A Autópsia de Gaddafi
A morte do ditador líbio vem causando furor nos meios de comunicação e não era para menos. Longe de querer revisar todo o papel político de Gaddafi e o que representa seu assassinato por forças militares ocidentais nessa eterna cruzada que teima em não terminar – pelo amor de Deus! – gostaria de chamar a atenção para a posição que uma possível autópsia em seu cadáver está adquirindo na opinião pública mundial.
Em primeiro lugar, é preferível o termo autópsia a necrópsia, mas ambos são aceitáveis. Segundo, que, na sociedade ocidental atual, o número de autópsias clínicas vem caindo vertiginosamente enquanto que o número de autópsias médico-legais aumenta (ver aqui e aqui). Podemos chamar de autópsias clínicas aquelas em que a equipe médica tem interesse em descobrir a doença ou evento que causou a morte do paciente. Isso era bastante comum em hospitais-escola e as salas de autópsias eram um local de grande aprendizado. Era possível observar o grau de acometimento hepático em um quadro de insuficiência cardíaca, por exemplo, “ao vivo” e à cores, o que nem sempre era agradável. A integração dos orgãos e a forma como se comportam frente a uma doença é, talvez, uma das melhores formas de “raciocínio integrativo”, tão em falta na medicina hoje. As autópsias médico-legais são aquelas que visam descobrir como alguém foi assassinado e sob quais condições. Essas têm aumentado e até se transformado em séries de TV (CSI, por exemplo).
Chamo a atenção para dois fatos. Dado que Gaddafi aparece em um vídeo, capturado e vivo, e, depois em um outro vídeo, já morto, faz levantar fortes suspeitas de que tenha sido assassinado em cativeiro. Péssimo se for verdade. Segundo, uma pergunta: a quem interessa ou não interessa a autópsia de Gaddafi? É uma autópsia médico-legal, sem dúvida. Dessas que o mundo está fazendo cada vez mais. Há quem não queira a autópsia dos dois lados da guerra, perdedores e vencedores. Os perdedores têm medo de macular o corpo de um líder quase divino da Líbia. Os vencedores têm medo de quê?
A ideia de que a autópsia possa macular o corpo (e talvez o espírito) de alguém é muito forte. Há religiões que proibem a violação do cadáver, como a judaica. No Brasil, a demora na realização do procedimento e a desfiguração do corpo são os principais argumentos. Esta última, não se justifica absolutamente porque os procedimentos são realizados de forma a não causar nenhum tipo de mutilação visível. Quanto à demora e o atraso nos funerais, sou obrigado a concordar.
Gaddafi foi assassinado, provavelmente não em consequência de uma resistência à prisão e seu corpo está exposto em um frigorífico onde as pessoas (inclusive crianças) podem entrar e fotografar. Imagens detalhadas com orifícios de armas de fogo foram divulgadas na rede. Gaddafi já foi autopsiado. É mais um caso de autópsia moral que tem o corpo foucaultiano como palco dos poderes que se nos perpassam. Isso faz muito mal à autópsia como procedimento médico. E, por isso, faz mal à medicina; e sendo a medicina uma forma de humanidade, para a humanidade, em geral, faz muito mal também.
Conversa de Médico
Um diálogo (quase) real entre um clínico e um cirurgião. Para entender mais detalhes, comece lendo aqui. Encontram-se nos corredores de um grande hospital. Um chama o outro para tomar um café necessário àquela altura da tarde, quando o cansaço começa a atravessar a noção de risco …
Clínico (gaiato): – A cirurgia vai acabar, hehe – e toma um gole de café esfumaçante.
Cirurgião (sem mudar o semblante): – Magina. Isso é o que vocês, clínicos, querem.
Clínico: – Veja o que aconteceu com a cirurgia cardíaca. Hoje, cirurgião cardíaco só opera os casos muito complicados. Com a chegada da cardiologia intervencionista houve uma redução drástica do número de procedimentos cardíacos abertos. Hoje é tudo minimamente invasivo. Tudo por cateter.
Cirurgião (sorrindo): – É verdade. Mas não tem como não operar. Estamos ainda no século dos cirurgiões!
Clínico: – Pra você ver como a medicina está atrasada… Mas já melhoramos. Antes, vocês operavam úlcera péptica. Aí, os “clínicos” inventaram uma medicação que, tomada pela boca, na forma de um comprimidinho inofensivo, cura a úlcera e vocês ficaram a ver navios.
Cirurgião: – Nada. Aí, nós “inventamos” a cirurgia para obesidade, hehe.
Clínico: – Verdade. Mas, vamos inventar um remédio que faça emagrecer definitivamente, pode ter certeza.
Cirurgião: – Não duvido. Até lá, estarei aposentado. Prefiro assim que ficar enrolando os pacientes como vocês clínicos fazem.
Clínico: – Enrolar ?! Nós não enrolamos ninguém!
Cirurgião: – Ah, não enrola? Tá bom. Então me diz quando foi a última vez que você escreveu num resumo de alta hospitalar que o paciente estava curado? Vocês só marcam o melhorado e o óbito.
Clínico: Buscando pela memória. Volta-se com olhar frustrado. Quando ia balbuciar algo é interrompido pelo interlocutor que cresce à medida que toma o controle do debate.
Cirurgião: – Não é possível curar alguém sem tirar alguma coisa, emendar alguma coisa ou desentupir alguma coisa no organismo da pessoa. Conscientize-se disso.
Clínico: – Pode ser. O problema é que a cirurgia deve ser encarada como uma forma de tratamento como outras que existem. Há o tratamento endoscópico, o medicamentoso e o cirúrgico, por exemplo. O grande problema da cirurgia, pensando dessa forma, é o conflito de interesse entre quem prescreve o tratamento e quem o realiza. São a mesma pessoa!
Cirurgião: (um pouco surpreso com o contragolpe) – É por essa razão que temos que indicar bem as cirurgias.
Clínico: – Claro. Mas o problema é irredutível. O julgamento clínico estará para sempre comprometido pelo fato de que quem decide é quem faz. Algumas especialidades e alguns grupos passaram a decisão de operar ou não para equipes multiespecialidades, com clínicos e profissionais não-médicos inclusive. Alguns grupos de transplantes, por exemplo, são assim.
Segue-se um momento de pequeno silêncio. Ambos com as xícaras coladas aos lábios e com olhar perdido em pensamentos.
Clínico: – Se eu tiver uma apendicite, VOCÊ me opera, Ok? Laparoscopia. Sem pedir tomografia, hehe.
Cirurgião: – Ok. Mais três cafés e a conta!
Clínico: – Epa! Você vai ter arritmia de novo, hein? hahaha
Cirurgião (pagando a conta): – Tenho um bom clínico… – e piscou o olho para o ortopedista que acabara de chegar.
Coagulação e Defesa II
O sangue humano pode ser considerado um “orgão” especializado em várias funções. Duas das mais importantes são o transporte de oxigênio/nutrientes e a imunidade. O sangue é constituído pelo plasma e pelos chamados elementos figurados, células típicas de seu “tecido”. São 3 os tipos básicos de células sanguíneas: as vermelhas ou eritrócitos, as brancas ou leucócitos e as plaquetas ou trombócitos. Os eritrócitos dão a cor vermelha de nosso sangue por conter uma metaloproteína – cujo metal é o ferro – chamada hemoglobina. Ela tem uma afinidade especial pelo oxigênio que permite tanto transportá-lo como também, descarregá-lo com facilidade aos tecidos.
As células brancas também têm suas subdivisões e são um universo à parte. É importante ressaltar aqui seu papel na defesa do organismo. A defesa ou imunidade pode ser dividida em celular e humoral. A celular sendo caracterizada pela luta “corpo-a-corpo” das células contra os invasores e a humoral, caracterizada pela produção de anticorpos que, por sua vez, têm muitas funções, desde facilitar o englobamento de uma partícula fazendo com que uma célula fagocitária a enxergue, até abrir buracos em paredes celulares, “explodindo” osmoticamente os invasores, entre outras. As diferentes linhagens de leucócitos são especializadas em cada uma dessas funções e subfunções, muitas das quais podem ser descritas em capítulos sobre “inflamação”.
As plaquetas são fragmentos citoplasmáticos (nome bonito para “cacos” de células) de uma grande célula chamada megacariócito. Elas desempenham um papel muito importante na coagulação, participando tanto de seu início como da formação do coágulo final. Não é à toa que muitas medicações têm sido desenvolvidas com intuito de modular a ação das plaquetas e com isso, controlar vários processos patológicos. (A mais famosa e antiga dessas drogas é a aspirina.)
~ ~ o ~ ~
Pois bem. Esta pequena introdução serve para dar uma breve ideia da complexidade de um sistema como o que é constituído pelo sangue. Tal complexidade se dá pelo número enorme e pela especialização das funções de cada um dos componentes hematológicos. Apesar de descrevermos com cada vez mais acurácia o papel de cada um desses elementos, uma abordagem evolutiva aplicada levanta questões bastante interessantes. Sabe-se que cadeias de enzimas chamadas proteases da serina desempenham papeis variados ao longo da “escala evolutiva”. A cascata da coagulação desempenha, juntamente com as plaquetas e os vasos, um papel muito importante na hemostasia. A cascata do complemento pertence ao que chamamos de imunidade inata, automática e “on board” dos seres vivos. Mas as semelhanças entre os dois sistemas é grande demais para considerarmos apenas uma coincidência. Estudos filogenéticos sugerem que se desenvolveram por volta de 400 milhões de anos atrás a partir de um origem ancestral comum dos eucariotos. Tanto a coagulação como o sistema do complemento parecem dividir uma evolução convergente com sistemas tão diferentes como o desenvolvimento embrionário da Drosophila e o sistema imunológico de um bicho muito esquisito chamado de caranguejo-ferradura – Limulus polyphemus (foto abaixo).
Esse “fóssil-vivo” parece estar perambulando pelas praias do hemisfério norte por pelo menos 100 milhões de anos, praticamente inalterado. Tem sangue azul. Isso porque a metaloproteinase responsável pelo transporte de oxigênio é a hemocianina, que tem o cobre no lugar do ferro da hemoglobina dos mamíferos. Além disso, ao contrário da profusão de células e funções especializadas, o sangue do límulo só tem um tipo morfológico de célula. Essa célula faz-tudo tem uma maneira muito especial de defender o organismo contra invasão de bactérias ou algas portadoras de uma toxina chamada lipopolissacáride (LPS): ela coagula o invasor. Figura abaixo (daqui).
O límulo não tem sistema do complemento, glóbulos brancos ou vermelhos (nem mesmo azuis!). Tem um sistema de coagulação que serve primariamente para cicatrizar lesões e permitir que não exanguine-se em traumas e que é, também, utilizado para defesa. Seria esse o “elo perdido” das cascatas? Será que isso ocorre também em mamíferos? É o que tentarei mostrar no terceiro e último post da série.
Referência
1. Akbar-John et al. 2010. Journal of Applied Sciences, 10: 1930-1936.
Coagulação e Defesa
É conhecido o fato de que sistemas bastante específicos presentes nos mamíferos se mostrem rudimentares – e frequentemente com outras funções – em animais mais antigos na “escala filogenética evolutiva”, um fenômeno chamado de exaptação. Um exemplo que eu gosto de usar é o da bexiga natatória dos peixes que acabou funcionando como pulmão “mais tarde”. Contar esse tipo de história é sempre muito bom porque nos ajuda a entender uma série de fenômenos “inexplicados” além de nos oferecer insights para propor novas teorias sobre o funcionamento dos organismos e, no caso específico da ciência médica, a criar formas de intervir nas doenças.
Nos últimos anos, a coagulação humana vem sofrendo um repaginada radical. São modificações de uma teoria que não deu conta de explicar a coagulação em uma série de situações, em especial, a do paciente que sofre de cirrose hepática. A coagulação é uma cascata, tipo efeito dominó, de pré-enzimas e enzimas e que catalizam a formação de outras enzimas que, ao fim e ao cabo, transformarão a protrombina em trombina. A trombina polimeriza a proteína fibrilar chamada de fibrinogênio transformando-a em sua forma reticular chamada de fibrina. Esta rede segura células e tudo o mais do sangue formando o coágulo (ver figura ao lado).
Classicamente, os pacientes cirróticos eram considerados hemorrágicos em potencial, dado que a grande maioria das enzimas da coagulação – chamadas de fatores – são produzidos pelo fígado. De fato, o paciente portador de insuficiência hepática crônica (cirrose) tem várias situações clínicas nas quais pode sangrar abundantemente, pondo sua vida em risco. O que a teoria não explicava é que os cirróticos podiam apresentar, não infrequentemente, eventos trombóticos, aqueles nos quais o sangue coagula no interior de vasos, sem uma razão aparente. Como, se fatores são faltantes e o indivíduo apresenta uma tendência “natural” a sangrar?
Em 1964, dois grupos independentemente publicaram um artigo na Nature e um na Science propondo a sequência de ativações que originou a cascata em formato de Y, com as vias intrínseca e extrínseca, da forma como a utilizamos até hoje.
O problema todo é que esses esquemas (veja vários aqui) foram propostos para situações in vitro, ou seja, de laboratório. Nenhum dos esquemas, é incrível!, tem uma única célula desenhada. Como pode qualquer coisa dentro de um organismo multicelular ocorrer a revelia das células? No entanto, eles têm sido utilizados pelos médicos para entender a coagulação humana e, pior, para tratar seus distúrbios e também predizer se um indivíduo apresentará ou não um sangramento importante durante uma cirurgia, por exemplo.
Foi então, que Maureane Hoffman e Dougald Monroe III propuseram a Teoria Celular da Coagulação em 2001. Essa abordagem dá conta de explicar fenômenos nos cirróticos porque chama a atenção para outros mecanismos de compensação presentes nesses pacientes, tão importantes quanto os próprios fatores de coagulação, no sentido de preservar a hemostasia (capacidade de não sangrar até a morte em resposta a traumas banais).
A Teoria Celular da Coagulação me chamou a atenção para a semelhança entre coagulação e imunidade celular e eu descobri algumas coisas bastante interessantes que ficarão para o próximo post.
HOFFMAN, M., & MONROE, D. (2007). Coagulation 2006: A Modern View of Hemostasis Hematology/Oncology Clinics of North America, 21 (1), 1-11 DOI: 10.1016/j.hoc.2006.11.004
Baixo
A década de 70 teve a fase áurea da Motown nos EUA e alguns desdobramentos no Brasil. Dizem que Hyldon “Na Rua, na Chuva, na Fazenda”, no começo dos anos 70, tinha uma banda com o Cassiano “Estou Ficando Velho e Acabado” chamada Os Diagonais. Depois que Os Diagonais acabaram, Hyldon foi aos EUA e de lá voltou com um disco do Earth, Wind & Fire e pôs para Caetano Veloso ouvir. Ele ouviu e gostou. Pegou a banda Black Rio, que já fazia um baita som misturando soul e samba, e gravou “Odara”, uma música MPB com a levada impressionante do baixo funk de Jamil Joanes. Check it out
Aqui mais um som da Black Rio – Maria Fumaça – ao vivo. Com repinique, guitarra com som de cuíca e Jamil slapeando aos 1:28, atrás. O baixo é groove total e o som, de uma atualidade impressionante.
O baixo elétrico e o contra-baixo são instrumentos grandes, de cordas pesadas. Fazer um solo com um trambolho desses não é uma coisa muito simples: o baixo não foi feito para solar. Por isso, um solo de baixo é inusitado e chique. Diria até, sensual.
Um dos baixistas mais “interessantes” do momento é uma moça. Seu nome Tal Wilkenfeld. Rapaz, esse solo com Jeff Beck no Crossroads é de arrepiar. A música chama-se Cause We’ve Ended as Lovers.
Aproveitei pra pegar dois papeis de parede do vídeo, evidenciando a performance maravilhosa que fez até o mito JB curvar-se – presentes do grande amigo DRH – e disponibilizo aos amantes do baixo.
Repare na mãozinha em contraste com o baixo!
Dali e o Reducionismo Genético
A medicina sofre com as tensões da ciência médica como sofre uma mãe com as eternas brigas e discussões de seus filhos. A ciência que embasa a medicina pode ser, grosso modo, dividida em seus domínios de atuação: laboratórios, pacientes e populações. As divisões não são estanques como se poderia imaginar e há, na verdade, uma transição progressiva de um domínio para o outro com áreas de sobreposição, como mostra a figura abaixo, que não canso de utilizar em aulas, discussões e posts.
Acredito que medicina vive hoje sob o jugo dos estudos populacionais por uma série de razões que não vêm ao caso agora (para ler mais, veja Certezas Médicas, e a série sobre o Risco) e isso também tem lá seus efeitos colaterais. Mas, o segundo lugar é que está uma briga de foice. Os estudos focados em laboratórios (experimental) e pacientes (investigação clínica) têm se engalfinhado em tentar mostrar quem trouxe mais contribuições para a ciência médica. Nos últimos anos, os estudos experimentais têm ganho de goleada. Agências fomentadoras têm diminuído verbas para pesquisas em fisiologia humana que, aliás, tem sido chamada pejorativamente de Paleo-fisiologia, em detrimento à Biologia Molecular. Ao redor do mundo, departamentos de fisiologia foram trocando de nome, os velhos professores de fisiologia foram se aposentando e dando lugar a pesquisadores cada vez mais voltados para a revolução dos “Omics“.
Os fisiologistas resmungam. Taxam os biólogos moleculares de reducionistas e de, por isso, perderem a noção do todo. Na edição de setembro do Journal Applied Physiology, uma das cartilhas ideológicas dos fisiologistas, um artigo interessante foi publicado [1] (e me foi rapidamente enviado por um amigo que sabe que eu gosto do assunto). O autor começa dizendo que o reducionismo, com os vários sabores da biologia molecular, falhou em possibilitar a tão prometida revolução na medicina clínica. A assim chamada “ortopedia biomolecular” – doença => gene defeituoso => conserta o gene => cura a doença – não teve o sucesso previsto. Atribui isso ao desprezo da biologia molecular à regulação e à homeostase.
A fisiologia, como toda ciência decente, tem sua metafísica. Ela se chama homeostase. Homeostase é um conceito difícil de captar (como todo conceito metafísico) e é preciso adquiri-lo no escuro. De posse dele, o mundo maravilhoso da fisiologia se abre para você. Em 1865 Claude Bernard escreveu na “Introdução à Medicina Experimental” – livro que funda a ciência médica do século XX – que a “constância milieu intérieur era uma condição essencial à vida livre”. Mas a palavra-conceito ainda não existia. Coube ao fisiologista americano Walter Cannon num artigo do Physiological Review de julho de 1929, impressionado com a “sabedoria do corpo” (título de um livro seu publicado anos depois, veja se não é metafísico isso!), cunhar a palavra homeostase a partir de radicais gregos, significando “permanecer o mesmo”. Tendo uma origem assim, tão nobre e fundacional, não era de se estranhar uma legião de seguidores e adoradores. Em que pese a quase “sacrossantidade” do termo, a homeostase rendeu (e rende ainda!) importantes desdobramentos científicos pois, com ela, elucidaram-se uma miríade infindável de mecanismos reguladores do funcionamento dos organismos vivos, tantos e com tal sucesso, que a fisiologia sentiu-se poderosa o suficiente para permitir-se teleologizar. Mas isso é uma história que conto outro dia.
O autor do artigo em questão, após citar vários exemplos onde conceitos fisiológicos levaram a conclusões contraintuitivas e a modelos bastante frutíferos, argumenta ao final se biologia molecular e fisiologia não poderiam funcionar como instrumentos um do outro. Conclui afirmando que a biologia molecular não quer ou não pode executar essa ideia, mas que à fisiologia (…) it is possible to incorporate reductionist tools in a physiological context to gain broader biomedical insights, indicando uma possível superioridade de uma abordagem em relação à outra.
A medicina é, por natureza, integrativa. Uma máxima conhecida (e implantada tal qual um chip em nossos cérebros) é a de sempre tentar atribuir a sintomatologia de um paciente a apenas uma doença. Um tipo de navalha de Ockham hipocrática. Isso, necessariamente, implica uma interrelação entre orgãos e funções, em especial nas doenças sistêmicas. O agrupamento de sintomas concorrentes em sindromes levou à descoberta de vários mecanismos fisiopatológicos únicos. Há doenças nas quais a abordagem fisiológica é imprescindível. Exemplos, Sindrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), a via final comum de uma série de insultos que terminam em lesão pulmonar grave. Há outras, entretanto, que só descobrimos com abordagens epidemiológicas e aqui se incluem os fatores de risco, entre eles a hipertensão e o tabagismo, como causadores de problemas. Por muitos anos, a terapia de reposição hormonal em mulheres pós-menopausadas foi recomendada por “fazer sentido” biologicamente. Estudos populacionais mostraram que, contraintuitivamente, ela acabava fazendo mais mal que bem da forma como estava sendo prescrita.
Defeitos nos genes não são doenças. Em geral, ocorre o contrário. Temos a doença e vamos atrás de uma causa genética. Em muitas encontramos os defeitos donde surgiu, então, a promessa de consertá-los para curar as doenças e que acabou não se cumprindo. O artigo foi publicado nas várias revistas da American Physiological Society ao mesmo tempo e é acompanhado de um editorial [2]. Nele, os autores reforçam o papel “translacional” (como traduzir isso?) da fisiologia. Esta, por sua vez, seria a forma essencial de haurir dos genes algo que fizesse sentido em medicina clínica. Eu ainda acho que genes podem contar uma história evolutiva da nossa espécie que seria – e vem sendo – muito importante para a medicina. De qualquer forma, concordo que o pensamento reducionista, ao menos na medicina, não se basta. É preciso pensar num todo funcionante, com o risco de, em caso contrário, transformarmos os pacientes nos homens-gaveta de Dali.
[1] Joyner, M. (2011). Giant sucking sound: can physiology fill the intellectual void left by the reductionists? Journal of Applied Physiology, 111 (2), 335-342 DOI: 10.1152/japplphysiol.00565.2011
[2] Peter D. Wagner and David J. Paterson. Am J Physiol Heart Circ Physiol, September , 2011; 301 (3): H627-H628. Published online before print July 2011, doi: 10.1152/ajpheart.00649.2011
Manifesto Ateológico
Casa nova. Cara nova. Gente nova no espaço. Talvez seja um momento interessante para reforçar algumas ideias. Com Onfray.
Meu ateísmo é tripartide. É, antes de mais nada, um anti-platonismo. Uma economia brutal de imaginação. Um artificialismo rossetiano. Por que não “propor-se o prazer, a felicidade, a utilidade comum, o contrato jubiloso”? Por que não “compor com o corpo em vez de propor detestá-lo”?; compreender paixões e pulsões, desejos e emoções, em vez de extirpá-los num dilaceramento de si. Para quê uma outra vida, uma outra história, um outro sentido? O sentido é esse mesmo que você sente; não há outro. Por que não, apenas e tão sómente, um puro prazer de existir?
Meu ateísmo é, também, uma anti-ciência. Anti-ciência dos fariseus, anti-ciência como mito da sociedade moderna com a resposta para todas as dúvidas e anseios da besta humana. Contra a figura ascética e monástica do cientista-sacerdote, único caminho para a Verdade. Contra o proselitismo pagão. A vontade de saber é apenas um outro afeto humano, apesar de ser o mais potente deles. Não compreender isso, é não saber. É ser um “ateu cristão”. É acreditar nas formas divinizadas da natureza, do homem, da história e do mundo.
Meu ateísmo, por fim, é uma Não-Crença e não uma “crença no não”. É uma vigilância metafísica. É a reafirmação da vida, estética, elegante, ética, atômica. É a encarnação do viver aqui e agora. É o morrer heróico, como a morte de um leão.
O Paradoxo da Homofilia
Não errei, não. Não quis me referir à doença hematológica que faz com que seu portador necessite transfusões de
hemoderivados hemocomponentes frequentes. Vou, na verdade, falar sobre outra doença, essa talvez mais grave, mais prevalente, mais vil…
Por detrás da manchete, “apenas” mais um caso de agressão a uma “bichinha”. Chamou minha atenção, o fato de o agredido trabalhar na área da Saúde. Talvez por essa razão, minha máquina de esquecer não tenha funcionado direito e remoí esse fato alguns meses até que uma outra estória me fez lembrar do que não tinha esquecido…
Como é de conhecimento dos poucos, porém altamente seletos leitores e leitoras deste blog, gasto ainda grande parte do meu tempo em unidades de terapia intensiva pelos hospitais da grande São Paulo. Tenho notado que a área da Saúde trata seus não-heterossexuais da mesma forma que outras áreas do mercado de trabalho “teoricamente” menos esclarecidas sobre as nuanças da sexualidade humana, a saber, com preconceito e violência. Tenho convivido com médicos, médicas, enfermeiras e enfermeiros, fisioterapeutas entre tantos outros profissionais da área da Saúde, aberta ou veladamente homossexuais, e tenho uma estória para o caso específico do homossexual masculino, levemente efeminado, denominado vulgarmente de “bichinha”, por vezes com o escárnio da pronúncia dos “S” entredentes.
Um homem de 54 anos, empresário bastante bem-sucedido, em um passeio motociclístico de sábado de manhã, bastante comum atualmente na cidade de São Paulo, sofreu um acidente relativamente grave. Fraturas de costelas, traumatismo raquimedular (lesão da coluna vertebral), múltiplas escoriações. Foi para UTI. Com o famigerado colar cervical, intubado e necessitando de ventilação mecânica, logo se recuperou. Jovem, não tinha nenhuma doença crônica associada. Na célula que ficou internado na UTI, o técnico de enfermagem da manhã foi sempre o mesmo. Um pouco mais de 20 anos, bem menos que 30. Gay desses que não deixam dúvida, porém sem ser afetado ou escrachado demais. Pelo menos durante o trabalho. Pelo contrário, a forma e o carinho como cuidava do corpo inerte, por vezes malcheiroso e grande do paciente acidentado transmitia extrema competência. Transparecia a todo o momento o treinamento recebido. Costumo dizer que um profissional começa-se a avaliar pela forma como veste-se com o uniforme. Quem trabalha direito tem um relação com o traje de trabalho, acaba encontrando um jeito de arrumar a touca ou vestir o avental, de deixar os óculos de proteção (chamamos tudo de EPI – equipamento de proteção individual) de um jeito próprio. As mesmas atividades são feitas com elegância particular e tudo isso junto, faz com que admiremos o profissional no exercício de suas funções. Assim era o rapaz. Medicações, banhos, eletrocardiogramas, mudanças de decúbito, instalação das dietas, tudo feito corretamente, com zelo e segurança. O paciente melhorou, acordou, saiu do ventilador, sentou na cama, tirou a sonda nasoenteral para alimentação e começou a receber dieta oral, nos 2 ou 3 dias subsequentes. Cheguei um dia à UTI e o rapaz estava dando uma sopinha, às colheradas, ao paciente. Me postei diante da cama e fiquei observando, satisfeito. Tinha que examiná-lo e questioná-lo sobre dores, falta de ar, etc, mas como estava quase no final, resolvi esperar e apreciar aquele momento de pequena felicidade (dizem até que a vida é feita destas pequenas felicidades!). Ao perceber, o técnico de enfermagem começou a falar, com seus trejeitos característicos, de como ele estava melhor, levantando o ânimo do paciente. Ao terminar a refeição, ele saiu do quarto e eu fiquei a sós com o paciente. Tirei o estetoscópio da parede e antes de posicioná-lo nos ouvidos o paciente disparou: “Pô, Dr! Que é que essa bichona tá fazendo aqui?”
Me senti mal, mas não consegui responder nada. Limitei a dizer que ele tinha sido cuidado, durante quase toda a internação, por aquele rapaz e que ele era muito competente. Agora, com toda essa violência estampada nas páginas de sítios e jornais, me ocorre novamente essa estória de intolerância.
É esse o paradoxo da homofilia. Homossexuais masculinos costumam ter um olhar diferenciado para o cuidar. Amam a espécie humana – sem preconceito de gênero – e aprendi a ver isso no meu trabalho, que, convenhamos, não é um parque de diversões. Peço a licença deste hibridismo, mas usei o homo- do latim que significa homem, anthropos (no grego), ser humano, junto com o sufixo grego –filia, afinidade por, gostar de, amar; e não o homo- grego (igual, o mesmo) pela exata força do trocadilho e pela estranheza que a expressão gera. Estranheza que me causa o fato de não entender como pode ser possível um homossexual que sofre um preconceito diuturno, eternas gozações e piadas de mau gosto, bullyings, agressões verbais ou físicas da sociedade em que está inserido, possa demonstrar um amor tão verdadeiro e engajado pela mesma espécie (Homo) que o maltrata. Paradoxo afetivo-linguístico, sem dúvida. Sem dúvida, um caso de homoafetividade.
A Náusea, A Fome e Ella
Volta e meia me deparo com pacientes precisando de tratamento para “enjoo”. Mais raramente (pois não sou pediatra), mães, esposas, avós, etc me pedem algo que “abra o apetite” de seus queridos anoréticos. Apesar de já ter notado que as medicações utilizadas para tratar náuseas e vômitos, quando administradas a pacientes sem tais sintomas, não despertavam o paladar, e vice-versa, pois remédios para “abrir o apetite” não são lá muito eficazes em tratar seres humanos nauseabundos; eu imaginava que a náusea era o exato oposto da fome e que nesse caminho, o indivíduo necessariamente passaria pela saciedade. Isso porque, para mim, era inadmissível alguém estando nauseado, sentir fome! Mas um amigo, médico, estando em tratamento para um câncer, me disse claramente que as náuseas causadas pelos quimioterápicos não atrapalhavam sua fome. Fiquei com isso na cabeça. Recentemente, por força de um procedimento e de medicamentos que tive que ingerir, tive a mesma sensação: estando totalmente nauseado, sendo capaz até de vomitar sem muita dificuldade caso fosse até o vaso, consegui comer nhoque! Descobri-me errado e tentarei esclarecer aqui alguns conceitos.
O que é náusea?
– É a sensação que normalmente precede o vômito, em geral referida na garganta ou na região epigástrica.
O que é “ânsia de vômito”? (em inglês retching)
– É a movimentação muscular involuntária que precede o ato de vomitar propriamente dito.
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O que é o ato de vomitar?
– É uma resposta autonômica, altamente organizada, mediada por uma complexa interação entre receptores, neuromediadores e a musculatura efetora, visando a ejeção do conteúdo gástrico. O vômito é considerado um mecanismo de defesa selecionado para nossa espécie. Muitos venenos naturais desencadeiam o vômito ao simples contato com a língua ou estômago.
O que é a fome?
– É a sensação que experimentamos quando necessitamos comer. É causada por contrações gástricas mediadas por hormônios liberados pelo hipotálamo, orgão do sistema nervoso central responsável pelo controle da fome e da saciedade. O hipotálamo é também responsável pelos mecanismos capazes de causar vômitos.
Nem todo mundo vomita pelas mesmas razões. Na verdade, existem 5 sindromes eméticas que podem estar sozinhas ou em conjunto fazendo com que uma pessoa apresente vômitos:
1. Toxinas na Luz Intestinal (quimioterapia, alimentos estragados, venenos)
2. Toxinas no Sangue (Área Postrema)
3. Doenças Intestinais (Gastrite, Diarreia, Pós-operatório)
4. Estímulos do sistema nervoso (medo, antecipação)
5. Doenças do labirinto (o orgão do equilíbrio)
Cada uma destas sindromes acaba estimulando principalmente uma ou mais das vias do intrincado mecanismo responsável pelo reflexo do vômito e isso tem grandes implicações terapêuticas visto que cada uma das vias têm um receptor farmacológico que lhe é mais específico e que pode ser bloqueado ou estimulado por medicações.
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É interessante notar que nem todas as sindromes eméticas causam náuseas, algumas provocando o que os médicos chamam de “vômitos em jato” que é exatamente o episódio de vômito não precedido por náusea ou “ânsia”, sem aviso prévio. A náusea parece ser um sintoma menos específico, mais sistêmico e que deve levar muito mais em consideração fatores relacionados ao córtex cerebral pois está bastante vinculada à vontade e à consciência. É possível nausear só de lembrar de determinadas situações, o que de fato acontecia com meu valente amigo médico, que só de passar pela rua onde recebia a quimioterapia, sentia-se mal. Sendo assim, fica mais fácil entender que a fome não é o oposto da náusea, talvez o seja da saciedade, mas isso é outra história.
Parece que Sartre tinha mesmo razão em relacionar a náusea a um sentimento existencialista de ilogicidade e incompreensão do mundo. Essa náusea sartreana só cedia com a música “Some of these days”. Eu a prefiro com Ella, musa de poderes curativos que deixo aos meus leitores para que não fiquem impregnados com o fel que escorre deste post…
O esquema acima foi modificado de Wender RH (2009). Do current antiemetic practices result in positive patient outcomes? Results of a new study. American journal of health-system pharmacy : AJHP : official journal of the American Society of Health-System Pharmacists, 66 (1 Suppl 1) PMID: 19106335
Princípio de Consolação Secular
Considero ter uma deficiência na prática médica: não sou muito bom em confortar as pessoas. Acho que vou muito bem quando dou notícias ruins – coisa que faço todos os dias há vários anos. Mas tenho dificuldades em consolar pessoas que perderam entes queridos. Confesso também, que meu ateísmo, nestas horas, me atrapalha um pouco. Tendo sempre a considerar que “tudo foi feito” e que “o paciente não sofreu”, mas às vezes, isto não basta: as pessoas querem algo mais. Esse “algo mais” é muitas vezes um conforto metafísico e este, eu não sou capaz de dar. As próprias pessoas às vezes verbalizam isto e acabo concordando com acenos beneplácitos de cabeça e sorrisos benevolentes. Outras vezes, parece ser suficiente tirar a culpa das pessoas. Filhos que há muito não viam os pais, esposas(os) separados pelo tempo em cuja relação há embutida a palavra “abandono”, mesmo que apenas no inconsciente de cada um. Para estas pessoas, uma frase do tipo “fique tranquilo(a), você fez tudo que estava ao seu alcance” tem, em geral, o efeito da cena do beijo do Cinema Paradiso: a explosão em um choro incontido e catártico que lhes expia a culpa e abre caminho para uma paz de espírito… Digo que gosto de fazer isso. Libertar alguém de uma culpa – seja ela justificada ou não, isto não nos cabe julgar – é sempre algo muito bom de se fazer.
Entretanto, conversando com uma moça muito querida e com um ex-padre (veja só), ambos muito fiéis à crença em Deus diga-se de passagem, tive um insight para um princípio de consolação secular que passo a partilhar com meus leitores. Gostaria de “testar” com os senhores(as) antes de usá-lo com meus pacientes. Obrigado pela compreensão.
Pense em uma pessoa. Esta pessoa tem, em você, dois tipos de representações principais: uma, quando você está com ela de fato. Você pode vê-la e tocá-la. Ouvir sua voz e conversar com ela sobre as mais variadas coisas. Pode partilhar com ela uma série de sentimentos, bons ou ruins, naquele momento em que vocês dividem o espaço e o tempo, ou seja, convivem, ou têm uma convivência. Outra representação é quando a pessoa está ausente. Esta é constituída pela memória mas, não é simplesmente memória de fatos ocorridos. É um tipo especial de memória que vem junto com sentimentos, bons ou ruins. À esta fórmula memória + sentimentos podemos dar o nome de vivências (sem o con-, veja que interessante a língua portuguesa aqui). As vivências não são simples fatos de nossas vidas. São ocorridos carregados de emoção que fazem com que nos lembremos de lugares – vivências que tivemos sózinhos – e/ou situações, eventos, aulas, festas, etc – vivências que compartilhamos com pessoas ou com uma pessoa. Se você pensar, vai encontrar pessoas com as quais suas vivências são mais importantes que a convivência que você tem com ela no momento. Incrível, né? Um indivíduo faz vibrar seu “aparelho emocional” de duas formas diferentes: ou ele está presente, ou não está presente. As emoções decorrentes dessa interação estão aí para serem sentidas e são muito parecidas. A esta sequência emocional causada por ausências e presenças somadas ao longo do eixo do tempo, alguns chamam de vida. Pelo menos alguns poetas…
O que acontece se e quando uma pessoa que a gente gosta morre. Vai embora apenas um dos tipos de representação. O outro pode continuar. Ou não. Não estou propondo aqui lembrarmos simplesmente dos mortos como forma de consolo. Este tipo de lembrança nos faz sofrer e costuma ser chamado de saudade e de fato, pode mesmo acontecer com quem ainda não morreu. A saudade pode ser entendida como um desejo da presença e, portanto, da convivência com a pessoa ausente. Esta impossibilidade racional nos faz sofrer irracionalmente. O exato oposto disto, a proposta seria manter e continuar a criar vivências com a pessoa ausente de modo a associá-la a eventos importantes (e porque não, felizes) permitindo uma lembrança futura na qual a representação dela estaria vinculada. Reconhece-se a impossibilidade de conviver mas preservam-se as vivências.
Isto é quase um diálogo com essa representação em nosso espírito e não é nenhuma loucura. Crianças fazem isso com muita facilidade. Talvez por esta habilidade em lidar com ausências preenchendo-as com imaginação viva de sentimentos, as crianças consigam ser felizes por longos períodos de tempo.
Foto daqui. Greta Garbo e Lew Ayres em The Kiss.
