O beco sem saída

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O resultado do concurso para professor adjunto na minha instituição na semana passada deixou clara para mim uma coisa: o meu enorme desalinho com rumo que a universidade está tomando. Ou que tomou. Ou que sempre teve, não sei mais. De qualquer forma, fico me perguntando como não percebi isso antes. Não creio que tenha sido um estudante idealista pra ficar cego contra algumas obviedades, e muito menos um adulto idealista: como é que me escapou então?
Meu problema não foi, ou não tem sido, com os candidatos. Meu problema é com as bancas, que insistem em perpetuar um sistema que ultrapassado, que claramente não funciona mais, ainda que todo mundo faça o maior esforço pra fazer de conta que sim.
Mas eu não quero insistir, nesse texto, no ponto do concurso; quero insistir no desalinho. As vezes, muitas vezes, fico me perguntando se é possível que apenas eu veja que tudo está errado, que nossos professores estão desmotivados e despreparados; que nossos alunos estão além disso, desatentos; que nossas pesquisas não tem impacto…
Você não concorda comigo? Eu aprendi cedo na minha vida acadêmica que a única coisa, talvez capaz de convencer pessoas inteligentes a mudar de opinião, são argumentos técnicos. Afinal, como diz o canastrão  da série de televisão CSI – Miami, Horatio Caine: – “Pessoas mentem, evidências não”.
E nesse caso as evidências são sólidas, consistentes e aterrorizantes
– Alunos entram na universidade sem conhecimentos fundamentais de diversas disciplinas
– Na região norte do país, menos de 1% dos professores do ensino fundamental tem graduação. Qualquer graduação, em qualquer área.
– Apenas 14% dos jovens brasileiros entre 19 e 24 anos estão na universidade (menos que a Bolívia e muito, muito menos que Argentina e Venezuela)
– índices de evasão em cursos da UFRJ variam entre 50 e 90%
– A produção científica no país cresceu mas ela não tem impacto
– Os alunos do CsF voltam para casa por falta de proficiência em inglês
– Professores com doutorado ocupam 2 faixas da pista + o acostamento + as duas faixas da contramão na hora do rush na saída do campus do Fundão.
– 85% dos CEOs no Brasil dizem que sua maior preocupação para o crescimento é a disponibilidade de recursos humanos de qualidade.
Poderia continuar com mais argumentos.
Enquanto pesquisas e mais pesquisas em neurociência e psicologia evolutiva mostram, consistentemente, que as metodologias de ensino tradicionais são ineficientes e impossíveis de serem aplicadas em escala; eu gostaria de entender porque professores pesquisadores se recusam a aplicar em sala de aula as verdades científicas que outros cientistas produzem. Deve ter a ver com o que Dan Pink fala na excelente palestra TED sobre porque nos recusamos a aplicar verdades cientificamente comprovadas na gestão de recursos humanos nas empresas,
Na verdade, não preciso de Dan Pink, eu sei a resposta: porque vai dar trabalho, porque quem era o melhor professor antes não será mais o melhor professor, porque vai custar caro, porque não queremos aceitar que estacamos fazendo errado em primeiro lugar.
Enquanto isso, nossos alunos continuam passando em branco pela universidade, chegando despreparados no mercado de trabalho e achando que fizemos a nossa parte porque ganhamos uma avaliação positiva depois de uma aula (ou um curso) ou porque um ou dois alunos deram uma resposta excelente em uma prova.
Será que ninguém vê que assim não vamos conseguir educar os milhões de jovens que precisamos para começar, apenas começar a retirar o atraso do Brasil nesse setor? Será que ninguém vê que esse bonde  caminha em
 um beco sem saída? Não, ninguém vê.
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A tese sobre a escrita da tese

Em um mundo saturado de informação, não basta mais o aluno ‘saber’. Ele precisa saber aprender e saber mostrar o que aprendeu também. Se não souber selecionar informação, se não souber ser preciso, conciso, coeso e coerente, não vai conseguir identificar o que importa do que não importa no mar de informação. E não vai conseguir responder uma pergunta de prova, montar uma apresentação para um processo de seleção, nem sobreviver a uma entrevista de emprego.

Para todos os alunos, a experiência mais comum de produção de conteúdo é a resposta de prova. Por mais namoradas que um cara tenha na vida, ele responderá muito mais questões de prova do que escreverá cartas de amor. Ainda assim, na escola ninguém ensina a gente a ‘responder’ o que o professor está perguntando, o que é uma habilidade tão importante quanto ‘saber’ o que o professor quer saber se a gente sabem ou não. Para alguns alunos, aqueles que chegaram na pós-graduação, as angústias da resposta da prova se multiplicam e se amplificam na hora de escrever a tese. Sim, porque não conheço nenhum curso de pós-graduação que ensine seus alunos a escreverem suas teses (da mesma forma que não ensinam os professores a avaliarem essas teses). É como se escrever fosse uma habilidade natural, com a qual a gente já nasce. Ou um talento, que quem tem está feito e quem não tem… está… perdido.

Com a ‘Oficina de Escrita Criativa em Ciência‘ nós temos tentado mostrar que escrever não é uma questão de talento, é uma questão de prática, porque envolve uma coisa que não se ensina mas se pratica, que é critério. Então pra melhorar a sua escrita você precisa primeiro querer escrever melhor e depois… escrever!

Mas ainda assim as pessoas tem dificuldade. Escrever, como disse a Bruna Surfistinha, ‘É uma questão de coragem’, coragem de se expor, coragem de errar. E muita gente não tem essa coragem. Mas ainda assim temos que escrever. Então nós criamos o ‘roteiro do bioletim‘ que deveria ajudar as pessoas a selecionar informação de uma maneira amigável. Com a experiência, descobrimos que nem com o roteiro do Bioletim as pessoas escrevem. Por mais que ele te ajude a organizar as idéias, ele não ajuda a diminuir o medo e ele não pratica por você: você ainda tem que buscar fontes, identificar seu público alvo, escrever, rescrever… dá trabalho.

A segunda constatação é que quem tenta escapar do trabalho… não escreve. Ou não escreve bem, o que, em um mundo saturado de informação, acaba dando no mesmo (porque ninguém vai ler). Essas pessoas não vêem valor no roteiro do Bioletim porque ele é um roteiro sem ser um guia. Ele te diz ‘o que’ tem de ser feito, mas não diz ‘como’. Ele estabelece limites (de seções, de tópicos, de número de parágrafos, de palavras por parágrafo), te ajuda a escrever um primeiro rascunho (que é a parte mais complicada para a maioria das pessoas) mas não há garantias de que você selecionou a informação corretamente e nem que o artigo produzido seja interessante. Ou que alguém vá querer ler. Nunca há garantia de que o resultado tenha sido bom.

As angustias vão se acumulando e quando você vê, está na hora de escrever a tal da tese e você não tem idéia do que fazer. Ou melhor, tem sim: quer escrever a tese da mesma forma que você ‘lê’ a tese. Você quer começar pela introdução, depois os objetivos… e terminar na discussão e nas conclusões. Na verdade, você senta no computador e quer escrever o título, fazer a folha de rosto e escrever os agradecimentos. E quer deixar as referências por último. TUDO ERRADO! Não é assim que se escreve uma tese. Quer dizer, pode até ser, mas é bem mais difícil, ainda que dê menos trabalho.

Ops, como é que pode ser mais difícil e dar menos trabalho?! Bom, leia aqui o texto “Foi o Google quem disse…’ pra saber porque um texto mais curto dá mais trabalho pra ser escrito. Quanto menos trabalho você coloca no texto, pior ele fica e mais tempo leva para ele ficar bom. De novo, não tem como fugir do trabalho para produzir um bom texto. Mas se você quer seguir a sua ‘intuição’ ou se quer ‘esperar a inspiração’ então boa sorte. Você vai precisar.

Mas se quer escrever uma boa tese, é assim que se faz:

  • Escreva um rascunho respondendo os ‘sete lugares do pensamento’ pra sua tese. Se você já fez a ‘Oficina de Escrita Criativa em Ciência’ vai ser fácil. Se não fez, você pode estudar alguns textos sobre o assunto que estão compilados no livro digital que nós produzimos para a oficina e tentar. Esse rascunho será o seu ‘mapa’ para escrever a tese mais rápido e melhor.  Vai te dar direção e permitir que você corrija desvios no caminho. Responda cada pergunta com uma frase de no máximo duas linhas. Você pode imprimir essa 1 página e colar na parede atrás do monitor do computador. Esse mapa será seu companheiro pelas próximas semanas.
  • DEPOIS (e só depois) de responder as sete perguntas dos lugares do pensamento, escreva uma versão reduzida, de 3 a 5 páginas, da sua tese. Essa versão é pra você contar a história da tese e não pra fazer um resumo dela. Conte como começou, qual foi o primeiro experimento, como você progrediu, o que aconteceu depois, quais foram os experimentos que se seguiram, o que você aprendeu, o que precisou estudar, o que descobriu… O mais importante nessa versão é que ela tenha começo meio e fim, ao invés de Introdução, M&M, Resultados e Discussão. Essa versão não servirá de base para a tese, mas vai te ajudar a criar um fio condutor para suas idéias que te ajudará enormemente durante a produção do manuscrito
  • Isso tudo você pode fazer mesmo antes de ter terminado todos os resultados. Mas para começar a escrever a tese mesmo, é importante ter todos os seus resultados (ou quase todos) prontos. Isso porque a tese, se começa a escrever pelos resultados.
    • Organize seus dados em tabelas e gráficos. Pode organizar os mesmos dados em tabelas e em gráficos para depois decidir qual deles permite uma compreensão melhor dos resultados. Nesse caso a primeira etapa é escolher qual gráfico é mais adequado para os seus dados.
    • Gráficos de barras são adequados para variáveis que ‘saem’ do zero e ‘chegam’ a um valor. Crescem ou decrescem. Valores pontuais, obtidos de replicas técnicas e biológicas, que são muito comuns em experimentos na área biomédica, devem ser representados por gráficos do tipo box-plot.
    • Não, nem tudo na vida é normal. Muito menos nos seus experimentos em laboratório. Se você não sabe muito bem o que está fazendo, então use boxes com mediana e quartis. Visualmente você já vai ter uma idéia a distribuição (normal ou não) de cada grupo de dados. E é justamente ai que, nesse grupo de dados, que deve ser testada distribuição a priori e não nos conjuntos de todos os dados para uma variável. Abre parênteses: Um erro comum é ‘agrupar’ todos os dados de uma variável (controle, tratado, tempos, réplicas) e avaliar a normalidade desse conjunto de dados. Isso está errado! Você tem que avaliar a normalidade em cada grupo de dados que será utilizado para calcular a média e o desvio padrão que serão utilizados para comparação entre esses grupos em um teste de hipótese. Como a maior parte das pessoas usa um n=3 para suas réplicas biológicas, são esses 3 míseros dados que devem ter a normalidade testada. Como você verá muitas vezes o software nem consegue fazer isso e se ele te diz que os dados são normais… não confie. Fecha parênteses
    • Se você não tem muita certeza do que está fazendo, use o teste não paramétrico U de Mann-Whitney para comparar qualquer dois grupos que te interessem e regressão de Sperman-Karber para ver a dependência entre duas variáveis contínuas. Se houver diferença mesmo, ela vai aparecer do mesmo jeito que na análise paramétrica usando média e desvio padrão, só que você não corre o risco de criar diferenças quando elas não existem, e nem de passar vergonha na hora que a banca te perguntar porque você usou uma coisa ou outra.
  • Depois dos resultados, escreva as conclusões. Em tópicos numerados, com base nos resultados como foram descritos acima.
  • Depois das conclusões, os Objetivos. Também em tópicos identificados por letras.
  • Associe os objetivos (letras) e as conclusões (números). Não pode ter objetivo sem conclusão ou conclusão sem objetivo. Todo objetivo deve ser respondido por (pelo menos) uma conclusão. Toda conclusão deve estar associada a pelo menos um objetivo.
    Volte ao mapa da tese e confira se objetivos e conclusões estão dentro dos sete lugares do pensamento. Faca ajustes no ‘mapa’ se necessário (mas se o seu mapa foi bem feito, é mais provável que você tenha que fazer ajustes nos seus objetivos e conclusões).
  • Faça um mapa conceitual da sua introdução. Mapas conceituais são uma técnica que ainda não tratamos na oficina de escrita, mas que você pode estudar um pouco sobre ela aqui. Ela ajuda a identificar os os núcleos conceituais que devem estar na introdução, e que são aqueles necessários para que o leitor entenda os objetivos, os métodos e os resultados do seu trabalho. Abre parênteses: Você não precisa dizer tudo para o leitor: defina quais as ‘ lacunas’ você espera que o leitor preencha e quais você vai preencher pra ele. Não trate o leitor como burro: se ele já deve saber alguma coisa, ou se é de domínio publico, você não precisa dizer. Lembre-se também que seu público, na tese, é limitado e especializado. Fecha parênteses.
  • Faça outro mapa conceitual para a discussão. O mapa conceitual ajuda a estabelecer relações, filtrar informação e sair da confusão geral da cabeça. Te permite também corrigir depois o texto corrido.
  • Na discussão, seus resultados vem SEMPRE primeiro. Levantamento bibliográfico é pra ser feito na introdução. Na discussão, discutimos o SEU dado, e não tudo que já foi feito no mundo.
    Abre parênteses: a discussão é um delicado equilíbrio entre o que os seus dados deixam e o que eles não deixam você dizer. Até onde a evidencia permite que você vá e até onde você e eu permitiremos que a especulação vá. Além dos resultados, isso será avaliado na tese.dizer menos do que os dados permitem, não extraindo conclusões, é ruim, talvez até pior, do que expectar e inferir sem lastro experimental e estatístico. Fecha parênteses.
  • E os dados mais importantes vêm sempre antes dos dados menos importantes.
  • Pronto. Agora você pode fazer todo o resto, que é escrever sumário, resumo, referências, título.

Fazer desse jeito vai te dar trabalho, mas te garanto que você não ficará nenhum dia olhando para o computador perdido sem saber que fazer. As correções serão menores também. Se você ainda tiver alguma dúvida, dê uma olhada no post ‘check-list‘, onde eu já discuti quais os critérios que um aluno deve usar para saber se a tese dele está ‘pronta’ para a defesa.

"Conclusões extraordinárias necessitam de evidências extraordinárias"

ResearchBlogging.orgO Mono Lake, na Califórnia, onde encontraram a GFAJ-1

Não poderia ter vindo em um momento melhor. Depois de passar uma manhã frustante na avaliação de alunos em um processo de seleção, vejo a matéria que saiu hoje na Scientific American sobre a refutação do artigo da Science onde um grupo de pesquisadores americanos da NASA e da USGS haviam apresentado uma bactéria que pode crescer na ausência de fósforo (um dos pilares da química da vida, presente no DNA, no ATP e em tudo mais que você puder imaginar) usando como substituto Arsênico (que é altamente tóxico).

“Uma nova química da vida”, “bactérias extra-terrestres”… foi dito de tudo sobre esse artigo, que foi até capa de jornais importantes no mundo todo. Mas a única coisa certa no texto (que você pode acessar no link abaixo) é que a única razão plausível para a Science aceitar publicar essa pesquisa era o sensacionalismo associado a ela.

“Extraordinary claims require extraordinary evidence” disse o astrônomo Carl Sagan numa de suas mais famosas citações na série Cosmos. E foi justamente isso que chamou minha atenção hoje no processo de seleção em que participei como examinador: Nenhum, eu disse NENHUM dos candidatos usou sequer um segundo do seu tempo para apresentar um desenho experimental (ou amostral) que mostrasse conhecimento (ou preocupação) com a comprovação das importantes e interessantes propostas que estavam fazendo. É por isso que o artigo de Ioannidis de 2005, “Porque a maior parte das descobertas científicas publicadas é falsa” continua sendo um campeão de downloads da revista PLoS Medicine: ele mostra como o desconhecimento de estatística (a busca por associações significativas e a confusão com relações de causalidade) além de interpretações tendenciosas de dados, levam a falsas conclusões em grande parte dos estudos médicos publicados nos últimos 15 anos. É por isso também que meu pai fica perdido quando lê nos jornais, a cada semana, uma notícia diferente sobre os benefícios disso ou daquilo. O problema não é da ciência, é da política científica. Mas os cientistas, jovens ou não tão jovens, estão embarcando nessa politicagem por medo de não conseguirem um lugar ao sol da acadêmia.

E para mostrar que existem alternativas a politicagem, a própria responsável pelo estudo que refutou o artigo da Science, a microbiologista Rosie Redfield da Universidade de British Columbia no Canadá, não seguiu o mainstream e ao invés de esperar a finalização dos seus estudos para submetê-los ao subvertido crivo de uma revista indexada de alto impacto, publicou seus resultados (na verdade todo o seu caderno de protocolo), dia a dia, em um blog aberto a todo mundo. Vejam que ela não deixou de submeter seus achados a comunidade acadêmica: ela só desmereceu o supervalorizado e tendencioso crivo das revistas científicas de alto impacto (como o da própria Science onde o artigo inicial foi publicado). Uma reportagem da prestigiosa Nature disse . O blog é sensacional, mas não seria se a PESQUISA não fosse sensacional!

Não é a primeira que os blogs são utilizados para divulgar pesquisa científica de qualidade: no surto de infecção da bactéria #EAEC (entero-aggregative E. coli) que matou milhares de pessoas na Alemanha no ano passado, cientistas chineses publicavam dia a dia novas sequencias do genoma da bactéria conforme elas iam sendo produzidas em sequenciadores de bancada de última geração. A reportagem na Nature traz outros exemplos.

Mas pesquisa de qualidade, que possa ser publicada em blogs de acesso livre para toda a comunidade científica, começam com um exame criterioso da sua plausabilidade, com a formulação cuidadosa de uma hipótese e com um mais cuidadoso ainda desenho experimental (ou amostral).

Wolfe-Simon, F., Blum, J., Kulp, T., Gordon, G., Hoeft, S., Pett-Ridge, J., Stolz, J., Webb, S., Weber, P., Davies, P., Anbar, A., & Oremland, R. (2010). A Bacterium That Can Grow by Using Arsenic Instead of Phosphorus Science, 332 (6034), 1163-1166 DOI: 10.1126/science.1197258

 Ioannidis, J. (2005). Why Most Published Research Findings Are False PLoS Medicine, 2 (8) DOI: 10.1371/journal.pmed.0020124

Riqueza ou Criatividade

ZF – Quanto custou isto?
GL – A economia do futuro é meio diferente. Não existe dinheiro no século 24.
ZF – Não existe dinheiro? Então, você não é pago?
GL – A aquisição de fortuna não é mais uma motivação para nós.
GL – Procuramos nos aperfeiçoar… e ao resto da humanidade.

Todo ano escrevo um post de retrospectiva, para fechar o ano. Esse ano resolvi escrever um post de perspectiva, para abri o ano. Um com uma perspectiva ampla.

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Esse diálogo, entre o excêntrico personagem Zefram Cochrane (interpretado por James Cromwell) e o engenheiro Geordi La Forge (interpretado por LeVar Burton) me marcou profundamente quando assisti Jornada nas Estrelas: O primeiro contato em 1996. Ele construíra a primeira nave da humanidade capaz de fazer a ‘dobra espacial’ (viajar a velocidade da luz), a Phoenix, a partir de um antigo míssil nuclear, tendo se tornado um ícone em toda galáxia, com universidades, cidades e até mesmo planetas com o seu nome. No entanto, sua única motivação para criar o mecanismo que nos deixaria ir “audaciosamente onde nenhum homem jamais esteve“, era… ficar rico. A ideia (será que algum dia vou me acostumar a escrever ideia sem acento?) de que o acumulo de riqueza não deveria mais ser um objetivo a ser perseguido era incrível, simplesmente, porque o acumulo de riqueza não faz o menor sentido como estratégia evolutiva.

Ela está no centro da questão do aquecimento global e das mudanças climáticas. No centro da questão da poluição. Vocês sabem que a minha opinião sobre esses assuntos é contoversa. Para mim, a resposta para os problemas foi dada e eu gosto de duas em especial que considero representativas: Jacques Cousteau, quando defendeu na conferência das nações unidas para o meio ambiente de 1992 no Rio de Janeiro o controle da natalidade como forma de defesa do meio ambiente: “O pavio ligado à explosão populacional já está queimando. Nós temos menos de dez anos para apagá-lo. É preciso uma mobilização mundial para evitar o big-bang populacional.” Ele foi um dos poucos a ter coragem de pronunciar o termo ‘controle da população humana’ já que a igreja católica havia, meio que proibido, que o tema fosse tratado na conferência. Também gosto muito do excelente artigo de Slesser de 1993, que mostra que apenas a redução no consumo é capaz de reduzir as emissões de CO2 para a atmosfera:

“Tornou-se cada vez mais claro para nós que, para alcançar a sustentabilidade, seria necessário uma troca entre consumo, índices de crescimento e o que nós fazemos com nossa riqueza.” “(…) estimular de forma tanto nuclear como renovável (altamente solar) a energia e reduzir ponderadamente o consumo a um crescimento de não mais de 0.05% ao ano acima investimento em crescimento industrial [permite o] crescimento do setor de serviços (2%). E Funciona! [Lentamente] mas funciona. Logo no início do século podemos observar declínios na produção de dióxido de carbono (…) [com] padrão e qualidade de vida (produção de setor de terciário) mantidos bem altos.”

A idéia pode parecer moderna, quase ficção científica, mas não é: os atenienses foram os primeiros a propor e experimentar uma sociedade onde a busca da riqueza material não era um objetivo. Platão e Aristóteles foram os primeiros primeiros a registrar essas idéias no papel.

“Poucos milhares de homens, que povoaram por algumas dezenas de anos uma região praticamente estéril, que viveram vidas breves e inseguras, em bairros imundos, em casas desconfortáveis, ainda assim, permitiram a sua espécie – a espécie humana – um salto de qualidade todavia não superado seja pela criatividade política e social que pela criatividade estética e especulativa” diz o sociólogo Domenico de Masi no livro “Criatividade” – cuja leitura até o final é uma das minhas resoluções de ano novo.

“A filosofia, a matemática, a teoria musical, as ciências naturais, a medicina finalmente desvinculada da magia, a ética, a política, a estória, a geografia, a psicologia, a anatomia, a botânica a zoologia, a física, a biologia fizeram mais progresso teórico naqueles 100 anos do que nos milhares de séculos precedentes.” completa de Masi.

(A Escola de Atenas, de Raffaello)

É verdade que Aristóteles, em seu ‘Tratado da política‘ defendia que alguns homens haviam nascidos para serem escravos. Se conseguirmos nos desvencilhar do problema moral para seguir a lógica de Aristóteles veremos que ela está correta: “Não é possível praticar as virtudes da política conduzindo a vida de um operário, de um assalariado… Nós chamamos trabalhos operários aqueles que modificam a disposição do corpo  e os trabalhos remunerados que impedem a elevação e a facilidade de espírito”. Imagino que muitos estejam se remexendo nas cadeiras enquanto lêem isso porque provavelmente o significado dos termos ‘política’, ‘operário’, ‘assalariado’ para nós tem significados diferentes. Mas Domenico de Masi lembra que 2000 anos depois, na obra prima de Tocqueville ‘Democracia na América’, o mesmo pensamento reaparece, talvez de forma mais palatável para nossos dias: “Quando um operário se dedica continuamente e unicamente a fabricação de apenas um objeto, termina por desenvolver este trabalho com destreza singular, mas perde, ao mesmo tempo, a faculdade geral de aplicação do seu espírito na direção do trabalho. Ele se torna cada dia mais hábil e menos industrioso e, se se pode dizer, o homem se degrada a cada passo que o operário se aperfeiçoa.”

Aristóteles considerava que, entre os diversos tipos de trabalho, “os mais mecânicos eram aqueles que deformavam o corpo, os mais servis aqueles que se fundamentam somente no uso do corpo e os mais ignóbeis aqueles que requerem um mínimo de capacidade espiritual.” Para ele “devem ser considerados ignóbeis todas as obras, profissões e ensinamentos que rendam inadequados as obras e ações da virtude, o corpo ou a inteligência do homem livre. Portanto, todos os trabalhos que prejudicam as boas condições do corpo devem ser chamados de ignóbeis, como também os trabalhos assalariados, porque privam a mente do ócio e a fazem pequena”.

 Apesar do que você pode pensar, Aristóteles não apreciava ou encorajava a preguiça, a ociosidade a apatia ou a inércia. Muito pelo contrário! De Masi diz que Aristóteles acreditava na nobreza do trabalho intelectual que acontecia nos limites entre o estudo e o jogo, na excelência da reflexão filosófica e na atividade mental que se exprime através da política e da arte. O que de Masi chama de ‘Ócio Criativo’.

Mas como é possível dedicar-se ao ócio criativo sem morrer de fome?

Para Aristóteles e para os ‘clássicos’ a resposta é simples: “Acima de tudo, é preciso reduzir ao mínimo o desejo por objetos e serviços, de todos os supérfluos bens materiais. De luxo, isto é, ostentação de riqueza, é até desnecessário dizer; a verdadeira habilidade é a razão e o único verdadeiro luxo é a sabedoria. Reduzida a necessidade de bens materiais, se reduz também a necessidade de trabalhadores.”   

Vivemos em um mundo em crise, onde só a criatividade pode nos salvar da bancarrota. Mas enquanto estivermos preocupados em comprar o último modelo de iPhone, com uma assistente pessoal que não fala português e não entende os seus comandos de voz (além de fazer julgamentos morais sobre suas perguntas) não podemos pensar em soluções criativas para os problemas que temos e teremos de enfrentar. E continuaremos produzindo gases do efeito estufa.

Slesser, M. (1993). Is an environmentally sustainable future for the European Community compatible with continued growth: carbon dioxide and the management of greed Science of The Total Environment, 129 (1-2), 191-203 DOI: 10.1016/0048-9697(93)90170-B

Diário de um biólogo – Sexta, 01/07/2011 – Blues Etílicos

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O que faz pessoas se reencontrarem depois de mais de 20 anos e descobrirem coisas em comum? Qualidade e Critério.
Mas me deixem começar do começo.
Três da tarde e eu entro em sala de aula. O ar-condicionado está desligado por causa da greve dos funcionários e o humor dos alunos não é o melhor. Ou seria o meu? Não, não estava de mau humor, só estava com pressa. Mas a aula era sobre homeostase, tema que tem grande potencial para uma boa aula, e isso me animou a respirara fundo e começar.
O potencial vem dos conceitos de fisiologia e toxicologia que trabalhamos como dose, limite, tolerância, resistência e resiliência. São conceitos importantes no nosso dia-a-dia e para toda vida. É fácil sair com algum exemplo que tire os alunos do torpor do último tempo de aula do dia e da semana. E me faça esquecer por duas horas que não tenho nada pronto para o super jantar que tenho de oferecer hoje a noite.
Quando falo sobre toxicologia é inevitável provocar os alunos com exemplos de substâncias entorpecentes. Sem dar um julgamento moral, discutimos como se metaboliza o THC e o Etanol. Acho que foi a leve dor de cabeça de fundo, fruto da ressaca e das poucas horas dormidas depois do reencontro na noite anterior com amigos do colégio que não via há mais de 20 anos, que me fez usar o álcool como exemplo. E deve ter sido a expectativa da primeira cerveja do final de semana que fez os alunos adorarem.
“Quando uma substância é essencial ao correto desenvolvimento de um organismo, a sua ausência caracteriza o que chamamos de deficiência…”

Nossa… será que eu falo assim desse jeito?!
Quem acha que o álcool não é necessário ao correto desenvolvimento de um organismo não considera felicidade como um elemento de correção. Humprey Bogart dizia que o “o homem nasceu 3 doses de whisky abaixo do normal”. Ou terá sido o Vinícius de Morais? Impossível de determinar consultando o Google, mas foi assim que começamos.
A concentração aumenta e chegamos a um estado ideal. O Álcool é um depressor do sistema nervoso central, mas felizmente, em pequenas doses, a primeira coisa que ele deprime são os centros de controle, causando estimulação e desinibição.
Esse estado pode ser mantido ainda que a dose aumente consideravelmente por causa dos nossos mecanismos de homeostase. O principal é o mecanismos de destoxificação, que quebra o álcool em aldeído e mantém o efeito sob controle.
Nos livramos rápido do álcool convertendo ele em Acetoaldeído. Temos 3 formas de fazer isso. A princípal é a enzima álcool desidrogenase, a segunda é o citocromo P450 2E1 (CYP2E1) e a terceira é a enzima catalase. Porque você deveria saber isso? Não consigo pensar em nenhuma boa razão nesse momento. A verdade é que eu acho divertido saber o que acontece com a gente e com o corpo da gente, mas isso me faz muito nerd, e eu procuro guardar pra mim essas motivações. Ainda assim, eu poderia dizer, por exemplo, que a via secundária do CYP2E1 é indutível, o que explica porque as vezes você está mais, ou menos, sensível ao álcool. Porque as vezes você pode tomar 10 chopps e fica bem e outras toma apenas 1 e já está legal. Se você ficar muito tempo sem beber, seus CYP2E1 ficam em baixa, e pouco álcool já é suficiente para causar a desinibição. Se você bebe constantemente, acumula CYP2E1 e isso faz com que você precise consumir mais álcool para ter o mesmo efeito. Ou que os japoneses possuem uma variável polimórfica dessa enzima que é menos induzida e menos eficiente, e por isso eles têm menor tolerância ao álcool. Mas continua papo de Nerd.
Horas depois, jantando com meus amigos, usamos todas as nossas desidrogenases, citocromos e catalases, mas ainda assim faltou para dar conta do Prosseco Voldobiene, do Primitivo da Manduria, do Mastro da Campania, do Rust en Vrede…
E quando seus mecanismos de homeostase não conseguem dar mais conta de tanto álcool, outros atores entram em cena: os efeitos. A metabolização do álcool consome muita água, que desidrata o corpo, levando a dor de cabeça e ressecamento da pele. A tonteira e o enjôo vem do efeito no fígado, a euforia passa para depressão, a alegria vira agressividade, e por ai vai. Nesse momento foi ultrapassado o seu limite de resiliência e a ressaca no dia seguinte é inevitável. Não há Engove que te salve (ainda que consumir muita, muita água durante a bebedeira, possa ajudar muito). Nossa capacidade de julgamento também se foi e… que Deus te proteja da ressaca moral dos seus atos nesse período. Seus mecanismos de resistência entram em ação, para tentar adiar o coma alcoólico, que será inevitável se você não interromper a ingestão. E é uma ilusão que a Glicose na veia pode reverter esse processo. Em geral quem apaga por causa de bebida é porque não comeu nada, então é sempre bom dar um gás antes de mandar o infeliz pra casa.
“Aonde vou conseguir tomates maduros pra fazer molho as 6 da tarde de uma sexta-feira?” eu pensava enquanto respondia para um aluno que nunca poderemos abrir mão dos testes com animais porque não há como prever quais são os limites de tolerância e resiliência sem testá-los, forçá-los e ultrapassá-los. E por isso não podemos nos tornar quem somos, e não podemos desenvolver nossos critérios, sem uma ou outra ressaca. Física e moral.
IMG_1366.jpgSaio da UFRJ e vou para COBAL, o único lugar que poderia salvar meu molho. Escolher os ingredientes certos é o que determina a qualidade e o sucesso de um jantar. E é uma questão de critério. Seguir a receita depois, é mole. Dar o ponto certo na massa também requer critério. E foi isso que me fez voltar para a bancada e colocar mais farinha no impasto. Atrasou, mas ficou ótimo.
Sob a égide de Baco, e mais abençoados por Champagne que por Champagnat, falamos sobre limites, sobre tolerância, sobre dose, sobre resistência e resiliência, sobre as euforias e as ressacas que nos tornaram quem nós somos.
Terminamos com Limoncello, Barbera Chinato, Amarula e… chocolate.
E se a ressaca é inevitável… relaxa e goza.

Os titulares e os reservas

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“Por que você quer ser um titular?”
Foi a única pergunta que a banca repetiu a todos os candidatos do concurso para professor titular onde foi selecionado Stevens Rehen. Nenhum deles estava realmente preparado para essa pergunta e as respostas variaram de um pífio “porque eu tenho o perfíl” até tentativas mais objetivas, mas que demonstravam claramente a falta de familiaridade com a função mais privilegiada da universidade.
Passei os últimos dois dias me debatendo com essa pergunta, porque ao tentar formular qual seria a minha resposta, descobri que também não sei e-x-a-t-a-m-e-n-t-e o que faz um titular. Se eu paro e olho a minha volta para ver os exemplos que conheço, não consigo encontrar um padrão de atitudes que possa caracterizar a função. Não um que justifique o título.

  • Não os vejo organizarem eventos que divulguem o nome do instituto para a academia ou a sociedade, tanto nacional quanto internacionalmente; certamente não mais do que seus colegas adjuntos e associados.
  • Não os vejo trazerem projetos e recursos que ampliem o capital e as fontes de financiamento da instituição; pelo menos não mais do que seus colegas associados e adjuntos.
  • Não os vejo criando espaços físicos e recuperando infra-estrutura; definitivamente não mais do que seus colegas professores sem o título.
  • Não os vejo estimulando jovens talentos a ingressar na carreira ou a assumir grandes responsabilidades na vida acadêmica. Ao contrário da maioria dos seus colegas adjuntos e associados, muitas vezes os vemos tolindo esses jovens.
  • Não os vejo utilizarem seu título e prestígio para trazerem talentos reconhecidos, do nível de um laureado Nobel, para dar cursos e conferências. Nada além do que conseguem trazer seus colegas associados e adjuntos.
  • Não os vejo vendo o futuro, estabelecendo estratégias de ação, criando vias de desenvolvimento e mecanismo de gestão, reconhecendo novas oportunidades, estimulando competências; definitivamente não mais do que qualquer um de nós, professores mortais.

Eu queria um titular que fizesse isso. Mas não tenho.
O título de titular concede acesso a instâncias e discussões privilegiadas. Ser titular se tornou a principal forma de administrar e fazer política universitária, geralmente em causa própria ou do próprio feudo. Na melhor das hipóteses, visão se manter na frente na corrida com seus pares pela mais alta qualidade das produções científicas, ou cargos administrativos em colegiados superiores como a FINEP e o CNPq. Em uma outra hipótese… não fazem nada… e vão curtir o seu título em suas escrivaninhas ou em uma casa nas montanhas. A vaga de titular virou moeda de barganha política nos institutos e não mais parte de um programa para realizar uma missão institucional.
Esses titulares estão merecendo mais é ir para reserva.

Check-List

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“Tô cansado do meu cabelo, tô cansado da minha cara, tô cansado de coisa vulgar, tô cansado de coisa rara”
Eu sei, tô muito novo para estar cansado, mas me dá um desanimo cada vez que tenho que ler uma tese, participar de uma banca, seja de tese ou de seleção. Talvez esteja até irritado esses dias, porque esse é meu terceiro post amargo. Mas… se os Titãs puderam um dia, então eu também posso.
É o seguinte, tá na hora de fazermos uma mea culpa para podermos mudar o status quo e preparar essa garotada para o mundo cruel ai fora.
Somos, muitas vezes, condescendentes com nossos alunos menos favorecidos ou menos capazes, por que nos convém: nos ajudam no lab, sabem uma coisa que os outros não sabem e demorariam para aprender, estão com a gente a muito tempo e desenvolvemos um carinho paternal/maternal, ou pelo motivo menos nobre de todos: obedecem nossas ordens sem questionar. Uma maravilha!
Mas a verdade é que não estamos formando bons profissionais. Estamos formando bons alunos para seguirem sendo ‘nossos’ alunos. Sim, porque se eles saírem de nossos laboratórios para uma outra universidade ou para um emprego fora da academia… eles não tem a menor chance.
Ou vocês acham que um entrevistador da ‘Natura’, por exemplo, tem 20 min para cada candidato apresentar seu projeto? Aonde o candidato ainda ultrapassa os 20 min? Sendo que levou 18 min para chegar aos objetivos?
Como disse semana passada, eu ainda acho que eles estão seguindo um modelo. Que lhes foi passado, ou que eles deduziram, vendo outras teses, aulas e seminários. Mas que está equivocado. E nisso, ela tinha razão (assim como tinha razão em várias coisas, mas nunca conseguiu ficar tempo suficiente para descobrir isso). Modelos pré-estabelecidos não servem. São para preguiçosos e pessoas pouco inteligentes. O que nós precisamos é de um check-list.
Então vou propor um check-list defesa de tese, de projeto, de seminário, de entrevista. Assim, que me encontrar ou me convidar para uma banca daqui pra frente, não vai poder dizer que não estava avisado:

  1. Seu título não tem mais de 30 palavras? (Uma linha. No máximo duas. Título não é resumo)
  2. Seu resumo responde as perguntas: O que? Quem/Qual? Quando? Como? Onde? Por que? Para que? (na verdade TODO o seu texto, cada primeiro parágrafo de sessão, deveria responder essas perguntas)
  3. Suas palavras-chave Não são vagas? Elas repetem palavras do título?
  4. Sua introdução ocupa menos de 30% da sua apresentação/tese? Ela esclarece o que o leitor precisa saber para avaliar seus resultados? Ela não repete desnecessariamente informações que o seu leitor já possui?
  5. Sua apresentação tem um número de slides correspondente a, aproximadamente metade do seu tempo de apresentação? (se você gasta menos de 30 s em um slide, é provavel que a sua platéia não tenha entendido direito. Se você gasta mais de 2 min, ela está entediada com ele. em ambos os casos, o slide não cumpre seu papel. Na média, você deve levar 2 min por slide. Por isso, NÃO INSISTA e não coloque slides demais!)
  6. Seus slides estão abarrotados de informação? Suas figuras são grandes o suficiente para que que o leitor possa efetivamente ver a informação? (florzinhas são para alunos do 2o grau enfeitarem o orkut. Uma figura ilustra e explica. Ou ainda sensibiliza. Em ambos os casos, ela deve ser nítida. Não use mais que 6 itens por slide e não mais que duas frases por item. Mais que isso… sua platéia perdeu o fio da meada).
  7. Sua apresentação usa fundo escuro e letra clara? Seu poster usa fundo claro e letra escura? (por causa do brilho da tela do computador, ou projetor, devemos evitar fundos claros. Fundo azul e letra amarela dão a melhor relação contraste/legibilidade. Se você não sabe montar uma apresentação com uma combinação de cores e distribuição de espaço e tipos de letras, escolha uma pronta do PPT. Elas estão lá pra isso e muitas foram feitas por especialistas.
  8. Seus dados são normais? Sua estatística é não paramétrica? Seus gráficos mostram média ou mediana? Desvio padrão ou quartis? (se você não sabe isso, vá descobrir antes de apresentar seu trabalho para uma platéia)
  9. Seus gráficos com resultados comparativos tem eixos na mesma escala? Os eixos tem nomes? Dá pra ler os eixos?
  10. Você sabe que ‘significativo’ é um termo estatístico? Você sabe o que é erro do tipo I e erro do tipo II? Você sabe a diferença entre coeficiente de regressão e correlação? O que é uma variável independente? E a diferença entre significância estatística x biológica? (se não sabe… vá descobrir, de novo, antes de se apresentar em público. Mas já tá arriscado a ter que adiar a sua prévia. E aprenda o que é um gráfico box-plot, porque existe uma chance enorme dele ser o gráfico correto, e não um gráfico de barras).
  11. Seus objetivos batem com suas conclusões?
  12. Você treinou antes da sua apresentação? Falou para o espelho? Gravou você falando no MP3? Ouviu? Releu o seu trabalho? Releu em voz alta?
  13. Seu orientador leu seu trabalho? Tem certeza? Alguém mais leu? Você atendeu as sugestões dessas pessoas em cuja experiência/opinião confiou?
  14. Você não abusa das cores e ornamentos? O tamanho das letras é legível? Mas também não é grande demais?
  15. Você passou o corretor ortográfico? Pediu para alguém revisar o inglês? Escolheu um padrão para títulos e subtítulos? Escolheu um padrão para a bibliografia e manteve esse padrão?

É isso gente, 15 itens que podem salvar a sua tese. Pelo menos se eu estiver na banca. Claro, dado que você tenha feito um bom trabalho experimental e que saiba do que está falando. Se seguirem esse check-list, garanto que não vão passar vergonha. Nunca! E ainda podem sair com um título, uma vaga, ou um emprego.

Tal pai, tal filho

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Quando duas semnas atrás o prof. Juraci Alves me ligou para me convidar novamente para participar da banca de cconcurso para docente da Universidade Federal de Viçosa, eu não hesitei: desmarquei todos os compromissos e agendei a viagem para depois do primeiro jogo do Brasil.
Não tanto pelos atrativos de Viçosa que, devo dizer, não são muitos, mas pela hospitalidade mineira com que fui recebido da última vez que estive por lá (vejam aqui).
Fiz questão de seguir a dica da minha amiga Alexandra Pinedo, que morou lá por muitos anos, e fui comer o risoto da Coccinella na 5a feiura a noite. Quem me levou foi o prof. Og de Souza (sim, ele mesmo, o homem da densidade 0,12) com sua mulher a prof. Flávia da Silva e seus filhos, Pedro de 15 e João de 11 anos.
Mais uma vez foi uma noite divertidíssima, só que dessa vez, a estrela foi João (esse que aparece desenhando ai em cima).
Filho de peixe, peixinho é. Filhos de cientistas são certamente mais divertidos que os dos outros. Enquanto crianças de 11 anos estão doidas para ir conhecer a Disney, João sonha conhecer o LHC ou ‘Grande Colisor de Hadrons’, o maior acelerador de partículas do mundo que fica na Suiça. Provavelmente agora terá chance, já que seus pais estão saindo para um pósdoc na Inglaterra. Enquanto os adultos discutem as propriedades organolépticas do Cabernet Sauvignon chileno que pediram, ele desenha quietinho na mesa. O desenho é super divertido: Jesus Cristo pedindo uma cerveja.
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Quando chega o nosso risoto, de Palmito, Açafrão e Mozzarella de búfala, Flávia começa a contar da pergunta que o filho fez acordando em uma das frias manhãs da semana anterior:
“Mãe, se a Terra fosse partida ao meio e nós caíssemos na fenda, chegaríamos até o outro lado, ou ficaríamos suspensos no centro, atraídos pela força da gravidade?”
E você que temia que seu filho dessa idade pudesse perguntar sobre sexo…
Pedro, o irmão mais velho, que ao invés de se preocupar com roupas da moda e outras coisas de adolescente se orgulha de seus dedos “feios” (longos, magros e com grandes articulações, próprios para interação com o teclado do computador), rapidamente corrige o irmão:
“Seu mané, se caíssemos na fenda, ao passar pelo centro da Terra estaríamos cheios de momento linear e por isso passaríamos direto, mesmo atraídos para o centro pela gravidade”
João então rapidamente mudou a pergunta:
“Então vamos ficar quicando no vácuo, como uma bola, até pararmos no centro?”
Tava ficando complicado pra mim e, aproveitando as habilidades artísticas do menino, pedi pra ele desenhar.
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Vendo o desenho, o pai, bem lembra, que não existe mais centro, então não poderiam mais ser atraídos pela gravidade, e ai confunde a cabeça do menino.
Ai eu lembrei do filme “Síndrome da China”, onde um acidente em um reator de uma usina nuclear podería, hipoteticamente, ficar tão quente, que derreteria o solo e abriria um buraco que chegaria até a China. Se ai invés de ‘fatiar’ a Terra, fizéssemos um buraco como esse do filme, passando pelo centro da Terra, então o centro de gravidade não mudaria, e João poderia testar a sua teoria sobre a queda.
Enquanto terminávamos o prato do 2o risoto da noite (de Camarão com Gorgonzola) ele continuou desenhando, os adultos conversavam sobre os tempos de faculdade, e a quantidade de aulas perdidas fazendo atividades pouco produtivas como jogar truco, João continuava desenhando. Pensei que ele poderia estar pensando em como sabotar um reator nuclear para poder testar a sua teoria, mas ele estava só ilustrando a nossa conversa. Quando fomos embora pra casa eu ganhei de presente a minha caricatura.
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Dessa vez um dos candidatos foi aprovado no concurso e eu espero que eles arrumem outra desculpa qualquer para me convidar a Viçosa novamente.

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Densidade 0,12 ou como montar uma lista de convidados para uma festa

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Eu estou cada vez mais convencido: ciência se faz na biblioteca e na mesa de bar. Claro, no laboratório e no campo também. Mas nesses lugares a gente coleta dados, é na solidão da biblioteca ou na enfervescência da mesa de bar que eles viram informação e conhecimento.
Estou em Viçosa (MG) para participar de uma banca de concurso público para professor em Biofísica Ambiental. Confesso que vivi um conflito. Entre as aulas de duas disciplinas de pós-graduação e duas de graduação, encarar 11h de viagem em um intervalo de 50h não era o meu ideal de vida. Mas foi o primeiro convite que recebi para uma banca de concurso, o que nessa profissão é uma coisa importante, e eu não pude recusar.
Fui surpreendido por uma cidade menor, e uma universidade maior, do que eu imaginava; por um pão de queijo e um doce de leite maravilhosos, e por professores muito simpáticos.
Ontem a noite me levaram pra jantar no num barzinho bacana, o ‘Pau Brasil’, e depois da 3a cerveja, estávamos 4 professores contando histórias de faculdade, congressos e artigos. Não vou mentir pra vocês: era papo de NERD! As piadas eram feitas com uma mistura de carnaval em Piuma (ES) e aquaporina (uma proteína de membrana que permite a entrada organizada de água nas células); entre congestionamento de carros e metabolismo celular; ‘Pubs’ inlgeses e a teoria das supercordas; cidades turisticas e diversidade de gastrópodes em floresta tropical de altitude. Mas eu garanto, éramos a mesa mais divertidada do bar. Acho até que nossas gargalhadas estavam atrapalhando as outras pessoas. Aquelas normais.
E foi nesse clima que o prof. Og de Souza (sim, o nome dele é ó gê mesmo) falou da regra do 0,12. Segundo ele, para qualquer coisa, na verdade para qualquer agrupamento de organismos, a densidade ideal era 0,12. Fossem esses organismos bactérias, cupins, coelhos, cavalos ou pessoas. O 0,12 seria um número mágico! Mas cientistas não gostam de números mágicos e ele teve que explicar pra gente.
O Og trabalha com cupins e os vários artigos publicados em revistas internacionais de alto nível garantem que ele sabe do que está falando com relação a esses bichinhos. Os artigos dele mostram que a sobrevivência de cupins é até 5 vezes maior quando eles estão na densidade de 0,12 (densidade é uma grandeza adimensional e por isso não tem unidade), mesmo expostos a inseticidas, do que quando estão em densidades maiores ou menores que esse valor.
Mas porque?
Já na 6a garrafa de Original (ou era de Bohemia?), ele se indireitou na cadeira, como fazem as autoridades antes de falar, e, usando saches de Ketchup, começou a sua explicação:
“Cada organismo é capaz de interagir (trocar informação) de maneira ideal com 8 organismos ao seu redor” em um esquema que vocês podem observar na foto acima, tirada in loco.
“Se você colocar mais um indivíduo (representado pelos saches de ketchup) além desses 8, a informação terá de passar por um intermediário o que reduz a sua qualidade e a eficiência do processo”.
E continua “Se você tem menos de 8 organismos (e ele retira 3 saches vermelhos), perde vias de chegada de informação, e pode estar recebendo menos informação do que o necessário pra sua sobrevivência”.
A explicação já tinha sido clara o suficiente, mas ele estava empolgado: “Imagina que você está em um ônibus lotado. É mais fácil ou mais difícil falar com o motorista pra pedir pra descer?”
E foi com a aplicação desse tipo de raciocínio, que ele se propuseram a testar a teoria da densidade ótima de organismos humanos: em uma festa!
“Cada pessoa ocupa, em média, uma área de 0,25m2. Medimos o tamanho do salão e calculamos quantas pessoas seriam necessárias para que a área do sãlão dividida pela área ocupada pelos convidados fosse 0,12.”
Isso permitiria que cada pessoa pudesse interagir diretamente com outras 8, criando o ambiente mais favorável possível a trocas de informação. Fizeram a lista e chamaram os convidados. Como quase toda festa, ela começou meio mixuruca e depois foi melhorando. Um dos anfitriões ficava em pé em uma cadeira monitorando os convidados com dois aparelhos: um festodensitômetro* e um animofestômetro*
E batata! Na hora em que o festodensitômetro marcava 0,12 foi registrado o pico de animação no festoanimômetro!
Apesar desse ‘experimento’ ter sido conduzido na Inglaterra, os organizadores eram latinos e os convidados também. Isso quer dizer que cada convidado acreditava que o convite para a festa era extensivo a vários outros amigos, e rapidamente a densidade populacional começou a aumentar. O curioso foi que o efeito do aumento da densidade na festa foi similar aquele encontrado em agrupamentos de insetos: a segregação de grupos.
Quando a densidade aumenta, naturalmente grupos menores começam a se formar para que a interação e a troca de informação entre eles seja mais eficiênte.
Não tem nada de sociologia gente: é pura física (entropia) e biologia (efeitos dependentes da densidade).
Rapidamente peguei o telefone e liguei pra Cristine, que está organizando a melhor festa do ano, sua tradicional festa de aniversário, nessa 6a feira: “Alô?”; “Alô, oi, sou eu, qual é a metragem do seu apartamento?”
Chegamos a conclusão que com a lista dela a densidade está em 0,18. Na 6a feira levarei o festodensitômetro e o animofestômetro. Depois eu conto pra vocês como é que foi.
Miramontes, O., & DeSouza, O. (2008). Individual Basis for Collective Behaviour in the Termite,
Journal of Insect Science, 8 (22), 1-11 DOI: 10.1673/031.008.2201

* Festodensitômetro e animofestômetro são aparelhos fictícios para indicar a avaliação subjetiva da quantidade de pessoas e da animação delas na festa.

Diário de um biólogo – 5a feira 25/03/2010

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Eu sei que ninguém aguentava mais o texto do carnaval. Me desculpem a demora em atualizar o blog, mas o mês de início das aulas é sempre um mês complicado.
E vai continuar sendo complicado pelo próximo mês, mas eu tive que parar hoje pra contar uma coisa pra vocês: Adoro ser professor!
Ontem dei a primeira aula da disciplina Biofísica no curso de graduação em Biologia. E quando voltava pro laboratório, com as mãos e a camisa sujas de giz, que apesar da alta tecnologia nas apresentações que eu preparo e no site que controla o conteúdo, eu insisto em usar, eu sorria, feliz de ter dado uma boa aula. Feliz que ao final de duas horas continuava todo mundo dentro da sala (que é o maior desafio de um professor hoje em dia). Feliz com a certeza que os alunos saíram de lá sabendo coisas que eles não sabiam, sabendo onde buscar informação para saber mais, e tendo se divertido um pouco (que é outro grande desafio para o professor). Adoro ser professor!
Na sexta-feira da semana passada minha aluna Juliana Americo defendeu sua tese de mestrado, que estava um espetáculo, e que levou nota 10 e conceito A de ponta a ponta. A Juliana é uma aluna brilhante. Já era antes de entrar no laboratório 3 anos atrás, mas tenho certeza que o orientador dela ajudou a lapidar esse trabalho, principalmente na hora de colocar ele no papel. E por isso, enquanto a banca elogiava o manuscrito, eu ria de ponta a ponta, porque eu tinha cumprido bem o meu papel.
Adoro ser professor!

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