Diário de um Biólogo – 6a feira 03/08/07
Depois de almoçar 600g no quilo, fiquei terminando de corrigir as provas até a hora do evento do dia. A palestra do ministro da saúde José Gomes Temporão. A UFRJ ainda é um lugar onde coisas (um ministro vir falar) acontecem. Fico feliz de ser de lá. Sala cheia, presença do reitor (que não ficou pra palestra) e manifestação do sindicato.
O tema era Saúde, Cultura e Desenvolvimento. Ele mostrou um panorama da saúde, ou de como ele chama “complexo produtivo da saúde” muito claro, identificou os gargalos desse sistema, incluindo a dificuldade de produção de ciência e a transformação dessa ciência em tecnologia no país (o que todo mundo na universidade queria ouvir) e atacou os pontos que todos concordam com propostas também claras. Vindo do cara que, em menos de 5 meses de ministério (em um governo onde a média de permanência é de 9 meses), licenciou o Efavirenz, a gente tem definitivamente que dar um crédito pra ele. Terminou dizendo: “Não me importo de desagradar os outros porque não sou candidato a nada. Por mim estava dando aulas na Fiocruz, que é o que eu gosto de fazer. Mas se é pra ser ministro, é pra mudar alguma coisa”. Outro dia o Blog recebeu a indicação do Blog com tomates, sendo tomates, no português de portugal, sinônimo de culhões, que é sinônimo de coragem. Esse é um ministro com tomates!
De noite teve festa na Cris pelo aniversário da Ana. As conversas giraram em torno do habitual: diferenças entre homens e mulheres. Mas isso é pra ser discutido em outro texto.
Cuidado com o Oscar
Na música ‘Senhas’, Adriana Calcanhoto diz: “eu não gosto do bom gosto, eu não do bom senso, eu não gosto dos bons modos”.
Minha bronca aqui, vamos deixar bem claro, não com esse médico e a forma original que encontrou de chamar atenção. Minha bronca é com os jornalistas de todo mundo que deram ao artigo, uma simples curiosidade, destaque de descoberta científica das mais importantes.
“Mas será que é pelo cheiro que ele reconhece quem vai morrer?” Me pergunta minha tia durante o almoço de domingo. Penso então em todas as tias que estão, nesse momento, e a partir dele, acreditando nos poderes sobrenaturais do gato Oscar. E com aval da The New England Journal of Medicine!
O relato do dr Dosa, médico geriatra da unidade avançada de demência do Hospital de Rhode Island e professor assistente da Brown University nos EUA conta um dia na vida do gato mascote da instituição Oscar, que, segundo o autor, desde que foi adotado pelo staff há dois anos, previu acertadamente 25 mortes. Sua presença ao lado do leito de um paciente é considerada pelos diretores do hospital razão suficiente para que as enfermeiras notifiquem a família.
O relato segue assim: “Oscar passeia pelo corredor e observa Mrs P, que não é capaz de recordar a família que a visita diariamente, e que vive na área de demência à 3 anos, mas não lhe dá atenção. ‘Não chegou a sua hora'” As palavras na boca do gato é um dos artifícios utilizado pelo médico para angariar a atenção do leitor.
“Oscar para na porta do quarto 310, onde Mrs T, vítima terminal de um cruel de câncer de mama, dorme acompanhada da filha que lê um livro; e espera até que a porta seja aberta. ‘Olá Oscar‘ saúda a filha, mas Oscar apenas sobe no leito, cheira o ar e decide ir embora. ‘Ainda não chegou a sua hora também’.” Não sabemos se ficamos felizes ou sentimos pena da paciente terminal que precisa de altas doses de morfina (de acordo com o artigo) para passar os seus dias.
A história muda quando Oscar chega ao quarto 313. “Quando a enfermeira vem checar sua paciente e encontra o gato sentado ao lado de Mrs K, volta para sua mesa, checa o prontuário da paciente e começa a fazer telefonemas. Em meia hora começam a chegar os primeiros familiares e também o padre. Mrs K faz sua passagem com calma e tranqüilidade. O gato some após seu último suspiro, silenciosamente, sem que os familiares nem mesmo percebam.”
“Oscar volta para sua sala. Hoje não haverá mais mortes, porque no 3º andar, ninguém morre sem que Oscar faça uma visita antes” termina o relato do médico.
Não há charlatanismo. O relato fantasioso da conincidência observada pelo médico é certamente uma tentativa de aliviar a tristeza e as angústias daqueles que vivem ou que lidam, diariamente, com pacientes terminais. E que justamente por todo esse mérito, teve o reconhecimento da importante revista. No entanto, não podemos, em nenhum momento, deixar que a sensibilidade da história de Oscar confunda uma curiosidade com um fato científico. Minha bronca é, reitero, com os jornalistas que deturpam o fato para criar a notícia.
Diz uma recente pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia, que os jornalistas são os profissionais em que o povo brasileiro mais confia para se informar sobre ciência e tecnologia. Transformar um gato que passeia pelo corredor do setor de pacientes terminais em um gato que ‘reconhece a hora da morte’, e noticiar isso como verdade científica é fazer sensacionalismo. As consequencias imediatas para o povo podem parecer menores, mas em longo prazo…
Se não for suficiente para vocês que que as doenças terríveis, terminais, prolongadas, que afligem essas pessoas, sejam um presságio muito mais significativo que a presença de Oscar, então proponho duas simples verificações: A primeira testar as habilidades de Oscar fora do setor de pacientes terminais do instituto de demência geriátrica; e a segunda, observar quantos pacientes foram visitados por Oscar sem que nada acontecesse. Não acredito que o mito sobreviva após esses testes.
O maior mérito de Oscar é, como bem cita o artigo, o de fazer companhia àqueles que sem a sua presença, morreriam completamente só.
PS: Comente também no Roda de Ciência
De olhos bem fechados


Li uma vez que a razão pela qual nos lembramos sempre das coisas ruins, é justamente para não repeti-las. Uma memória seletiva, que favorece a armazenagem de más recordações, não está exatamente de acordo com nossas concepções atuais de qualidade de vida, mas certamente salvou a vida de muitos hominídeos milhares de anos atrás.
Ontem, no blog do Shridhar vi um texto sobre enzimas, baseado em um artigo científico da Nature onde os autores encontraram uma droga para acabar com o medo.
Já falei sobre o medo aqui. Como eu dizia, existem alguns tipos de medo e o tipo ao qual os autores se referem é o medo adquirido. Justamente essas ‘más recordações’ de que eu comecei falando.
Esses medos protegeram e ainda protegem muito a gente. Mas no mundo em que vivemos, eles também são o ponto de partida das neuroses. Medos fictícios ou medos desnecessários (que foram reais um dia mas que agora não tem mais razão de ser) e que se gravaram em nossas memórias e não conseguimos esquecer. Os autores comentam o óbvio exemplo dos ex-combatentes de guerra, que mesmo depois de voltarem pra casa, suspeitam que o inimigo esteja a espreita. Mas é um mal que, em diferentes graus, pode afligir todos nós.
No caso dos ratos do experimento, o medo em questão era o de tomar um choque elétrico (0,7 mA por 2 s) 3 min após ser colocado em um novo contexto. O medo era representado pelo comportamento de imobilização dos ratos quando expostos novamente ao mesmo contexto. Depois de tomar o choque elétrico, os animais começavam a perder o medo apenas depois da 6a vez que eram re-apresentados ao mesmo contexto sem tomar o choque. Uma injeção de Butirolactona I no cérebro dos bichos, fez com que eles perdessem o medo já na primeira vez que eram re-apresentados ao contexto.
Você vai abrir a porta da geladeira e toma um choque. Em seguida alguém pede para você abrir a porta da geladeira e você hesita porque sabe que pode tomar outro choque. Mas se esse alguém injetar Butirolactona I no seu cérebro, então você abrirá a porta da geladeira sem medo do choque. Impressionante, não?!
A mágica é feita em uma proteína quinase chamada CDK5. As quinases são proteínas que modificam outras proteínas pendurando um fosfato nelas, como se fosse um brinco, e que participam de reações em cadeia. Cascatas de reações onde uma proteína vai colocando um brinco de fosfato em outra, como uma forma de enviar mensagens de um lugar a outro na célula. A cascata da CDK5 começa em uma proteína G da membrana plasmática chamada Rac-I e vai até o alvo, a proteína PAK-1, uma proteína envolvida na remodelação do citoesqueleto de actina (as proteínas que servem de ossos) da célula. Fico difícil?! Vamos lá, o que PAK-1 faz é mudar algumas sinapses, as conexões entre dois neurônios, de lugar.
Quando alguma coisa ruim acontece, CDK5 é ativada e faz com que as sinapses se re-organizem. Sempre que aquela o contexto ruim reaparece, os impulsos nervosos percorrem o mesmo caminho e você é alertado por um medo adquirido. Esse medo contextual. Nos ratos, a droga impede o funcionamento da CDK5. Sem a ativação do alvo PAK-1 as sinapses parecem voltar para seus lugares originais e Shazan você perde o medo. O contexto não mais percorre a via das sinapses fora de lugar. O medo desaparece.
Só pra confirmar, os caras testaram ratinhos mutantes, onde uma dieta a base de doxicilina faz com que eles tenham uma super produção de CDK5, e os bichinhos não perdem o medo do choque nunca mais.
É um estudo lindo, mas eu acho que o problema é outro. O problema é o contexto! Colocamos a culpa no medo, quando o problema é que não somos capazes de reconhecermos as mudanças de contexto. E sentimos medo à toa. Se o contexto é diferente, não há porque achar que vem choque pela frente. Atacamos nossos medos com química, por que não conseguimos reconhecer as mudanças do mundo a nossa volta. Termina tudo doido! Não são nossos medos que nos deixam neuróticos, são nossos olhos fechados!
Sananbenesi, F., Fischer, A., Wang, X., Schrick, C., Neve, R., Radulovic, J., & Tsai, L. (2007). A hippocampal Cdk5 pathway regulates extinction of contextual fear Nature Neuroscience, 10 (8), 1012-1019 DOI: 10.1038/nn1943
O Banquete

A FLIP 2007 foi um banquete. E eu pequei pela gula!
A ironia de Will Self, o carisma de Ishmael Beah, a carioquice de Paulo Lins, a profundidade de J.M. Coetzee, a graça de Ana Maria Gonçalves, Ahdaf Soueif e Mia couto, a angustia de Alan Pauls, as leituras de Nelson rodrigues…
Era tudo imperdível e ao mesmo tempo, impossível assistir tudo (lamentei ter perdido o mexicano Guillermo Arriaga e o israelense Amós Oz). E me deparei com um velho dilema cada vez mais atual: Como acompanhar a incrível produção de conhecimentos do mundo contemporâneo?
Leopoldo de Meis escreveu sobre isso 10 anos atrás: “No século XVIII a biblioteca da universidade de Oxford era uma das maiores do mundo e dispunha de aproximadamente 200 volumes. Se um professor dessa universidade desejasse, nessa época, atualizar seus conhecimentos e se dedicasse à leitura oito horas diárias, lendo se a vinte páginas por hora e descansando aos sábados e domingos, em um ano poderia ler toda biblioteca da universidade”.
O texto segue mostrando que este professor teria então absorvido todo o conhecimento produzido no mundo sem precisar se preocupar com atualizações, pois o ritmo de produção de novos conhecimentos era muito lento. Ele continua mostrando que atualmente são publicados mais de 1 milhão de trabalhos científicos por ano. Apenas na área de bioquímica são 151 revistas que publicam 60.000 artigos por ano, send que só o Journal of Biological Chemistry publica em torno de 500 artigos por mês.
“Se um professor-pesquisador universitário de bioquímica desejar atualizar seus conhecimentos e for capaz de ler um artigo por hora, ler dez horas por dia, todos os dias do ano, incluindo sábados e domingos, então ao fim o ano terá lido somente 6% do que se publicou em bioquímica no período”.
E no ano seguinte terá de se esforçar para acompanhar a nova quantidade de material produzido, além de recuperar os 94% da produção do ano anterior que ele perdeu.
O resultado é uma inevitável especialização em uma área com a generalização dos conhecimentos nas outras. Isso parece que nos deixa com uma raiva do ‘banquete’ pra justificar o problema que na realidade é nosso: A gula!
O problema é que essa gula está desvirtuando a especialização, que é um fato inevitável dentro do sistema (no sentindo de sistema ecológico) e criando um fenômeno descrito por Andrew Oitke como ‘Obesidade Mental’.
Citando o autor: “Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem apenas doces e chocolate. Não se entende, então, como é que tantos educadores aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas”.
Ele continua: “O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades: Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos dizem que a Capela Sistina tem teto, mas ninguém suspeita para que é que ela serve. Todos acham que Saddam é mau e Mandella é bom, mas nem desconfiam porquê. Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto.”
Fico pensando que não li nem metade das coisas que acho que deveria ter lido. Não li a Ilíada, a Odisséia. e nem a Divina Comédia. E a cada ano que passa mais coisas vão ficando para trás. Ao mesmo tempo, sinto-me lar de tantas banalidades que inevitavelmente encontram seu caminho para dentro do meu cérebro. Eu também tenho meus ‘pneuzinhos mentais‘.
Um biscoito da sorte uma vez me disse: “Você pode ter muitas opiniões, mas isso não quer dizer que você saiba muita coisa”.
Numa das conversas de bar da FLIP, chegamos a conclusão que os sabichões acabam se isolando das relações humanas. Um contato importante com as outras pessoas é o “Isso eu não sei. Você pode me explicar?” Quem entende de tudo deve ser realmente um chato. Um chato solitário.
A gula, a gula é o problema. Acumular conhecimento nem sempre é acumular saber. Não enfiar o patê literário goela abaixo do cérebro ganso é se manter esbelto para permitir que nosso conteúdo vire foie gras de saber.
Assim podemos nos encontrar depois todos no bar pra saber das novidades!
Minha professora de ciências
Hoje inicio minha participação no grupo “Roda de ciência” um site onde blogueiros de ciência discutem diferentes assuntos através, cada um, de seu blog. O tema desse mês é “Ensino básico, criatividade, curiosidade” e algo me diz que essa pode ser minha primeira e última participação, porque minha opinião a esse respeito não é muito formal.
Me veio em mente a imagem da professora de ciências, falando de experiências dissecando girinos, contando histórias mas…Tenho discutido muito educação, por causa da minha participação nos projetos de capacitação de professores para educação a distância do CEDERJ e da UAB. Com as oficinas de escrita criativa, comandadas pela Sônia Rodrigues e de designe instrucional, comandadas pela Cristine Barreto, o que temos visto é o seguinte: A escola anda formatando o HD da moçada! Limpando o que existia antes e colocando um conteúdo padronizado. “Esquecemos que aprendemos a falar e a nos comunicar com o mundo contando histórias. Desaprendemos o modelo narrativo que tem funcionado por 25 séculos” como diz a Sonia; e passamos apenas a repetir um conteúdo imposto e programado. Estamos matando a criatividade e a fantasia.
Criatividade é um tema que eu adoro e investigo, mas o que eu tenho visto não me deixa muito animado. Vamos por partes:
Primeiro o livro didático. O Brasil deve ter um dos maiores programas de livros didáticos do mundo, ou alguém conhece outro país que distribui, todos os anos, quase 10 milhões de livros. O programa mantém ainda um sério comitê de avaliação da qualidade do conteúdo dos livros didáticos, que ainda assim, conseguem apenas, evitar grandes absurdos, como livros que propõe as crianças experimentos com facas, fogo e mutilações. Nossos livros estão longe de propor experiências e atividades criativas.
Depois a escola. Quando estive na Amazônia, dei aula em uma escola ribeirinha, uma casa de madeira, em palafitas, de apenas um cômodo, onde crianças de 2 a 12 anos têm aulas todas juntas, com um professor que tem apenas ensino médio. Essa escola, como muitas outras, não tem eletricidade e os alunos têm de percorrer, a pé ou em canoa, grandes distâncias para chegarem até lá. Não é a toa que uma das principais metas do PAC da educação é: eletrificar todas as escolas brasileiras. Gente… eletrificar! Imaginem quando poderemos pensar em levar água potável e esgoto…
Finalmente o professor. Recentemente, um grande amigo professor me contou a história do filho do caseiro, aluno muito deficiente no Rio de Janeiro, com alto índice de repetência, que por determinadas circunstâncias volta com a família para a cidade natal do nordeste, onde virou professor da escola da comunidade. Voltamos ao PAC da educação e a uma das suas outras metas: elevar o piso salarial dos professores de ensino médio para R$ 850,00 dentro de alguns anos.
A imagem da minha professora de ciências vem em mente como um grande romantismo que apenas um filho da classe média estabelecido como eu pode se dar ao luxo de ter. Apesar disso, não tenho nenhuma lembrança de pergunta instigante, que certamente teríamos dificuldade de encontrar mesmo dentro dos cursos de ciências das universidades hoje. A criatividade está morrendo dentro das escolas do ensino médio e dentro da universidade, condenada, até mesmo, pela obesidade intelectual que vivemos. É tanta informação a qual estamos expostos, e que temos de consumir, que não sobra espaço para pensarmos com independência. Para criar.
No seu tratado sobre criatividade, Domenico de Masi diz que as diferentes noções de paraíso dadas por cada cultura, em cada tempo, são uma das primeiras manifestações da criatividade humana. Desde um paraíso onde ninguém precisa trabalhar, até um paraíso onde as maquinas funcionam perfeitamente, passando por aqueles onde virgens exuberantes servem os homens por toda eternidade. Isso mostra o quanto o contexto social e ambiental é importante para o conhecimento criativo que é gerado por um determinado grupo de pessoas. Além disso, o autor defende que sem um ócio, que deveria ser cada vez mais permitido em função da capacidade das maquinas de realizarem o trabalho dos homens, não poderemos organizar as informações que recebemos do ambiente e integra-las, interagi-las de forma que novos conhecimentos criativos possam emergir.
Me volta a imagem das escolas da Amazônia. Com toda precariedade de infra-estrutura, as crianças tem dificuldade de realizar, como nossas pesquisas observaram, os mais básicos dos testes de QI. No entanto, sua habilidade manual para desenhar e modelar massa, além de criar brinquedos com os materiais que podem ser tirados da floresta, mostra que certamente elas são (tão, ou) mais criativas, do que qualquer criança urbana.
Quem tem de aprender com quem?
PS: Visite o Roda de Ciência e deixe lá seu comentário.
Alguém (se) importa
Depois do sucesso da apresentação pra comissão de importação de insumos para pesquisa em Sampa na 4a feira, saiu hoje na Folha de São Paulo uma matéria do Marcelo Leite (que estava presenta na reunião). O próximo passo é ver se os ministros da Saúde e da Ciência e Tecnologia se sensibilizam também.
Veja aqui a matéria “Cientistas despachantes “.
Diário de um Biólogo – 6a feira 29/06/07
Tudo está atrasado!
Cheguei atrasado na aula de sax e por isso sai atrasado e cheguei atrasado no Fundão. Quando comecei a tentar colocar em ordem minha vida acadêmica (o que significa corrigir todas as provas que tenho pra corrigir, despachar todos os pareceres que tenho pra despachar, escrever pelo menos uma linha nos artigos que tenho que escrever, etc) fui chamado pra assistir uma tese. Como os aeroportos estão em situação caótica, uma das pessoas da banca demorou e a tese atrasou. Voltei pro lab e não dava pra fazer mais nada. Então, como ninguém é de ferro, voltei pra comemoração da tese pra tomar uma cervejinha. Voltei pra casa mas cheguei atrasado na locadora.
Quando tudo parecia perdido, a Cris me fala que tem uma festa, num estúdio no Cosme Velho. Uns amigos dela, músicos, fazem essa festa de 6 em 6 meses. Se reúnem pra tocar pros amigos. Bom, entre eles está o guitarrista do Biquini Cavadão e o baixista da Fernanda Abreu. Ela hesitou por que caras não gostam que levem homem, mas eu fui duplamente cara de pau. Fui com a desculpa de ser músico também e ainda toquei meu sax tenor totalmente amador. Foi minha primeira incursão com profissionais. Foi tudo gravado e assim que eu tiver acesso ao filminho coloco aqui.
Obviamente não pude levar minha mãe na rodoviária as 7 da manhã do dia seguinte. Mas mãe entende!
Vai encarar?

No semestre que vem tenho de dar um curso sobre Evolução e como estou numa fase muito literata, comprei um livrinho pra estudar mais sobre “Sociobiologia“. Durante décadas esse foi um tema controverso em Biologia, porque sugere que os comportamentos sociais no mundo animal, incluindo o humano, teriam uma base genética (o autor, Edward O. Wilson, foi até mesmo acusado de Nazista, o que certamente é um exagero).
Já digo pra vocês que não sou muito adepto da Sociobiologia. Queria apenas saber mais sobre o assunto. E foi ai que me deparei com um dos principais temas do comportamento animal: A agressão!
Como a seleção natural sempre foi vista como a “luta pela sobrevivência” a agressão animal sempre teve um papel importante nessa luta. Depois, a visão da seleção foi mudando do “mais forte” para o “mais apto”, ou mais adaptado, e a agressão pode tomar várias formas menos violentas.
O maior problema é sempre a nossa visão romantizada dos eventos naturais e a nossa eterna necessidade de classificar tudo como certo ou errado. A agressão entre animais de espécies diferentes é aceitável, ou pelo menos compreensível, como nas relações predador-presa.
Abre parênteses: Isso me lembra meu primeiro dia de aula na universidade. Fomos todos da turma conhecer os diferentes laboratórios e acabamos chegando na herpetologia (estudo dos répteis) onde um estagiário estava alimentando as cobras no terrário. As meninas da turma logo se indignaram: “Oh…. pobre ratinho”. Seguiu-se então a explicação do estagiário sobre a pobre cobra, presa em cativeiro e que deveria, pelo menos, comer. Com o passar do tempo houve uma curiosa inversão. A cobra ia acompanhando o ratinho dentro do terrário e do lado de fora, todos, inclusive as meninas, passaram a torcer pela cobra. Fecha parênteses.
Já a luta entre animais da mesma espécies é menos aceita. Mas não por isso, quando a luta é intra-específica, acontece algo curioso: a ameaça é mais utilizada do que a agressão. Existe um ritual onde o mais fraco pode sempre dar sinal de conciliação, impedindo a agressão mortal do mais forte. Bem, parece que também existe uma contribuição, essa sim uma tendência genética, a um animal não gostar do sabor da carne de um companheiro da mesma espécie.
Mas o que determina qual o ponto da batalha onde se opta pela conciliação ou pela agressão mortal?
Quem melhor definiu isso foi um outro biólogo, brilhante, chamado Maynard Smith. Roberto Freire disse que “a maioria dos grandes criadores sinceros já sentiu e já comunicou essa sensação de estar sendo uma espécie de tradutor, de comunicador da linguagem do inconsciente coletivo que existe igualmente em todos nós, mas que eles especializaram em decifrar e comunicar. (…) Costumo dizer, com envergonhada honestidade ou com humilde paranóia, que todos os poemas de Fernando Pessoa são meus, como se ele apenas tivesse revelado em seus versos o que já estava pronto poeticamente em mim.” Maynard Smith colocou em teoria matemática o que eu já sabia há muito tempo, como bem já coloquei aqui no blog outras vezes: Não existe certo ou errado, apenas estratégias que sejam favoráveis em longo prazo. O nome que ele deu pra isso foi “Estratégia Evolutivas Estáveis (EEE)”, que podem ser avaliadas com base na “teoria dos jogos“.
Abre parênteses de novo: fiquei tão empolgado com o assunto que fiz uma coisa que meu amigo Edu faz muitas vezes, comprei a referência bibliográfica que o autor dá, pra começar a ler antes de terminar o primeiro livro. Tive que ir até a Amazon.com porque o “Evolution and the Game Theory” do Maynard Smith não tem no Brasil. Fecha parênteses.
Uma EEE é uma estratégia para qual não existe nenhuma outra “estratégia mutante” que possa dar mais sucesso. Funciona tanto no caso de uma partida de pôquer quanto para o sucesso reprodutivo. Não ficou claro o que é estratégia mutante? Ficou pensando nos X-men? Calma, acho que com o exemplo vai ficar mais claro.
Maynard ilustra sua teoria com dois personagens, que representam duas estratégias opostas de comportamento: O pombo e o gavião. Os gaviões lutam sempre, ferozmente, até que vençam ou sejam gravemente feridos. Os pombos lutam de forma ritualística, trocando ameaças até que um deles se canse e vá embora. Eles sempre se retiram antes do confronto.
Nenhuma dessas duas estratégias é uma EEE, pois um gavião sempre obteria mais sucesso reprodutivo em uma população de pombos e vice versa. Então qual é a melhor? Na verdade o melhor (e é o que acontece na natureza) é um equilíbrio entre as duas estratégias. Uma possível EEE seria que os animais da população apresentassem uma relação de 5:7 entre pombos e gaviões. Com a possibilidade de agressões ritualísticas inofensivas e agressões reais e mortais.
Mas é isso mesmo que a gente encontra na natureza? Esses são modelos simples que não incluem uma figura tipicamente carioca: O malandro! Aquele gavião que se finge de pombo pra atacar depois, ou o pombo que se finge de gavião e depois sai correndo.
Na verdade o próprio Maynard já havia descrito mais 3 estratégias além do gavião e o pombo: o atrevido, que se faz de gavião mas na verdade sai correndo como o pombo se o oponente é do tipo gavião; o retaliador, que se faz de pombo mas ataca como gavião se o oponente também o é; e o experimentador, que se comporta quase sempre como um retaliador, mas eventualmente pode começar atuando como gavião para testar a força do oponente.
O reino animal está cheio de exemplos que comprovam essas estratégias. Entre os humanos não é diferente. E ao que parece, somos até uma espécies pacífica (acho que quem escreveu isso não mora no Rio).
A teoria é tão bacana que até leva em conta a agressão não realizada nunca. Uma forma de guerra fria. O que conta para cada um dos opoentes é o tempo gasto durante a batalha. O tempo, com a gente bem sabe, é um bem precioso.
Em princípio, toda população vai ter um lutador de Jiu-Jitsu que se comporta como gavião (até encontrar um gavião com um “trêsoitão”). E sempre haverá um jovem que não sabe se defender, ou um animal doente, que se comportará como pombo. A questão é que nada disso está escrito nos seus genes. Ninguém nasce gavião ou pombo! Ou experimentador. Isso a gente aprende. Basta querer experimentar ser algo diferente do que a gente sempre foi.
Por isso, a não ser que você goste do gosto de sangue da mesma espécie, saber a hora de desistir e… abandonar a luta, ainda que você seja o mais forte, te devolve um bem muito precioso: seu tempo! Pena de quem não sabe reconhecer quem é da mesma espécie, e fica brigando até a morte à toa.
Inconformados!

Lembro-me de estar almoçando na casa de um professor carioca, quando morava na monótona Rio Grande, de perguntar pra ele, olhando a Lagoa dos Patos pela janelona do apê, como ele aguentava aquela cidade: ‘A gente acostuma’. Naquele momento descobri que eu era um inconformado! E que assim gostaria de permanecer. Não queria me acostumar à algo que fosse realmente ruim.
Foi na mesma época que eu aprendia fisiologia animal com o grande professor, Euclydes Santos (que hoje é advogado). A boca da Lagoa dos Patos é um estuário, aquela região salobra onde o rio encontra o mar, e que tem como principal característica mudar de uma hora pra outra. São ambientes instáveis, ainda que não sejam extremos (o polo norte é extremo, o Atacama é extremo!)
Para viver nesses ambientes, os organismos, tanto animais como plantas, tem de ter uma grande capacidade de adaptação as rápidas mudanças ambientais, já que, pelo menos duas vezes por dia, muda a maré e com ela todas as condições daquele ambiente. Essas adaptações eram a especialidade do Euclydes e o que eu aprendi com ele, uso até hoje. Até mesmo alguns dos textos, que já eram clássicos naqueles idos de 1995.
As duas principais estratégias de adaptação fisiológica são a regulação e a conformação.
Os reguladores são aqueles organismos que se esforçam (gastam energia) para manter o seu ambiente interno (o que incluí sangue, ou hemolinfa, citoplams, líquidos intersticiais…) com as mesmas características independentemente da variação do meio. Nós somos reguladores de muitos, muitos parâmetros fisiológicos. Nossa temperatura ideal sempre se mantém entre 35,5oC e 36,5oC independentemente de estar 15oC ou 40oC do lado de fora. O pH do nosso sangue ainda é mais restrito, não podendo se desviar nem mesmo dois décimos do seu valor de 7,2.
Os conformadores são aqueles animais que preferem não gastar energia para controlar o seu meio interno independentemente das váriações externas. Quando o meio ambiente muda, eles mudam junto. Alguns caranguejos que vivem na zona estuarina, ou mangue, deixam que a concentração de sáis na sua hemolinfa (o equivalente deles pro sangue) acompanhe a salinidade da água. Suas enzimas estão adaptadas a essa variação, que certamente não premite que elas trabalhem o tempo todo no seu ótimo, mas representa uma economia energática enorme!
Fisologicamente, os reguladores são uns inconformados. Preferem gastar energia para manter o seu organismo como gostam, ao invés de aceitar o que o meio ambiente lhes impõe. Para isso, é preciso que ele (organismo) restrinja suas ‘trocas’ com ele (ambiente). Assim as mudanças afetam menos. Claro que não dá pra ‘encerrar’ todas as trocas, senão, o ser (a gente) morre.
Já os ‘conformistas’, se o ambiente muda, eles mudam junto com ele. “Vão com a maré”, “Dançam conforme a música”! Só pra vocês verem o quanto isso é normal. Mas o conformismo também só funciona dentro de limites fisiológicos. Que podem variar de organismo para organismo. Ao de lá desses limites… o ser morre!
São duas estratégias diferentes e é difícil dizer qual é melhor. Como todas as estratégias, não podem ser avaliadas como certa ou errada, e sim como relação custo/benefício em longo prazo.
Mas uma coisa é certa, pras duas têm limite!
A realidade e a relatividade
Fui no CCBB ver o Veríssimo (, Luís Fernando) na “Oficina para escritores”. Cheguei mais de uma hora antes, mas a fila já dava voltas pelo salão. Sem chance! Então eu e o JP fomos ver a exposição ‘China Hoje’ e acabamos assistindo duas exposições paralelas sobre fotografia. A primeira tinha o nome do autor, o fotografo espanhol “Chema Madoz” e a segunda se chamava ‘Instantes de Felicidade’.
A primeira foto era do pioneiro Louis Jacques Daguerre. A primeira fotografia com uma figura humana: Um engraxate, que ficou na mesma posição tempo suficiente para ser capturado pela exposição de horas. Na foto, uma movimentada esquina de Paris aparecia vazia. Até esse momento, a foto não registrava o ‘instante’.
Eu devia estar com as palavras na cabeça, porque conforme via as fotos ia só vendo as diferenças entre a realidade e a realidade registrada na foto. E portanto, a relatividade da realidade.
Ao contrário do que podem pensar, a relatividade não é nova, nem foi concebida por Einstein. Galileu havia descrito a relatividade de um evento dependendo da posição de um observador (o clássico exemplo da bola de ping-pong quicando no mesmo lugar pra quem está em frente a mesa dentro do trem, mas formando arcos para quem vê desde o lado de fora, o trem passando). O que Einstein descreveu foi a relatividade especial, aquela que descreve os fenômenos ligados a luz. Tudo que acontece na velocidade da luz está sujeito a uma relatividade especial. E foi ai que ele descobriu a relatividade do tempo e do espaço.
Fotografia é um excelente exemplo de como ciência pode influenciar a vida das pessoas. Por exemplo, a arte, mas também todo o resto. Com a fotografia, a arte deixou de ser meramente representativa da realidade e pode partir para o abstrato. Ao mesmo tempo, foi a necessidade de retratar o real, exercida primeiramente pelo desenho e pela pintura, que motivou inicialmente Nicéphore Nièpce a explorar as possibilidades da fotossensibilidade. O tempo de exposição da fotografia diminuiu de horas para milésimos de segundo. E pudemos guardar o… instante. Para sempre! Depois, foi a fotografia que passou ao abstrato, como nas fotos de Madoz.
Em um dos antigos cofres do CCBB, uma projeção mostrava fotos do julgamento de Klaus Barbie: O Carniceiro de Lyon. Em uma das fotos, ele aparecia como um gentil velhinho. Poderia ser meu ou seu avô. Em outra foto, uma das testemunhas, um senhor chamado Favve, totalmente deformado pelas torturas, parecia um monstro. Mas era, na verdade, uma pessoa doce e gentil, em busca de justiça.
A realidade e a relatividade das imagens continuaram me assolando por toda exposição. Como podemos saber o que é realmente real? Se até o que é fotografado é relativo? (ainda mais nesses tempo de Photshop…)
A grande realidade está no saber. A informação é a única força capaz de alterar o estado da relatividade, transformando ela cada vez, mais e mais, em realidade. Com informação, a imagem de Barbie não pode ser suavizada pela fotografia.
Mas esse pode ser também o problema da informação. Uma vez que você sabe… não dá pra fingir que não sabe. Não dá mais pra relativizar a realidade.