Minha tatuagem científica

Mas não foi uma decisão impulsiva. Foram anos tomando coragem pra fazer “algo que é pro resto da vida”. Me decidi finalmente quando li a resposta da então eleita “Musa do verão” do Rio pela revista de Domingo (suplemento do Jornal do Brasil do Rio de Janeiro) a um reporter que perguntava se ela não se preocupava com ter apenas 18 anos e tantas tatuagens. “Você não tem que se preocupar que é para o resto da vida. Alias é bom que seja. A tatuagem é uma marca de um momento que você viveu e ajuda você a carregar esse momento pra sempre”.
Como uma patricinha pode ser tão esperta? Felizmente pode. Pra gente se lembrar constantemente de vencer nossos preconceitos.
Mas voltemos a tatuagem. Ainda levei anos pensando em qual seria o motivo, o desenho e em onde colocá-lo. Eu mesmo que desenhei o DNA tribal e decidi colocar nas costas porque achei que seria bom não olhar pra ele todo dia (mas é verdade que acabo não olhando nunca). Minha irmã, a loira linda e supertatuada, reclama que é pequena demais e que não dá pra ver direito porque se confunde com o cabelo, mas eu gosto. O motivo foi a minha opção pela razão e pela ciência como doutrina de vida, com tudo que eu precisava estar disposto a fazer e arriscar por essa opção. Naquela época, isso significava mudar de cidade, de país, de lingua e de vida. Largar o coração partido, o Rio querido, a família, meu primeiro carro, meu primeiro apartamento e partir pra aventura do descobrimento. Descobrir se eu realmente dava pra cientista (Opa, peraê!).
Deu tudo certo e eu voltei cientista. Com muitas das certezas que eu tinha antes (“there is no place like home”), algumas novas mas um monte de bagagem na mochila (a mesma que viaja comigo a 17 anos). A tattoo está lá. Começa a perder um pouco de definição, mas a cor continua firme.
Outro dia me mandaram o site do pesquisador Carl Zimmer, que organizou o Science Tattoo Emporium. Eu não resisti e mandei a minha pra ele. Está lá.
Já tive motivo pra fazer outra tatuagem. Não era científica, mas o motivo desapareceu antes da marca ficar estampada na pele. E quando é assim, quem sabe… é melhor que seja. Agora finalmente decidi qual será a proxima. Não será científica, mas vai marcar o meu verdadeiro grande amor, o Rio de Janeiro. Assim que ficar pronta, mostro pra vocês.
A dieta intracelular

Na capa da revista Cool (?!) deste mês, o leitor é convidado a conhecer a ‘Nutrição Intracelular’ e mudar seus conceitos sobre alimentação. Desconfiei. Mas reportagem só não era pior porque, de tão pobre, tornava difícil desdizer qualquer coisa. Então resolvi contar para vocês o que é mesmo importante saber sobre dieta intracelular, que envolve o por quê de alguns de nós sermos mais cheinhos enquanto outros, magros de ruins.
A avassaladora maioria da energia que consumimos todos os dias é gasta para mover íons de um lado para outro da célula.
Uns de dentro para fora e outros de fora para dentro. Esse tráfego é importante para que o corpo possa fazer duas coisas: contrair músculos e enviar estímulos nervosos. Ambas tarefas são feitas por descargas elétricas, geradas quando a célula, que no repouso tem uma carga negativa, recebe uma descarga de íons sódio (Na+), que tem carga positiva, e elevam rapidamente o potencial elétrico da célula, disparando a ação.
Outro íon importante nesse processo é o cálcio (Ca2+). Ele ajuda na contração muscular (fazendo funcionar o motorzinho de actina e miosina que temos na célula, lembra do 2o grau?) e na emissão de vários outros sinais. Mas para isso a célula precisa manter a concentração interna desses íons muito, muito baixa. E isso não é fácil. Eu poderia levar algum tempo explicando as razões, mas vou pedir apenas que vocês acreditem em mim. A membrana plasmática é bastante impermeável a íons e eles conseguem atravessá-la apenas em alguns ‘portões’, proteínas especializadas como a calcio-ATPase. Essa enzima fica na membrana plasmática e na membrana sarcoplasmática. O retículo sarcoplasmático é um ‘saco’ dentro dá célula onde armazenamos os íons de cálcio para usarmos quando precisarmos. O trabalho da enzima é colocar os íons para dentro do saco ou para fora da célula, garantindo que o citoplasma fique livre deles, até o momento em que se tornem necessários. Mas a enzima não pode trabalhar de graça. Para jogar um íon onde já exite mais daquele íon (dentro do saco, por exemplo) ela precisa lutar contra um gradiente elétrico (as cargas positivas que já estão lá) e químico (os outros íons cálcio que estão lá) ela precisa de energia, que vem do ATP (aha… por isso o nome ATPase – “aquela que quebra ATP para funcionar”).
Eu sei, até agora não falei nada de dieta nenhuma, e você que está no blog pela primeira vez já está se sentindo enganado com o título, mas confie em mim, eu vou chegar lá. Agora, não espere receita nenhuma.
Bom, quando a cálcio-ATPase acumula um monte de íons calcio dentro do sarcoplasma, ela cria um gradiente osmótico. Isso quer dizer que toda a energia da quebra do ATP gasta para colocar o cálcio pra dentro do saco não foi exatamente gasta. Parte dela continua armazenada ali, nesse gradiente osmótico. Isso porque, se abrirmos a ‘porteira’ da ATPase, o cáclio vai, por diferença de pressão osmótica (tem mais cálcio dentro do saco do que fora), atravessar o canal da enzima em direção so citoplasma.
Nesse momento, a enzima tende a funcionar na direção oposta. Ao invéz de gastar, ela usa a energia desse gradiente osmótico para sintetizar ATP. É incrível, não é mesmo?!
O que?! Você não acha incrível? E ainda me acha meio doido por achar que isso é interessantíssimo? Bom, agora é que eu vou soltar a bomba, então vamos ver se você ainda vai achar isso inútil no final do texto.
As vezes, quando a célula está em repouso, e o retículo já está cheio de íons cálcio, a ATPase abre a sua porteira, e deixa alguns íons passarem para o outro lado. Quando isso acontece, algumas vezes, a energia que é gerada na passagem não é usada para produzir novos ATP. Ao invés, é usada para produzir calor.
Sim, calor. Aquele mesmo, que ajuda a manter nosso corpo quente.
Então vamos lá: o que a gente come, de uma forma ou de outra, acaba virando ATP, que é a moeda energética do corpo e da célula. Boa parte dessa energia é gasta para manter a célula com pouco sódio e cálcio. Isso significa bombear, gastando ATP, esses íons para locais específicos, onde eles ficam acumulados. A energia desse ATP não é totalmente perdida, já que parte dela se transforma em energia osmótica (íons acumulados), que pode depois ser convertida novamente em ATP, que por sua vez pode servir para a célula fazer qualquer outra coisa, inclusive bombear mais cálcio para dentro do armazem. Mas quando ao invés disso a bomba de ATP produz calor, esse calor depois não pode ser reconvertido em mais nada. Ele sim, depois de esquentar o corpo, se perde. Essa sim é energia gasta. Bem gasta, porque nos deixa o coração aquecido em noites de inverno, mas gasta.
Então vejamos, quando a célula já está bem de energia, ela pode ficar brincando com o excesso, passando a energia de uma forma para outra, de ATP para acúmulo de cálcio e de volta para ATP, disperdiçando bem pouquinho, ou então queimar ela, literalmente, produzindo calor. O que determina isso? Não sei, só sei que é assim.
Mas sei que isso é diferente em cada pessoa. Minhas células decidem queimar de um jeito e as suas de outro. Quando como pizza entro no looping do cálcio-ATP, enquanto meu primo paulista, que é magrinho, torram tudo em calor.
É claro que não dá pra escrever isso na revista Cool. Já pensou, ninguém mais poderia ser enganado com uma dieta qualquer, sabendo que o problema estava nas suas cálcio-ATPases que preferem economizar ATP ao invés de queimar tudo. E que há muito pouco que ele/ela posam fazer.
Neurônios que perdem cromossomos… revisitado
O texto é baseado no estudo publicado na PNAS em 2001, realizado no cérebro em desenvolvimento de camundongos e introduz a idéia de que ao contrário do que se pensava, nem todas as células do corpo possuem o mesmo número de cromossomo. O que significa dizer que nem todas as células possuem a mesma quantidade e, consequentemente, o mesmo DNA. Algumas (na verdade muitas, em torno de 33% no cérebro em desenvolvimento) podem possuir um pouco mais (porque acumulam um – ou mais – cromossomo) e outras um pouco comenos (porque perdem um ou mais). O corpo é na verdade um mosaico de células com diferentes quantidades de genoma. Neurônios adultos podem inclusive apresentar mais de um cromossomo sexual (como na foto acima).
Em 2005 o mesmo grupo publicou um novo artigo (DOI: 10.1523/JNEUROSCI.4560-04.2005), dessa vez mostrando que o mosaicismo dos cromossomos também acontece no cérebro adulto de humanos, com variações da ordem de 2-7% em indivíduos com idades que variam de 2 a 86 anos. Mas não é só: essa variação foi medida com base na perda ou ganho do cromossomo 21, aquele cuja trissomia (presença de 3 cópias) nas células do corpo, causam a grave Sindrome de Down. Só que nenhum desses indivíduos analisados apresentava qualquer sintoma de distúrbio ou doença neurológica! O cérebro humano maduro normal apresenta células com uma trissomia que, quando generalizada por todo o tecido, significa graves defeitos para o sitema nervoso central.
Apesar do óbvio potencial para participação dessas aneuploidias em doenças, em 2001 o grupo já havia sugerido que o mosaicismo poderia contribuir, em nível de organismo, para as diferenças fisiológicas e comportamentais que encontramos entre os indivíduos, de forma não explicada pela genética clássica (que não podem ser herdadas de pai para filho pelos mecanismos clássicos de transmissão da informação genética). No artigo de 2005 eles vão além, sugerindo que a aneuploidia seria um mecanismo para gerar variabilidade celular através da variação do número de cromossomos, uma teoria consistente com observações de que a presença, em larga escala, de polimorfismos de múltiplas cópias entre os indivíduos (o nome parece complicado, mas apenas significa que alguns de nós podem possuir muuuuuitas cópias de um determinado gene enquanto outros apenas uma, ou nenhuma), podem explicar a diversidade gênica, a susceptibilidade a doenças e ainda, fornecer ‘material’ para a evolução.
A hora de quem?
Bom, ser indiferente é justamente não tender para o bem ou mal.
A ‘hora do planeta’ deveria se chamar a ‘hora do nosso planeta’, como nós gostaríamos que ele continuasse a ser. Só que o planeta nunca foi o mesmo. Mudou radicalmente, milhões de vezes, nos últimos 4 bilhões de anos. Entre outras razões, devido a espécies que exploraram recursos a exaustão, e se extinguem. Você sabia que todas as espécies que vivem hoje no planeta, toda a nossa incrível biodiversidade, é apenas 0,00001% de todas as espécies que já existiram? Pois é, todas as outras que já existiram, desde que a vida apareceu há 4 bilhões de anos, já se extinguiram.
A unica coisa realmente natural, orgânica e sustentável, a real ‘hora do planeta’, será a nossa própria extinção, com o aparecimento de uma espécie mais evoluída.
A hora do planeta da WWF é fruto do mesmo romantismo que criou os parques nacionais, como Yellowstone há mais de dois séculos: para relaxar o homem dos estresses da vida nas cidades grandes e não para preservar a natureza. Enquanto considerarmos o homem como ‘não natural’, continuaremos a achar que a ‘hora do planeta’ ou qualquer outra ‘hora…’ ou ‘dia…’ influenciará a decisão da nossa indiferente ‘Mãe Terra’ quando chegar o dia do juízo final da espécie humana.
Não vai adiantar. Mas até lá, serão vendidos muitos livros, espaços de propaganda, alimentos orgânicos, jornais, revistas e camisetas da hora do planeta. Vão me chamar de chato, mas o verde motivando essa ‘hora’ me parece outro.
Os próximos 150 anos
Durante todos esses anos, ela foi testada com todo o rigor do método científico (e da lei) por ilustres defensores e ferrenhos opositores, e em todas as vezes, mostrou sua importância. Sim, algumas idéias de Darwin não estavam corretas. Kumura mostrou que não só a seleção natural é capaz de fixar genes nas populações (veja o post que explica a seleção natural aqui) mas também um processo chamado ‘deriva gênica’ permite que um gene neutro, que não traz nenhum benefício adaptativo para a espécie, mas também não prejudica a adaptação dela, passe a integrar o conjunto de genes da população. Já o biólogo evolucionista Stephen J. Gould mostrou que a evolução não acontece gradualmente, de maneira uniforme, mas principalmente em saltos, que revolucionam adaptatividade (fitness) dos organismos.
No entanto, o núcleo central da teoria de Darwin, de que os organismos lutam pela sobrevivência usando as armas que dispõe no seu ‘pool’ de genes, se mantém intacto e vem sendo fortalecido a cada novo resultado. Vem dai a razão da grande aceitação da teoria: ela funciona! Explica uma enorme variedade de fenômenos e observações, e contribui para além da biologia, em campos como o desenvolvimento de drogas na industria farmacêutica ou de componentes eletrônicos na industria de informática. A seleção natural é poderosa mesmo no maior de seus desafios: explicar a evolução humana. A idéia do homem como topo da evolução é um pilares que sustentam os princípios religiosos, mas análises recentes mostram que a nossa espécie, o Homo sapiens, não só evoluiu, como evoluiu muito nos últimos 10.000 anos, e com velocidade assustadora. Um exemplo de adaptação recente é a habilidade de digerir leite em adultos do norte europeu. Também temos muito menos dúvidas sobre nossas origens,. Sabemos que não viemos exatamente dos macacos, mas de um ancestral comum remontando aos primeiros Australopithecus entre 4 e 7 milhões de anos atrás (veja o texto Uma breve história do homem).
Mas então porque a seleção natural não é uma lei da natureza?
A resposta não é simples e provavelmente não é justa. Mas a idéia de mutações aleatórias sendo responsáveis pelo aparecimento de toda a biodiversidade, desde o nível de macromoléculas (diversidade dos genes e proteínas) até os biomas (diversidade de ecossistemas) é muito pouco intuitiva. Difícil de entender e difícil de provar. Como os processos de seleção ocorrem em escalas de tempo geológicas, é impossível observar ela em ação. Assim, nunca podemos fazer experimentos que estabeleçam indubitavelmente relações de causa no estudo da evolução: a seleção é observada sempre a posteriori, e como é sempre possível contar mais de uma história plausível para explicar um mesmo evento… cada um acaba acreditando na sua versão. Além disso, o homem está acostumado a selecionar artificialmente suas culturas e animais de criação, decidindo quais organismos dentro de uma população se reproduzirão e interferindo na direção adaptativa da prole, e criando coisas como cães Pincher e Dinamarqueses. É a ‘seleção artificial’, que ao invés de ajudar, atrapalha ainda mais a compreensão da teoria da evolução, já que fortalece a crença de um ‘ser inteligente’ direcionando os processos evolutivos.
A seleção cultural em humanos, voltada para atender ideologias dominantes (religiosas, políticas, raciais), representa um grande risco para a espécie como um todo. No último dia 12 o escritor Luís Fernando Veríssimo publicou um texto no globo questionando o propósito da manipulação do DNA. Como podemos determinar o que é um bom direcionamento? O que é útil hoje, pode ser perigoso amanhã. E a capacidade do ser humano de mudar de idéia é imensamente superior, e mais veloz, que o potencial de resposta da Seleção natural.
Mas a manipulação de genes em laboratório nesse nível (o de modificar características humanas) ainda tem grandes desafios antes de se tornar a realidade dos filmes e realizar todas as promessas de aumento de eficiência das habilidades humanas (ou mesmo cura e prevenção de doenças). Os genes raramente agem sozinhos: uma função do organismo é determinada por vários genes, e por sua vez, um mesmo gene pode afetar em graus variáveis diferentes funções no organismo: fenômeno conhecido como pleiotropia. Por isso é possível que nunca consigamos realmente otimizar a característica que queremos sem causar efeitos colaterais.
Ao mesmo tempo, um tipo de evolução afetado pelas nossas decisões conscientes e pelos progressos alcançados pela tecnologia humana (atualmente mesmo pessoas não aptas física ou intelectualmente tem chances – e as vezes mesmo superiores – de reproduzir).
Será que o aumento da expectativa de vida para muito além de 100 anos e a integração da consciência humana com as máquinas, dois eventos que atualmente parecem inevitáveis, poderá modificar a forma como a natureza vem selecionando e acumulando complexidade, desbancando a seleção natural? É possível. Afinal, nem mesmo a seleção natural está livre da evolução: se extinguir sendo substituída por uma teoria de uma nova espécie. Isso é o natural.
Esse post faz parte da ‘Roda de ciência’ do mês de Março. Por favor, comentários aqui.
Que bichinho é esse? Que plantinha é essa? E como dizer isso pros outros?
Em outro momento, já depois de formado, ouvia com enorme freqüência a seguinte pergunta: “Mauro, você que é biólogo, me explica…” e o que se seguia eram as dúvidas mais estapafúrdias, nem sempre pertinentes, de pessoas leigas e sinceramente intrigadas com a natureza que as cercava. As vezes, devo confessar, fui mau, e criava uma resposta fantasiosa tão estapafúrdia quanto a pergunta. Era divertido. Como quando num dos muitos finais de semana que passei em São Paulo na casa do meu tio, indo do Rio de Janeiro para Rio Grande onde cursei o mestrado, sentados na varanda, ele me perguntou: “Mauro, você que é biólogo, tem um passarinho que sempre vinha aqui na minha varanda. Ele chegava a tarde e depois ia embora. Porque agora ele não vem mais?”
Respondi que a culpa era da poluição e que ele devia fumar menos por isso também. Ou algo desse tipo. Como eu poderia falar que a pergunta estava mal formulada, pedir o número de observações que ele fez da frequência de visitas do pássaro, se ele usou algum método de foto-identificação para saber se era sempre o mesmo pássaro, se havia mudado as plantas do jardim, e outras tantas variáveis que seriam pertinentes se aquele fosse um experimento ou trabalho de campo. Todos somos cientistas, mas trabalhar com o método científico é para poucos. Dá trabalho e exige muita dedicação e atenção. Além de uma fé quase religiosa nos seus procedimentos. Mas como explicar isso para os outros? O que escrever? Para quem? Como?
Essas são perguntas que chegam a atormentar um cientista todos os dias, e foi sobre elas que eu escolhi falar para os alunos da UNICAMP que gentilmente me convidaram para uma palestra sobre divulgação científica no seu IX CAEB – Congresso Aberto aos Estudantes de Biologia em Julho/2009. Tenham certeza que estarei lá.
"Estamos em busca de um conceito para o vocábulo vida"
Não foi um pedido simples. O tema adentra não só em um debate filosófico e moral que nem mesmo os grandes pensadores da humanidade conseguiram chegar perto de resolver, mas também em um complicado problema científico.
Atualmente o problema é abordado pelos astrobiólogos, aquelas pessoas que buscam indícios de vida fora da Terra. Uma dessas pesquisadoras, dra. Claudia Lage do Instituto de Biofísica da UFRJ, inicia sua palestra dizendo que: “Não existe uma definição de vida. Podemos denominar os atributos da vida, mas não definí-la”.
Se pensarmos bem, quando estávamos no ensino fundamental, aprendemos que os seres vivos têm características (esses atributos): nasce, cresce, reproduz e morre. Mas isso não é uma definição.
Para transformá-la em um definição, precisaríamos adicionar o ponto de vista bioquímico (entidades que possuem metabolismo), genético (entidades capazes de auto-replicação e evolução) e até termodinâmico (sistemas abertos onde a entropia tende a diminuir). Porém, todas essas definições encontram problemas para explicar algumas exceções: algumas vezes as máquinas também apresentam essas mesmas características, e outras vezes, alguns seres vivos falham em apresentar alguma delas.
Abre parênteses. Aqui começa um outro problema. A definição de vida tem de se aplicar a todo tipo de vida, mas os filósofos e juristas estão preocupados apenas com um tipo: a vida humana. Mesmo os ativitstas radicais dos direitos dos animais estão preocupados apenas com os animais ‘superiores’, um eufemismo para mamíferos com sangue quente e domesticados: cães, gatos, gado e cobaias de laboratório (ratos, camundongos, coelhos, porquinhos da Índia e macacos diversos). Até hoje não vi um comitê dos direitos das Salmonelas e Escherichias (bactérias utilizadas em testes de toxicidade e experimentos de genética e biologia molecular). Apenas o Canadá sugere um procedimento para o sacrifício de peixes utilizados em pesquisa. Fecha parenteses.
Alguns filósofos gregos imaginavam a concepção mesmo antes das evidências científicas da fecundação (que só apareceram no século XVII com o advento do microscópio) e determinavam que ali estava o momento da concepção. Durante toda a idade média o conceito vigente era de que a vida começava quando o feto também começava a se mexer na barriga da mãe.
No Renascimento, Descartes complicou a questão com o seu ‘ penso, logo existo’. O ser vivo só passou a ser ‘humano’ depois de ter a consciência da sua existência. A Igreja também gostava dessa idéia, porque podia ser associada diretamente ao conceito de alma. Mas quando as primeiras pesquisas de embriogênese no sec XVIII mostraram o momento da fecundação e o desenvolvimento do embrião, até mesmo a Igreja se dobrou e passou a aceitá-lo como o início da vida.
Mas no que se difere um zigoto de uma outra qualquer célula dentro do organismo? Certamente ambos estão vivos. Tirando as unhas, pelos, cabelos e a camada superficial da pele, todas as células do nosso corpo estão vivas. O potencial para se diferenciar em um organismo também não é um argumento definitivo. Muitas outras células se diferenciam durante o seu processo de desenvolvimento e também se multiplicam formando tecidos e órgãos inteiros. A capacidade de diferenciação não é uma característica definida por algo que apenas o zigoto tem, mas pela forma única pela qual o zigoto controla algo que todas as outras células têm.
Alguns cientistas defendem que o momento do início da vida está mais adiante, quando o óvulo fecundado adere à parede do útero, que é quando ele realmente passa a ter chances de se desenvolver. Outros vão ainda mais adiante e sugerem que a vida começa a partir da segunda semana de desenvolvimento, quando aparecem as primeiras terminações nervosas que resultarão no cérebro. Para os biólogos que trabalham em escalas macroscópicas, um bebê com menos de 5 anos de idade não tem chances de sobreviver sozinho e por isso poderia nem mesmo ser considerado como ‘vida independente’. Isso leva a uma outra discussão sem solução, que é de onde vem a vida? Mas disso eu trato em um outro artigo, aqui.
O fato é que quanto mais a ciência avança, mais complexa se torna a questão, e mais difícil o consenso. Mesmo quando se tenta definir a vida pelo seu oposto, a situação continua complicada, já que determinar o momento da morte é tão difícil quanto o início da vida. Sem um consenso científico do que seja a vida e de quando ela se inicia, não é de se espantar que não haja consenso jurídico.
O direito avança bem mais lentamente que a ciência ou mesmo a sociedade. Imagino que até mesmo por isso, os princípios fundamentais são tão amplos. A ponto de na constituição de 1988 estarem garantidos o ‘direito à vida’, assim como ‘direito à felicidade’. Mas garantidos a quem?
“Na verdade, na verdade o feto não tem personalidade jurídica, então, à rigor, não tem direito nenhum. Mas o Direito preserva os direitos futuros, e assim resguarda os interesses do nascituro” diz a advogada Juliana Fernandes.
Ao dar o seu voto na questão da inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança, o ministro relator Carlos Ayres Britto, afirmou que a Constituição Federal vale para os brasileiros nascidos vivos, não para embriões. “É preciso vida pós-parto para ganho de personalidade perante o Direito. (…) A vida tem três realidades que não se confundem – o embrião, o feto e o ser humano. (…) Não há uma pessoa humana embrionária, mas sim um embrião de pessoa humana. Na definição jurídica, a vida humana revestida de personalidade civil transcorre entre o nascimento com vida e a morte.”
Essa questão foi dedicida e o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a regulamentar o uso de embriões humanos em pesquisa e continua sendo um dos poucos países com uma clara legislação a respeito, o que permitiu que hoje nossos pesquisadores, mesmo com escassez de recursos, sejam lideres nessa área de pesquisa. Mas o problema está longe de estar resolvido.
Em resposta a uma solicitação de um defensor público em favor de oito filhos de detentas de São Bernardo do Campo (SP), o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu que bebês que ainda não nasceram podem entrar com uma ação na Justiça e pleitear seus direitos.
“O zigoto é um individuo humano actual e não simplesmente um potencial do mesmo modo uma criança é uma pessoa humana com potencial para desenvolver a maturidade”.
Para Teresa Ancona Lopez, professora de direito civil da Universidade de São Paulo (USP), a decisão abre um importante precedente. “Apesar de o feto ainda estar em gestação, ele tem muitos direitos assegurados”, afirma. Ela explica que, nestes casos, a ação não é impetrada no nome que a mãe pretende registrar a criança, mas em nome do “nascituro” da seguinte cidadã.
“Existe uma diferença entre pessoa e sujeito de direito. O feto não é pessoa ainda, mas ele é sujeito de direito. E, com isso, já tem direitos assegurados”, explica Teresa. “A mãe tem que ser bem cuidada porque isso vai refletir nele (bebê)“, afirma.
E se, e quando, o Direito avançar para as áreas além das humanas, os dilemas já estarão lá esperando, porque recentemente a dra. Silvana Allodi do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ acabou de publicar o primeiro estudo sugerindo que células tronco de invertebrados levam a formação do sistema nervoso desses animais.
O que podemos dizer é que para que haja vida independente, é necessária a conjunção de uma série de fatores. E a falha em qualquer um deles, ainda que não diretamente, vai levar à morte. É uma boa definição.
Diário de um Biólogo – Domingo 08/03/2009
Acordei tarde e feliz. Desde ontem não faço nada além de comer, dormir e namorar.
Mas mais uma semana vai começar e o texto do blog ameaça fazer 15 dias estampado na vitrine. Havia me prometido lançar pelo menos um texto por semana, mas a coordenação da nova Biofísica para Biologia (BMB163) tem tomado todo o meu tempo. Como boa parte desse tempo foi gasto na criação de textos para auxiliar nas aulas, pensei: “Porque não colocar eles também no blog?”
Os textos são um pouco mais didáticos do que eu costumo a colocar aqui, mas talvez sejam até mais interessantes para os muitos estudantes que frequentam o VQEB. Quem sabe até eles não comentem mais os textos, que eu sei, por diversos canais (tem texto até com comunidade – pro bem e pro mal – no Orkut), ele lêem?
PS: Um beijo especial hoje para todas as mulheres por mais esse dia especial.
Diário de um Biólogo – Quarta 25/02/2009
Sim, é verdade, alguns deles viviam. Muita gente não sabe, mas Newton nunca se casou (os rumores são de que morreu virgem) e mais do que sobre matemática e física, ele escreveu sobre alquimia e teologia. Deve ter sido um chato.
Então, mesmo contra a vontade dos jornais do Rio, que não conseguiram publicar corretamente NENHUM horário de bloco, consegui chegar em um ou outro, e felizmente no Quizomba, que saiu lá pelas 18h no ‘circuito’ Lapa-Glória. O máximo!
E quando a 4a feira prometia ser de cinzas e descanso, ligo o rádio depois da praia, porque no restaurante da dona Marta não tinha televisão, e ouço o Salgueiro na frente da Beija-Flor por 8 décimos.
A diferença chegou a diminuir, mas como meu primo de São Paulo e a namorada vieram da terra da garoa para desfilar pela Beija-flor, eu tinha certeza que eles não ganhariam!
Saiu o resultado final: Salgueiro campeão do carnaval 2009!
Como disse o Aldir Blanc (ou foi o Nelson Rodrigues?!): “Você pode sair da Tijuca, mas a Tijuca nunca sai de você.” Me mandei pro Andaraí, porque nessa noite não existe outro lugar para ir no Rio de Janeiro.
Cientista maluco é aquele que perder uma festa dessas!
O tudo e o nada

Gente… hoje eu fiz ciência!
Muito do que eu aprendi de como ser cientista foi durante o mestrado, no departamento de ciências fisiológicas da Universidade do Rio Grande. Aprendi estatística e a deixar crescer o cavanhaque para poder enrolar os dedos nos fios parcos enquanto resolvia um problema como o José Monserrat. Aprendi a ler um artigo deixado em cima da mesa de outra pessoa (e depois saber o artigo melhor do que a pessoa) enquanto tomava um café na caneca trazida de um congresso como o meu orientador Euclydes. Com o Elton entrevistando um aluno de iniciação científica, aprendi que ser cientista é estudar, ler, aprender a perguntar e a responder.
Assim, quando hoje transformamos dois anos de mudanças de protocolos, contagens de células, espectros de emissão de energia e muitas, muitas imagens de microscópio em um esboço de artigo, fiquei muito satisfeito.
O que torna a ciência mais difícil é que nem tudo pode ser relativizado. Seus dados estão ali, olhando para você e mostrando o que quer que seja que mostrem. Seu trabalho é saber interpretar isso sem ver nem mais, nem menos do que eles estão mostrando. Mas o resultado é o senhor soberano da conclusão, não a interpretação.
Não é assim em todo o canto. Políticos (e também advogados) adoram relativizar. Enio Candotti falou maravilhosamente sobre isso na sua palestra “Ciência, política e verdade” no Instituto de Biofísica da UFRJ alguns anos atrás. Para ele, o diálogo entre cientistas e políticos era impossível, porque a noção de verdade de um é muito diferente daquela do outro. Para os cientistas a verdade é baseada em evidências. Se uma mesa pode ser pesada, medida, ocupa lugar no espaço, então a mesa existe, e essa é a verdade. Para os políticos a verdade é consensual. Se for, como diria D. Pedro I, ‘para o bem de todos e vontade geral da nação’ que a mesa não exista, então não interessa se todos estão reunidos à mesa tomando essa decisão: a mesa não existe, e essa é a verdade.
Pouco pode se construir com verdades consensuais, porque sem a base da evidência, a verdade muda o tempo inteiro, de acordo com a tendência do momento. Resta um nada. Um nada jurídico. E tudo desmorona.
A verdade baseada na evidência tem ainda mais uma vantagem: não se perde tempo tentando alcançar o consenso. A mesa existe: aprendam a lidar com isso! Seja mudando a mesa de posição, destruindo a mesa com um machado, sentando nela para comer um delicioso risoto de Parmiggiano Reggiano com Aspargos, ou para escrever um artigo como fizemos hoje. É tudo de bom.