O carnaval do século XVIII – parte 2

(Os amantes do século XVIII brincavam de encher as camisinhas com ar para verificar o seu tamanho, resistência ou só para se divertirem)
Se o século XVIII foi o século dos libertinos como conta o livro ‘Casanova, muito além de um grande sedutor’,, com grande flexibilidade dos valores morais que regiam o sexo, assim como é o carnaval do Brasil, então a única coisa que poderia estragar a folia eram as doenças venéreas; ou DST, doenças sexualmente transmissíveis, como são conhecidas hoje.
E o remédio naquela época era o mesmo de hoje: a camisinha!
“As doenças venéreas eram o grande flagelo de um viajante como Casanova, que conhecia os detalhes da fabricação e a etiqueta do uso dos preservativos, que eram o único recurso para a proteção dos promíscuos.”
Parece que os chineses, assim como os japoneses e egípcios utilizavam envoltórios de papel de seda untados com óleo, que seriam os percussores da camisinha, inventada oficialmente pelo cirurgião Gabrielle Fallopio em 1564: uma “bainha de tecido leve (linho), embebido em ervas, feita sob medida, para proteção das doenças venéreas” denominada De Morbo Gallico”, descreve ele em seu artigo.
Foi Shakespeare quem deu o nome de ‘Luva de Vênus’, que depois passou a ser chamado de ‘casaco de montaria inglês’, que era como Casanova se referia a elas (além de ‘profilático contra ansiedade’ e ‘casaco que proporciona paz ao coração’)
Nas aventuras de Casanova, “M.M., a freira de Murano, tinha seu próprio suprimento de preservativos (…) tripa de carneiro e amarrados na ponta com fitinhas, em geral rosa, (…) [que] se tornavam maleáveis quando umedecidos com água que podiam ser usados várias vezes”.
Os de Casanova eram tão elaborados que não precisavam de lubrificação e tinham entre 15, 16 e 20 cm de comprimento por 4 até 15 cm de largura (não, não digitei errado, mas não me perguntem o que ele fazia com uma camisinha de 15 cm de largura).

No início do século XVIII o preservativo ainda era algo chocante e degradante: “ainda que seja a única defesa que nossos libertinos têm…muitos homens reconhecem o risco de fracassar ‘com a espada na bainha’“. Mas na metade do século ela era considerada “comoda, apesar de tudo”, e particularmente adaptada a ‘Terra da Felicidade’ (a vagina). Mas mesmo assim, não deveriam ser mostrados a uma dama.Se ele insinua certa reserva sobre “proporcionar felicidade… enrolado em uma pele morta”, reconhece a utilidade deles na prevenção da gravidez e também das doenças venéreas: “esses preservativos que os ingleses inventaram para colocar o belo sexo longe do medo”, “tão preciosos para uma freira que deseja sacrificar-se pelo amor”,
Aqui aparece uma outra curiosidade. Casanova também acreditava na camisinha como “de importância vital para evitar aquela ‘barriga fatal’“. Uma vez chegara a propor a ele o uso de um outro contraceptivo, uma esfera de outro de 18mm que as mulheres usavam como um tipo de diafragma, mas que ele não gostou por dois motivos: eram caríssimas e impediam uma série de posições. Mas por outro lado, quando estava apaixonado, Casanova não tinha pudores em dar o ‘golpe da barriga’.
“[Ele tinha] considerado a possibilidade de se casar com Caterina. Tramou o plano de engravidá-Ia, forçando assim os pais dela a lhe concederem sua mão, junto com um dote generoso. A intenção de ambos, diz Casanova, era chegarem juntos ao orgasmo, o que se acreditava assegurar a gravidez, e tentavam isso com grande assiduidade.”
Talvez intuitivamente, mas Casanova estava correto: “o orgasmo influencia diretamente no sucesso reprodutivo da mulher, dependendo da altura em que ele ocorre” diz o prof. Robin Baker, autor do estudo “Competição de Espermatozóides Humanos: Cópula, Masturbação e Infidelidade”, publicado na Inglaterra em 1995.
“uma microcamera inserida na vagina da mulher mostram que, durante a masturbação, quando ela atinge o clímax, o seu cérvix se abre, mergulhando dentro da vagina. Esses chamados ‘movimentos em tenda’ podem acontecer várias vezes durante um simples clímax. (…) A mulher não precisa atingir o clímax durante a relação sexual para que os espermatozóides penetrem no cérvix. Mesmo sem atingir o clímax, o sêmem é coletado no topo da vagina, formando uma poça na qual mergulha o cérvix e passando espermatozóides através dele para o muco cervical. O orgasmo vai determinar quantos espermatozóides penetram no cérvix. (…) A grosso modo, a retenção de espermatozóides situa-se entre 50-90% com orgasmo e 0-50% sem orgasmo. (…) o momento que a mulher identifica subjetivamente como orgasmo, é apenas o início de uma série de acontecimentos no útero e no cérvix, os quais ela não consegue perceber, mas que se prolongam por vários minutos. O pico dessa atividade acontece 1 a 2 minutos após o clímax subjetivo. (…) Enquanto a poça seminal permanecer, um novo clímax que tenha lugar, passada uma hora, pode ainda afetar a passagem de espermatozóides através do cérvix.(…) não há qualquer diferença quanto a origem do estímulo que desencadeia o orgasmo pós-coito: pelo homem ou auto-estimulação”.
Para o autor Ian Kelly, a auto-biografia de Casanova “A minha história” fornece “um dos relatos mais plenos, sem disfarces ou desculpas de uma vida sexual, seja de sua época ou de qualquer outra. (…) Seja lá o que tenha feito Casanova dedicar tanta energia na busca de um estilo de amor segundo o gosto do século XVIII, isso não é necessariamente tão interessante quanto o seu testemunho da importância central do sexo e da sensualidade na construção da personalidade e na apreciação da vida.”
O carnaval do século XVIII – parte 1

“Foi a grande época do carnaval veneziano, que era o mais longo e teatral de toda a europa. O uso das mascaras era obrigatório em toda a cidade, de dia e de noite.. a partir de outubro até a 4a feira de cinzas, com um breve intervalo para o Natal. Mo início do século XVIII foram acrescentados mais 15 dias ao carnaval, próximos ao dia da ascensão. (…) As máscaras emprestavam uma pretensão aceitável de anonimato, em uma cidade que unia um drama intenso a uma grande falta de privacidade pessoal. As máscaras alteram os códigos de qualquer interação humana, amarrando os significantes habituais do entendimento , da aceitação, do desdém ou da desconfiança. Nada é certo, e assim tudo parece ser permitido.”
Depois de ler ‘Casanova, muito além de um grande sedutor’, tive que repensar minha opinião sobre a mais particular das cidades do mundo. Veneza para mim sempre foi sinônimo de pombos e sujeira, diferente da imagem romântica das gôndolas que a maior parte das pessoas tem. Mas uma cidade que faz quase 6 meses de carnaval por ano? Merece todo o meu respeito.
Quem nunca ouviu falar de Casanova? Acontece que o livro foge ao clichê, não se limita as façanhas amorosas do conquistador e dá uma aula de história e psicologia. Pra começar, ele nem teve tantas mulheres assim:
“Casanova recorda ter tido experiências sexuais com muito mais do que 100 mulheres – algo entre 122 e 136, a depender de como se conta determinado grupo, e também das experiências consumadas pela metade – além de um punhado de homens. A história da sua vida sexual vai desde o dia em que perdeu a virgindade, aos 17 anos, e continua pelos outros 35 anos que abrangem suas memórias”.
Se você acha esse número impressionante, poderá se surpreender com os números disponíveis em trabalhos científicos dessa área. Casanova era antes de tudo, e principalmente, um apaixonado:
“De todos os aspectos sensoriais de seus escritos, foi o romance o que mais o divertiu, confundiu e enervou. Para meros números, para a pornografia ou o avesso do bom gosto, deve-se procurar em outras bandas, em Sade ou nos infatigáveis lordes Lincoln e Byron”
“Uma vez mais, Casanova insiste que se tratava de amor verdadeiro, e não só de desejo: ‘Pobre de quem pensa que os prazeres de Vênus muito valem, a menos que venha de dois orações que se amam e estejam em perfeita harmonia'”

“O sentido do olfato, desempenha um papel nada pequeno nos prazeres de Vênus. Para os homens [humanidade], fazer sexo é como comer, e comer é como fazer sexo: é nutrição… e da mesma forma como sempre existe um prazer diferente quando se experimenta diversos molhos [ragoûts], o mesmo acontece com o jogo do amor/orgasmo [la jouissance amoureuse]. Embora o efeito possa parecer o mesmo no início, aprende-se que toda mulher é uma experiência única”
Para a neurocientista Marília Zaluar, essa aproximação com a comida faz sentido: “Comparar as mulheres a molhos, mesmo que franceses, me parece meio grotesco. Mas pensando no ponto de vista biológico ele está coberto de razão. Ambas atividades utilizam os mesmos circuitos neuronais ligados à recompensa e ao prazer”.
Toda a sedução começava com um jantar. “M.M. serviu-lhe uma refeição, acompanhada de champanhe rosé oeil de perdrix, em pratos mantidos quentes sobre água fervente”
O detalhe é que M.M. era uma freira: “Uma religiosa (…) gostaria que o senhor a conhecesse… ela não deseja obrigá-lo a falar com ela antes de vê-la, por isso vai dar-lhe o nome de uma dama que poderá acompanhá-lo até a sala de visitas [para ser apresentado a ela]. Então, se [o senhor quiser], esta mesma religiosa lhe dará o endereço de um cassino aqui em Murano; onde poderá encontrá-la sozinha, na primeira hora da noite, na data que o senhor indicar. O senhor poderá ficar e cear com ela ou então sair um quarto de hora depois, caso tenha compromissos.”
Parece que freiras libertinas era algo comum naquela época. Os conventos de Veneza que incluíam escolas, academias de música e hospitais de internação (assim como ordens contemplativas confinadas), eram muito diferentes do conceito moderno de convento. “Essas mulheres eram primeiro lugar venezinas; em segundo, cristãs.” M.M. era uma mulher politicamente forte e seu padrinho era o embaixador da França. Que, criam, era um cardeal.
O século XVIII me pareceu, apesar das máscaras 6 meses por ano, mais honesto. O hipocrisia visava atender aos nossos instintos animais, não ao contrário (fingir não ter instintos para acatar uma vida moral e altruísta).
“O Cicisbeo, ou ‘cavaliere servente‘, na tradição dos cavaleiros medievais, cortejava uma dama de mais idade, normalmente de alta posição social. Alguns consideravam isso coma a proteção de sua honra, e dizia-se que as mulheres tratavam aqueles homens como a seus cabeleireiros: eles tinham acesso privilegiado aos seus boudoirs, aos mexericos e também a um pouco mais. Outros eram aceitos pelos maridos e pela sociedade veneziana como parceiros sexuais e românticos das mulheres envolvidas. Casanova foi criado em uma cidade onde muitas mulheres desfrutavam certa liberdade sexual, e por isso bem à frente de seu tempo. (…) uma época que deu maior ênfase à ideia da sexualidade feminina do que aquela que a sucedeu. E as mulheres de toda a Europa ficavam alertas (…) diante de um viajante veneziano como Casanova, com todo o seu saber e experiência em questões de sexo: ele seria considerado mais cortês, galante e sexualmente eficiênte do que seus pares”.
E não apenas os modernos P.A. eram permitidos, como o conceito de prostituição era, digamos, flexível.
“(A mãe de Casanova) Zanetta Farussi, uma comediante pequena, orgulhosa e de uma beleza nada convencional, segundos os críticos da época, trabalhava profissionalmente com teatro numa época em que isso significava, para uma mulher, ter uma carreira dupla. Embora nem todas as atrizes fossem prostitutas ou cortesãs, não se tinha dúvida de que as mulheres dispostas a se submeter aos olhares voyeurísticos no palco também haveriam de favorecer seu público em recintos mais íntimos, em troca de bons contratos e do nome em destaque no programa.”
Para Robin Baker, “a prostituição feminina é quase uma marca universal das sociedades humanas. Antropologicamente, só 4% das sociedas diz não a prostituiçãos. As restantes reconhecem que ela existe. É difícil, porém, mesmo nestas sociedades, estimar o número de mulheres que em alguma época da sua vida se prostituiram. As estimativas existentes (há 10 anos) apontam para menos de 1% na Grã-Bretanha no fim dos anos 80, e para 25% em Adis-Abeba, na Etiópia, em 1974. Tais estimativas, porém, não são fiáveis e pecam por defeito. Mais mulheres que essas praticaram algumas vezes a prostituição. (…) Na realidade, há vários graus de prostituição. Em princípio, é difícil traçar a linha divisória entre a tradicional prostituta que se vende por dinheiro e uma mulher comum vivendo uma relação permanente que se deixa inseminar a troco de ajudas, proteção e presentes”.
A prostituição também está disseminada por todo o mundo animal: “Para que a Borboleta macho tenha oportunidade de acasalar, tem de encontrar primeiro um exame de mosquitos, de apanhar um, de o envolver na seda das suas glândulas salivares, e depois de encontrar uma fêmea e oferecer-lhe o presente. Se encontrar, enquanto ela desenrola o presente e come o mosquito, permite que ele acasale. Quanto maior for a prenda, o mosquito, mais tempo ela leva a comer, mais tempo tem o macho para inseminar, maior é o número de espermatozóides que ele introduz, e, consequentemente, mais óvulos fertiliza. Acabada a sessão, a fêmea espera que um novo macho a venha alimentar e inseminar. Em algumas espécies as fêmeas são tão bem sucedidas como prostitutas, que nunca precisam ir a procura de alimento”.
Além de ser um modo de vida, a prostituição também é uma estratégia reprodutiva muito bem sucedida. Nenhuma outra atividade expõe a mulher a uma quantidade tão grande de espermas competidores, o que garante que o vencedor do premio da fecundação, era possuía um esperma altamente especializado para a ‘guerra’, característica que seria transmitida a todos os seus descendentes machos.
Mas quer ver o mais curioso? Faça as contas e se considerarmos os valores conservadores de que 1% da população mundial nasce de prostitutas, então precisaríamos recuar na nossa árvore genealógica em torno de 7 gerações para encontrarmos um parente que tenha sido gerado por uma delas. E isso poderia muito bem ter sido no século XVIII de Casanova.
Se a fofoca é uma estratégia de ensino, como eu publiquei no texto anterior, então o livro de Ian Kelly sobre Casanova é uma ótima oportunidade para aprender psicologia e história.
Ti-ti-ti! A fofoca como instrumento de ensino

Quando fomos para a África capacitar professores para a produção de material didático para o ensino a distância em Moçambique, vimos que o desafio seria grande. Tirando as questões relacionadas com infraestrutura, finanças e tempo, que estavam além do nosso controle, esbarrávamos na dificuldade relacionada a(s) língua(s), que eu já relatei aqui, e com a extrema formalidade dos docentes no trato conosco, com eles próprios e com os alunos. Com aquela formalidade toda, não se faz educação a distância. Mas e como convencer eles disso?
As boas aulas que demos com a nossa informalidade, não foram suficientes e vi que precisaria de mais argumentos, científicos, para convencê-los. Então montei uma apresentação, curta, mas embasada no ótimo livro “The Red Queen“, sobre o qual eu já falei aqui. O livro fala de evolução e quando eu o li, já tinha pensado que deveria organizar algumas idéias ali em um artigo, pra que pudessem ser aplicadas na educação.
Funcionou! Eu consegui que os professores rissem contando algumas fofocas sobre o meu companheiro de quarto, que não estava presente na aula, e depois de muita discussão conseguimos que eles escrevessem com um pouco mais de informalidade.
E agora, seis meses depois, o artigo está pronto e publicado no Bioletim. Não deixem de ler, tenho certeza que vão gostar e usar o que aprenderem em sala de aula. Ou em qualquer outra situação que queiram chamar a atenção de alguém.
Soldados de Rabicho
Estou me preparando para escrever dois textos para alegrar os momentos de folga de vocês durante a folia e, como meu amigo Fernando Goldenberg não devolve a minha cópia de ‘Sperm Wars‘ de Robin Baker, eu fui procurar na internet as referências para a passagem do livro que eu queria usar.
Foi quando me deparei com ‘Soldados de Rabicho’ resenha do livro ‘Guerra de Esperma‘ a tradução para o português do livro de Robin Baker, publicado na Revista Veja em 1997.
A resenha é um desastre. O jornalista, Okky de Souza, mostra não só uma grande ignorância biológica, o que eu compreenderia, mas um péssimo trabalho jornalístico: tendencioso, infundado, leviano.
Além da ignorância (vários trechos da resenha estão errados, tanto na biologia quanto nos citações de trechos), eu também entendo o tendenciosismo. Esse papo de ‘não julgar’ é para quem tem o espírito elevado. Eu não acredito em espírito, mas acredito que para nós, mortais, os julgamentos são inevitáveis (já as nossas ações… essas devemos controlar). O problema é que Okky não usa nenhum fato, nada, como argumento. E não estou pedindo nem um argumento científico, só um fato cotidiano já me tranquilizaria. Suas críticas são baseadas no ‘senso comum’. Ué?! Mas se é justamente o senso comum que um livro como esse questiona?! Ao ser superficial na sua crítica, numa revista de circulação nacional, Okky provavelmente assinou a sentença de morte do livro, que hoje só pode ser encontrado em sebos (ainda existem alguns exemplares a venda no Estante Virtual), e impediu que as pessoas tivessem um ‘outro’ ponto de vista, sobre questões que estão diretamente ligadas as nossas vidas.
Valeu pra saber que o livro já tinha sido editado no Brasil.
Passando dos limites

Na semana passada eu fiz uma coisa, para mim, quase impensável: comprei uma revista na gôndola do supermercado, enquanto esperava na fila do caixa. Não, não era uma revista de fofoca. Ai também seria demais! Foi a TRIP. Uma gata na capa (a gaúcha Annelyse Schoenberger) mostrava o mamilo esquerdo e convidava o leitor a abrir as páginas para o tema da reportagem principal: “Limites: Romper? Entender? Estender? Expandir? Como nos relacionamos hoje com os limites do nosso corpo, do planeta, da ética, da mente e da nossa paciência”.
Me ganhou! Coloquei no carrinho e paguei os R$9,90 pra ver qual era.
Eu já falei sobre limites várias vezes. O primeiro limite que eu me vi descobrir muito além do que eu realmente acreditava, foi o da minha paciência. Achava que tinha bem menos do que realmente tenho. E foi só quando ela foi forçada, esticada, amassada e moída que eu descobri o quanto era resistente. Ainda assim, ela também tinha limite, e acabou.
“Você só pode saber realmente o quanto aguenta, depois que não aguenta mais”.
Na época, o que a vida me ensinava eu ensinava pros meus alunos. E coloquei essa frase em um slide sobre homeostase nas minhas aulas de biofísica. Eu não tenho muita certeza, mas parecia que os alunos abriam uns olhões quando viam isso no quadro. “Cara… Pô, tipo assim… é isso messsmo?!?” Mas talvez fossem apenas bocejos (ainda que fechem ao invés de abrir os olhos). Mas isso foi até a semana passada, quando uma aluna me disse: “Eu nunca mais vou esquecer aquela parada (frase) sobre ‘não aguentar mais’ que você disse em sala de aula”. Tinha alguém prestando atenção.
O corpo humano, todos os organismos, cada célula, tem limites. Alguns são óbvios, como a pele, o que dá a extensão e o volume. Alguns outros super bem conhecidos e definidos. Nossa temperatura corporal não pode subir acima de 42 e nem descer abaixo de 35 que o bicho pega. A acidez do sangue, ou o pH, que é o termo correto, esse então fica em 7,4 e praticamente não varia. Já alguns outros limites, como o quanto a gente aguenta de um hormônio, de uma droga ou de determinado medicamentos, são menos conhecidos. E esses, não dá pra gente determinar sem testar. E ver até onde o corpo aguenta. Só que pra isso, tem que se sacrificar. Você pode decidir parar o ‘experimento’ um pouquinho antes de sacrificar o organismo, mas assim, nunca vai ter certeza do limite. Só observando o dano que foi causado podemos saber qual é o limite quando ultrapassado que causa dano.
Abre parênteses: E por isso que nunca poderemos abrir mão dos testes com animais. Pelo menos enquanto quisermos conhecer os mecanismos de toxicidade que ajudam a salvar vidas. Fecha parênteses.
Dizem que imaginação não tem limites. Mas não é verdade, não é mesmo? São em torno de 100 bilhões de neurônios no cérebro. Sua personalidade, suas memórias, emoções, inconsciente, subconsciente, tá tudo dentro desses cem bilhões. As conexões que foram feitas entre eles, e como você associa as coisas que estão lá, determinam se você é criativo ou não. Você pode se espantar com a sua capacidade de criar coisas novas pela associação das coisas que você sabe e conhece. Um tipo de ‘propriedade emergente’. Mas imaginar alguma coisa sem saber ou conhecer nenhuma outra? Isso você não pode.
Nós só conseguimos enxergar porque nossas células visuais identificam regiões de alto contraste nas bordas dos objetos, criando os limites entre uma coisa e outra, que forma as imagens nítidas na nossa retina, que o cérebro interpreta como uma bola de futebol, ou uma xícara de café.
Um surfista que voltou das drogas, uma bióloga que encontrou a salvação pra um distúrbio mental no halterofilismo, um motoboy anão… a idéia dos limites permeavam toda a edição. Mas a melhor reportagem de todas foi a com o sociólogo Roberto DaMatta: “Você sabe com que está falando?”
“Não gostamos de limites. Liberdade total é causa nobre. Herói popular é aquele que vai além dos limites, expande as fronteiras, expande a juventude, expande a riqueza, expande o poder de fazer o que bem entende, sem se submeter a nada e a ninguém Esse heroísmo ingênuo garante a eficiência da maior parte dos apelos publicitários. Por isso, o cartão de crédito mais legal é sem limite. Mas sem limite a vida não existe. Limite de tempo e espaço definem o que é a vida. (…) Gostar dos limites, acolhê-los, entender sua função e significado nos permite crescer para dentro 0 em qualidade, em consistência, profundidade e criatividade”.
Para Roberto, o Brasil é um país onde a realização dos desejos individuais se confronta com a construção da vida em sociedade, criando dilemas que culminam na nossa resistência em obedecer autoridade, até mesmo na hora de parar no sinal vermelho. Por outro lado, a ‘fila’ seria o melhor exemplo de que o Brasil está se tornando um país sério, porque é na fila que os limites operam em sua maior clareza e simplicidade: chegou primeiro, é atendido primeiro. Chegou por último, será atendido por último. Mas será atendido também, porque se temos certeza de uma coisa, é que a fila anda.
Eu não sei se vocês percebem, mas é de uma beleza acachapante!
A primeira vez que vi o Roberto DaMatta falando foi em 2007 na FLIP, sobre como o futebol salvou o brasileiro, porque ensinou ele a importância dos limites. Afinal, nenhum time pode estender a partida até fazer outro gol (bom, a não ser o flamengo na última semana) e isso é o que dá graça ao jogo, transforma as pessoas em torcedores apaixonados e as comemorações de campeonatos em festas apoteóticas. Fui correndo comprar o livro dele de 1979: Carnavais Malandros e Heróis.
Lembrei da palestra de Barry Schwartz no TED, sobre a angústia da escolha. Ele desenvolve um argumento parecido, dizendo que a ânsia pela liberdade de escolha, que nos leva a poder optar por 175 variedades de molho para salada na prateleira do super-mercado, só nos trazem infelicidade:
“Quando você tem mais escolhas, aumentam as suas expectativas. Quanto maior as suas expectatívas, maiores as chances de frustração. Quando saio de uma loja com 47 opções de calças jeans, depois de passar 1h escolhendo, e descubro que a minha calça não era ‘perfeita’, não tenho como evitar a frustração.”
Eu já falei sobre limites, várias vezes, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. Limite é respeito na teoria e ética na prática. É amor e é vida. É criatividade e inovação. Os limites, quem diria, são libertadores!
Para que precisamos de biomarcadores?

“Quando o dano está feito, até um tolo pode percebê-lo.”
Não canso de repetir essa frase de Homero. Especialmente para mim mesmo.
Ela me faz lembrar uma outra frase, mas essa eu não sei quem disse: “Se nosso cérebro fosse simples a ponto de podermos compreendê-lo, jamais conseguiríamos compreendê-lo”
Que por sua vez me leva a palestra do Richard Dawkins no TED “Queerer than we can suppose. The strangeness of Science” ou “Mais esquisito do que nós podemos supor. A estranheza da ciência”, que vocês não podem perder.
Ele, por sua vez, estava citando J.B.S. Haldane, que uma vez disse “The universe is not only queerer than we suppose but queerer than we can suppose.” (“O universo não é apenas mais esquisito do que supomos, é mais esquisíto do que podemos supor”)
Eita, já escrevi 4 citações a até agora não disse ao que vim. Espero que não tenham se cansado e ido embora.
Veja, os ecotoxicologistas, mas acredito que também os ecólogos e os toxicologistas, ainda não se convenceram disto. De nada disso! Parece que quanto mais complexo tornarmos o problema, quanto menos pessoas puderem compreendê-lo, quanto mais equipamentos caros precisarmos para avaliar o problema, melhor é o problema.
Não é, ou não deveria ser, assim.
Robert Aumman diz que a compreensão é um fenômeno complexo, mas que usa 3 elementos: relação, abrangência (unidade) e simplicidade. Para compreendermos alguma coisa, precisamos ser capazes de relacioná-la com outras, que nos são familiares. Ela precisa ser aplicável em várias situações, quanto mais situações, melhor será a nossa compreensão. E finalmente, ela precisa ser simples!
Mas nem tudo é, ou pode ser, simples.
A teoria da gravitação universal é simples. Massa, distância e BUM! Você tem a gravidade. Mas esses tais de biomarcadores… gente… que coisa complicada! Eu trabalho com eles, há muitos anos, e são tão poucos os que podemos dizer que realmente entendemos.
Quer dizer, entendemos os mecanismos. A biologia molecular (quando aquelas letrinhas ACGT do DNA viram uma proteína) e entendemos a bioquímica (quando todas aquelas proteínas fazem alguma tarefa em um ciclo ou processo), mas quando tentamos entender PORQUE ou PARA QUE elas fazem isso ou aquilo… o problema fica complicado demais.
Já tentou entender porque uma garota é capaz de passar horas e horas em uma loja de sapatos? Ou um cara horas e horas discutindo sobre carros? É a mesma complicação: não dá pra entender!
Por favor, não me entendam mal, eu sei que DNAs e proteínas não fazem nada com razão ou propósito. Usei os termos mais no sentido de ‘causa’ e ‘consequencia’. Porém, mesmo essas coisas complicadas, que talvez jamais consigamos entender ou prever, acabam levando a coisa que podemos observar mais facilmente: um sintoma de doença, um cheiro ruim de esgoto no rio.
Não precisa de pós-doutorado. É tão fácil que até um tolo percebe. E é isso que a palestra do Dawkins fala. Nosso cérebro foi desenhado (no sentido de evoluiu) para compreender fenômenos do mundo visível, audível e palpável. E para tomar decisões levando em consideração muitas variáveis, medindo a importância de cada uma delas em diferentes contextos, algumas vezes de forma inconsciente, e em outras, levando em conta parâmetros emocionais (não-racionais). As coisas continuam sendo complicadas, mas em algumas escalas, ordens de grandeza, nosso cérebro está equipado para compreendê-las.
Acho que a escala dos biomarcadores de poluição não é uma delas. Se você coloca peixes em um rio contaminado com esgoto e depois de meses de análises, milhares de reais, horas de trabalho, análises químicas e estatísticas, tudo consegue concluir é que aquele rio estava contaminado com esgoto, então existe algum problema ai.
A questão é: se os biomarcadores só forem tão bons quanto nossos olhos e narizes, porém muito mais caros e trabalhosos, então fiquemos com os olhos e narizes!
Começo a acreditar que não poderemos, nunca, nem mesmo com os ‘omics’, explicar os complexos mecanismos através dos quais os efeito de mudanças climáticas, os antigos contaminantes que ainda estão presentes (como DDTs, PCBs e HPAs), os novos contaminantes como as nanopartículas e os fármacos, associados a variantes genéticas entre espécies e indivíduos, estágios do desenvolvimento, idade, gênero, doenças e acrescidos da presença de parasitos e influência de variações ambientais; prever o que vai levar um organismo a desenvolver um tumor e outro não, após uma exposição no ambiente.
Acho que como ecotoxicologistas, estamos fadados a sermos os tolos que explicam depois, com um nível de detalhamento sem precedentes na história, o dano logo depois dele acontecer.
Check-List
Eu sei, tô muito novo para estar cansado, mas me dá um desanimo cada vez que tenho que ler uma tese, participar de uma banca, seja de tese ou de seleção. Talvez esteja até irritado esses dias, porque esse é meu terceiro post amargo. Mas… se os Titãs puderam um dia, então eu também posso.
É o seguinte, tá na hora de fazermos uma mea culpa para podermos mudar o status quo e preparar essa garotada para o mundo cruel ai fora.
Somos, muitas vezes, condescendentes com nossos alunos menos favorecidos ou menos capazes, por que nos convém: nos ajudam no lab, sabem uma coisa que os outros não sabem e demorariam para aprender, estão com a gente a muito tempo e desenvolvemos um carinho paternal/maternal, ou pelo motivo menos nobre de todos: obedecem nossas ordens sem questionar. Uma maravilha!
Mas a verdade é que não estamos formando bons profissionais. Estamos formando bons alunos para seguirem sendo ‘nossos’ alunos. Sim, porque se eles saírem de nossos laboratórios para uma outra universidade ou para um emprego fora da academia… eles não tem a menor chance.
Ou vocês acham que um entrevistador da ‘Natura’, por exemplo, tem 20 min para cada candidato apresentar seu projeto? Aonde o candidato ainda ultrapassa os 20 min? Sendo que levou 18 min para chegar aos objetivos?
Como disse semana passada, eu ainda acho que eles estão seguindo um modelo. Que lhes foi passado, ou que eles deduziram, vendo outras teses, aulas e seminários. Mas que está equivocado. E nisso, ela tinha razão (assim como tinha razão em várias coisas, mas nunca conseguiu ficar tempo suficiente para descobrir isso). Modelos pré-estabelecidos não servem. São para preguiçosos e pessoas pouco inteligentes. O que nós precisamos é de um check-list.
Então vou propor um check-list defesa de tese, de projeto, de seminário, de entrevista. Assim, que me encontrar ou me convidar para uma banca daqui pra frente, não vai poder dizer que não estava avisado:
- Seu título não tem mais de 30 palavras? (Uma linha. No máximo duas. Título não é resumo)
- Seu resumo responde as perguntas: O que? Quem/Qual? Quando? Como? Onde? Por que? Para que? (na verdade TODO o seu texto, cada primeiro parágrafo de sessão, deveria responder essas perguntas)
- Suas palavras-chave Não são vagas? Elas repetem palavras do título?
- Sua introdução ocupa menos de 30% da sua apresentação/tese? Ela esclarece o que o leitor precisa saber para avaliar seus resultados? Ela não repete desnecessariamente informações que o seu leitor já possui?
- Sua apresentação tem um número de slides correspondente a, aproximadamente metade do seu tempo de apresentação? (se você gasta menos de 30 s em um slide, é provavel que a sua platéia não tenha entendido direito. Se você gasta mais de 2 min, ela está entediada com ele. em ambos os casos, o slide não cumpre seu papel. Na média, você deve levar 2 min por slide. Por isso, NÃO INSISTA e não coloque slides demais!)
- Seus slides estão abarrotados de informação? Suas figuras são grandes o suficiente para que que o leitor possa efetivamente ver a informação? (florzinhas são para alunos do 2o grau enfeitarem o orkut. Uma figura ilustra e explica. Ou ainda sensibiliza. Em ambos os casos, ela deve ser nítida. Não use mais que 6 itens por slide e não mais que duas frases por item. Mais que isso… sua platéia perdeu o fio da meada).
- Sua apresentação usa fundo escuro e letra clara? Seu poster usa fundo claro e letra escura? (por causa do brilho da tela do computador, ou projetor, devemos evitar fundos claros. Fundo azul e letra amarela dão a melhor relação contraste/legibilidade. Se você não sabe montar uma apresentação com uma combinação de cores e distribuição de espaço e tipos de letras, escolha uma pronta do PPT. Elas estão lá pra isso e muitas foram feitas por especialistas.
- Seus dados são normais? Sua estatística é não paramétrica? Seus gráficos mostram média ou mediana? Desvio padrão ou quartis? (se você não sabe isso, vá descobrir antes de apresentar seu trabalho para uma platéia)
- Seus gráficos com resultados comparativos tem eixos na mesma escala? Os eixos tem nomes? Dá pra ler os eixos?
- Você sabe que ‘significativo’ é um termo estatístico? Você sabe o que é erro do tipo I e erro do tipo II? Você sabe a diferença entre coeficiente de regressão e correlação? O que é uma variável independente? E a diferença entre significância estatística x biológica? (se não sabe… vá descobrir, de novo, antes de se apresentar em público. Mas já tá arriscado a ter que adiar a sua prévia. E aprenda o que é um gráfico box-plot, porque existe uma chance enorme dele ser o gráfico correto, e não um gráfico de barras).
- Seus objetivos batem com suas conclusões?
- Você treinou antes da sua apresentação? Falou para o espelho? Gravou você falando no MP3? Ouviu? Releu o seu trabalho? Releu em voz alta?
- Seu orientador leu seu trabalho? Tem certeza? Alguém mais leu? Você atendeu as sugestões dessas pessoas em cuja experiência/opinião confiou?
- Você não abusa das cores e ornamentos? O tamanho das letras é legível? Mas também não é grande demais?
- Você passou o corretor ortográfico? Pediu para alguém revisar o inglês? Escolheu um padrão para títulos e subtítulos? Escolheu um padrão para a bibliografia e manteve esse padrão?
É isso gente, 15 itens que podem salvar a sua tese. Pelo menos se eu estiver na banca. Claro, dado que você tenha feito um bom trabalho experimental e que saiba do que está falando. Se seguirem esse check-list, garanto que não vão passar vergonha. Nunca! E ainda podem sair com um título, uma vaga, ou um emprego.
Inovação Não

“O que o traz aqui essa noite?”
Foi a pergunta que mais ouvi ontem no jantar de recepção da comitiva do Ministério da Indústria e comércio da Noruega no Copabana Palace.
Fui de terno, porque o traje era ‘business attire’ – que eu só conhecia como ‘esporte completo’, mas também porque tinha esperança que o jantar fosse no Cipriani, o chiquerérrimo restaurante do hotel que eu nunca consegui ir (mas o ministério não está podendo tanto assim e só contratou um buffet para as quase 400 pessoas que estavam lá. Mesmo assim, o bacalhau era norueguês e estava uma delícia). Mas apesar de toda a beca, os gringos olhavam com um quê de espanto (porque noruegueses sóbrios não conseguem demonstrar uma emoção inteira, apenas um esboço dela) para aquele cabeludo queimado de praia no meio de todos aqueles empresários loiros e de olhos azuis.
O espanto inteiro aparecia quando eu dizia que era professor da UFRJ. Se até crianças de 8 anos ainda possuem uma imagem estereotipada do cientista como maluco, imagina os CEOs de 60 anos?
Mas felizmente aprendi a lidar com as caras de espanto e com os preconceitos estereotipados e acabava explicando que estava junto com o Instituto Internacional de Pesquisa de Stavanger, ou IRIS, na sigla em inglês. Eles prestam serviços para a indústria de petróleo e gás e querem, assim como toda a indústria do petróleo Norueguesa, expandir para o Brasil. Para o Rio de Janeiro mais especificamente. Para isso precisam envolver universidades locais e… é ai que eu entro.
Mas nem tudo é festa e minha participação não se restringiu ao evento social. Hoje de manhã lá estava eu no auditório do novo prédio da COPPE na UFRJ para o evento “Brazil – Norway R&D and Technology Innovations: Moving forward on bilateral collaboration”. Foi educativo, mas frustrante. Vou explicar porquê.
Eu sei que estou divagando um pouco, mas preciso fazer mais um parênteses (fiquem comigo que tudo vai fazer mais sentido mais pra frente).
Nos primeiros anos da faculdade de biologia, estavam na moda a criação de animais exóticos, como rãs e camarões da malásia. Eu achei que essa era uma boa oportunidade para ganhar a vida como biólogo, talvez até virasse fazendeiro. Mas logo logo descobri que as chances de negócio eram muito superestimadas e que quem ganhava dinheiro realmente com rã e camarão era quem dava curso e vendia livro e apostila sobre ‘como ganhar dinheiro com rã e camarão’.
Bom, essa é um pouco a minha percepção quando vejo alguém falar de inovação. Seminários organizados com pompa e circunstância, experts no assunto, envolvimento de diferentes agências governamentais, muitos ‘CEOs’, mas inovação mesmo…. muito pouca, ou nenhuma. Só ganha dinheiro quem vende livros sobre inovação.
Durante a manhã e a tarde, representantes de 7 universidades (pelo lado brasileiro UFRJ, PUC_Rio, USP e UNICAMP) e 7 empresas apresentaram seus projetos, expertises e áreas de cooperação. Tudo E-X-A-T-A-M-E-N-T-E igual! Em alguns casos, poderiam até ter trocado a apresentação de um pela do outro, porque TODOS tinham as MESMAS PROPOSTAS para o futuro a indústria de óleo e gás.
Em nenhum momento, nem uma vez, foi falada a palavra Biotecnologia. Até entendo que os engenheiros ignorem o tema. Afinal, quando sua única ferramenta é um martelo, você tende a ver todos os problemas como pregos, diz o provérbio. Mas será que nenhum gerente ou diretor de empresa conhece o potencial da biotecnologia para resolver problemas? Eles precisam ler mais o VQEB!
A biotecnologia é cara e demorada, é verdade, mas dá resultados impressionantes. Pergunte a quem toma insulina humana produzida por camundongos.
A indústria do petróleo, estou confirmando, gosta mesmo é de trabalhar na sua ‘zona de conforto’. Afinal, para que se preocupar? É como se ouve por ai: “o melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada. O segundo melhor, é uma empresa de petróleo mal administrada”.
Mesmo esse biólogo aqui adora dirigir o seu carro e não regula o consumo de gasolina. O Petróleo será explorado, processado e vendido, até se esgotar, com ou sem inovação.
Dá próxima vez, bebo mais no jantar e durmo até mais tarde.
Desmaiando de chatice

Bom… essas duas perguntas não são complementares, porque dado que uma, nada garante a outra. E nada pode garantir que todos os alunos gostarão de uma aula, como já falei brevemente aqui.
Então me pergunto a única pergunta que posso responder: será que eu gostei?
Revejo o programa, revejo algumas aulas, revejo algumas atividades.
Sim, gostei de muita coisa. Mas não, não gostei de muitas coisa também. Tivemos tantas aulas… chatas!
Eu coordeno 3 disciplinas. O que quer dizer que monto o programa (com a contribuição de outros professores) e supervisiono as aulas. Dou várias aulas também, mas atualmente as disciplinas quase sempre envolvem mais de um professor. Na maior parte das vezes, por ser o entendido, especialista no assunto. Mas algumas outras vezes, porque justamente na falta de um especialista, sobrou pr’aquele pobre coitado falar do que ninguém mais queria falar.
Outra característica das disciplinas é a presença de alunos de pós-graduação dando aulas. Muitas vezes porque são muito bons e são, eles próprios, os especialistas nas diferentes áreas, e não o docente responsável. Mas várias vezes apenas para cumprir os pré-requisitos da bolsa da CAPES.
Os próprios alunos também dão aulas. Bem, na verdade não são aulas, são seminários, que não são exatamente aulas, mas que eles acabam apresentando como se fossem. Confuso? É exatamente isso que os seminários dos alunos são.
Então temos um pouco de tudo nas aulas. E apesar dessa ser uma possibilidade enriquecedora, o que temos é confusão. Quase caos!
Não há como requerer o mesmo conhecimento, o mesmo esforço ou a mesma habilidade natural para todos os professores. E muito menos para os alunos.
Alguns professores são claramente melhor que outros. Não só no conteúdo específico, mas principalmente no jeito de dar aula. Pode ser fruto de uma estratégia pensada, com resolução de problemas, planejando cuidadosamente a construção do conhecimento ou o que vai chamar atenção ou motivar os alunos. Outras vezes são ‘naturais’. Não precisam fazer nenhum esforço para manter atenção dos alunos. São encantadores de serpentes, sedutores de massas. É lindo ver um ‘natural’ dar aula. Mas são tão raros quanto os dedicados do início do parágrafo.
A maior parte dos professores acha que o que eles tem para ensinar é tão importante que o aluno não faz mais que a obrigação de prestar atenção e aprender. Talvez um dia tenha sido assim, mas não é mais. Hoje o professor tem que concorrer com MTV, cinema 3D, videogame, Vampiros, facebook e Google. O principal erro deles é não selecionar informação. Dão um monte de artigos para os alunos lerem, esperando que eles depreendam as coisas corretas, sem ter preparado eles pra isso. E esse, os 10 artigos, é só um exemplo. Mas eles podem fazer isso com qualquer coisa, até mesmo com uma pergunta em sala de aula, daquelas que com a escassez ou excesso de informação que foi dado, apenas ele, professor que fez a pergunta, e ninguém mais, tem como saber a resposta.São de uma chatíce infinita. E as aulas, de desmaiar.
Os alunos reclamam e com razão. Ou… não reclamam, e fazem o mais fácil: vão embora e não assistem a aula.
Sim, também vão embora das aulas boas, mas por outras razões, que certamente incluem vagabundagem, mas que não vêm ao caso aqui.
Abre parênteses: as salas de aulas estão cada vez mais vazias. Quando o professor faz chamada e é exigente com assiduidade e pontualidade, a sala pode até estar cheia, mas as mentes estão vazias. E quando ele é muito exigente na prova, os olhos até ficam grudados no quadro negro, aquele artefato antigo, ou no projetor multimídia, os cadernos podem até estar cheios, de anotações, mas as mentes continuam vazias. De um jeito ou de outro, as salas de aulas estão vazias e isso é um perigo. Fecha parênteses.
Os professores podem ser novos, mas os métodos de ensino são tão, tão velhos. Na palestra do Luli Radfaher ele menciona a parabola de Simon Paper, que fala do professor que adormeceu há 200 anos e quando acordou encontrou a escola… exatamente igual. Chata.
Por que será? Porque será que nada mudou na escola nos últimos 200 anos? Sim, porque quem acha que datashow é um grande avanço tecnológico se engana. O último grande avanço tecnológico na escola, nas palavras do Cristovam Buarque, foi o quadro negro (inventando em 1781), que permitiu que as aulas fossem ministradas para 40 e não mais 4 pessoas.
A resposta, na minha experiência, é que, apesar daqueles exemplos românticos do ‘professor que mudou a sua vida’, os alunos que ficam na escola e se tornam professores não são os melhores alunos e nem são os que tem mais iniciativa; são os que tiram boas notas porque são bons de imitação, já que imitando os professores ganham boas notas, e achando isso legal, se tornam eles também professores.
Deve ser isso. Qual é a outra explicação para tantos professores chatos? E tantos alunos com aulas chatas? Sim, porque os alunos podem ser muito críticos na hora de questionar a estratégia didático-pedagócia do professor, mas na hora que ele tem que dar uma aula… faz igualzinho. O que com falta de experiência, quer dizer PIOR!
Na sua grande maioria, as aulas dos alunos de pós-graduação são as piores. Desculpem, vou refrasear, são as aulas mais chatas.
Mas pode ser que eu esteja errado e haja outra explicação. A aula talvez tenha que ser chata mesmo. O nosso cérebro tem um esquema impresso no seu hardware e é o mesmo pra todo mundo. E é feito para aprender coisas muito diferentes de matemática. Talvez por isso, os professores preparam aulas há séculos da mesma forma. E os alunos, quando convidados a prepararem uma aula, fazem a mesma coisa. O que torna a aula chata então não é o formato da aula ou o conteúdo, é o fato que hoje, na universidade, o aluno está ali mas gostaria de estar em outro lugar.
A natureza humana
Penso constantemente sobre isso. A idéia de que o homem é ‘bom’ por natureza e que a ‘moral’ pode ser imposta aos nossos instintos de sobrevivência sem um alto custo me faz arrepiar. Ou melhor, me faz rir. A natureza humana não é boa. E ainda que essa seja talvez a nossa melhor característica, aquela que nos faz tão divertidos, tem tanta gente que não acha isso bom.
Falhamos, todos. E falharemos, ainda. E quanto mais assumirmos compromissos de ano novo que agridam fortemente os nossos instintos, em pro do politicamente correto ou moralmente adequado, mais falharemos.
Abre parênteses: As manifestações de solidariedade para com as vítimas da maior catástrofe natural que o país já enfrentou não me comovem. Quase me preocupam! Talvez sejam elas as falhas de caráter. Algo como a exceção para justificar a regra, que é o fato que vou para o trabalho todos os dias, pelas linhas amarelas e vermelha no Rio de Janeiro, olhando o mar de favelas que se estende até a onde a vista alcança. As casas em áreas de risco podem ser observadas de qualquer ponto do Rio de Janeiro. De alguns, até mesmo por diferentes ângulos. Mas ninguém (inclusive eu) faz nada até que o mundo venha abaixo. O que mais me preocupa é que daqui a pouco vão dizer que é culpa do ‘aquecimento global’, das ‘mudanças climáticas’, e continuar pensando em alguma outra coisa que não podemos medir com precisão, para justificar não fazer nada quanto aos parâmetros super precisos que podemos medir todos os dias: 5 milhões de pessoas vivendo em áreas de risco no Brasil com o estímulo, aval ou a conivência das autoridades. Fecha parênteses.
Luto por uma definição mais humana de natureza humana. Que acolha as suas falhas, que seja mais amoral.
Pensei nisso ainda na semana passada, no Rio, quando li o comovente ensaio de Fernanda Torres na Veja Rio de 5 de Janeiro. Começa assim:
“O homem é uma realidade finita, que existe por sua própria conta e risco. O homem irrompe no mundo e depois é que se define, mas no princípio, ele é nada. Ele não será nada até o que fizer de si mesmo: logo, não há natureza humana, porque não há Deus para concebê-la. Esse é o primeiro princípio do existencialismo, tido equivocadamente como uma filosofia negativa, de angústia e do fracasso. Não! É uma teoria que afirma que o homem está lançado e entregue ao determinismo do mundo, que pode tornar possíveis ou impossíveis as suas iniciativas. Essa contingência é a liberdade na relação do homem com o mundo. O acaso é quem tem a última palavra.”
O começo não é dela. É a abertura da peça “Viver sem tempos mortos” de Fernanda Montenegro, onde ela vive Simone de Beauvoir. O texto da Fernanda é comovente, como eu disse, mas um pouco ambíguo, sem deixar claro a sua opção pela crença no Deus do acaso.
Talvez quisesse, fico imaginando, apesar de saber que tentar decifrar a ‘intenção do autor’ de um texto é o caminho mais rápido para a incompreensão do mesmo. Olhei de novo a abertura da peça. É isso, a Fernanda Torres está certa. “Não há razão ou porquê. Não existe lógica ou justiça suprema nos julgando. Deve-se aceitar que é assim e pronto”. É Sartre quem está errado!
Eu também não sou, nem grande fã, nem grande conhecedor de filosofia. Meus leitores sabem que sou um guerreiro, mas também um escravo, da ciência. Tento controlar minha ânsia por desconstruir Sartre, mas não consigo. É que para negar Deus, ele nega a existência de uma natureza humana, que teria sido moldada por Ele, mas que na verdade é inequívoca, apesar de ter sido moldada por bilhões de anos de seleção natural.
Um cirurgião que abre um paciente não precisa procurar todas as vezes aonde está o fígado, porque o fígado está no mesmo lugar em todos os pacientes. Assim começa o ‘Rainha Vermelha’, um dos grandes livros que já li na vida, e que fala justamente da existência de uma natureza humana como base para as nossas grandes, importantes e fundamentais diferenças.
Negar essa natureza humana, herdada em parte dos nossos parentes primatas (gorilas, bonomos, chimpanzés) mas também dos coelhos, serpentes, peixes, fungos e bactérias; em prol de uma filosofia onde o homem é capaz de fazer de si o que puder, é negar a teoria da evolução.
Não resisto ao impulso egocêntrico de reescrever Sartre. Ainda que reescreva só (só?!) Fernanda Montenegro:
“O homem é uma realidade finita, que existe por sua própria conta e risco. O homem irrompe no mundo e depois é que se define, se o acaso contribuir, ou pelo menos não atrapalhar. Mas no princípio, ele é apenas homem. E o que fizer de si mesmo poderá ou não permanecer. Há uma natureza humana que não foi concebida por Deus, mas sim pela seleção natural (e a deriva gênica também). Esse não é exatamente o primeiro princípio do existencialismo, tido equivocadamente como uma filosofia negativa, de angústia e do fracasso. Talvez porque afirma que o homem está lançado e entregue ao determinismo do mundo, quando a teoria do Caos já provou que não há tal coisa como o determinismo, e o mais provável é que a autora quisesse sugerir com essa frase que o homem está lançado a sua própria sorte, sem a a ajuda do mundo, o que pode tornar possíveis ou impossíveis as suas iniciativas. Essa contingência é a liberdade na relação do homem com o mundo. O acaso é quem tem a última palavra.”
E para não parar por ai, reescrevo a própria Fernanda Torres ao citar Jorge Mautner: “A maior prova de que o acaso existe, é que ele acontece.”