Minha tatuagem científica

Mas não foi uma decisão impulsiva. Foram anos tomando coragem pra fazer “algo que é pro resto da vida”. Me decidi finalmente quando li a resposta da então eleita “Musa do verão” do Rio pela revista de Domingo (suplemento do Jornal do Brasil do Rio de Janeiro) a um reporter que perguntava se ela não se preocupava com ter apenas 18 anos e tantas tatuagens. “Você não tem que se preocupar que é para o resto da vida. Alias é bom que seja. A tatuagem é uma marca de um momento que você viveu e ajuda você a carregar esse momento pra sempre”.
Como uma patricinha pode ser tão esperta? Felizmente pode. Pra gente se lembrar constantemente de vencer nossos preconceitos.
Mas voltemos a tatuagem. Ainda levei anos pensando em qual seria o motivo, o desenho e em onde colocá-lo. Eu mesmo que desenhei o DNA tribal e decidi colocar nas costas porque achei que seria bom não olhar pra ele todo dia (mas é verdade que acabo não olhando nunca). Minha irmã, a loira linda e supertatuada, reclama que é pequena demais e que não dá pra ver direito porque se confunde com o cabelo, mas eu gosto. O motivo foi a minha opção pela razão e pela ciência como doutrina de vida, com tudo que eu precisava estar disposto a fazer e arriscar por essa opção. Naquela época, isso significava mudar de cidade, de país, de lingua e de vida. Largar o coração partido, o Rio querido, a família, meu primeiro carro, meu primeiro apartamento e partir pra aventura do descobrimento. Descobrir se eu realmente dava pra cientista (Opa, peraê!).
Deu tudo certo e eu voltei cientista. Com muitas das certezas que eu tinha antes (“there is no place like home”), algumas novas mas um monte de bagagem na mochila (a mesma que viaja comigo a 17 anos). A tattoo está lá. Começa a perder um pouco de definição, mas a cor continua firme.
Outro dia me mandaram o site do pesquisador Carl Zimmer, que organizou o Science Tattoo Emporium. Eu não resisti e mandei a minha pra ele. Está lá.
Já tive motivo pra fazer outra tatuagem. Não era científica, mas o motivo desapareceu antes da marca ficar estampada na pele. E quando é assim, quem sabe… é melhor que seja. Agora finalmente decidi qual será a proxima. Não será científica, mas vai marcar o meu verdadeiro grande amor, o Rio de Janeiro. Assim que ficar pronta, mostro pra vocês.
A dieta intracelular

Na capa da revista Cool (?!) deste mês, o leitor é convidado a conhecer a ‘Nutrição Intracelular’ e mudar seus conceitos sobre alimentação. Desconfiei. Mas reportagem só não era pior porque, de tão pobre, tornava difícil desdizer qualquer coisa. Então resolvi contar para vocês o que é mesmo importante saber sobre dieta intracelular, que envolve o por quê de alguns de nós sermos mais cheinhos enquanto outros, magros de ruins.
A avassaladora maioria da energia que consumimos todos os dias é gasta para mover íons de um lado para outro da célula.
Uns de dentro para fora e outros de fora para dentro. Esse tráfego é importante para que o corpo possa fazer duas coisas: contrair músculos e enviar estímulos nervosos. Ambas tarefas são feitas por descargas elétricas, geradas quando a célula, que no repouso tem uma carga negativa, recebe uma descarga de íons sódio (Na+), que tem carga positiva, e elevam rapidamente o potencial elétrico da célula, disparando a ação.
Outro íon importante nesse processo é o cálcio (Ca2+). Ele ajuda na contração muscular (fazendo funcionar o motorzinho de actina e miosina que temos na célula, lembra do 2o grau?) e na emissão de vários outros sinais. Mas para isso a célula precisa manter a concentração interna desses íons muito, muito baixa. E isso não é fácil. Eu poderia levar algum tempo explicando as razões, mas vou pedir apenas que vocês acreditem em mim. A membrana plasmática é bastante impermeável a íons e eles conseguem atravessá-la apenas em alguns ‘portões’, proteínas especializadas como a calcio-ATPase. Essa enzima fica na membrana plasmática e na membrana sarcoplasmática. O retículo sarcoplasmático é um ‘saco’ dentro dá célula onde armazenamos os íons de cálcio para usarmos quando precisarmos. O trabalho da enzima é colocar os íons para dentro do saco ou para fora da célula, garantindo que o citoplasma fique livre deles, até o momento em que se tornem necessários. Mas a enzima não pode trabalhar de graça. Para jogar um íon onde já exite mais daquele íon (dentro do saco, por exemplo) ela precisa lutar contra um gradiente elétrico (as cargas positivas que já estão lá) e químico (os outros íons cálcio que estão lá) ela precisa de energia, que vem do ATP (aha… por isso o nome ATPase – “aquela que quebra ATP para funcionar”).
Eu sei, até agora não falei nada de dieta nenhuma, e você que está no blog pela primeira vez já está se sentindo enganado com o título, mas confie em mim, eu vou chegar lá. Agora, não espere receita nenhuma.
Bom, quando a cálcio-ATPase acumula um monte de íons calcio dentro do sarcoplasma, ela cria um gradiente osmótico. Isso quer dizer que toda a energia da quebra do ATP gasta para colocar o cálcio pra dentro do saco não foi exatamente gasta. Parte dela continua armazenada ali, nesse gradiente osmótico. Isso porque, se abrirmos a ‘porteira’ da ATPase, o cáclio vai, por diferença de pressão osmótica (tem mais cálcio dentro do saco do que fora), atravessar o canal da enzima em direção so citoplasma.
Nesse momento, a enzima tende a funcionar na direção oposta. Ao invéz de gastar, ela usa a energia desse gradiente osmótico para sintetizar ATP. É incrível, não é mesmo?!
O que?! Você não acha incrível? E ainda me acha meio doido por achar que isso é interessantíssimo? Bom, agora é que eu vou soltar a bomba, então vamos ver se você ainda vai achar isso inútil no final do texto.
As vezes, quando a célula está em repouso, e o retículo já está cheio de íons cálcio, a ATPase abre a sua porteira, e deixa alguns íons passarem para o outro lado. Quando isso acontece, algumas vezes, a energia que é gerada na passagem não é usada para produzir novos ATP. Ao invés, é usada para produzir calor.
Sim, calor. Aquele mesmo, que ajuda a manter nosso corpo quente.
Então vamos lá: o que a gente come, de uma forma ou de outra, acaba virando ATP, que é a moeda energética do corpo e da célula. Boa parte dessa energia é gasta para manter a célula com pouco sódio e cálcio. Isso significa bombear, gastando ATP, esses íons para locais específicos, onde eles ficam acumulados. A energia desse ATP não é totalmente perdida, já que parte dela se transforma em energia osmótica (íons acumulados), que pode depois ser convertida novamente em ATP, que por sua vez pode servir para a célula fazer qualquer outra coisa, inclusive bombear mais cálcio para dentro do armazem. Mas quando ao invés disso a bomba de ATP produz calor, esse calor depois não pode ser reconvertido em mais nada. Ele sim, depois de esquentar o corpo, se perde. Essa sim é energia gasta. Bem gasta, porque nos deixa o coração aquecido em noites de inverno, mas gasta.
Então vejamos, quando a célula já está bem de energia, ela pode ficar brincando com o excesso, passando a energia de uma forma para outra, de ATP para acúmulo de cálcio e de volta para ATP, disperdiçando bem pouquinho, ou então queimar ela, literalmente, produzindo calor. O que determina isso? Não sei, só sei que é assim.
Mas sei que isso é diferente em cada pessoa. Minhas células decidem queimar de um jeito e as suas de outro. Quando como pizza entro no looping do cálcio-ATP, enquanto meu primo paulista, que é magrinho, torram tudo em calor.
É claro que não dá pra escrever isso na revista Cool. Já pensou, ninguém mais poderia ser enganado com uma dieta qualquer, sabendo que o problema estava nas suas cálcio-ATPases que preferem economizar ATP ao invés de queimar tudo. E que há muito pouco que ele/ela posam fazer.
A hora de quem?
Bom, ser indiferente é justamente não tender para o bem ou mal.
A ‘hora do planeta’ deveria se chamar a ‘hora do nosso planeta’, como nós gostaríamos que ele continuasse a ser. Só que o planeta nunca foi o mesmo. Mudou radicalmente, milhões de vezes, nos últimos 4 bilhões de anos. Entre outras razões, devido a espécies que exploraram recursos a exaustão, e se extinguem. Você sabia que todas as espécies que vivem hoje no planeta, toda a nossa incrível biodiversidade, é apenas 0,00001% de todas as espécies que já existiram? Pois é, todas as outras que já existiram, desde que a vida apareceu há 4 bilhões de anos, já se extinguiram.
A unica coisa realmente natural, orgânica e sustentável, a real ‘hora do planeta’, será a nossa própria extinção, com o aparecimento de uma espécie mais evoluída.
A hora do planeta da WWF é fruto do mesmo romantismo que criou os parques nacionais, como Yellowstone há mais de dois séculos: para relaxar o homem dos estresses da vida nas cidades grandes e não para preservar a natureza. Enquanto considerarmos o homem como ‘não natural’, continuaremos a achar que a ‘hora do planeta’ ou qualquer outra ‘hora…’ ou ‘dia…’ influenciará a decisão da nossa indiferente ‘Mãe Terra’ quando chegar o dia do juízo final da espécie humana.
Não vai adiantar. Mas até lá, serão vendidos muitos livros, espaços de propaganda, alimentos orgânicos, jornais, revistas e camisetas da hora do planeta. Vão me chamar de chato, mas o verde motivando essa ‘hora’ me parece outro.
"Estamos em busca de um conceito para o vocábulo vida"
Não foi um pedido simples. O tema adentra não só em um debate filosófico e moral que nem mesmo os grandes pensadores da humanidade conseguiram chegar perto de resolver, mas também em um complicado problema científico.
Atualmente o problema é abordado pelos astrobiólogos, aquelas pessoas que buscam indícios de vida fora da Terra. Uma dessas pesquisadoras, dra. Claudia Lage do Instituto de Biofísica da UFRJ, inicia sua palestra dizendo que: “Não existe uma definição de vida. Podemos denominar os atributos da vida, mas não definí-la”.
Se pensarmos bem, quando estávamos no ensino fundamental, aprendemos que os seres vivos têm características (esses atributos): nasce, cresce, reproduz e morre. Mas isso não é uma definição.
Para transformá-la em um definição, precisaríamos adicionar o ponto de vista bioquímico (entidades que possuem metabolismo), genético (entidades capazes de auto-replicação e evolução) e até termodinâmico (sistemas abertos onde a entropia tende a diminuir). Porém, todas essas definições encontram problemas para explicar algumas exceções: algumas vezes as máquinas também apresentam essas mesmas características, e outras vezes, alguns seres vivos falham em apresentar alguma delas.
Abre parênteses. Aqui começa um outro problema. A definição de vida tem de se aplicar a todo tipo de vida, mas os filósofos e juristas estão preocupados apenas com um tipo: a vida humana. Mesmo os ativitstas radicais dos direitos dos animais estão preocupados apenas com os animais ‘superiores’, um eufemismo para mamíferos com sangue quente e domesticados: cães, gatos, gado e cobaias de laboratório (ratos, camundongos, coelhos, porquinhos da Índia e macacos diversos). Até hoje não vi um comitê dos direitos das Salmonelas e Escherichias (bactérias utilizadas em testes de toxicidade e experimentos de genética e biologia molecular). Apenas o Canadá sugere um procedimento para o sacrifício de peixes utilizados em pesquisa. Fecha parenteses.
Alguns filósofos gregos imaginavam a concepção mesmo antes das evidências científicas da fecundação (que só apareceram no século XVII com o advento do microscópio) e determinavam que ali estava o momento da concepção. Durante toda a idade média o conceito vigente era de que a vida começava quando o feto também começava a se mexer na barriga da mãe.
No Renascimento, Descartes complicou a questão com o seu ‘ penso, logo existo’. O ser vivo só passou a ser ‘humano’ depois de ter a consciência da sua existência. A Igreja também gostava dessa idéia, porque podia ser associada diretamente ao conceito de alma. Mas quando as primeiras pesquisas de embriogênese no sec XVIII mostraram o momento da fecundação e o desenvolvimento do embrião, até mesmo a Igreja se dobrou e passou a aceitá-lo como o início da vida.
Mas no que se difere um zigoto de uma outra qualquer célula dentro do organismo? Certamente ambos estão vivos. Tirando as unhas, pelos, cabelos e a camada superficial da pele, todas as células do nosso corpo estão vivas. O potencial para se diferenciar em um organismo também não é um argumento definitivo. Muitas outras células se diferenciam durante o seu processo de desenvolvimento e também se multiplicam formando tecidos e órgãos inteiros. A capacidade de diferenciação não é uma característica definida por algo que apenas o zigoto tem, mas pela forma única pela qual o zigoto controla algo que todas as outras células têm.
Alguns cientistas defendem que o momento do início da vida está mais adiante, quando o óvulo fecundado adere à parede do útero, que é quando ele realmente passa a ter chances de se desenvolver. Outros vão ainda mais adiante e sugerem que a vida começa a partir da segunda semana de desenvolvimento, quando aparecem as primeiras terminações nervosas que resultarão no cérebro. Para os biólogos que trabalham em escalas macroscópicas, um bebê com menos de 5 anos de idade não tem chances de sobreviver sozinho e por isso poderia nem mesmo ser considerado como ‘vida independente’. Isso leva a uma outra discussão sem solução, que é de onde vem a vida? Mas disso eu trato em um outro artigo, aqui.
O fato é que quanto mais a ciência avança, mais complexa se torna a questão, e mais difícil o consenso. Mesmo quando se tenta definir a vida pelo seu oposto, a situação continua complicada, já que determinar o momento da morte é tão difícil quanto o início da vida. Sem um consenso científico do que seja a vida e de quando ela se inicia, não é de se espantar que não haja consenso jurídico.
O direito avança bem mais lentamente que a ciência ou mesmo a sociedade. Imagino que até mesmo por isso, os princípios fundamentais são tão amplos. A ponto de na constituição de 1988 estarem garantidos o ‘direito à vida’, assim como ‘direito à felicidade’. Mas garantidos a quem?
“Na verdade, na verdade o feto não tem personalidade jurídica, então, à rigor, não tem direito nenhum. Mas o Direito preserva os direitos futuros, e assim resguarda os interesses do nascituro” diz a advogada Juliana Fernandes.
Ao dar o seu voto na questão da inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança, o ministro relator Carlos Ayres Britto, afirmou que a Constituição Federal vale para os brasileiros nascidos vivos, não para embriões. “É preciso vida pós-parto para ganho de personalidade perante o Direito. (…) A vida tem três realidades que não se confundem – o embrião, o feto e o ser humano. (…) Não há uma pessoa humana embrionária, mas sim um embrião de pessoa humana. Na definição jurídica, a vida humana revestida de personalidade civil transcorre entre o nascimento com vida e a morte.”
Essa questão foi dedicida e o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a regulamentar o uso de embriões humanos em pesquisa e continua sendo um dos poucos países com uma clara legislação a respeito, o que permitiu que hoje nossos pesquisadores, mesmo com escassez de recursos, sejam lideres nessa área de pesquisa. Mas o problema está longe de estar resolvido.
Em resposta a uma solicitação de um defensor público em favor de oito filhos de detentas de São Bernardo do Campo (SP), o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu que bebês que ainda não nasceram podem entrar com uma ação na Justiça e pleitear seus direitos.
“O zigoto é um individuo humano actual e não simplesmente um potencial do mesmo modo uma criança é uma pessoa humana com potencial para desenvolver a maturidade”.
Para Teresa Ancona Lopez, professora de direito civil da Universidade de São Paulo (USP), a decisão abre um importante precedente. “Apesar de o feto ainda estar em gestação, ele tem muitos direitos assegurados”, afirma. Ela explica que, nestes casos, a ação não é impetrada no nome que a mãe pretende registrar a criança, mas em nome do “nascituro” da seguinte cidadã.
“Existe uma diferença entre pessoa e sujeito de direito. O feto não é pessoa ainda, mas ele é sujeito de direito. E, com isso, já tem direitos assegurados”, explica Teresa. “A mãe tem que ser bem cuidada porque isso vai refletir nele (bebê)“, afirma.
E se, e quando, o Direito avançar para as áreas além das humanas, os dilemas já estarão lá esperando, porque recentemente a dra. Silvana Allodi do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ acabou de publicar o primeiro estudo sugerindo que células tronco de invertebrados levam a formação do sistema nervoso desses animais.
O que podemos dizer é que para que haja vida independente, é necessária a conjunção de uma série de fatores. E a falha em qualquer um deles, ainda que não diretamente, vai levar à morte. É uma boa definição.
O laboratório do Nobel
Para um biólogo, viajar para o exterior é uma necessidade por muitos motivos. Primeiro os gringos tem mais grana que a gente e uma infra-estrutura muito melhor que a nossa. Lá (ou aqui, onde estou agora) você consegue alcançar em 6 meses resultados que não conseguiria no Brasil em 2 anos. Outra razão é ir atrás do conhecimento ONDE ele está sendo produzido ao invés de esperar que ele chegue até você.
O Instituto Oceanográfico de Woods Hole (WHOI) é uma das maiores instituições de pesquisa do mundo. Sabem aquele mini-submarino que vocês vêem explorando as profundezas do oceano no Discovery Channel, o Alvin? É daqui.
Na mesma cidade, que não é maior que um campus universitário, está o ainda maior e ainda mais antigo Marine Biological Laboratory (MBL). Juntos esses dois institutos já hospedaram mais de 50 premios Nobel. Inclusive um dos três ganhadores do prêmio Nobel de química desse ano, o japonês Osamu Shimomura que atualmente é cientista Emérito do MBL, pela descoberta da proteína verde fluorescente GFP (do inglês Green Fluorescent Protein). Vocês já devem ter lido muito na imprensa sobre ela, então eu vou passar a fofoca dos bastidores.
O MBL ganhou o Nobel, mas a patente da GFP está enchendo os cofres do WHOI, do outro lado da ponte (sobre o canal que atravessa Woods Hole). Foi aqui, no mesmo departamento onde estou trabalhando, com o mesmo chefe, que Douglas Prashero, o ‘cientista injustiçado‘ trabalhou e isolou o gene da GFP.
Lendo o artigo do G1 reconheço ali todas angustias de um pesquisador. Não basta a habilidade técnica na bancada. Ele tem de saber escrever um bom projeto para conseguir fundos para pesquisa, tem de saber convencer seu chefe e seus pares da importância do seu trabalho para que a instituição lhe dê infra-estrutura e tem que suportar a pressão de viver com a instabilidade da bolsa pelo tempo que for necessário. Aqui nos EUA existem já vários cursos de ‘gerenciamento de carreira científica’, mas ai no Brasil, só conheço a iniciativa da qual participei, em 2001 e 2006, quando junto com Stevens Rehen realizamos o ‘Dicas de sobrevivência na academia‘: um mini-curso no congresso da FeSBE que alertava os alunos para os ‘não-tão-óbvios’ problemas que eles podem encontrar ao longo da sua carreira.
Prashero não foi o primeiro pesquisador com potencial a se transformar em motorista de Van, e até que esses cursos se tornem uma rotina na pós-graduação, não será o último.
Precisam-se de Biólogos
As razões foram sofrendo influências diversas ao longo do tempo, mas que eu lembre, sempre quis ser biólogo. Acho que começou quando eu era pequeno e ao invés de brincar com o baldinho na areia, brincava na água. Na lagoa de São Pedro da Aldeia, então de águas cristalinas, dava para ver os peixinhos e de vez em quando, um desavisado ia parar no meu balde. Eram os idos de 78.
Dai para o meu primeiro aquário foi um passo. Depois a pesca de camarão, o mergulho, e eu já queria ser biólogo marinho. Antes de fazer vestibular, fui tentado pela oceanografia, mas a grande quantidade de matemática me desanimou. Ao mesmo tempo, a engenharia genética começava a despontar. Bactérias que produziam insulina humana, ratazanas que produziam leite de vaca, milho transgênico. A biologia continuava com grande poder de sedução. Eram os idos de 88.
Entrei para a faculdade de Biologia, aprendi um monte de coisas e decidi que queria trabalhar na universidade para sempre. Fui fazer mestrado no sul. Proteínas sendo purificadas a torta e direita, genes clonados todos os dias. A biologia molecular entrou definitivamente na vida dos biólogos. As companhias de biotecnologia cresceram vertiginosamente e o mundo se assombrou com a clonagem da ovelha Dolly. Eram os idos de 98.
Em entrevista à Folha de São Paulo de domingo, 27/04/2008, o economista Francês Bruno Parmentier, autor do livro “Alimentar a humanidade”, diz que o século XXI será de “penúria alimentar”. Ele explica que a revolução agrícola dos anos 60usa muita terra, água e energia; e que é impossível leva-la adiante em tempos de escassez.
Em suas palavras: “A química já deu à agricultura tudo o que podia no século XX, como os fertilizantes, os fungicidas, os inseticidas e os herbicidas. Hoje ela custa muito caro em termos de energia e acabou poluindo os solos e as águas. Em matéria agrícola, o século da química está chegando ao fim e é preciso deslanchar o século da biologia”.
Enquanto a fome assola os países e o aquecimento global ameaça o planeta, a responsabilidade pela agricultura mundial foi retirada da FAO (Organização da ONU para Alimentação e Agricultura) e transferida para a OMC (organização mundial do comércio). O resultado é que o preço da tortilla subiu 50% no México porque nos Estados Unidos querem usar o milho para fazer combustível.
Tsc, tsc, tsc!
O mundo precisa de mais biólogos.
Cavalo marinho no mangue?!

“Ce pode faze o passeio pra vê os cavalu marinhu nu mangue. O pescadô pega e coloca na cabaça”
Discuti com o guia. Chico Science ia no mangue ‘Catá lixo, pega caranguejo e conversa com urubu”, mas já em 20 anos de biologia nunca tinha ouvido falar de cavalo marinho no mangue. Como todo mundo, sempre associei associei mangue a lama e as árvores Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa e Avicennia schaueriana. De todos os peixes que se criam nas áreas protegidas do mangue, nunca tinha ouvido falar do Hippocampus.
O passeio de canoa pelo braço de mar era o grande atrativo, mas lá estavam eles. Pequenos, marrons e sujos de lama, enroscados nas raízes das macrófitas aquáticas.
Antes de escrever esse texto faço uma pesquisa no oráculo e vejo que das duas espécies que habitam o Brasil, uma é quase exclusiva de manguesais: Hippocampus reidi. E que muitos grupos de pesquisa se dedicam a repovar os mangues do nordeste com esse simpático peixinho ameaçado de extinção.
Vivendo e aprendendo.
Sangue do meu sangue
Sorry Pap’s, a pendenga vai continuar em aberto.
As relações de parentes alcançam maior comoção em humanos do que em qualquer outro animal.
Eu adoro minha família, mas nossos laços são mais do que de sangue. Quando morei na Itália, os primos do meu tio, marido da irmã da minha mãe (ou seja, um tio não consangüíneo), me trataram em Florença mais que como um sobrinho distante. Maria Luiza, Patrizia, Graziano e Mario cuidaram de mim como se cuida de um filho. Riccardo e Raffaella como um fratello. E se eu estivesse em Roma, Humberto e Giulia, cujo vínculo comigo era minha amizade com sua filha Margheritta, me recebiam aos domingos para o almoço de família, com direito a irmãos, irmãs, sobrinhos, sobrinhas, cunhados, cunhadas. Além do risoto da Margheritta, aquilo diminuía a ‘saudade’ palavra que só existe no português e que só a gente parece saber exatamente o que quer dizer.
Biologicamente, será que faz algum sentido? Jared Diammond conta em “Armas, germes e aço” que na Nova Guiné, dois estranhos que se encontram na rua, ficam discutindo horas até encontrarem algum parentesco em comum, o que é a única desculpa para não se matarem. Qualquer um que nõ é um parente é um competido e deve ser eliminado. Essa é a lógica.
Nos anos 70, Richard Dawkins desenvolveu a teoria do ‘gene egoísta’. De acordo com ela, nos somos apenas máquinas altamente especializadas a serviço da propagação dos nossos genes. Mas importante do que cada um de nós como indivíduos, é a individualidade dos genes que carregamos.
Se vocês se lembram um pouquinho da genética, cada um de nós possui (ou pelo menos deveria possuir, leia aqui) 23 pares de cromossomos (46 no total). Herdamos metade de nosso pai e metade de nossa mãe, e doamos metade dos nossos para nossos filhos.
Com uma matemática relativamente simples, podemos entender porque a palavra em inglês para parentes ‘relatives’ é mais adequada do que a em português. Nossa relação com os outros pode ser medida pelo número de genes que temos em comum. Esse não é o critério apenas dos Papua da Nova Guiné, mas de todo o reino animal.
Pais e filhos, irmãos e irmãs tem o maior número de genes em comum: 50%. Avôs e netos, tios e sobrinhos vêm em segundo com 25%. Os primos irmãos e bisnetos vêm a seguir com 12,5% e já para o final na árvore genealógica estão os primos de segundo grau, que aqui diferem de uma geração, com 3,12%. Parentes distantes como primos de terceiro grau tem tanta probabilidade de ter genes em comum com você do que com um estranho qualquer: 0,78%. Agora vejam, os gêmeos idênticos tem 100% dos genes iguais. Do ponto de vista genético, a vida do seu irmão gêmeo vale tanto quanto a sua própria. E a do seu irmão tanto quanto a do seu filho. Mas você escolheria o seu irmão ao seu filho? Pergunta difícil não é? Apesar dos números igualarem as prioridades, a resposta mais comum seria a escolha do filho. Por que?
Porque para os genes, o tempo restante de vida é importante, já que aumenta as chances de reprodução de mais uma geração e de perpetuação desses genes. Em uma escolha como essa, a vida de quem tem mais chances de passar os genes adiante deve ser privilegiada, mesmo que em detrimento da sua própria.
Esse cálculo de probabilidades pode ficar complicado, e outros animais não têm como fazê-lo antes de decidirem se defendem ou atacam outro indivíduo com base no parentesco. Por isso, usam outros artifícios. A distância física por exemplo. Territorialismo e outros tipos de comportamentos animais acabam favorecendo, ainda que indiretamente, o reconhecimento do grupo familiar e, conseqüentemente, por quem vale a pena lutar e por quem vale a pena morrer. Tente entrar em um grupo de babuínos, ou no seletíssimo grupo das meninas da biologia da UFRJ turma de 89/1 e você vai ver do que estou falando: vai levar uma corrida!
Apesar disso, os humanos são extremamente permissíveis a indivíduos externos ao grupo familiar e a explicação mais plausível para isso é o altruísmo recíproco (veja aqui). Raffaella e Manoele me hospedaram e me levaram pra tomar gelatto em San Gimminiano quando eu estive em Florença, e eu hospedei e levei eles pra tomar caipirinha no Rio Scenarium quando estiveram no Rio. Não é justificativa mais do que suficiente?
I'm back!

No ano passado foi a mesma coisa. Chega Dezembro e a quantidade de provas, finais ou não, e prazos acabam impedindo que eu consiga me dedicar ao blog. Não vou dizer que é de todo ruim. Toda vez que eu encontro a Lina, namorada do Fefê, ela reclama: “Abandonou os seus leitores!” com seu sotaque argentino. Acabo redescobrindo que tenho leitores e que eles sentem minha falta.
Eu poderia listar minhas propostas para 2008, mas elas são as mesmas de 2007: fazer mais exercício (minha coluna está pior do que nunca), trabalhar menos, encontrar mais meus pais, comer melhor, dormir mais e viajar mais. Mas vou me contentar com apenas uma, que ouvi hoje: Não cometer os mesmos erros do ano passado! Que sejam erros diferentes! Assim como no ano passado, foi um final de ano difícil e uma passagem difícil também. Não fiz a viagem que eu queria e não fiz nenhuma outra viagem. E como por desencanto, 2008 chegou.
Baixo astral, né?! Mas minha acupunturista resolveu meu problema (não o dá coluna). Segundo ela, o ano que importa é o ano novo chinês. O que passou foi o ano do Javali, que, como eu tenho 36 anos, bate com o meu ano ‘não sei o que’, que é especialmente difícil. Truncado, com muitas solicitações e decisões, uma atrás da outra. Mas o ano que entra agora é o do Rato. Apesar da cultura ocidental desprezar o bichinho, parece que na cultura oriental ele é festejado. O ano do rato é de fartura e animação. Quem viu Ratatouille sabe do que eu estou falando. Pois é, então, o Ízio, grande baixista, mandou de novo um e-mail bacana sobre a virada do ano. Segundo as informações dele, o 1o de janeiro foi instituido por Julio César como o dia do ano novo em 46 A.C.
Se os chineses dizem uma coisa e os Romanos inventaram outra, eu posso muito bem fazer uma adaptaçãozinha pra espantar a tristeza. Então resolvi que meu ano ainda não virou. Só vai virar quando virar entrar o ano do rato, dia 7 de fevereiro.
Onde quer que eu esteja, e eu vou estar, vai estourar champagne!