Diapedese e Diálogo II
Imagine que você está num barco no meio de um rio cuja correnteza é meio fortinha. Para conseguir atracar o barco à margem, você antes tem que se agarrar em alguma coisa fixa que possa prendê-lo apesar da força da correnteza. Só assim você conseguirá parar o barco e sair dele, pisando em terra firme.
Agora imagine um vaso sanguíneo contendo milhares de células, brancas, vermelhas e umas coisinhas pequeninhas chamadas plaquetas (ou trombócitos). O fluxo sanguíneo é rápido. Nas carótidas sem obstruções, a velocidade média do sangue medida pelo método do doppler, gira em torno dos 30 cm/s, que convertidos, fornecem o valor de 1,0 Km/h. Como o fluxo é pulsátil e muda com a posição do corpo e com o exercício, pode chegar a 300 cm/s, o que já dá é uma correntezazinha respeitável, vá! Os leucócitos são células de defesa e em muitas situações necessitam passar do interior do vaso para o tecido circunjacente. Como eles grudam na parede do vaso é que é interessante.
A imagem acima é um esboço da diapedese. A imagem abaixo é um esquema da Nature para explicá-la.
Como se pode ver pelo desenho, o leucócito é “capturado” pelo endotélio (capa de células que recobre o interior dos vasos), faz um “rolamento”, pára, gruda, rasteja e, na maior cara-de-pau, sai do interior do vaso (transmigra), seja entre as células (paracelular) ou por dentro de uma das células do endotélio (transcelular). Não se perde nem uma gotinha de sangue (nenhuma célula vermelha) nesse processo! Os retângulos acima com siglas “hieroglíficas” representam as moléculas inflamatórias que o leucócito utiliza para realizar a “ancoragem”. Veja quantas existem! Há medicações que bloqueiam ou estimulam a grande maioria delas e que podem atuar como anti-inflamatórios ou pró-inflamatórios dependendo do caso. O filme abaixo é muito didático e mostra como o leucócito para no fluxo de sangue de um vaso para quem não acreditou que isso de fato ocorresse.
Fiz uma associação no outro post entre diapedese (do leucócito) e o diálogo (com o paciente). Diapedese quer dizer “saltar através”. O radical dia em grego formou várias palavras médicas como diálise, diabetes, diafragma, diáfise, entre outras. Diálogo, bem isso já é bem mais complexo.

Diálogo e Diapedese
As células brancas do sangue desempenham um importante papel na defesa do organismo contra invasores. Outro dia, um paciente travou comigo o seguinte diálogo:
“Mas essas células não estão dentro do vaso sanguíneo?”
Estão.
“Então elas enfrentam apenas os inimigos que vão para dentro do vaso?”
Não. Elas lutam nos tecidos, fora dos vasos principalmente.
“Mas como elas sabem onde têm que sair?”
(mas que cara chato!) Elas não sabem. São atraídas ao local por substâncias chamadas de quimiotáticas.
“Mas por que não provocam uma hemorragia quando furam o vaso?!”
Bem (pô, nunca tinha pensado nisso!). Porque elas não furam o vaso. Passam através da parede dos vasos num processo chamado de diapedese.
“As células brancas saem dos vasos sem provocar sangramento exatamente no local onde está ocorrendo uma invasão?”
(tá duvidando de mim?) Sim.
“Então tá. Qual a velocidade do sangue?”
… (onde esse feladamãe quer chegar?)
“Sim, por que como uma bolinha, que é a célula, consegue grudar na parede de um tubo liso com o sangue correndo lá dentro?”
(miserável!) Incrível, não? Mas gruda.
“Ah, tá…”(cara de quem não acredita nem a paulada!)
Bom. O próximo post é dedicado a ele e também a quem não acredita nessa história que afinal, é mesmo um pouco inverossímil.

Sobre Epônimos
Os epônimos são muito utilizados em medicina. Todo mundo conhece epônimos e eles parecem inevitáveis. Aqui vão algumas reflexões que tive com um colega de plantão, madrugada adentro.
O que é um Epônimo?
A palavra, pra variar, vem do grego epónymos e quer dizer, literalmente, “sobre o nome”. Tem o mesmo radical epi de epitélio, epicárdio, epifenômeno. Segundo consta, a palavra era utilizada para descrever um personagem, real ou fictício, que emprestava o nome a um lugar, construção, dinastia ou até mesmo o ano corrente. Obviamente, a medicina se apropriou do artifício para nomear “lugares” no organismo humano e, com o tempo, doenças, síndromes ou sinais clínicos característicos, homenageando quem os descreveu primeiro (ver esse site sobre quem deu nome a o quê na medicina. Em português tem esse. Há também uma lei interessante chamada lei de Stigler que diz que “nenhuma descoberta científica leva o nome de quem a descobriu” ou que “uma descoberta sempre leva o nome do último que a descreveu”, o que é um exagero é claro, mas tem exemplos aos montes, inclusive uma citação na Science [para assinantes] e que também vale para a medicina).
Exemplos de epônimos são “doença de Parkinson”, “Doença de Alzheimer” (a imagem ao lado é de uma homenagem a Alois Alzheimer), “Tumor de Krukenberg”, todos nomes de médicos que, ou descreveram a doença, ou deram enorme contribuição para sua compreensão.
Caça aos Epônimos
Há um movimento, principalmente na anatomia, que visa eliminar (ou pelo menos diminuir) os epônimos da nomenclatura científica. De fato, a confusão era grande. Tanto pelo fato de que muitos autores descreveram várias estruturas e “emprestaram” seus nomes, como também pelo de que algumas estruturas de nomes semelhantes tinham epônimos que se confundiam. O exemplo mais pitoresco é o das trompas de Fallopio e Eustáquio. Uma (Fallopio) é a trompa uterina. A outra (Eustáquio) liga o ouvido médio à faringe e é por isso, conhecida como tuba faringotimpânica. Apesar de não serem nomes parecidos, as trompas eram frequentemente confundidas o que gerava uma fonte inesgotável de piadas: “Cuidado para não engravidar seu ouvido!” entre outras.
Esse movimento resultou em uma grande substituição da nomenclatura, a meu ver, para melhor. Entretanto, na medicina clínica, os epônimos teimam em resistir. E eu acho que isso se deve a uma característica dos epônimos que meu colega de plantão me fez enxergar.
A Diferença entre Conhecimento e Cultura
Quando digo pan-hipopituitarismo pós-parto me refiro especificamente a uma condição endocrinológica característica de insuficiência hipofisária. Quando digo Síndrome de Sheehan [1] – que é exatamente a mesma coisa -, me vem um nome e uma pergunta “quem foi esse tal de Sheehan? Teria a ver com o He-man (tô zuando!). A Síndrome de Sheehan é uma doença que era confundida com um tipo de caquexia (emagrecimento extremo) pós-parto. Glinski a descreveu primeiro, Simmonds depois. Sheehan a sistematizou. Será mais um caso da lei de Stigler (acima)? Todas essas questões envolvem um tipo de conhecimento digamos, inútil para se tratar e diagnosticar a doença. Mas seria inútil totalmente?
Seria o conhecimento desses pormenores que envolvem a história de uma doença, desprezíveis? Eu acho que não. O epônimo reveste o conhecimento da doença com uma certa cultura médica que a meu ver é muito salutar. Provém de um tipo de contato com a matéria que é algo mais que um conhecimento utilitarista. Um médico culto, sob esse aspecto, é um médico que se “diverte” com a medicina. E isso é muito bom, principalmente para seus pacientes.
[1] KOVACS, K. (2003). Sheehan syndrome The Lancet, 361 (9356), 520-522 DOI: 10.1016/S0140-6736(03)12490-7

Formação
Como se forma uma pessoa? Um cidadão? Um cientista? Podemos nos questionar sobre a formação de um indivíduo (literalmente, não-dividido) para entendermos algumas diferenças básicas entre as ciências naturais e ciências do espírito. Essa formação a qual nos referimos tem duas palavras em alemão: bildung e formation, esta última sendo mais recente. Bildung é composta por bild que quer dizer imagem. Compõe também as palavras nachbild e vorbild que significam cópia e modelo, respectivamente. Bildung ainda tem uma semelhança enorme com a inglesa building, e a analogia com uma construção, um edifício, parece inevitável.
Segundo Gadamer [Verdade e Método], uma análise preliminar da história da palavra formação já nos introduz no âmbito dos conceitos históricos das ciências do espírito. Seguindo Hegel, Gadamer reforça que o homem se caracteriza pela ruptura com o imediato e o natural – esses pertencem ao domínio dos animais. Assim, quando nasce, “ele não é ainda, o que deveria ser”, razão pela qual necessita de uma formação. E como se dá essa ruptura? Por meio de uma universalização do espírito – o homem vai criando conceitos cada vez mais universais, ampliando seus horizontes e sua capacidade de compreensão. Como se um conceito coubesse dentro de outro, como nas bonecas russas (foto daqui). A universalização do espírito humano permite ao homem entender conceitos cada vez mais abstratos, mantendo-o aberto ao diferente, a outros pontos de vista mais universais.
A diferenciação entre “formar” e “informar” é de uso corrente entre nós. Como se forma um cientista? Outro dia, o Discutindo Ecologia soltou um post muito interessante com a pergunta: “Em que momento matamos os pequenos cientistas?” Vale a pena a leitura da reflexão.
Qual seria a formação ideal para um médico? Mais para o lado científico ou mais para o lado das ciências do espírito? O médico-cientista é melhor que o médico-praticante? Seria uma formação científica sólida (leia-se mestrado/doutorado, papers, exposições em congressos, etc) essencial para um médico?

Quer Pegar Gripe? Veja Como
Mais um sensacional vídeo garimpado pela Industrial Mori & Magic a quem agradecemos novamente. Muita gente gostaria de saber como um vírus se reproduz dentro do organismo humano e os médicos, biólogos e pesquisadores da área, apesar de saberem, vão ter seus sonhos realizados com esse vídeo extremamente didático.
Um vírus, por não possuir a maquinaria genética das células (as dos mamíferos, por exemplo, que têm núcleo e organelas que fabricam proteínas e outras coisas importantes para vida celular), necessita “emprestá-la” de outros seres vivos. Para isso acontecer, vários passos têm que ser dados e o vírus, muito frágil, tadinho, pode sucumbir facilmente em qualquer um deles. Mas, por meio de uma série de truques dignos de filmes de ficção científica (ou de zumbis), o vírus “coloniza” um ser vivo milhares de vezes maior que ele e o faz trabalhar para si, tal como um escravo ou zumbi.
É isso que o filme mostra. Deixa claro também, que toda essa “esperteza” do vírus é combatida com nosso sistema imunológico. Esse sim, ninja na arte de sobreviver aos mais variados ataques. O que o filme não fala e que eu não posso deixar de comentar é que podemos ajudar nosso sistema imunológico bastante. Como? Fazendo-o “enxergar” os vírus. As células de defesa obviamente NÃO têm olhos. Como então, elas podem “comer” (dizemos, fagocitar) um vírus como o filme mostra? É uma reação do tipo chave-fechadura como foi explicado, ou então, por meio da produção de substâncias que “atraem” as células de defesa para o alvo. Para isso ocorrer, normalmente uma nutrição adequada e boa saúde garantem nosso sucesso. Haja vista a quantidade atual de seres humanos nesse pobre planetinha perdido no universo. O problema é que a tal “chave-fechadura” é muito menos eficaz quando o organismo não “conhece” o invasor. Ele tem que usar um tipo de “chave-mestra” digamos, para encontrar e fagocitar o agente infeccioso. Isso demora mais do que se tivéssemos a chave específica correta. Mas como “conhecer” um invasor antes que ele nos invada? Isso é impossível!
Entretanto, há quase 2,5 séculos, a ciência médica descobriu um jeito de “apresentar” ao sistema imunológico um invasor, mesmo antes de que ele nos cause doenças. Alguém é capaz de adivinhar como?
Traduzido e Legendado por Kentaro Mori.
Uma versão mais completa, porém em inglês pode ser encontrada aqui. (Cortesia do Átila)

(E) Tome Vacina!
Hoje começa a vacinação de gestantes, crianças de 6 meses a 2 anos e a população com doenças crônicas e eu estou impressionado com o número de manifestações alarmistas e falsas, contrárias à vacinação para a gripe pandêmica. É uma desinformação completa em emails com vários tamanhos de fontes, cores diferentes e grifos escandalosos. Infelizmente, “parte da desinformação vem de médicos, incluindo infectologistas” afirmou um colega médico infectologista. Vou tentar responder algumas perguntas do outro post e desfazer algumas falácias mais frequentes nesses emails criminosos.
O ESCALENO
O Escaleno [1] é um adjuvante usado nas vacinas da Novartis e GSK e tem sido usado nas vacinas da influenza sazonal em idosos desde 1997. Na Europa, aproximadamente 45 milhões de doses de vacinas contendo escaleno foram administradas. Segundo o relatório da ECDC, o escaleno é uma substância natural encontrada em plantas, animais e humanos. Faz parte do metabolismo do colesterol e é um componente da membrana das células. É fabricado no fígado e circula no sangue normalmente. Entre 60-80% do escaleno ingerido na alimentação é absorvido no trato gastrointestinal sendo encontrado comercialmente em preparações como óleo de peixe – que é usado em produtos farmacêuticos ou ingerido in natura -, cométicos, inúmeras medicações e suplementos nutricionais.
Alguns veteranos de primeira guerra do Golfo desenvolveram o que se convencionou chamar de Gulf War Syndrome e anticorpos anti-escaleno foram encontrados nesses pacientes levando a acreditar em uma possível relação causal entre o escaleno que estaria na vacina contra Antrax que os soldados usavam e a síndrome (veja mais aqui). Entretanto, essa relação não foi demonstrada, sendo descartada em detrimento a inúmeras outras como gás sarin, pesticidas organofosforados, brometo de piridostigmina, entre outros.
Segundo alguns médicos, uma das fontes de dúvida é que parece estar havendo um embate EUA vs Europa/OMS. Os primeiros não estão usando escaleno como adjuvante na vacina para Influenza A H1N1 enquanto os europeus o estão utilizando. Compare só as informações das páginas do CDC: “There is no plan at this time to recommend a 2009 H1N1 influenza vaccine with an adjuvant” com a página da OMS: “Over 22 million doses of squalene-containing flu vaccine have been administered. The absence of significant vaccine-related adverse events following this number of doses suggests that squalene in vaccines has no significant risk.” A vacina Sanofi-Pasteur/Butantã não contem escaleno. Como já dito, as vacinas da Novartis e GSK contém o adjuvante.
ALERGIA A OVOS
Me perguntaram se uma criança alérgica a ovos pode tomar a vacina. A pergunta procede porque os vírus vacinais são propagados em ovos. A resposta do CDC:
“Perguntar se a pessoa tem algum efeito após comer ovos ou alimentos preparados a base de ovos é um bom método de saber quem pode ter riscos ao usar a vacina. Pessoas com sintomas como chiados, vergões pelo corpo, inchaço nos lábios e língua e desconforto respiratório após ingerirem ovos e derivados, devem consultar um médico para uma avaliação apropriada. Pessoas que têm a hipersensibilidade às proteínas do ovo documentada (dosagem da IgE), incluindo as que têm asma ocupacional associada à exposição à proteína do ovo, também podem ter risco aumentado de desencadear reações alérgicas à vacina contra influenza e uma consulta com um médico antes da vacinação deve ser considerada.” Há estudos mostrando ser seguro aplicar a vacina da influenza sazonal – que tem o mesmo processo de fabricação – em crianças. Recomendo fortemente uma consulta ao médico responsável pela criança para avaliação da relação risco/benefício em se tomar a vacina sendo alérgico à proteína do ovo.
QUEM JÁ TEVE H1N1 DEVE TOMAR VACINA?
Só quem teve a gripe A H1N1 confirmada em reações sorológica (rRT-PCR) pode ser considerado imune à gripe pandêmica. Se a pessoa “acha” que teve a gripe, deve consultar o médico que a assistiu para se certificar se as sorologias corretas foram realizadas e que o diagnóstico foi confirmado. Na dúvida, tomar a vacina não causa nenhum mal, pois não foram descritas reações em pessoas que já tiveram a doença.
O MEDO
É a tônica desse processo de vacinação. As vacinas compradas pelo governo (que aliás está tendo um comportamento muito bom, apesar de todas as críticas e erros), foram de fontes diferentes e têm componentes diferentes. Não há truque. Não há tentativa de enganar as pessoas. Não há intenção de exterminar a raça humana da terra com as vacinas! Eu gostaria muito de uma vacina que exterminasse a desinformação e propiciasse o uso da racionalidade como guia, mas essa ainda vai demorar para ser fabricada e mesmo que fosse, ia ser uma “briga” enorme para vacinar todo mundo: as pessoas preferem ter medo de fantasmas.
[1] Lippi, G., Targher, G., & Franchini, M. (2010). Vaccination, squalene and anti-squalene antibodies: Facts or fiction? European Journal of Internal Medicine, 21 (2), 70-73 DOI: 10.1016/j.ejim.2009.12.001. (Baixe o artigo clicando na figura).
[2] Para saber mais sobre o escaleno (ou esqualeno) veja o post do Brontossauros.
Uma Propaganda que Vale a Pena
A Hybrid Medical Animations é uma empresa de computação gráfica especializada em animações médicas. Existem várias desse tipo, mas eu fiquei especialmente intrigado com a qualidade e principalmente, conceitos fisiopatológicos envolvidos nesse demo divulgado no site. Vou tentar “irradiar” o filme – tal qual jogos de futebol transmitidos pela internet (eu sei que é horrível, mas fazê o quê?). Sugiro assistir o filme todo (3:10 min) e depois, com calma, entender cada um dos passos. Vamos lá:
00:00 – 00:10 Tudo começa com um lindo olho azul. Hehe
00:14 Aparece um coração que eu achei feio. A própria Hybrid tem um coração de vidro bem mais legal.
00:23 – 00:33 Aparece uma plaqueta (em azul) e, numa tomada mais alta, um trombo. Os fiapos são fibrina.
00:34 Uma válvula cardíaca (que acredito ser atrioventricular; tem as aórticas também).
00:41 Aparece o que eu acredito ser uma superfície de membrana celular com receptores acoplando-se a fármacos.
00:54 Não sei bem o que é a representação depois. Quem souber, ajude.
01:04 Parecem colônias de bactérias reproduzindo-se em camera rápida.
01:07 Eletrodos epicárdicos. Um estabilizador de coronária. Imagem simplesmente perfeita.
01:14 Pode ser uma secreção de alguma proteína de anticorpos (azul) e depois algo brotando que não parece ser médico (botânico?) a princípio.
01:24 – 2:00 Aqui você entra em uma coronária. Agora começa a emoção. Após ver passar umas pouquíssimas hemáceas, plaquetas e glóbulos brancos (isso não tem nada a ver com a realidade – o número seria bem maior), você se defronta com uma placa de colesterol que logo se rasga. Plaquetas (azuis) aderem ao local e ficam “peludas”, ativadas por substâncias provenientes da placa. Um trombo se forma e obstrui a coronária. Entra em cena um cateter que tem um tipo de rede na ponta. É o stent. Ele é colocado no local e esmaga a placa abrindo a luz da artéria e mantendo-a aberta (isso não é mostrado). A imagem que se segue é muito bonita. Mostra a trama do stent sendo recoberta por plaquetas que o consideram “estranho” ao organismo. Depois de um tempo, uma reação inflamatória ocorrerá no local e pode obstruir o stent. Por isso, alguns stents são recobertos com substâncias que inibem a proliferação celular e retardam essa obstrução. Também por isso, é necessário tomar medicações antiagregantes plaquetárias.
02:01 – 02:14 São umas bolhas azuis que, sinceramente, não consegui identificar.
02:15 – 02:20 Um procedimento intramedular.
02:21 – 02:26 O tal eletrodo cardíaco. O estabilizador de coronária. Parece representar uma desfibrilação. 02:27 – 02:44 Acho que eles quiseram representar células brancas do sangue.
02:45 – 03:10 Finaliza com uma belíssima imagem de um leucócito fagocitando bactérias. Eu achei interessante. Se houver discordâncias das imagens ou sugestões, por favor deixem-me saber.
(Agradecimentos sinceros a Kentaro Mori e Gabriel RNA_m)

A Aposentaria do Estetoscópio?
A evolução tecnológica do estetoscópio (esteto, para os íntimos) é uma marca da evolução da própria medicina. De um tubo rígido interposto entre o ouvido do médico e o seio de belas senhoras evitando assim o constrangimento de colocar diretamente a orelha em locais castos, a um instrumento acústico e, recentemente, eletrônico, foram quase 2 séculos.
Recentemente, a ultrassonografia (USG) vem ganhando um espaço jamais imaginado na prática médica. Antes, um campo dominado exclusivamente pelos radiologistas, o “ultrassom” vem sendo incorporado a várias outras especialidades como traumatologia, emergências, terapia intensiva, cirurgia geral e vascular, entre outras tantas. Os aparelhos vem melhorando dia a dia e as imagens, que antes pareciam as de uma TV com “chuvisco” foram ficando impressionantemente nítidas. Qualquer pessoa que já viu um ultrassom morfológico de uma mulher grávida sabe do que estou falando. Além disso, a tecnologia foi ficando mais barata, simples e menor! Esse último adjetivo é o motivo do post. Recentemente, a GE Healthcare lançou um aparelho de ultrassonografia que é mais que portátil. É de mão! Chama-se VScan (ver o filme promocional abaixo).
Seria a aposentadoria anunciada de um instrumento tão caro aos médicos? O espelho frontal, aquele espelho que fica na cabeça dos médicos em qualquer desenho animado foi praticamente aposentado. Quem ainda os usa, raramente é verdade, são os otorrinos. Hoje, entretanto, eles têm uma coisa chamada “nasofibroscopia” que além de permitir-lhes uma visão melhor, incomoda menos o paciente e ainda deixa você, paciente, pegar uma carona no exame, por meio de um monitor.
Acho que o esteto vai se aposentar como o espelho frontal, as navalhas, o categut, as mezinhas e outras tantas tecnologias obsoletas com as quais os médicos tentaram minimizar as mazelas da espécie humana. Contudo, em todas as “aposentadorias” anteriores, ele, médico, acabou por se distanciar um pouquinho mais de seus pacientes. A sensação de um estetoscópio geladinho no peito com um sujeito de olhos fechados e aspecto calmo, em silêncio, ouvindo o que seu corpo tem a lhe dizer é, por si, terapêutica. A ver…
A foto é do filme Zelig de Woody Allen. Atrás, Mia Farrow. (via Kentaro).
Animação Francesa para Campanha da AIDS
Gerou uma certa polêmica – o leitor logo verá porque – esse filme para a campanha de combate à AIDS na França. A partir de uma “estética de grafitagem de banheiro público”, o autor dá vida a um recém-chegado “membro” do grupo e passa seu recado com extrema criatividade e bom humor. Uma mistura de “dirty Toy Story” com “Roger Rabbit pornô” bem ao gosto de uma adolescência cada vez mais acostumada a lidar com esses problemas mas a qual, nunca é demais lembrar os perigos de relações sexuais desprotegidas, e não só por conta da AIDS.
Será que uma campanha como essa seria veiculada na TV brasileira? Que tipo de reação provocaria? Bom, que cada um tire sua própria conclusão. A caixa de comentários está à disposição.

Diagnóstico e Intuição
Muita gente pergunta como é fazer um diagnóstico clínico. Como elevar o “particular” de um paciente no consultório ou hospital ao “universal” da doença descrita no livro. O diagnóstico clínico é o momento em que o médico tenta identificar a doença através da história clínica (ativa ou passiva), procurando sinais e/ou interpretando exames subsidiários, com o desafio de não perder de vista, o próprio paciente, devido ao caráter psicológico e social que as enfermidades apresentam segundo a definição do prof. Milton Martins [1]. Não é difícil entender que o ato do diagnóstico clínico é indissociável da atividade racional ou razão. Podemos considerar, grosso modo, que a atividade racional possui duas modalidades básicas: a intuição (ou razão intuitiva) e o raciocínio (ou razão discursiva). O post anterior, tentava esboçar por meio de problemas simples, a diferença cognitiva entre os dois. Segundo Chauí [2], razão discursiva, como o próprio nome indica, discorre por uma realidade para chegar a conhecê-la, isto é, realiza vários atos de conhecimento até conseguir captá-la. Em uma sucessão de esforços de aproximação (por vários métodos) chega-se ao conceito da realidade que se quer conhecer, no nosso caso, a doença do paciente. A razão intuitiva, ao contrário, consiste num único ato do espírito, que, de uma só vez, capta por inteiro e completamente o objeto. O ato do diagnóstico clínico apesar de sua importância óbvia, por razões inexplicadas, não faz parte da grande maioria dos livros-texto de medicina. Quando abordado, é dada sempre maior importância à razão discursiva – o raciocínio clínico. O objetivo primordial desse post é chamar a atenção para o fato de que a intuição ou razão intuitiva é, no mínimo, tão importante quanto o raciocínio clínico para se chegar a um diagnóstico. Além disso, só após o reconhecimento da importância da intuição no ato do diagnóstico clínico poderemos estudá-la, disciplinando-a e colocando-a a favor do trabalho do médico, como já foi, exaustivamente realizado com sua contrapartida cognitiva, o raciocínio clínico. Talvez a principal causa destas distorções sejam interpretações do modelo de estratégias diagnósticas proposto por David Sackett [3]. Com a publicação do excelente livro Clinical Epidemiology em 1985, o modelo foi ganhando contexto e corpo e vem se popularizando principalmente entre os clínicos, sendo incorporado gradativamente ao ensino da prática médica. Em linhas gerais, segundo Sackett, seriam quatro as estratégicas básicas para chegarmos a um diagnóstico:
1) Reconhecimento de padrão (ou método do gestalt). É a percepção instantânea de que o quadro clínico do paciente é indistinguível de um padrão previamente aprendido de síndrome ou doença. O exemplo utilizado pode ser uma criança com síndrome de Down ou o “fácies” característico da doença de Graves (um forma de hipertireoidismo em que os olhos ficam saltados).
2) Método do Algoritmo. No qual o processo diagnóstico progride de acordo com uma seqüência lógica de vias pré-formatadas dicotomizadas por perguntas e respostas do tipo sim/não ou presente/ausente. São os fluxogramas de diagnóstico. O exemplo mais característico, para usar algo hoje muito em moda, são os algoritmos de trabalho do Advanced Cardiac Life Support (ACLS). Por intermédio desses algoritmos, o médico sob a pressão de uma situação crítica, pode chegar a um diagnóstico de embolia pulmonar ou pneumotórax hipertensivo.
3) Método da Exaustão. Esse método ficou conhecido por esse nome pelo fato do médico não se preocupar em raciocinar sobre o dado que está por receber de seu paciente, ocupando-se apenas de acumular exaustivamente, o maior número possível de informações. A estratégia da exaustão implica no fato de que o diagnóstico deva ser feito em duas etapas. Primeiro coleta-se tudo que poderia ser pertinente ao caso depois, e apenas depois disso, procede-se à segunda etapa que consiste em pinçar as informações potencialmente úteis para se fechar um diagnóstico. Foi assim que aprendi a “tirar história” dos pacientes.
4) Método Hipotético-Dedutivo. Consiste na formulação de uma pequena lista de hipóteses seguida de manobras clínicas (história e exame físico) e paraclínicas (radiografias e exames laboratoriais) visando à redução dramática dessa pequena lista e finalmente ao diagnóstico mais provável. Ao mesmo tempo em que as hipóteses são geradas, o médico vai simultaneamente realizando pequenos “bits” de procura por dados e sinais físicos que suportem sua hipótese. Essa estratégia é utilizada pela grande maioria de clínicos experimentados inconscientemente e parece ser algo inerente ao raciocínio investigacional humano, pois, mesmo alunos do primeiro ano da faculdade de medicina, submetidos ao mesmo estudo, demonstraram o mesmo tipo de comportamento.
Podemos analisar as estratégias diagnósticas sob a ótica de quem procura por indícios de intuição nelas. De imediato, o reconhecimento de padrão parece ser a categoria que melhor preenche a definição de razão intuitiva: captação de uma só vez da essência do objeto a ser conhecido, como um ato único do espírito. Entretanto, em análise mais cuidadosa percebemos que o reconhecimento de padrão é um re-conhecimento. O indivíduo deve ter “conhecido” a doença pelo menos uma vez antes. Normalmente, isto se dá através de outro médico, o que o torna refém do ponto-de-vista de um terceiro. Que dizer então, de doenças que nunca vimos antes? Em se tratando de razão intuitiva, nos permitimos intuir um conceito que não temos, mas não costumamos usar a intuição, até por uma questão de treinamento profissional, para conhecer uma doença que nunca vimos! Esse procedimento seria um “gerador” de doenças na dependência da variedade de seus quadros clínicos, e de fato, era assim que ocorria antes. Portanto, o reconhecimento de padrão é uma estratégia que parece mais se utilizar de padrões pré-formatados de entidades patológicas. O diagnóstico é então, efetuado por simples comparação não se constituindo assim, num meio para utilização da razão intuitiva.
Se por um lado, as estratégias do algoritmo e da exaustão são quase que abordagens mecanicistas do ato diagnóstico, por outro, a estratégia hipotético-dedutiva envolve uma etapa de geração de hipóteses que parece ter algo de intuitivo. O próprio Sackett faz a pergunta crucial: de onde vêm as hipóteses? Em apenas um parágrafo, a resposta de E. J. Moran Campbell, o grande fisiologista respiratório: “muitas, se não a maioria (das hipóteses), provém de nossa visão de rótulos diagnósticos como idéias explicativas que amarram nossa compreensão da biologia humana às enfermidades de nossos pacientes. Também, e especialmente com a experiência, muitas hipóteses saltam aos olhos por reconhecimento de padrão de um tipo que gera possibilidades múltiplas em lugar de uma única, de muito alta probabilidade”. Não há maiores comentários sobre o assunto no livro apesar da beleza e profundidade da frase. A primeira oração refere-se à tensão que é quebrada quando fazemos um diagnóstico (ou pensamos que fazemos). Cuidar de um paciente sem diagnóstico é um dos fatores de maior estresse psicológico para um médico. Daí a tensão que faz gerar hipóteses. Quando uma delas se encaixa (ou parece se encaixar), o médico se sente em território conhecido e fica seguro de si e de seus atos. A segunda oração merece um pouco mais de reflexão. Diz ela que com a experiência, algumas hipóteses são criadas por reconhecimento de padrão, mas de um tipo especial, pois ao invés de uma hipótese de alta probabilidade como já discutido acima, gera várias que necessitam ser
demonstradas através de uma atividade intelectual. Seriam a geração de hipóteses e sua posterior dedução apenas uma seqüência de tentativas frustradas de reconhecimento de padrão na qual se necessitam mais dados para sua comprovação? Para responder a essa pergunta, precisamos conhecer um pouco mais sobre o mecanismo gerador das hipóteses. Há evidências [4] de que uma hipótese diagnóstica é formulada antes do primeiro minuto de uma consulta. E, aproximadamente 6 minutos após ouvir a queixa principal do paciente, um médico bem treinado é capaz de formular uma hipótese diagnóstica que em 75% das vezes é o diagnóstico correto. Ora, todos esses achados lembram muito um processo intuitivo. A intuição, por sua vez, pode ser o ponto de chegada, a conclusão de um processo de conhecimento, e pode também ser o ponto de partida de um processo cognitivo. O processo de conhecimento, seja o que produz uma intuição, seja o que parte dela, constitui a razão discursiva ou o raciocínio. Pode-se então, imaginar que a estratégia hipotético-dedutiva parte de uma intuição e através do raciocínio chega a confirmação desta intuição ou a uma nova, com outputs de hipóteses diagnósticas como mostra a figura. Da maneira como vemos a estratégia hipotético-dedutiva, a intuição é, no mínimo, tão utilizada quanto raciocínio clínico para se atingir um diagnóstico.
[2] Chauí, M. Convite à Filosofia. 2000.
[3] Sackett D, Haynes B, Guyatt G, Tugwell P. Clinical Epidemiology. A basic science for clinical medicine. páginas 3-18.
[4] Barrows HS, Norman GR, Neufeld VR, Feightner JW. The clinical reasoning of randomly selected physicians in general medical practice. Clin Invest Med. (5) 1:49-55. 1982.
