porque é muito difícil e pra entender temos que ter muitos e mãos anos estudando e preparando a nossa mente para compreensão desses conceitos. E dificilmente podemos fazer isso sem que afete a maneira como vemos o mundo de forma geral, nossa vida cotidiana, nossos hábitos, nossa alimentação, nosso corpo e nossos relacionamentos com outras pessoas. “Mauro, você tem que entender que as pessoas não entendem bem uns 95% do que você fala” me disse uma vez uma amiga querida. Conversar com um cientista pode ser irritante por causa do rigor que ele aplica mesmo a eventos banais do cotidiano. Da mesma forma que pode ser irritante para o cientista conversar com pessoas leigas que acreditam em superstições e outras formas de pensamento que não requerem o mesmo rigor de análise do método científico. E talvez estejam certos! Fomos feitos para buscar alimento, buscar abrigo, reproduzir, fugir ou lutar e nosso cérebro não está planejado ou preparado para entender a teoria das supercordas, a matéria escura ou o nosso próprio cérebro. Em certo aspecto, eu mesmo me pergunto se não exageramos na nossa ansia de ‘entender’ tudo. Os seres humanos são capazes de coisas maravilhosas como a Nona Sinfonia de Beethoven, Hamlet de Shakespeare e o gol do Roberto Dinamite no Botafogo em 1976; que mostram que a ciência não pode nos dar tudo que precisamos para viver bem. Mas se quisermos dar a população tudo o que a ciência tiver a oferecer para que eles possam viver melhor, vamos ter que encontrar uma forma melhor de nos comunicarmos com eles.

O que me leva ao segundo ponto: aumentamos os nossos meios de comunicação, mas não sabemos ainda como nos comunicar. A escola, e principalmente a universidade, tem feito um trabalho incrível em pasteurizar nossa comunicatividade ao focar o ensino apenas na competência de ‘interpretação’ da informação (que é efetivamente importante) como se as competências de identificar, descrever, listar não fossem fundamentais para o processo de comunicação e necessárias para a interpretação. O resultado é que nossos alunos (e professores, e executivos, e cientistas, e todo mundo) não conseguem exercer concisão, coesão, clareza e criatividade em seus textos. Criam mensagens enormes que não dizem nada (veja ‘Quem foi que disse?’) e deixam os leitores desesperados: “Mas eu não tenho tempo de ler nada, eu só leio e-mails” disse um espectador desesperado em uma palestra da escritora Sonia Rodrigues, por causa volume de e-mails desnecessariamente extensos de trabalho que lê e responde todos os dias. “Para bom entendedor, meia palavra basta” o ditado popular mostra como nossa habilidade de interpretar deveria jogar a nosso favor. E jogaria, desde que usássemos as palavras corretas: os sete lugares do pensamento (Veja ‘Em busca dos 7 lugares de pensamento‘)  que os gregos e romanos já haviam identificado como ancoras de qualquer discurso. “Mas no caso de você ser um mal entendedor, vou te escrever umas 5 páginas”. Seja por medo, vaidade ou incompetência, não queremos abrir mão do nosso texto e escrevemos mais do que o necessário sem escrever o necessário. O resultado são leitores cognitivamente exauridos, exaustos e frustrados por serem incapazes, depois de todo esforço, de compreenderem a mensagem. “Existem várias formas de ser compreendido: ser claro é a principal” me disse a professora Cristine Barreto. Esse é um problema generalizado. Está em todos os ambientes e grupos sociais, e os cientistas não escapam. Se “Comunicação não é o que você fala, é o que os outros entendem”, temos que explicar para os cientistas que ninguém está entendendo nada.

O terceiro pode ser considerado o mais polemico, pelo menos pela comunidade científica. É que a ciência que é feita no mundo hoje é… chata! Extremamente chata! John Hudges especula, em seu livro ‘O fim da ciência’, se não teríamos já descoberto tudo que há pra descobrir e se agora não estamos apenas no fase de produzir “mais medições, mais precisas” (frase pronunciada por Lord Kelvin, na Royal Academy de Londres, em 1899, quando realmente se acreditava que tudo que havia para ser descoberto na física já havia sido descoberto – sendo que não poderiam estar mais equivocados). Hoje publicamos em torno de 1,6 milhões de trabalhos científicos por ano. Muitos desses trabalhos tem pouca ou nenhuma relevânica científica (acrescentam pouco ao que já se sabe), não enobrecem o espirito humano, não produzem nenhuma aplicação prática e muitas, muitas vezes, estão simplesmente errados. Isso porque muitas, muitas vezes, são produzidos por vaidade, influência econômica, modismo, carreirismo ou sem o menor conhecimento de estatística. “O cidadão comum é passível de aborrecimento” a frase pronunciada por Cícero na Roma antiga se referia aos discursos dos políticos que eram ininteligíveis aos cidadãos comuns por serem incrivelmente entediantes (que eram então excluídos das decisões políticas do império), mas poderia muito bem se aplicar aos cientistas hoje. Os cientistas fazem questão de usar uma linguagem rebuscada que dificulta ainda mais o acesso ao conhecimento hermético que produzem, tornando esse ainda mais chato. O ser humano foi equipado com um poderoso senso de estética (que pode ser prejudicado depois da 3a cerveja) para suportar as dificuldades da vida e também com uma curiosidade inata que o ajuda a explorar novos ambientes e possibilidades. Por isso não gostamos do que é feio e nos entediamos com coisas que permanecem constantes e com artigos científicos da Nature. A pesquisa científica precisa, urgentemente, deixar de ser chata.

Precisamos, todos nós cidadãos, e especialmente nós cientistas, enfrentarmos esse problema para aproximarmos a sociedade da ciência. A Internet mudou a forma de fazer entretenimento, jornalismo, negócios e política. Está na hora de usarmos todo esse potencial dessa WEB 2.0 para educar e incluir cientificamente a população. Os blogs são parte importante desse mecanismo. Antigamente o conhecimento produzido por um cientista no laboratório percorria um longo caminho até chegar ao estudante na sala de aula. Os artigos científicos eram publicados em revistas especializadas, que depois eram reunidos em revisões, livros texto e eventualmente chegavam ao livro didático, que com sorte o professor utilizaria em sala de aula. Hoje ele pode, ele próprio, em 3 passos, criar um blog e comunicar-se não apenas com estudantes, mas com TODO MUNDO! No mundo todo!

Essa é uma tarefa de todos mas principalmente do cientista, porque apenas ele pode traduzir o conhecimento complexo que está sendo produzido dentro dos laboratórios para a população leiga. Se fizermos isso, mais do que cumprir o nosso papel e a nossa responsabilidade social, estaremos capitaneando uma revolução na educação. Qualquer um que detenha um conhecimento e que tenha acesso a um computador e a internet, pode se tornar um professor para um número incalculável de pessoas, que, por quererem conhecimento e terem acesso a um computador (ou tablet, ou celular, ou TV) conectado a internet, se tornam alunos. O foco do processo educacional deixará de ser ‘o professor que detém o conteúdo e o transmite dentro de sala de aula para um número limitado de alunos’ e com isso realizamos a maior e mais poderosa inovação na educação de todos os tempos. A inovação que finalmente permitirá incluir científica, digital e socialmente, os 7 bilhões de seres humanos no planeta!

E o momento é esse! A última pesquisa de opinião encomendada pelo MCT em 2010 mostra que 65% da população brasileira tem interesse pela ciência (mais que pela política, mas ainda menos que pelo esporte) e que a internet já é a principal fonte de acesso a notícias para jovens e adultos até 30 anos. Só que um alto percentual (40%) da população que não se interessa por ciência, explica que simplesmente não consegue entender do que se trata. A maioria não conhece um cientista ao ponto de confiarem mais na palavra do médico ou dos jornalistas quando se trata de ciência. Mas a população tem noção de que ciência é capaz de coisas maravilhosas e tenho certeza que são capazes de perceber, mesmo sem entender, que hoje podemos explicar coisas que apenas 500 anos atras pareciam mágicas. Coisas que 5000 anos atras eram mágicas! Mas não podemos permitir que a compreensão desses fenômenos, e dos avanços tecnológicos e sociais permitidos por eles, fiquem restritos a uma parcela da população só por serem difíceis, pouco intuitivos ou por estarem além da nossa compreensão. Isso seria condenar a maioria das pessoas a viver a margem da sociedade, da história e do futuro. Condená-los a viver a margem do seu próprio potencial e a é colocar nas mãos de outrem o poder de tomar decisões importantes para a vida, sua e dos seus.

Todos nós, cientistas, leigos, educadores, estudantes, precisamos aprender a viver e a nos comunicar em um mundo saturado de informação. Para ter sucesso nesse mundo, temos que aprender novas habilidades: selecionar, priorizar e sintetizar informação, para podermos gerar conhecimento e propor soluções inovadoras para problemas novos e antigos. Essas são habilidades complexas que apenas a mente que se dedicou ao estudo de pelo menos uma disciplina por mais de 10 anos é capaz de desenvolver. O presidente da Apple Steve Jobs dizia que na internet “a maioria de nós continua apenas consumidores, ao invés de autores”. Os cientistas precisa tomar a iniciativa de um movimento para formar ‘autores’ e incluir científica, digital e socialmente a população.

A beleza nas letras

ResearchBlogging.org
 
 
 

“O Australopithecus sp. usava ferramentas, o H. habilis usava utensílios, o H. erectus começou a falar e construir; o H. sapiens, podia raciocinar de forma complexa. Acredita-se que há 100.000 anos, o Homo sapiens saiu da África para dominar o mundo, começando pela europa. No registro fóssil, encontram-se nessa mesma época, pedras que foram trabalhadas excessivamente. Mais que o necessário para que fossem úteis. Foram aprimoradas para ficarem… bonitas! Pela primeira vez o homem desenvolve a capacidade de projetar e confere concretude a fantasia, transformando-a em criatividade. O inicio de uma etapa que levou a organização social e a política.”

O texto de Domenico de Masi mostra como nosso senso de estética é ancestral, anterior mesmo a nossa fala (com a qual se desenvolveu muito da nossa inteligência). No paleolítico, a expectativa de vida era de 15 anos. Dor, esforço, intempéries, pragas, fome e doenças eram o dia-a-dia do homo sapiens. A vida não era fácil e os homens conviviam com a morte dos entes queridos. Nos vivemos 99% do nosso tempo de vida como espécie nesse estilo de vida. A arte e a religião eram as únicas formas de consolo da dura vida terrestre.

A beleza tem um papel preponderante na vida de todos nós. Mais até do que gostaríamos que tivesse. Mais do que nos orgulhamos que tenha. Vivemos em uma época em que apreciar o belo é politicamente incorreto, mas ao mesmo tempo, nunca buscamos tanto o belo, nunca a moda foi tão poderosa e o consumo tão forte. Nosso senso de estética se aprimora a medida que… A medida que o que? É provável que a medida que ficamos mais inteligentes! Quanto mais inteligente você é, e você fica, mais você admira o belo.

Não, a inteligência não substitui a beleza. A inteligência é sexy, mas sem a beleza, ela é capenga. Na verdade, a inteligência quase atrapalha.

Veja, se você é bonito, seus filhos serão bonitos. Se você é inteligente… não há nenhuma garantia que seus filhos serão inteligentes. Simples assim. Poderoso assim. Quase insuportável.

Sempre buscamos identificar a beleza. O ‘mais’ bonito. Tanto que temos ‘instintos’ de beleza: reconhecemos cor, brilho, simetria, tamanho… tudo como sinal de beleza.

Pelo nosso senso de estética, a beleza só pela beleza já seria suficiente, mas podemos usá-la também para coisas úteis. A beleza serve para avaliarmos saúde (ou você já viu alguém doente bonito?) e podemos usar a beleza para… ler! Duvida?! Continue comigo.

Nós começamos a escrever mais ou menos há 5.000 anos e ainda que pareça óbvia a associação entre ler e escrever, ela não é. É provavel que a identificação visual dos símbolos que chamamos de letras seja mais difícil para o cérebro do que a realização dos precisos movimentos manuais que gravam o símbolo em uma superfície (como a pedra ou o papel) com o auxílio de um instrumento (como o formão ou a caneta). A linguagem, nós aprendemos com Noam Chomsky, é bem anterior a tudo isso. Tanto que está gravada no nosso cérebro como um instinto, tendo areas bem reservadas para ela. O sistema visual é mais antigo ainda, análogo e homólogo a muitos outros sistemas visuais na natureza, e também tem áreas reservadas no cérebro. É a combinação desses dois sistemas que nos permite… ler. O sistema verbal transforma as letras em sons pronunciáveis e dá acesso ao conhecimento de palavras similares, para que possamos inferir significado. O sistema visual Identifica as letras de forma eficiente. Mas qual parte do sistema visual?

Uma variação da nossa região de reconhecimento de faces! O VMFA sigla do inglês Visual Word Form Area – ‘área da formação visual das palavras’, é uma região do ‘giro fusiforme esquerdo’, na parte central do sistema visual (o córtex occipto temporal) responsável pelo reconhecimento dos simbolos que compõe as letras e palavras.

Mas veja, porque nós desenvolvemos um sistema de reconhecimento de rostos, cujo principal atributo, um dos na verdade, é a beleza, podemos ler. Porque queremos reconhecer o belo, podemos nos comunicar. Que bonito!


Mas aprendemos a ler não é o único benefício dessa associação. Os benefícios neurológicos vão mais além: “A aquisição da leitura leva a melhor codificação fonológica através da influência das representações ortográficas.” diz a pesquisadora Dehaene. Isso quer dizer que quem lê, fala melhor. E evidências comportamentais mostram que as representações ortográficas da palavra são ativadas pela fala. Aprender a ler aprimora a fala e a fala melhora o reconhecimento dos simbolos da leitura, em um mecanismo de retroalimentação que termina por nos deixar mais espertos. As experiências mostram que vários tipos de efeitos ortográficos no processamento da fala, como o reconhecimento de rimas consistentes*, são afetados pelo letramento. O feedback direto da ortografia na fonologia é provavelmente responsável pelas modificações das respostas cerebrais à linguagem falada no sistema visual.

E ai uma cascata de efeitos acontecem. Basicamente nossa percepção se aprimora com a aprendizagem porque cria modificações nos mapas corticais, como campos de recepção e curvas de frequência mais precisas nos neurônios sensoriais, que se correlacionam positivamente com melhoras no comportamento. Percebemos, vemos melhor o mundo a nossa volta, porque aprendemos a ler.

E para que queremos uma percepção mais aguçada do que para perceber o belo? Vê-lo ainda mais belo?

É provável que haja outras razões, mas as minhas terminam por aqui.

* Céu e Véu forma uma rima consistente. Céu e Mel formam uma rima inconsistente.


Dehaene, S., Pegado, F., Braga, L., Ventura, P., Filho, G., Jobert, A., Dehaene-Lambertz, G., Kolinsky, R., Morais, J., & Cohen, L. (2010). How Learning to Read Changes the Cortical Networks for Vision and Language Science, 330 (6009), 1359-1364 DOI: 10.1126/science.1194140

A universidade é o carrasco da ilusão da sociedade

Eu adoro a jornalista Eliane Brum. Acho até que amo. Não, está mais pra uma fixação. Tudo começou com o artigo dela “Meu filho, você não merece nada!”. Espetacular! Depois li aquele sobre o ‘Criacionismo‘, sobre a usina de “Belo Monte“, e depois um monte de outras coisas. Não bastasse ser inteligente e perspicaz, ela é bonita (mesmo com aquele sotaque de gaúcha que, vamos lá, não combina tão bem com mulheres bonitas). Comecei a segui-la no Twitter e, eventualmente, cheguei até a sua entrevista no programa provocações da TV cultura. Excelente! Suas opiniões sobre a morte e a coluna prestes são fortes e bem embasadas. “Quando eu vejo alguma coisa interessante, eu raspo a minha poupança, pego todo o meu dinheiro e vou lá, porque eu não falo do que eu não vi”. Por isso tudo, fiquei triste, bem triste, quando ao final do programa, perguntada pelo Abujarana sobre a academia, ela respondeu “a universidade está distante da sociedade”. E nem foi só assim, a seco. Foi com um certo desdém. O mesmo desdém com que eu, por exemplo, falo do congresso nacional.

Só que não fiquei não só triste. Fiquei também preocupado: “Se uma jornalista do calibre dela tem essa opinião da universidade, qual será a opinião que o resto das pessoas tem?” Mas mais do que isso, me perguntei: “Será que ela está certa mesmo?

Falar mal da universidade, principalmente das públicas, é chutar cachorro morto: remuneração ruim, abandono, burocracia, lentidão… Mas ainda assim são ilhas de saber e conhecimento e um porto seguro quando se trata de questões práticas que requerem saber ou tecnologia. Seja na área do ensino, das engenharias, do meio ambiente ou da saúde. Discutir porquê a universidade está longe da sociedade é muito relevante no momento em que os professores das federais param em greve.

A universidade está sim, distante da sociedade. Mas sempre que alguém diz isso, como quando a Eliane Brum disse, parece que a culpa é da universidade. Será que é? A responsabilidade pela distância entre a academia e a sociedade é da universidade? Ou, no mínimo, será que é SÓ da universidade?

Eu sou da opinião de que só a opinião das pessoas conta pouco, ou muito pouco, e, por isso, devemos observar o que as pessoa fazem, não o que elas dizem ou querem. E se eu olho a nossa sociedade, o que eu vejo é que o primeiro eletrodoméstico de uma família é a TV, mesmo que seja uma família muito, muito pobre do sertão do cariri, mesmo antes da geladeira. Vejo qu

e o Brasil é reconhecido no mundo, hoje, por Paulo Coelho e Michel Teló (já foi por Carmem Miranda e Pelé), que temos muito mais horas por semana de programas religiosos na TV (190h) mesmo do que de esportes (50h), notícias ou  entretenimento (Ciência tem míseras 8,5h). E que o BBB e o Ratinho são campeões de audiência. Como uma sociedade assim pode se aproximar da universidade (e vice-versa)? O que a universidade tem a oferecer a essa sociedade? Podem me chamar de preconceituoso, mas quando paro para pensar na resposta a essa pergunta, quase me desespero. Chego a conclusão que muito pouco ou quase nada. Tirando o diploma, o documento em si (e não o conhecimento associado a ele), acho que a sociedade não reconhece na universidade nada que possa interessar a ela.

Vejam, não estou dizendo que é verdade ou que eu concor

do com isso (que a universidade não tem nada a contribuir com a sociedade). E vou dar um exemplo prático. O ministério da educação, quando instituiu a Universidade Aberta do Brasil, o fez seguindo um modelo semi-presencial, que incluía a criação de pólos presenciais em parceria com as prefeituras, onde os alunos a distância pudessem usufruir de uma série de serviços como biblioteca, aulas práticas e tutoria. O governo federal financiaria, de diversas maneiras, esses pólos para as prefeituras que submetessem projetos. Mas… nada! As prefeituras simplesmente não submeteram porque… infelizmente… não há pessoas, na maioria das prefeituras dos mais de 5.000 municípios brasileiros, capazes de ler um edital e escrever um projeto adequado a ele. Isso vale também para outras áreas como saneamento básico, segurança pública e meio ambiente. Uma colaboração entra a prefeitura e a universidade mais próxima, qualquer uma, pública ou privada, poderia facilmente preencher essa lacuna e permitir o acesso a esses recursos que trariam benefícios diretos e visíveis a população.

A sociedade consome os produtos da ciência, mas

é avessa a sua filosofia. Por falta de educação, provavelmente. Afinal, temos apena 14% dos nossos jovens entre 18 e 24 anos na universidade (menos que a bolívia!). Aproximadamente o mesmo percentual de outros jovens mais jovens na escola. O que podemos esperar dessa população, a não ser que por algumas gerações a distância continue grande?

O Brasil tem um povo sofrido, explorado, que tem na esperança a única ferramenta para a paz de espírito, para lidar com a incerteza de uma vida em uma das sociedades com pior distribuição de renda e índices de corrupção do mundo. O Brasileiro sabe, sempre soube, aprendeu, a ter fé e usar a fé para combater a incerteza. A universidade usa a ciência para combater a incerteza, reduz a esperança, e mostra que o trabalho e a razão são mais importantes que a oração; que a educação combate a corrupção, mas que para aprender, tem que estudar e tem que trabalhar. É muita coisa. (Principalmente quando nossos políticos usam a estratégia da religião: prometem reco

mpensas enormes e colocam a responsabilidade na fé do cidadão, sem precisarem prestar contas dos resultados). A ciência mostra que as recompensas não podem ser tão grandes, que precisam ser conquistadas com trabalho e precisam, a todo momento, serem postas a prova. A ciência acaba com a esperança de sucesso fácil, mas mostra que o sucesso é mais provável com trabalho.

E é demais. O que eu tenho percebido é que o golpe da ciência na esperança é forte demais, e não sobra nada em pé para que uma sociedade literal e digitalmente excluída construa em cima. O golpe na esperança é fatal e quando vem a ciência em cima, não há mais nenhum terreno para fecundar. Se você não entendeu o que eu quis dizer com isso, pode ser que essa tirinha ajude.

É isso… a ciência é o carrasco da ilusão, que mata junto a esperança. Haja coração!

Fantasia e Concretude

Essa semana voltei aos meus tempos de adolescente e dei uma de tiete, igual aqueles malucos que vão pra fila da Madonna, 3 dias antes do show, pra pegar o primeiro lugar na fila. O show era a palestra do sociólogo italiano Domenico de Masi, em Curitiba.

Quem me apresentou Domenico foi meu amigo Milton Moraes e depois que eu li ‘A emoção e a regra’, minha vida não foi mais a mesma. Comecei a me interessar muitíssimo pelas razões que tornam um grupo criativo e o interesse apenas aumentou com o tempo. Hoje eu já li quase tudo que Domenico de Masi publicou e como eu escrevi aqui, ainda estou no meio de Fantasia e Conretude, um calhamaço de 1000 páginas sobre a criatividade.

Apesar de Domenico vir com regularidade ao Brasil, assistí-lo não é fácil. Como um dos homens que previu a falência do sistema de trabalho industrial no mundo pós-industrial, hoje ele é requisitadíssimo por grandes empresas para falar para executivos de alto nível sobre como eles devem gerir seus recursos humanos. Assistir uma palestra do Domenico de Masi pode custar R$1.500,00!

Mesmo assim, de vez em quando eu entro no seu site (www.domenicodemasi.it) pra dar uma olhada na agenda dele. Quando fiz isso no sábado passado, vi que ele estava no Brasil, mais especificamente no Paraná, e que falaria em Curitiba na 4a e 5a feira. Fiquei agitadíssimo, como fiquei para a palestra do Richard Dawkins anos atrás, como fico toda vez que a Madonna vem ao Brasil. Sem pensar muito, cancelei minhas aulas, comprei uma passagem e fui pra Curitiba, determinado a dar um jeito de assistir meu ídolo. Aos 42 minutos do segundo tempo, consegui a confirmação que poderia assistir a palestra exclusiva para professores da PUC – Paraná e gestores da Volvo do Brasil que ele daria na própria universidade.

No auditório cheio, resolvi dar um gostinho pra quem não estava lá e minha primeira transmissão ao vivo pelo twitter. Sei que pelo menos @alesscar e @srehen seguiram 🙂 Ao contrário do Richard Dawkins, Domenico é uma simpatia, conquistou a platéia, deu uma palestra interessantíssima e no final foi rodeado por uma orda de professores (principalmente professoras) querendo fotos e autógrafos. Eu fiquei com vergonha, achando que era mico, mas fui lá apertar a mão dele e convidá-lo para participar da próxima edição do PRIMO’s next, a escola internacional de pós-graduação que organizamos todos os anos.

Pra quem ainda não acompanha o @vcqebiologo ou não conseguiu seguir a transmissão #domenicodemasipucpr, eu resolvi compilar os twitts, algumas pérolas, aqui no VQEB. Espero que vocês aproveitem.

  • Sou NERD mesmo… Parece que vou ver a Madonna, mas é o Domenico de Masi
  • Será que ele vai falar alguma coisa que não esteja nas 1000 páginas de ‘Fantazia e Concretezza’?
  • Quantas vezes as autoridades vão repetir o título antes do início da palestra?
  • Criatividade é começar! Não tentem produzir o processo completo. Ajustes são feitos no caminho. (Jaime Lerner)
  • De onde viemos, p/ onde vamos e o que temos p/ o Jantar? W Allen Ñ adianta pensar gde problemas se ñ resolvemos os pq
  • A luta entre Tesis e Metis. A luta entre Corbusie e Niemyer. A luta entre a reta e a curva.
  • Qdo Marx escreveu ‘o capital’ 94% dos trabalhadores de Manchester trabalhavam com as mãos
  • A principal característica da sociedade industrial é o colonialismo: quem produz coloniza quem consume
  • 5 fatores de inovação: globalização, difusão da escolaridade, perdi os outros
  • Mesmo quem nasceu em uma sociedade industrial vive hoje já em uma sociedade pós-industrial
  • Hoje apenas 1/3 dos trabalhadores usa as mãos. 1/3 trabalho intelectual repetitivo e 1/3 trabalho intelectual criativo
  • Hoje a palavra ‘trabalho’ se aplica a diferentes atividades. Mas tratamos todos os trabalhadores do mesmo jeito
  • ‘como explicar a minha mulher que qdo olho pela janela estou trabalhando’?
  • Gestores de recursos humanos das empresas não evoluíram da sociedade industrial para a pós industrial
  • as pessoas estão sempre infelizes n trabalho
  • Nos países latinos apenas os homens fazem carreira. As convenções parecem o gay pride
  • vale ainda o princípio do iluminismo onde o que vale é a racionalidade. O que é emotivo é ruim e… Feminino
  • o homem que tanto se dedica ao trabalho… Morre mais cedo!
  • Marília Zaluar e Silvana Allodi iam adorar isso
  • assim como neurônios não crescem: estabelecem novas conexões, como serão as conexões entre os 7bi de cérebros em 2020?
  • não se é velho enquanto não se perde a vontade de seduzir e de ser seduzido. O que nao acontece aos 60 anos
  • a cultura enriquece as coisas de significado. Quando sei que o pêssego veio da China, Japão e Pérsia, ele parece + doce
  • no mundo, aprendemos a produzir cada vez mais com cada vez menos trabalho. Isso é difícil de explicar no Brasil
  • difícil explicar no Brasil: quanto mais riqueza em um pais: menos trabalho
  • o aumento da tecnologia tira o trabalho. Para resolver o problema, temos que diminuir as horas de trabalho
  • em 2020 a tecnologia tornará o adultério impossível! 🙂
  • gdes empresas farmacêuticas estão investindo em drogas ante-ciúmes!!!
  • Enquanto a sociedade industrial pensava em organizar o trabalho, agora temos que organizar o tempo livre
  • Berlusconi, por exemplo, só tinha ‘problemas de tempo livre’
  • o carnaval do Rio é um grande exemplo dessa ‘organização’
  • Produção contemporânea de riqueza, saber e alegria: isso é o ócio criativo – Não a preguiça
  • em 2020 a sociedade será andrógina. Mulheres cada vez mais masculinas. Homens mais masculinos
  • a sociedade pós-industrial depende fortemente da ética e respeito, pq depende de serviços, que dependem de confiança
  • os ‘analógicos’ principalmente os anciões tem medo de tudo que é novo: computadores, redes, gays, tudo que é novo
  • Eraclito: é no repouso que as coisa se acomodam. É importante incorporar a inovação com ‘leveza’
  • se dependesse de mim seria sempre imaturo no relacionado as idéias -Rob Freire. Estar sempre abertos a novas idéias
  • não se pode pedir aos homens, ou a quem não esta no poder, de deixar o poder
  • fazem carreira as mulheres que tem mentalidade andrógina. O desafio das mulheres e mudar a organização das empresas
  • as empresas são lugares de sofrimento. A mulher tem que mudar a organização e até lá é melhor ter homens no poder
  • o poder é tomado com ‘graça’ ou com a revolução
  • os bancos nasceram na Itália, no séc XII, junto ao purgatório, para gerir os recursos do ‘indulto’ pago a igreja
  • o paraíso é um paradoxo: todos querem ir pra lá, mas o mais tarde possível!
  • “não digo a vocês como é o paraíso de Maomé, porque senão todos se converterão ao islamismo”
  • em nenhum ‘paraíso’ se trabalha!
  • O futuro é dos humanistas. Bastam poucos engenheiros pra planejar e poucos operários para produzir, mas…
  • … Precisamos de milhares de humanistas para colocar conteúdo lá dentro. O outros milhões para usa-lo.
  • escola de música de Antônio Abreu na Venezuela. Platão já dizia que o mais importante a ensinar, é a música
  • Bolschoi Brasil em Joinville, escola em foz do iguaçu, músicos do sertão brasileiro. Todos exemplos do futuro da escola
  • governo Berlusconi foi a primeira ditadura mediática do mundo: a violência nãoo é física. A tortura é intelectual
  • na ditadura mediática, o governo faz o que o povo quer, que faz o que a TV sugere, que sugere o que o governo quer
  • a genialidade é feita de grande fantasia e grande concretude. Hoje temos muitos com excesso de um ou outro. Ñ de ambos
  • a bossa nova no Brasil é um grande exemplo de criatividade pós-industrial
  • em foz do Iguaçu, a natureza das cataratas competem com o humanismo da hidrelétrica de Itaipu. Eu já tinha dito!
  • na universidade há sempre a luta entre a inteligência e a imbecilidade. Ambas são infinitas! Ainda que com ‘violência’
  • o maior inimigo do criativo é o burocrata. Os burocratas são sempre seguros pq pensam ao passado
  • os burocratas são sempre amigos de Burocratas. Deus foi criativo! (como deus nao existe…)
  • a única arma contra os burocratas é a ironia: a arma dos gênios e dos criativos

Pra quem ficou com gosto de ‘quero mais’, se tudo der certo, teremos ele novamente no Brasil em Outubro, dessa vez patrocinado pelo VQEB.

Cerveja, Piruvato e novidades na sala de aula

Dia 17 de março foi dia de São Patrício (St. Patrick). Eu não saberia disso se não estivesse fora do Brasil, porque aqui não se comemora tanto o dia do padroeiro da Irlanda. E porque se comemoraria? Bom, porque a festa do padroeiro da Irlanda acabou virando a festa da Cerveja, o produto mais associado aos irlandeses, e os brasileiros também adoram cerveja. Mas acho que o carnaval e a Oktoberfest (a nossa é a segunda maior do mundo e a segunda maior festa brasileira – não religiosa – depois do carnaval) já cumprem esse papel.

E o que isso tem a ver com biologia além do fato dos biólogos adorarem cerveja? A cerveja é um ótimo assunto para ensino e divulgação científica. Um dos meus primeiros textos foi sobre o consumo do álcool e mais recentemente escrevi sobre a toxicologia do álcool e o interesse que esse assunto desperta nos alunos. E chamou a minha atenção o vídeo feito por um biólogo sobre a biologia da cerveja:

Não é um barato?! Para fazer esse vídeo eu tenho certeza que ele aprendeu muito mais do que se estudasse para qualquer prova. Também tenho certeza que muitos alunos, ou apenas beberrões curiosos, aprenderam (e aprendem) mais com ele do que com qualquer livro didático. E contribui para isso o fato de ser um vídeo e de estar no youtube, onde as pessoas podem acessar de qualquer lugar e quantas vezes quiserem.

Fiquei me perguntado porque não temos alunos assim: criativos, divertidos, dedicados, interessados e inovadores? Ops! Mas peraê… nós temos sim!!!

O video abaixo sobre a via glicolítica foi feito por alunos da UFRJ e é um sucesso na internet:

Ainda que algumas pessoas possam questionar o bom gosto dos produtores, o ‘Piruvato’ é sensacional! Esse vídeo, essa música, deveriam ganhar prêmios! Eu queria dar um premio pra esses caras.

Ops, mas peraê de novo. Eu conheço esses caras! Eu conheço essa sala de aula! São os meus alunos, é a minha sala de aula. Esses rapazes e moças passaram pela minha disciplina sem nenhum brilho, sem nenhuma iniciativa. Provavelmente sem presença também. Por que será que esse interesse não se manifesta no dia-a-dia da sala de aula?

Porque, vamos combinar, a aula é muito chata! A escola é chata e a universidade é chata também. Não é (quase sempre) culpa de ninguém, é o fato da escola não ter acompanhado as mudanças tecnológicas da sociedade nos últimos 100 anos, como diz Seymour Papert.

“Alguns setores da atividade humana, como a medicina, os transportes e as comunicações, foram transformados drasticamente, a ponto de não reconhecermos, durante o século XX. Comparadas com essas mega mudanças, as práticas da escola permaneceram virtualmente estáticas. Isso se deve a aprendizagem não ser suscetível a mudanças? ou a tecnologia apropriada ainda não ter aparecido?”

Por melhor professor que eu seja – e eu sei que sou – não tem como a minha aula, nos moldes em que se espera que eu dê aula, possa competir com os estímulos do mundo moderno. Eu sou a favor de fazer um monte de coisas super legais em sala de aula, mas como fazer isso se temos que passar conteúdo para os alunos?

A relação com o conteúdo tem que mudar. Tem, pelo menos, que mudar o ‘momento’ de passar o conteúdo. Não pode ser mais a sala de aula. A aula tem que ser pra discutir as respostas dos alunos com eles. REspostas que eles encontraram no youtube, no google, no facebook. Que conversaram entre si, que perguntaram pra alguém ou ouviram falar no jornal, na TV, pixado em um muro. Que ouviram no video engraçado do ‘Piruvato entra e sai’.

Fora umas pouquíssimas iniciativas isoladas, como a escola do Oi Futuro da qual a Samara Werner fala aqui, o professor é obrigado, ou só sabe, ou só tem instrumentos, para dar uma aula chata. É obrigado a cobrar dos alunos uma performance chata e tem de se contentar com um resultado medíocre. Todos restam decepcionados. Mas será que tem de ser assim?

Ahh… eu vou mudar isso. Vou mudar isso a partir de agora. A partir de hoje.

Quem foi que disse?

Fiquei tão impressionado com a velocidade que meus leitores esclareceram a questão da autoria da frase “Me perdoe está longa carta, é que não tive tempo para escrever uma curta” (veja aqui) que e resolvi propor um no enigma: A Obesidade Mental!

O texto a seguir é um trecho do livro “Obesidade Metal” de Andrew Oitke:

“O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades: Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos dizem que a Capela Sistina tem teto, mas ninguém suspeita para que é que ela serve. Todos acham que Saddam é mau e Mandella é bom, mas nem desconfiam porquê. Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto.”

O texto chegou até mim em um daqueles e-mails repassado por 587 pessoas. Mas a mensagem era importantíssima e eu comecei a usar a citação em aulas e palestras. Como eu não gosto de citar livros que eu não li (ainda que eu cite Homero sem ter lido a Ilíada e a Odisséia) achei por bem comprar o livro e lê-lo. Certamente haveria mais coisa interessante. Entrei no Submarino e… nada. Saráiva, FNAC, Cultura… nada. Recorri então a Amazon e… nada. Título em Português, título em espalnho, título em inglês… nada. Busca pelo nome do autor… nada também. Comecei a desconfiar que havia alguma coisa de errado. Se você digitar o título do livro e o nome do autor, aparecem muitas, muitas páginas, mas todas com o mesmo trecho do livro (uma variação mais extensa do excerto acima). Mesmo que em outro idioma, o trecho é o mesmo.

Entrei no site de Harvard, de onde teoricamente o autor é afiliado e… nada.

Finalmente conclui: o livro não existe e o autor não existe.

Alguns sites já comentam que o livro não existe, mas ninguém consegue identificar a fonte da história. Tem algum nome pra esse tipo de conto do vigário? Uma pena, eu gostaria de ouvir o que esse cara tem a dizer.

Foi o Google quem disse…

Essa eu tenho que dividir com vocês, principalmente com aqueles que consideram o ‘Google’ não mais uma ferramenta de acesso ao conteúdo e sim a ‘fonte’ do conteúdo em si. Não é! Mas o mais importante é ter clareza de que a frequência com que uma informação aparece no Google também não é um critério de veracidade dessa informação, como eu já falei aqui.

Estou escrevendo um capítulo sobre escrita criativa para o livro organizado pelo prof Eduardo Bessa e quis falar sobre a famosa citação: “Me perdôe a carta longa, não tive tempo de escrever uma curta”, que eu tenho escutado com cada vez mais freqüência. Hoje em dia a quantidade é cada vez mais um critério de qualidade, mas com uma relação inversamente proporcional: quanto menor você conseguir fazer o seu texto, melhor.

“A César o que é de Cesar”. Como eu sou um cara correto, quis dar ao autor da frase a celebridade que ele merece, e para isso fui consultar o ‘oráculo’.

Uma pesquisa no google usando os termos: “desculpe” “longa” “carta” “tempo” “escrever” “curta” traz as mais diversas referências, indicando as mais diversas personalidades como autores da célebre frase:
“Foi o escritor Mark Twain, que ao responder a um correspondente seu que reclamou do tamanho enorme de uma carta sua, disse: ‘Me desculpe, não tive tempo de escrever uma carta curta, por isso ela foi longa mesmo’.
‘Desculpe a longa carta, escreveria outra, menor, se tivesse mais tempo’ disse Descartes a um amigo.”
“Para eliminar o desnecessário, é preciso coragem e também mais trabalho. (Blaise) Pascal terminou uma carta de 4 páginas a um amigo dizendo: ‘desculpe-me tê-lo cansado com uma carta tão longa, mas não tinha tempo para escrever-lhe uma carta breve’.

“Por serem minhas postagens muito longas. Lembrei-me de imediato de uma frase de Voltaire: ‘Perdoe-me, senhora, se escrevi carta tão comprida. Não tive tempo de fazê-la curta’.
“…pois como disse um escritor respondendo uma carta ao amigo (acho que foi Fernando Pessoa) ‘desculpe minha resposta longa, mas não tive tempo para fazê-la mais curta’.

Quando contei pelo menos 5 autores completamente diferentes pela sua origem, período de vida, atividade etc, desisti. O critério de frequência (número de vezes que um autor aparece) me colocaria entre Mark Twain e Blaise Pascal, o de antiguidade me remeteria a Descartes, mas dado que Pascal viveu na mesma época, poderia ter sido ele também.

Dessa vez, não deu. Nem com minhas habilidades arqueólogo-internauticas eu consegui identificar o autor. Daqui pra frente, acho que vou fizer que fui eu quem disse.

Diário de um biólogo – segunda, 13/02/2012 – Assembléia

Chego em casa e como um pacote de amendoins. É segunda-feira e a maldita piscina está fechada (ela passa mais tempo fechada do que aberta, apesar do quanto deve custar ao condomínio) e eu estou cansado demais para correr. Recorro ao amendoin, me controlando para não abrir uma cerveja. Não resisto, pego mais um pacote de amendoins e abro uma cerveja.

Sai de uma reunião de 4 horas com o corpo docente da pós-graduação do Instituto de Biofísica da UFRJ. Uma reunião longa e tensa.

“Somos um curso de pós-graduação grande, que fez a opção de se manter multidisciplinar enquanto outros se fragmentaram criando cursos com diferentes níveis de qualidade” disse a coordenadora.

Sabe quando uma empresa grande quebra, por má administração, e ai se transforma em duas, uma com a parte boa pra ser vendida e outra com a parte ruim que acaba falída na conta de algum credor (em geral o governo)? Mais ou menos a mesma coisa. Colocam o Filet mignon de laboratórios, orientadores e orientados em um curso nota 7 (a nota máxima conferida pela CAPES) e deixam os outros em cursos 5, 4, 3… Uma vergonha!

“Nossas atividades diversificadas contam muito como critério de qualidade, o diferencial para que um curso nota 5 se torne um curso nota 6 ou 7. Mas para que um curso se torne 5, ele precisa atender alguns critérios de quantidade…”

Tudo é dose… já falei sobre isso aqui! Qualidade demais te dá pouca quantidade. Quantidade demais, te dá pouca qualidade. Mas como qualidade é subjetivo, então… temos um grande problema.

“Precisamos que nossos docentes publiquem mais, precisamos também que eles publiquem em revistas melhores. E precisamos ainda que nossos alunos sejam autores. Mas temos cada vez menos alunos se inscrevendo na pós-graduação e cada vez menos sendo aprovados nos processos seletivos.”

Até aqui, apesar das notícias não serem boas, eu não estava me preocupando. Eu conseguia identificar claramente o problema que, verdade seja dita, já se anunciava no horizonte.

O problema é que nem todo mundo vê o problema do mesmo jeito.

“Se sua unica ferramenta é um martelo, você tende a ver todo problema como um prego” disse Abraham Maslow.

Isso ficou muito claro hoje com relação as propostas que foram apresentadas. Elas não solucionavam efetivamente os problemas, mas eram as ferramentas que estavam a disposição. Só que… NÃO ADIANTA! O problema não vai desaparecer por causa da nossa boa vontade em resolvê-lo!

Eu sou um cara prático. Tive que aprender a ser prático, porque sempre gostei de conviver em meio aos grandes. E os grande… bem, eles tem muito pouca tolerância com os pequenos. Então se aprende a ouvir muito e falar pouco, a saber distinguir entre o que é viável e o que não é, e, principalmente, quais lutas enfrentar e quais lutas abandonar. É verdade que nunca se sabe o suficiente sobre isso, mas acho aprendi muito. E hoje vi que aprendi mais do que muitos dos grandes que eu achava que tinham a ensinar.

Mas falar sobre o conflito de gerações hoje seria justamente perder o aspecto prático da discussão. Ele existe, está lá, e desejar que ele não estivesse é pouco prático: o conflito de gerações continuará lá! Eu deveria aprender a lidar com ele. A questão, é que isso não é prático também.

Eu não sou comunista. Também não sou capitalista. Não sou a favor da tirania, mas também não sou a favor da democracia. Eu só acredito nas ‘Estratégias Evolutivamente Estáveis’ (sobre as quais eu já falei aqui). Podemos discutir amplamente um problema em busca de idéias, mas não em busca de consenso! Consenso é muito bonito na teoria, mas na prática é muito mais difícil do que almeja a nossa vã humanidade, e mesmo quando ele é possível, em geral chega tarde demais.

“Quando se tenta resolver um problema técnico de forma política, muitas vezes acabamos com dois problemas: o técnico que não foi resolvido e o político que foi criado”. A frase (algo parecido com isso) é de Phillip Howard, autor do livro ‘A morte do bom senso’, sobre o qual eu já falei aqui.

Me desespero, primeiro com as opiniões das pessoas que, em princípio, deveriam saber mais do que eu;  mas depois me desespera simplesmente o fato das opiniões serem tantas e tão variadas que é óbvio que o consenso é impossível. E ainda que as pessoas concordassem quanto ao problema, ainda restaria estabelecer as prioridades. E nunca… nunca, jamais, em tempo algum, haverá consenso quanto as prioridades.

É preciso uma mudança radical de olhar, é preciso inovação, é preciso pensar ‘outside the box’, é preciso coragem! A solução depende de algumas outras coisas, mas basicamente do que se está disposto a abrir mão e do quanto estamos dispóstos a nos comprometer com a solução do problema.

E foi ai que eu me toquei… e que o desespero se abateu sobre mim.

Não tem solução! Vivemos em um país que tolera a corrupção de tal maneira, que crianças são aprovadas automaticamente nas escolas para criar indicies de escolaridade que beneficiem os governantes. Se algo tão deplorável é aceito pelos políticos, e pela sociedade, que esperança podemos ter que os valores das bolsas de pós-graduação serão revistos? Minha aluna de IC ganha menos que um pedinte no sinal, minha aluna de mestrado menos que minha faxineira e meu aluno de doutorado menos que meu porteiro! Que esperança podemos ter do problema das importações ser resolvido? De termos alojamento, transporte e alimentação decentes para os alunos que vem (do e) de fora do Rio?

Não, a universidade é engessada demais para poder resolver esses problemas. A solução terá de vir de outro lugar. Não sei ainda que lugar é.

Riqueza ou Criatividade

ZF – Quanto custou isto?
GL – A economia do futuro é meio diferente. Não existe dinheiro no século 24.
ZF – Não existe dinheiro? Então, você não é pago?
GL – A aquisição de fortuna não é mais uma motivação para nós.
GL – Procuramos nos aperfeiçoar… e ao resto da humanidade.

Todo ano escrevo um post de retrospectiva, para fechar o ano. Esse ano resolvi escrever um post de perspectiva, para abri o ano. Um com uma perspectiva ampla.

ResearchBlogging.org

Esse diálogo, entre o excêntrico personagem Zefram Cochrane (interpretado por James Cromwell) e o engenheiro Geordi La Forge (interpretado por LeVar Burton) me marcou profundamente quando assisti Jornada nas Estrelas: O primeiro contato em 1996. Ele construíra a primeira nave da humanidade capaz de fazer a ‘dobra espacial’ (viajar a velocidade da luz), a Phoenix, a partir de um antigo míssil nuclear, tendo se tornado um ícone em toda galáxia, com universidades, cidades e até mesmo planetas com o seu nome. No entanto, sua única motivação para criar o mecanismo que nos deixaria ir “audaciosamente onde nenhum homem jamais esteve“, era… ficar rico. A ideia (será que algum dia vou me acostumar a escrever ideia sem acento?) de que o acumulo de riqueza não deveria mais ser um objetivo a ser perseguido era incrível, simplesmente, porque o acumulo de riqueza não faz o menor sentido como estratégia evolutiva.

Ela está no centro da questão do aquecimento global e das mudanças climáticas. No centro da questão da poluição. Vocês sabem que a minha opinião sobre esses assuntos é contoversa. Para mim, a resposta para os problemas foi dada e eu gosto de duas em especial que considero representativas: Jacques Cousteau, quando defendeu na conferência das nações unidas para o meio ambiente de 1992 no Rio de Janeiro o controle da natalidade como forma de defesa do meio ambiente: “O pavio ligado à explosão populacional já está queimando. Nós temos menos de dez anos para apagá-lo. É preciso uma mobilização mundial para evitar o big-bang populacional.” Ele foi um dos poucos a ter coragem de pronunciar o termo ‘controle da população humana’ já que a igreja católica havia, meio que proibido, que o tema fosse tratado na conferência. Também gosto muito do excelente artigo de Slesser de 1993, que mostra que apenas a redução no consumo é capaz de reduzir as emissões de CO2 para a atmosfera:

“Tornou-se cada vez mais claro para nós que, para alcançar a sustentabilidade, seria necessário uma troca entre consumo, índices de crescimento e o que nós fazemos com nossa riqueza.” “(…) estimular de forma tanto nuclear como renovável (altamente solar) a energia e reduzir ponderadamente o consumo a um crescimento de não mais de 0.05% ao ano acima investimento em crescimento industrial [permite o] crescimento do setor de serviços (2%). E Funciona! [Lentamente] mas funciona. Logo no início do século podemos observar declínios na produção de dióxido de carbono (…) [com] padrão e qualidade de vida (produção de setor de terciário) mantidos bem altos.”

A idéia pode parecer moderna, quase ficção científica, mas não é: os atenienses foram os primeiros a propor e experimentar uma sociedade onde a busca da riqueza material não era um objetivo. Platão e Aristóteles foram os primeiros primeiros a registrar essas idéias no papel.

“Poucos milhares de homens, que povoaram por algumas dezenas de anos uma região praticamente estéril, que viveram vidas breves e inseguras, em bairros imundos, em casas desconfortáveis, ainda assim, permitiram a sua espécie – a espécie humana – um salto de qualidade todavia não superado seja pela criatividade política e social que pela criatividade estética e especulativa” diz o sociólogo Domenico de Masi no livro “Criatividade” – cuja leitura até o final é uma das minhas resoluções de ano novo.

“A filosofia, a matemática, a teoria musical, as ciências naturais, a medicina finalmente desvinculada da magia, a ética, a política, a estória, a geografia, a psicologia, a anatomia, a botânica a zoologia, a física, a biologia fizeram mais progresso teórico naqueles 100 anos do que nos milhares de séculos precedentes.” completa de Masi.

(A Escola de Atenas, de Raffaello)

É verdade que Aristóteles, em seu ‘Tratado da política‘ defendia que alguns homens haviam nascidos para serem escravos. Se conseguirmos nos desvencilhar do problema moral para seguir a lógica de Aristóteles veremos que ela está correta: “Não é possível praticar as virtudes da política conduzindo a vida de um operário, de um assalariado… Nós chamamos trabalhos operários aqueles que modificam a disposição do corpo  e os trabalhos remunerados que impedem a elevação e a facilidade de espírito”. Imagino que muitos estejam se remexendo nas cadeiras enquanto lêem isso porque provavelmente o significado dos termos ‘política’, ‘operário’, ‘assalariado’ para nós tem significados diferentes. Mas Domenico de Masi lembra que 2000 anos depois, na obra prima de Tocqueville ‘Democracia na América’, o mesmo pensamento reaparece, talvez de forma mais palatável para nossos dias: “Quando um operário se dedica continuamente e unicamente a fabricação de apenas um objeto, termina por desenvolver este trabalho com destreza singular, mas perde, ao mesmo tempo, a faculdade geral de aplicação do seu espírito na direção do trabalho. Ele se torna cada dia mais hábil e menos industrioso e, se se pode dizer, o homem se degrada a cada passo que o operário se aperfeiçoa.”

Aristóteles considerava que, entre os diversos tipos de trabalho, “os mais mecânicos eram aqueles que deformavam o corpo, os mais servis aqueles que se fundamentam somente no uso do corpo e os mais ignóbeis aqueles que requerem um mínimo de capacidade espiritual.” Para ele “devem ser considerados ignóbeis todas as obras, profissões e ensinamentos que rendam inadequados as obras e ações da virtude, o corpo ou a inteligência do homem livre. Portanto, todos os trabalhos que prejudicam as boas condições do corpo devem ser chamados de ignóbeis, como também os trabalhos assalariados, porque privam a mente do ócio e a fazem pequena”.

 Apesar do que você pode pensar, Aristóteles não apreciava ou encorajava a preguiça, a ociosidade a apatia ou a inércia. Muito pelo contrário! De Masi diz que Aristóteles acreditava na nobreza do trabalho intelectual que acontecia nos limites entre o estudo e o jogo, na excelência da reflexão filosófica e na atividade mental que se exprime através da política e da arte. O que de Masi chama de ‘Ócio Criativo’.

Mas como é possível dedicar-se ao ócio criativo sem morrer de fome?

Para Aristóteles e para os ‘clássicos’ a resposta é simples: “Acima de tudo, é preciso reduzir ao mínimo o desejo por objetos e serviços, de todos os supérfluos bens materiais. De luxo, isto é, ostentação de riqueza, é até desnecessário dizer; a verdadeira habilidade é a razão e o único verdadeiro luxo é a sabedoria. Reduzida a necessidade de bens materiais, se reduz também a necessidade de trabalhadores.”   

Vivemos em um mundo em crise, onde só a criatividade pode nos salvar da bancarrota. Mas enquanto estivermos preocupados em comprar o último modelo de iPhone, com uma assistente pessoal que não fala português e não entende os seus comandos de voz (além de fazer julgamentos morais sobre suas perguntas) não podemos pensar em soluções criativas para os problemas que temos e teremos de enfrentar. E continuaremos produzindo gases do efeito estufa.

Slesser, M. (1993). Is an environmentally sustainable future for the European Community compatible with continued growth: carbon dioxide and the management of greed Science of The Total Environment, 129 (1-2), 191-203 DOI: 10.1016/0048-9697(93)90170-B

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM