Apagar das luzes

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No dia 13 de Junho último os italianos foram as urnas num plebiscito para decidir sobre a imunidade do primeiro ministro, a privatização dos serviços de água e o fim do uso da energia nuclear.
Anos atrás, quando eu morava na Itália, lembro de ver uma reportagem da Veja que dizia que a Itália estava se tornando o Brasil, numa espécie de ‘de volta para o futuro’ ao contrário (ou ‘avante para o passado’) com todas as semelhanças entre Berlusconi e os políticos brasileiros e toda a vergonha da política italiana.
Ainda que eu entenda o sentimento de revolta de um povo contra a fogueira das vaidades de seus governantes, e a manifestação desse através da sua única arma que é o voto. Só temo que, para contrariar Berlusconi, os italianos tenham atirado no pé ao votar contra o uso energia nuclear.
É claro, não foram e não são só os italianos. Os Estados Unidos já fecharam algumas usinas nucleares (mas ainda assim possuem 104!), a Suécia vai fechar as suas, assim como a Alemanha. O mundo está todo assustado por causa do que aconteceu com o Japão. Mas eu acho que tomar decisões estratégicas em momentos de alarme é (quase sempre) um grande erro. Dá pra tomar uma decisão levando em conta a probabilidade de um terremoto? Vou discutir isso no post seguinte. Me deixem voltar a questão nuclear.
Duas semanas atrás tive oportunidade de mediar uma mesa redonda sobre ‘O futuro da matriz energética brasileira’ na XV Semana de Biologia da UFRJ com a participação de Ivan Pedro Salati de Almeida da CNEM, Frederico de Meirelles Pereira do IB/UFRJ e Marcelo Motta da Geografia da PUC-RJ. Numa apresentação contundente, Ivan Salati mostrou que o mundo e o Brasil precisarão de mais energia. E por N razões, não podemos prescindir do uso da energia nuclear. Esse post não é para discutir os prós e contras dessa energia, por isso não vou aprofundar a discussão.
Abre parênteses: Sinceramente… acho que não há discussão: se quisermos que todos tenham acesso aos avanços tecnológicos e ao conforto proporcionado por eles, além de água para beber e ar para respirar, vamos precisar do nuclear! (rimou). Fecha Parênteses.
O risco da energia nuclear, que apavora todos, principalmente aqueles que moram nas redondezas de Angra 1, 2 e 3; como eu e qualquer outro dos 12 milhões de habitantes da grande Rio de Janeiro não deve ser comparado com o risco de outras fontes de energia. Deve ser comparado com a nossa vontade de andar de metro, de elevador, de escada rolante. De ver os holofótes do Maracanã acessos quando o Vascão entra em campo, de organizar Olimpíadas, de usar forno de microondas e chuveiro elétrico, de ter 37 spots de luz apenas na sala de estar de 21 m2 como queria a minha arquiteta. Mas o Greepeace não fala nada disso quando faz propaganda contra a energia nuclear. Aliás, se eu estivesse em Roma e ao visitar o Coliseu visse uma faixa gigantesca do Greenpeace cobrindo o monumento, eles já perderiam o meu voto.
“James Cameron perdeu uma grande oportunidade de mostrar ao mundo uma civilização biotecnologicamente avançada, que utiliza os recursos da floresta para gerar riqueza” disse o Marcelo Motta na mesa redonda. Um dos responsáveis pelo Estudo de Impacto Ambiental da controversa hidroelétrica de Belo Monte, ele falou que Avatar foi um retrocesso na mentalidade ambiental do mundo. “Não sabemos aproveitar nada da Floresta. Não investimos nada em conhecimento da Floresta”. Estamos utilizando um modelo ultrapassado de gerar riqueza. Em alguns, talvez não muitos, seremos uma China, que segue o mesmo modelo, só que numa velocidade arrasadoramente alta, fruto da disponibilidade de um bilhão de mãos para trabalhar.
A Floresta pode dar tanto, mas não estamos investindo nada para entender o que, como e para que podemos explorar a floresta. É um claro resultado da ‘exclusão científica’ da nossa população: ao invés de inovar ciência e tecnologias limpas, criar demanda e padrões, usamos a força bruta para aproveitar o máximo que pudermos, enquanto pudermos, com as tecnologias existentes e que já exauriram recursos em outros lugares. Ai, construímos siderúrgicas em Sepetiba, para deixarmos funcionar só com a licença provisória. Instalamos Angra III, que se já era obsoleta quando foi comprada 40 anos atrás, imaginem agora.
Se a Sigourney Weaver quer se vestir de azul para protestar contra alguma coisa, que seja contra a igreja proibir o uso de métodos contraceptivos. Não há crescimento que seja sustentável!

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Os titulares e os reservas

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“Por que você quer ser um titular?”
Foi a única pergunta que a banca repetiu a todos os candidatos do concurso para professor titular onde foi selecionado Stevens Rehen. Nenhum deles estava realmente preparado para essa pergunta e as respostas variaram de um pífio “porque eu tenho o perfíl” até tentativas mais objetivas, mas que demonstravam claramente a falta de familiaridade com a função mais privilegiada da universidade.
Passei os últimos dois dias me debatendo com essa pergunta, porque ao tentar formular qual seria a minha resposta, descobri que também não sei e-x-a-t-a-m-e-n-t-e o que faz um titular. Se eu paro e olho a minha volta para ver os exemplos que conheço, não consigo encontrar um padrão de atitudes que possa caracterizar a função. Não um que justifique o título.

  • Não os vejo organizarem eventos que divulguem o nome do instituto para a academia ou a sociedade, tanto nacional quanto internacionalmente; certamente não mais do que seus colegas adjuntos e associados.
  • Não os vejo trazerem projetos e recursos que ampliem o capital e as fontes de financiamento da instituição; pelo menos não mais do que seus colegas associados e adjuntos.
  • Não os vejo criando espaços físicos e recuperando infra-estrutura; definitivamente não mais do que seus colegas professores sem o título.
  • Não os vejo estimulando jovens talentos a ingressar na carreira ou a assumir grandes responsabilidades na vida acadêmica. Ao contrário da maioria dos seus colegas adjuntos e associados, muitas vezes os vemos tolindo esses jovens.
  • Não os vejo utilizarem seu título e prestígio para trazerem talentos reconhecidos, do nível de um laureado Nobel, para dar cursos e conferências. Nada além do que conseguem trazer seus colegas associados e adjuntos.
  • Não os vejo vendo o futuro, estabelecendo estratégias de ação, criando vias de desenvolvimento e mecanismo de gestão, reconhecendo novas oportunidades, estimulando competências; definitivamente não mais do que qualquer um de nós, professores mortais.

Eu queria um titular que fizesse isso. Mas não tenho.
O título de titular concede acesso a instâncias e discussões privilegiadas. Ser titular se tornou a principal forma de administrar e fazer política universitária, geralmente em causa própria ou do próprio feudo. Na melhor das hipóteses, visão se manter na frente na corrida com seus pares pela mais alta qualidade das produções científicas, ou cargos administrativos em colegiados superiores como a FINEP e o CNPq. Em uma outra hipótese… não fazem nada… e vão curtir o seu título em suas escrivaninhas ou em uma casa nas montanhas. A vaga de titular virou moeda de barganha política nos institutos e não mais parte de um programa para realizar uma missão institucional.
Esses titulares estão merecendo mais é ir para reserva.

Fila, basta de banco. Lista, só de supermercado.

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A seleção de Stevens Rehen para Professor Titular do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ na última 5a feira lavou a alma e deu esperança a toda uma geração.
Cientista brilhante, selecionado pela revista Época como um dos brasileiros mais promissores da atualidade e meu grande amigo, ele concorreu, juntamente com a também brilhante e também minha amiga Suzana Herculano, não só contra outros candidatos, mas contra o ‘sistema’. Contra uma aristocracia acadêmica que impregna os institutos de pesquisa brasileiros (bom, e do mundo afora também) e que trata seus grupos de pesquisa como pequenos feudos, mas que se intitula ‘Vanguarda’.
A competência venceu o ‘acordão’. Vamos torcer para ser o fim das listas e filas de espera de vagas para titular.

Universidades ricas?

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Outra da revista Época.
No dia 14/04/2011 eles publicaram o diagrama: “Universidades ricas e escolas pobres“, onde ilustravam um estudo da FGV que mostra a distorção nos gastos brasileiros com a educação: a maior parte dos recursos vai para a universidade e uma parcela pequena sobra para o ensino fundamental.
Mas será que é verdade? Pela reportagem eu não consegui saber.
O principal indicador utilizado pelo estudo da FGV é o ‘investimento anual por aluno como percentual do PIB per capita’. Por si só essa variável já é difícil de entender e mais difícil ainda é saber o que ela significa. Os números, que em teoria nunca mentem, mostram que um aluno universitário no Brasil custava R$11.820,00 por ano, enquanto um aluno escolar custava R$1.773,00. Essa discrepância não seria vista em nenhum outro país. Os dados são mostrados na reportagem. E mais: a reportagem usa essa discrepância como justificativa para o mal desempenho dos alunos brasileiros no PISA.
O problema é que, como professor universitário, não consigo encontrar evidências para concordar com esse número. Verdade seja dita, uma preguiça mortal se abateu sobre mim para ir atrás desse relatório da FGV e ver o trabalho que eles fizeram, e ver se eles fizeram bem. A FGV tem nome, mas pra certas coisas só o nome não serve.
Quer dizer que cada aluno da UFRJ custa, provavelmente em média (e esse pode ser o primeiro questionamento do relatório: será que a média em um caso como esses é o melhor indicador de tendência central dos dados?), mais de 10.000 reais? Se é isso, onde está esse dinheiro que eu não vi? Outra pergunta importante é: os dados são referentes a universidade pública? As particulares estão incluídas? Esse percentual do PIB inclui investimentos privados?
No final da reportagem, um gráfico do MEC mostra como o percentual do PIB gasto em educação (4,3%) é aplicado e… 3,7% é aplicado no ensino médio! Ué, como é que pode?!
Levei um tempo lendo e relendo a reportagem e acho que descobri. É que mais vergonhoso do que o desempenho dos alunos do ensino fundamental no PISA, é o percentual de jovens brasileiros na universidade, atualmente em torno de 13%, como eu já disse aqui, menor do que na Bolívia. Assim, dá pra explicar entender um pouco melhor os dados e tirar uma conclusão menos obtusa e tendenciosa que a reportagem da Época. O estudante universitário é caro porque são poucos estudantes e porque são poucas universidades! Porque está tudo concentrado em um centro ou outro, porque a politicagem deixou as universidades anos sem concurso, sem técnicos acadêmicos e administrativos, sem recuperação de infra-estrutura.
A reportagem quer levar o leitor a conclusão de que a universidade no Brasil é um luxo, que o universitário é um privilegiado, e que o investimento não é recuperado. Não é verdade! E essa reportagem é uma bosta!

EnKhantador

engajamento_jovens_universidade.png(Figura: Percentual de jovens entre 18 e 24 anos na universidade em diferentes países. Note que o Brasil está muito lá embaixo. Fonte: Higher Education in Latin America and the Caribbean – UNESCO)
Adoro os dias em que eu aprendo coisas!
Hoje, quando acordei na casa dos meus pais em São Pedro da Aldeia, vi no Facebook que a Sonia Rodrigues tinha postado um texto excelente sobre o massacre de Realengo no blog Inclusão Digital. Aproveitei para ver mais coisas do blog dela. Tem tempo que eu percebo que preciso criar um RSS Feed para ver as atualizações dos (poucos) blogs que eu gosto_de/consigo_tempo_para ler. Aproveitei fui no Mail (o programa de e-mail do Mac) e aprendi a criar uma caixa de RSS/FEED. Agora acompanho todos em ‘tempo real’.
O primeiro texto da Sonia se chamava O Cliente e trazia uma discussão sobre o preconceito sobre o uso do termo em educação. O texto é muito bom e muito pertinente. Vale a pena ler. Me lembrou um texto que escrevi no material didático para um curso de formação de professores para EAD, que eu resolvi publicar hoje, aqui.
Mas, como acontece frequentemente, o texto me levou a outros lugares. A razão de ter escrito ‘Aluno, Alumni, Alumnus‘ é a incompreensível discussão, que existe porque eu já presenciei por mais de uma vez, com/entre pessoas que acham “quando o aluno é chamado de cliente a educação vira um negócio”. Ah, virar negócio não pode, mas não educar enquanto se debate o significado de ‘aluno’, pode.
Primeiro, como vocês podem ver no texto, ‘cliente’ não tem conotação comercial. Segundo, e dai se tiver, desde que o aluno aprenda? O texto da Sonia discute bem essa questão.
Até o ano 2000, o Brasil tinha 11% dos seus jovens entre 18 e 24 anos na universidade. Os dados são da UNESCO e do Banco Mundial. Quando o MEC lançou o prouni, a idéia era ter, até 2011, 30% dos jovens. Conseguimos, em 2010, chegar a 13,4%. A Bolívia tem 24%. Não vou nem dizer quantos tem o Chile e a Argentina, pra vocês não precisarem andar de cabeça baixa da próxima vez que forem passar um feriadão em Buenos Aires ou Santiago.
Abre parenteses: Foi incrivelmente difícil conseguir os dados para fazer a figura acima. Eles existem, mas são conflitantes, incompletos, ou estão escondidos em relatórios ou gráficos sem explicações de eixos e unidades. Como disse Hans Rosling na sua excelente palestra do TED The best stats you’ve ever seen, “É imperativo que os dados estatísticos existentes para populações e países estejam facilmente acessíveis para pesquisadores e cidadãos”. Cheguei a encontrar uma reportagem do Estadão que dizia que o Brasil “Dobrou […] a taxa passou de 6,9% para 13,9% entre 1998 e 2008 […] segundo a UNESCO” mas a estatística da UNESCO diz que em 1998 o percentual de jovens era de 11%. Fecha parênteses.
Ao invés de discussões retóricas sobre Alunos x Clientes, nossos educadores, e cada um de nós, precisamos pensar maneiras de colocar 80% da população jovem na universidade! Sim, você precisa ir para a universidade, porque lá não se aprende só uma profissão, talvez nem se aprenda uma e talvez nem seja o lugar pra se aprender, mas lá você aprende a reconhecer a aprimorar as suas habilidades, que é o que você precisa para ter um, qualquer um, emprego! É isso que o projeto ‘Sei mais física’ da Sonia faz: ajuda a selecionar os jovens com talento para Física para que possam preencher a deficiência de 29.000 professores de física que o Brasil possui.
E é isso que faz a Khan Academy, que eu não conhecia. Aproveitei e assisti o video do criador, Salman Khan, no TED e fiquei chocado com a inventividade, inovação e alcance do projeto. Para mim, o ‘Sei mais física’ e a ‘Khan Academy’ são as primeiras inovações na sala de aula desde a invenção do quadro negro por James Pillans, no início do século XIX.

Titiririca na cabeça

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Em 1988 o chimpanzé (Pan troglodytes) do Zôo do Rio Macaco Tião (1963 – 1996) chegou em terceiro lugar, entre doze candidatos, na eleição para prefeito do Rio de Janeiro. Foram mais de 400 mil votos.
Mas por mais inteligentes que os macacos possam ser, nunca serão mais que um humano. Nem mesmo que o Tiririca. E ainda que tenha conseguido um terceiro lugar com um volume de votos de um terço do fenômeno das urnas de 2010, o Macaco Tião não era um candidato pra valer e nunca poderia ocupar o lugar que certamente lhe caberia em uma eleição para deputado ou vereador. Mas Tiririca ocupará. E se não for dessa vez, será em uma próxima. A cassação da sua candidatura por analfabetismo, na minha opinião, o transformará em um tipo de mártir e lhe garantirá ainda mais votos na próxima eleição.
Mas tenho que confessar que fiquei, assim como muitos de vocês, imagino, pensando no que leva 1,3 milhão de pessoas a votar em um palhaço semi-analfabeto que prega a ignorância através do deboche. Sim, porque eu entendo votar no Macaco Tião. É uma forma de protesto. Inclusive mais debochado e mais engraçado do que o do Tiririca. Afinal, o pessoal do Casseta & Planeta (que propuseram a candidatura do Macaco) é muito mais engraçado do que o Tiririca. Mas votar nesse cara fantasiado para deputado federal?! O que poderia ser?
Eu acho que sei. Uma parte pelo menos. Não é explicação definitiva, mas pode contribuir para esse que certamente é um fenômeno complexo, com diferentes forças atuantes. Pelo lado de lá, o despreparo, descrédito e a descrença nos políticos em geral, a propaganda, a imagem, a televisão, etc. Do lado de cá a lista também é ampla e eu incluiria a falta de opção, o protesto, o despreparo e a falta de educação da população em geral.
Mas eu também incluiria, no topo dessa lista, a falta de educação científica. “Mas como assim?!?!” Vocês vão dizer. “O que a ciência tem a ver com o Tiririca?!?!”
Uma população que não é educada e treinada em ciência não aprende a valorizar a evidência. Como disse Richard Dawkins na conferência TED de 2002:
“Na minha opinião, não é só a ciência que é nociva para a religião, mas a religião também é altamente nociva para a ciência. Ela ensina as pessoas a se contentarem com o trivial, com não-explicações sobrenaturais, e os cega para as explicações reais e maravilhosas que temos ao nosso alcance. Ela ensina a aceitar a revelação, a autoridade e fé, em vez de insistir sempre em evidência.”
Imaginem que Tiririca fosse candidato a piloto de avião e seu discurso fosse o mesmo:
“Vocês sabem o que acontece em uma cabine de 747? Eu também não! Mas vou contar pra vocês”.
Ele não teria como, mesmo que quisesse. Mesmo que quisesse muito. E aposto que nenhuma das pessoas que votou nele para deputado, votaria nele para piloto de um avião em que eles embarcariam.
Não há nenhuma evidência para apostar que Tiririca possa trazer alguma grande contribuição para a política nacional. Só a crença no sobrenatural pode levar alguém alguém a votar nele.

PS: Enquanto isso, a manchete do jornal “O Globo” de hoje diz que Dilma vai atrás dos votos dos religiosos no 2 turno. Que Deus nos proteja!

'Chi se ne frega'?

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Não vou mais a congressos na Europa. Quer dizer, pelo menos não na área ambiental. Bom, ao menos que não me convidem e me paguem tudo.
O 27th ESCPB foi uma grande reunião de amigos. E o prazer das pessoas em se encontrarem no país com a melhor comida e bebido do mundo, foi inversamente proporcional a qualidade científica da reunião. Se vocês viram as fotos do jantar social no “Alii Due Buoi Rossi”, então podem imaginar que foi realmente ruim (o congresso, vamos deixar claro. O jantar foi maravilhoso).
O que acontece, na área ambiental, é que ninguém realmente desenvolve trabalhos de base sobre os mecanismos fundamentais de ação de poluentes, ou sobre as vias metabólicas e de biotransformação. Tudo isso vem dos trabalhos biomédicos. Assim, ninguém é realmente ‘autor’ dos mecanismos que está investigando. Todo mundo, pega ’emprestado’ esses mecanismos e tenta explicar ‘efeitos’ que encontram ao expor os organismos, quaisquer que eles sejam, aos poluentes (quaisquer que eles sejam também).
Mas fazer ciência nesse mundo ‘high tech’ e ‘politicamente correto’ está cada vez mais caro. E por isso, também, obter amostras está cada vez mais difícil. E com isso, o número de amostra dos trabalhos, o ‘n’, é muito baixo. E quando o ‘n’ é baixo, a margem de erro das conclusões é muito grande. Tão grande, que as vezes não deveriam nem mesmo concluir nada.
A construção dos mecanismos de ação de uma substância poluente, que poderia fornecer informações gerais do interesse de todos, ao invés de ser o ‘alvo’ das pesquisas, são, ao contrário, tomadas emprestadas de outros autores como pressupostos para apresentar dados que tem um poder de explicação fraco sobre os efeitos de substâncias. Na verdade, dados que podem se adaptar ao modelo ‘pressuposto’ mas provavelmente a outros modelos também, porque o alvo da pesquisa é o efeito e não o modelo.
É como no teste de Rorschach, onde como base na figura que mostram cada um pode ver o que quiser. As conclusões desses trabalhos com ‘n’ baixo e desenho experimental/amostral precário podem ser lindas, mas são pouco, muito pouco úteis. E, também como no teste de Rorschach, informam muito mais sobre o pesquisador, do que sobre a própria pesquisa.
Isso sem contar as qualidade das perguntas, cientificamente conhecidas como ‘hipóteses’. Quando não são simplesmente ruins ou mal feitas, são pouco interessantes (chatas mesmo) ou de interesse muito, muito restrito.
Mas, ‘chi se ne frega’? Mas “quem se importa?”
Passamos duas taças de vinho ensinando essa frase para um dos pesquisadores americanos fodões presentes ao congresso, durante o ‘aperitivo’ que é como chamam os italianos chamam o ‘happy hour’. E a verdade é que ninguém no congresso se importava com a qualidade dos trabalhos apresentados. Tanto visual como científica.O corporativismo está matando a ciência!
Ao final das apresentações, cada perguntava começava sempre com “Fulano, muito obrigado por essa bela/interessante/importante apresentação”, enquanto a pergunta que não queria calar era: “como você tem coragem de apresentar isso em um congresso internacional?”
Porque ninguém procura questionar os modelos utilizados? Questionar os pressupostos? Ou, pelo menos, como fazer ciência está caro demais, não usamos os poucos dados que podemos obter para tentar ‘negar’ os modelos pressupostos? Esse é o princípio da ‘hipótese nula’ de Poper, através do qual a ciência tanto avançou no século XX. A tentativa de demostrar que um modelo não funciona é capaz de fornecer dados mais contundentes sobre a sua veracidade do que as pífias tentativas de confirmá-lo. Isso porque 1 (uma), apenas 1 (uma) observação é suficiente para questionar um modelo, enquanto nem mesmo milhares, milhões de observações, são suficientes para comprová-lo.
Mas então porque ninguém faz?
A reposta é complexa. Um misto de preguiça, dureza, irresponsabilidade e politicagem. O mecanismo de tomada de decisão na agências científicas, pelas ‘cabeças pensantes da ciência’ (ou a ‘inteligenza’ como diz meu tio) é tão complicado quanto a via de sinalização do cálcio dentro da célula.
“O fim da ciência”, como escreveu John Horgan, não está próximo por falta de coisas para descobrir, está próximo por falta de carinho dos cientistas para descobrí-las.

Quem pode falar de política científica?

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Um dos primeiros textos que escrevi, em 2002, foi sobre a conversa dos presidenciáveis com cientistas. Ou melhor, o monólogo, já que apenas um dos presidenciáveis havia comparecido ao evento. No ano que vem teremos eleições novamente, então acho que posso voltar a esse assunto.
O que os candidatos a presidente poderiam falar sobre ciência aos cientistas? Tudo! A política científica se tornou parte importante da realização de ciência e deveria ser parte fundamental da vida dos cientistas. De TODOS os cientistas. Sim, porque para muitos, apenas cientistas seniores (o que no Brasil significa pesquisador nível 1 do CNPq) estariam aptos a opinar sobre política científica. Principalmente para os próprios cientistas seniores, em uma endogamia de idéias que muitas vezes atravanca o desenvolvimento da ciência.
Vejam, a política científica de um país interfere com a vida dos cientistas desse país através das agências de fomento. No Brasil essas agências são principalmente o CNPq e a FINEP (vinculados ao MCT), a CAPES (vinculada ao MEC) e as FAP (fundações de amparo a pesquisa dos governos estaduais). São elas que criam os programas de fomento a pesquisa, que determinam os valores e prazos de financiamentos, além dos critérios e regras dos editais.
Essas agências tem a difícil tarefa de avaliar os cientistas para decidir quais devem receber financiamento, bolsas e outros tipos de incentivos para a pesquisa. Porém, essa não é, de forma alguma, uma decisão tomada de forma científica: os critérios se aproximam mais da numerologia e do sobrenatural: número de artigos publicados, número de artigos publicados nos últimos 3, 5 ou 10 anos; número de artigos publicados como primeiro/último autor, número de citações, fator de impacto da revista, Qualis da revista, índice de impacto do pesquisador, índice H…
Claro que precisamos de um sistema de avaliação. No seu vídeo ‘A explosão do saber’, Leopoldo de Meis mostra que com a institucionalização da ciência, o número de cientistas no mundo que era de 150 no sec XVII (passou para 4500 em 1900 e) hoje esta estimado em mais de 30 milhões. Os recursos para a ciência não acompanharam esse número um a determinação de um ranque é inevitável.
Mas será que a os fatores de impacto são a melhor ferramenta? Não poderia dizer que a avaliação da ciência por índices é o pior sistema possível, mas definitivamente é um sistema ruim o suficiente para ser extinto. O próprio Eugene Garfield, que inventou o fator de impacto em 1961, disse que ele não era apropriado para avaliar indivíduos. Há uma infinidade de artigos, publicados exatamente nas revistas com os mais altos fatores de impacto (veja “The politics of publication” por Lawrence PA, na Nature 422: 259-261), questionando com argumentos fortíssimos a ‘cienciometria’ vigente.
“Nós chegamos ao ponto de considerar a revista onde um artigo é publicado mais importante do que a mensagem científica que ele traz” faz uma mea culpa um dos principais editores da Nature (Lawrence no mesmo artigo citado acima).
Mas porque nada, nada consegue livrar o sistema desse vício?
A resposta é simples: porque ele convém as pessoas que mais se beneficiam do sistema, que são as mesmas que criam as políticas científicas. E esses são os cientistas seniores. Os índices, quaisquer que sejam, beneficiam quem está fazendo ciência há mais tempo. Em países como o Brasil, onde a verba para ciência é escarça, vale o dito popular: “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não tem arte”.
Em outro comentário na Nature (423:585), Robert Insall da Universidade de Birmingham (Inglaterra) diz que “Seria mais fácil fazer frio no inferno que conseguir que cientistas mais velhos mudem alguma coisa, muito menos alguma coisa que beneficia muitos deles”.
A forte endogamia na ciência dificulta a objetividade na avaliação da produtividade científica. Cientistas seniores convidam uns aos outros para participarem de comités e conferencias, distribuem prêmios uns aos outros e apoiam publicações mutuamente. Olhem os comités das agências de fomento (ok, não olhei todos, mas posso apostar a bolsa de produtividade científica que eu ainda não tenho): não há 1 (um), nenhum, cientista com menos de 40 anos.
Ei, mas vejam bem, esse texto não é um lamento tendencioso de um cientista com (um pouco) menos de 40 anos para com seus pares seniores. O sistema é sim pernicioso e a razão é simples: é mais fácil criar bons indicadores do que fazer boa ciência!. E é por isso que deveria ser modificado.
Cientistas, mesmo os não tão bons, não são bobos (uma das poucas coisas que podem se gabar). Mesmo os jovens já perceberam que o importante não é mais fazer boa ciência e sim fazer bons ‘indicadores de ciência’ (já que na maioria das vezes não é a mesma coisa). No máximo, fazer boa ciência enquanto faz bons indicadores de ciência.
A única saída é colocar ‘sangue novo’ nas agências de fomento. É definitivamente mais fácil mudar a composição dos conselhos deliberativos das agências que nominei no início desse artigo, do que a cabeça dos cientistas seniores que participam desses mesmos conselhos. Enquanto não houver cientistas jovens participando das instâncias decisórias da ciência no Brasil, vamos continuar sofrendo dessa endogenia. Até lá, as agências de fomento, assim como as revistas científicas, poderiam pelo menos solicitar aos cientistas que declarassem algum tipo de conflito de interesse em suas propostas de projetos: Você de alguma forma está se beneficiando de contribuições que tenha feito na preparação desse edital?
O interessante seria um ‘índice conflito’ com base na resposta dessa pergunta.

O tudo e o nada


Gente… hoje eu fiz ciência!

Muito do que eu aprendi de como ser cientista foi durante o mestrado, no departamento de ciências fisiológicas da Universidade do Rio Grande. Aprendi estatística e a deixar crescer o cavanhaque para poder enrolar os dedos nos fios parcos enquanto resolvia um problema como o José Monserrat. Aprendi a ler um artigo deixado em cima da mesa de outra pessoa (e depois saber o artigo melhor do que a pessoa) enquanto tomava um café na caneca trazida de um congresso como o meu orientador Euclydes. Com o Elton entrevistando um aluno de iniciação científica, aprendi que ser cientista é estudar, ler, aprender a perguntar e a responder.

Assim, quando hoje transformamos dois anos de mudanças de protocolos, contagens de células, espectros de emissão de energia e muitas, muitas imagens de microscópio em um esboço de artigo, fiquei muito satisfeito.

O que torna a ciência mais difícil é que nem tudo pode ser relativizado. Seus dados estão ali, olhando para você e mostrando o que quer que seja que mostrem. Seu trabalho é saber interpretar isso sem ver nem mais, nem menos do que eles estão mostrando. Mas o resultado é o senhor soberano da conclusão, não a interpretação.

Não é assim em todo o canto. Políticos (e também advogados) adoram relativizar. Enio Candotti falou maravilhosamente sobre isso na sua palestra “Ciência, política e verdade” no Instituto de Biofísica da UFRJ alguns anos atrás. Para ele, o diálogo entre cientistas e políticos era impossível, porque a noção de verdade de um é muito diferente daquela do outro. Para os cientistas a verdade é baseada em evidências. Se uma mesa pode ser pesada, medida, ocupa lugar no espaço, então a mesa existe, e essa é a verdade. Para os políticos a verdade é consensual. Se for, como diria D. Pedro I, ‘para o bem de todos e vontade geral da nação’ que a mesa não exista, então não interessa se todos estão reunidos à mesa tomando essa decisão: a mesa não existe, e essa é a verdade.

Pouco pode se construir com verdades consensuais, porque sem a base da evidência, a verdade muda o tempo inteiro, de acordo com a tendência do momento. Resta um nada. Um nada jurídico. E tudo desmorona.

A verdade baseada na evidência tem ainda mais uma vantagem: não se perde tempo tentando alcançar o consenso. A mesa existe: aprendam a lidar com isso! Seja mudando a mesa de posição, destruindo a mesa com um machado, sentando nela para comer um delicioso risoto de Parmiggiano Reggiano com Aspargos, ou para escrever um artigo como fizemos hoje. É tudo de bom.

Diário de um Biólogo – Terça 28/10/2008

É inevitável: Todo cientista também será um contrabandista.

Já escrevi aqui e aqui sobre as dificuldades de importação de material científico no Brasil e como isso reduz nossa produtividade científica. Outra circunstância dificultadora importante foi criada nos últimos anos: a necessidade de permissões do IBAMA para trabalhar com a nossa Fauna e Flora. Você pode se sentar com a sua vara de pescar a beira do Paraíba do Sul e pescar alguns Cascudos para o almoço (a seu próprio risco) mas se for um estudante coletando Cascudos para estudar a poluição no rio, é preso sem direito a fiança. Quem me déra fosse assim em Brasília!

Tenho um aluno há dois meses nos EUA esperando por amostras de sangue de peixe que deveriam ser enviadas pelo sistema de exportação de amostras da Fiocruz, mas nesse tempo todo, não conseguiram a autorização do IBAMA. Se você colocasse na mala e trouxesse, não haveria problema nem mesmo com a alfândega mais chata do mundo:

– Are you bringing food or bevarages?
– No, just fish blood samples
– What are you doing with fish blood?
– Research
– Oh, ok. We don’t regulate fish blood. You are clear to go.

Simples assim. E você poderia fazer o seu trabalho.

Claro, devemos proteger nossa biodiversidade, devemos combater a biopirataria, mas a morosidade e a burocracia do IBAMA são um tiro no pé. É mais fácil um americano vir aqui e acessar nossa biodiversidade ilegalmente do que nós acessarmos ela legalmente.

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