Squeeze my balls, baby!


Quando um jornal escreve que descobriram o gene de alguma coisa… por princípio, duvíde. Nem tudo está nos genes. Algumas coisas estão nas bolas!

Duas semanas atrás recebi alguns e-mails alertando sobre a descoberta do “gene da infidelidade masculina”, que foi divulgada pelos principais jornais do país (veja artigo na Folha de São Paulo). Como eu não confio nos jornais, eu fui até a fonte, o artigo publicado na prestigiosa revista científica da academia de ciências americana PNAS.

O artigo é um clássico exemplo do que Ioannidis fala no seu aclamado “Porque a maior parte das descobertas científicas é falsa“: alguma coisa tendencioso e certamente as evidências não são suficientes para a conclusão de que homens carregando o alelo 334 na região reguladora RS3 do gene do receptor do neuropeptídeo arginina vasopressina tem uma menor propensão a estabelecerem vínculos duradouros com parceiros do sexo oposto.

Ops, essa frase pareceu até o Sheldon tentando explicar Mecânica quântica para a Penny no seriado “The Big Bang Theory”: tão difícil que não deu pra entender nada.

Corrigindo: o estudo conclui que homens que possuem a variante 334 do DNA na região que controla a produção de uma importante proteína do cérebro, tendem a permanecer solteiros ou fazerem as parceiras menos felizes. Embora a metodologia do estudo pareça ser adequada, acho que o maior problema é conceitual. Os autores abusam da plausabilidade da sua hipótese e confundem significância estatística com verdade causal.

O estudo foi feito em 552 indivíduos suecos (gêmeos e seus parceiros) pretendia verificar a influência desse gene que já havia se mostrado importante na comparação entre duas espécies de ratos que possuem comportamentos sociais diferentes.


Porém, eles usaram índices sociais para avaliar a relação dos casais (o Partner Bonding Scale – PBS, aplicado em primatas), que são influenciados tanto pelos entrevistados, quanto pelos seus parceiros. A região reguladora que era importante no rato não era existia nos humanos, então eles testaram 3 regiões que apresentavam alguma variação. Apenas uma entre elas (a RS3) mostrou uma pequena variação entre os indivíduos. Nessa região, foram encontradas 17 variantes da seqüência de DNA (ou alelos) e apenas um deles, o 334, apresentou uma pequena, porem significativa, correlação com os resultados do PBS. Os autores não são tão contundentes como os jornais, mas foram certamente precipitados. Outros estudos já haviam sugerido a participação da vasopressina em síndromes de deficit de socialização como o autismo. Mas também sugeriram participação no altruísmo e na idade da perda da virgindade (ou do 1o intercurso). Oh good lord, please! É determinismo biológico demais para o meu gosto. Obviamente, nenhum desses resultados foi obtido repetidamente de forma consistente (que é o que torna a significância estatística uma verdade causal).

Tomara que você tenha aguentado o biologuês até aqui, porque o melhor vem agora. Para Robin Baker, autor do livro “A guerra dos espermatozóides” há uma explicação muito mais plausível, convincente e interessante. A melhor forma para avaliar o potencial de, digamos, fixação de um homem, é o tamanho dos testículos.

O livro, que é imperdível, mostra que apesar de homens e mulheres precisarem um dos outros para obter seu sucesso reprodutivo, não utilizam as mesmas estratégias para alcançá-lo. Isso é de se esperar dados dois elementos fundamentais: As fêmeas fazem um grande investimento na reprodução (gestação, aleitamento, risco de vida) e por isso são seletivas, mas são recompensadas com a certeza que sua prole é sempre sua. Os machos por outro lado nunca podem ter certeza que sua prole é realmente sua, e por isso estão menos dispostos a investir em uma prole específica, optando por uma estratégia mais promíscua para aumentar sua probabilidade de efetivamente produzir alguma prole.

Isso cria uma série de dilemas que tem de ser resolvidos por machos e fêmeas. E que efetivamente são, afinal, estamos todos aqui. Na verdade, boa parte do livro trata sobre esses dilemas e eu não posso me alongar muito aqui. O que importa é que uma das estratégias de seleção dos machos pelas fêmeas é deixar que o esperma de dois ou mais machos se enfrentem no seu trato reprodutivo (desde o cerviz até a trompa) em uma “guerra de espermatozóides”, para garantir que o fecundador é REALMENTE o mais apto.

Não é a toa que o esperma dos animais, de insetos a primatas, é composto predominantemente de “soldados”: espermatozóides que não estão preparados para fecundar o óvulo, mas sim para identificar e aniquilar espermatozóides de outros machos. Possuem uma cabeça diferenciada, receptores celulares capazes de identificar seus ‘irmãos’ e poderosas substâncias químicas capazes de destruir seus competidores.


E onde são produzidos os espermatozóides? Nos testículos. Quanto maior o testículo (e o direito é sempre levemente maior que o esquerdo) maior a quantidade de esperma produzida. Maior o exército. E nessa guerra, um exercito simplesmente maior, pode ser a diferença principal arma para a vitória. Ou a fecundação, como prefiram.

Por isso, homens com testículos pequenos tendem a evitar a guerra. São mais cuidadosos (ou deveria dizer possessivos?) com suas fêmeas, estão sempre próximos e evitam deixá-las desacompanhadas, já que na eventualidade de uma ‘escapada’ da fêmea, seu exército tem menor chances de vitória. São os fiéis. Homens com testículos grandes não tem medo de arriscar. Seu principal cuidado com suas fêmeas é o de mantê-las inseminadas constantemente. Depois eles procuram oportunidade para inseminar outras fêmeas, pagando o alto preço de deixar sua própria fêmea desacompanhada, mas confiante na potencia do exército que ele deixou. O que ele ganha com isso? Bom, ele considera que a chance de ter o benefício de um outro homem, provavelmente de testículos pequenos, criando um filho seu é maior do que a chance dele próprio acabar tendo de criar o filho de um outro homem, que teria os testículos maiores ainda que os dele. Quem está disposto a apostar?

O sentimento, ao que parece, tem pouco ou nada a ver com isso.

A Posteriori

O lema do instituto onde eu trabalho é “Aqui se ensina porque se pesquisa” . Não tenho dúvida de que quem pesquisa, ensina melhor.

No semestre passado, enquanto explicava a toxicodinâmica de metais pesados para uma atenta turma de biologia, no meu desconhecimento de um exemplo adequado de ‘substituição específica‘ – quando o problema biológico é causado pela substituição de um elemento específico que faz parte da composição de uma enzima, por outro elemento qualquer que não faz parte dela – criei o meu próprio exemplo. Mas será que eu posso criar meus próprios exemplos?

A biologia não é como o direito, por exemplo, onde você pode exemplificar um contrato de compra de veículo usando um gol 1.0 ou um PT Cruiser, que dá no mesmo (ainda que não dê no mesmo para quem compra um ou outro). Lá, as regras que se aplicam a um objeto, se aplicam também ao outro. Na biologia, na maior parte das vezes, as regras mudam de acordo com os objetos.

Uma das proteínas, se não mais importantes, mais abundantes no nosso corpo é a hemoglobina, que tem a nobre função de transportar o oxigênio pelo corpo, viajando nos glóbulos vermelhos do sangue: as hemácias. A hemoglobina possui um núcleo estrutural e funcional, a molécula chamada “Heme” que tem o seu cerne, um átomo de ferro (Fe).

O ferro faz melhor, o que todos os outros metais podem fazer em alguma instância: trabalha tanto como doador, quanto como receptor de elétrons. No caso do ferro ele pode mudar de Fe2+ para Fe3+, e de volta para Fe2+, com muita facilidade. Essa habilidade é importante porque permite ao ferro fazer uma coisa bem difícil: pegar o oxigênio em um lugar e soltar em outro. Tudo bem que a abundância de oxigênio nos pulmões ajuda ele a pegar e a carência de oxigênio nos tecidos ajuda ele a largar. Mas em se tratando de divisão de elétrons com o oxigênio… doar é fácil, mas pegar de volta é bem difícil.

Calma, já vamos voltar ao problema do exemplo em sala de aula.

O ferro não está solto na molécula do Heme. Como vocês podem ver na figura abaixo, ele é ancorado por quatro nitrogênios. Só tem um elemento que o ferro gosta mais do que o nitrogênio e o oxigênio: o enxofre. E não só ele, mas todos os metais. Não é por acaso que quase todas as proteínas possuem os 3 elementos.


Não… não estou exagerando na bioquímica. O que eu estou fazendo é explicando a regra do jogo. Se você é advogado, psicologo, engenheiro ou tem outra ocupação, basta substituir essa regra por outra que a moral da história será a mesma.

Como eu estava dizendo, a regra do jogo é: os metais gostam de N, O e S. O ferro é o preferido, mas em determinadas condições (quando você está intoxicado) qualquer um deles pode entrar no lugar do ferro. E era exatamente pra explicar isso que eu precisava de um exemplo na hora da aula.

Talvez por que analisei a quantidade de Zn em mais de 1800 ostras da Baía de Sepetiba durante o doutorado, acabei falando que o Zn poderia substituir o Fe no Heme. Vou no quadro, desenho os 4 nitrogênios (como na figura acima), desenho o Fe, olho para a turma, espero uns 5 s, apago e coloco o Zn, olho para a turma de novo, dessa vez com olhar de “Tchan, tchan!!!“. Ai explico que Zn e Fe não tem o mesmo tamanho, que não trocam elétrons com a mesma facilidade… e algumas outras razões para que o Heme com Zn não funcione. Tudo era meio hipotético, mas pela cara deles, minha explicação funcionara e todos haviam entendido, hipoteticamente, uma ‘substituição específica‘.

Ótimo. Até que na prova eu pergunto um efeito dos metais pesados e os meus quase 60 alunos respondem, em peso: a substituição do Fe pelo Zn na anel porfirínico do Heme. Gelei! Todo mundo tinha tomado como verdade o meu exemplo fictício. E agora?! Lembrei da responsabilidade do professor como ensinada pela profa. Marlene Benchimol: “Um erro é multiplicado por muitos“.

Fui fazer então o que deveria ter feito antes da aula: estudar! Livro de toxicologia pra cá, livro de bioquímica pra lá… artigos novos, artigos antigos… e finalmente encontro. Ela… linda… a Zinco protoporfirina!

A ferroquelatase, a enzima responsável por colocar o ferro dentro do anel porfirínico durante a síntese do Heme, na falta de ferro (como por exemplo na anemia) coloca um atomo de Zinco no centro do Heme. Em certos animais, como as galinhas, que tem a atividade da ferroquelatase baixa (menor que nos camundongos) o Zn em excesso entra de forma não enzimática no Heme!!! Eu sei que vocês não vêem razão para tantas exclamações, mas é lindo!!! E é um exemplo perfeito, e real, do exemplo que eu havia criado em sala de aula!!!

Isso me fez pensar: a intuição é um pouco como a criatividade. Pegue as coisas que você tem armazenadas no seu cérebro e use bem de acordo com as regras que você conhece, e o resultado deve ser bom. Se você conhece muitas coisas, e sabe muitas regras, o resultado pode ser surpreendente. E quem faz isso bem? O pesquisador! Certo, você não vai acertar sempre (afinal, não há como saber todas as regras e nem todas as condições de reação), mas não vai fazer ‘bruta figura’ com os seus alunos. E eles todos vão se dar bem na prova.

Você conhece aquela do português?


Um dos motivos pelo qual fiquei sem escrever tanto tempo é o excesso de trabalho. Parte desse excesso de trabalho foi devido a duas teses de mestrado de alunos meus que tiveram, ou estão tendo, muita dificuldade de escrever.

Já falei aqui da minha descoberta da importância da leitura atenta e da escrita criativa para o suecesso da atividade científica. Saber contar uma história, a história de um trabalho científico, é tão importante quanto realização do trabalho científico em si.

Uma parte importante desse trabalho, é compreender o problema que está sendo investigado. Sem essa compreensão, a relação entre hipótese, objetivos, métodos, resultados e conclusões; o cerne do método científico; se torna impossível de analisar. Sem análise, não conseguimos transformar dados em informação.

Outro dia, tentando explicar isso para um aluno, me veio em mente uma piada de português. O pesquisador Manoel executa um experimento onde remove, uma a uma, todas as patas de uma aranha. Antes da remoção de cada excerto, ele executa um comando verbal para a aranha se locomover.

“Anda aranha, anda”
e a aranha andava.

O aracnídeo consegue realizar movimento até que a sua última perna é removida.

“Anda aranha, anda”
, e a aranha não se movia. “Anda aranha, anda”, e a aranha ainda não se movia.

Manoel conclui então que após a remoção das 8 patas, a aranha fica surda.

Eu sei, estou parecendo a Turma do Casseta & Planeta no “Piada em debate”, mas vejam, o erro do Manoel, que é fatal para o sucesso da atividade científica, é mais comum do que imaginamos, e é cometido por muitos, muitos alunos no início das suas carreiras acadêmicas: concluir apenas com base nos resultados, e não em todas as etapas do método.

No método científico, cada etapa depende da anterior, e o que mantém a integridade de um trabalho de pesquisa é a coerência entre elas: Se a segunda etapa segue a primeira, e a terceira segue a segunda, então, obrigatoriamente, a terceira segue a primeira. Parece obvio, e é, mas nem sempre é assim. Se a terceira etapa pode existir independentemente da primeira ou da segunda, então o processo está comprometido. Assim como as conclusões. Corremos o risco então de concluir que depois de arrancar as patas da aranha ela não consegue andar porque fica surda.

Acho que a parte mais difícil do trabalho do cientista é a análise dos dados, para retirar toda a informação contida neles. Nem mais, nem menos do que os dados podem fornecer.

Abre parênteses: Vocês já ouviram aquela outra: torturem seus dados e eles te dirão o que você quiser”? Pois é, esse é outro erro comum. Concluir com base em nossos preconceitos, aquilo que gostaríamos que fosse verdade, ou que acreditamos a priori que é verdade, e não nas evidências apresentadas pelos resultados. fecha parênteses.

Mas identificar o problema de pesquisa corretamente é a parte mais crucial do trabalho científico. Aquela que pode comprometer todo o processo. Sem o problema identificado corretamente podemos proceder a uma coleta de dados que resultará inutil (e o que é pior, irreversível ou irrecuperável) enquanto uma análise superfícial (ou abusiva) dos dados produz danos parciais e, geralmente, reversíveis.

Identificar o problema corretamente pode ser uma habilidade inata, mas também pode ser uma habilidade desenvolvida com treino e trabalho. O que o cientista não pode é prescindir dela.

Diário de um Biólogo – Domingo 11/05/2008

Nos próximos dias, se encerram 3 editais importantes para financiamento de pesquisa. Dois são editais apenas para jovens cientistas, uma iniciativa pelos quais eu e meus amigos temos lutado muito. Desde que eramos jovens…

Mas não posso deixar de notar no que se transformou minha atividade científica. Entre as aulas que tenho que dar, provas e trabalhos para corrigir, teses para ler, teses para corrigir, teses para avaliar, e os muitos editais por ano que temos que responder para conseguir dinheiro para sustentar o laboratório, praticamente não sobra tempo para fazer pesquisa

O pior é que o dinheiro dos projetos também não é suficiente para sustentar um laboratório, assim como o tempo para escrever os projetos. Então estou me tornando um mestre em “corte e costura” de projetos para poder atender a todos os editais. E todas as necessidades dos meus alunos.

Que venham os resultados!

Quem são os biofísicos?

Quando entrei no doutorado no Instituto de Biofísica da UFRJ em 1997, uma coisa me incomodava: eu não sabia direito o que era Biofísica! Eu enchia a boca para dizer “Faço doutorado em biofísica” e torcia para ninguém perguntar depois “Mas o que é biofísica?” Acho que o termo é tão ostentoso que ninguém se arriscava a perguntar. Até ontem. Na verdade a pergunta do João não foi exatamente o que é biofísica, mas sim se existem “biofísicos”? Sim João, existem.

Mas vamos voltar a biofísica. É claro que em algum momento, bem no início, eu procurei uma definição de Biofísica. E encontrei. Várias. Todas desse tipo: “Biofísica é a aplicação de princípios físicos, tanto clássicos como modernos, para a solução de problemas dos sistemas biológicos”
Nenhuma ficava guardada na minha memória. Com o tempo, fui eu mesmo construindo minha definição.

Acho que começou quando li “Genes, girls and Gamow” do James Watson (um dos descobridores da dupla hélice do DNA). O ‘Gamow’ do título é o físico nuclear George Gamow. Um cara de peso, não apenas pelos seus quilos em excesso, mas por toda sua influência na física e na política do século XX. Foi ele que cunhou o termo “big bang” para descrever a grande explosão que teria dado origem ao universo e trabalhou no projeto Manhatan, de onde saíram as duas primeiras bombas atômicas do mundo.

A física viveu seu auge no início do século XX. O modelo atômico de Neils Bohr, a relatividade de Einstein e a mecânica quântica de Max Planck, mudaram a forma de ver o mundo. Houve muitos outros físicos de destaque como Enrico Fermi, Robert Oppenheimer e Richard Feynman. Mas o (explosivo) sucesso da empreitada do projeto Manhatan, com a aplicação na pratica de toda a física teórica até então produzida, trouxe o vazio que costuma a acompanhar o alcance de grandes objetivos. O pós-guerra deixou então muitos físicos órfãos, para não dizer desempregados.

Por outro lado, a biologia era um campo de grande efervescência. Avery, MacLeod e McCarty tinham descoberto em 1944 que era o DNA que continha as informações genétics. Em 1952 Linus Pauling ganhou o Nobel pela descoberta da estrutura de alfa-helice e folhas-beta das proteínas, e em 1953 Watson e Crick descobriram a dupla hélice do DNA. Isso entre outras coisas. Não é de estranhar que os físicos desempregados e sedentos por novas idéias voltassem seus olhos para a biologia. E foi o que fizeram. No livro de Watson ele relata de como após a descoberta da estrutura da dupla hélice, Gamow se juntou a ele e Crick para tentarem entender como apenas 4 nucleotídeos poderiam dar origem aos 20 aminoácidos conhecidos. Eles precisariam estar em código e quebrar esse código se tornou o principal passatempo de Gamow, que continuava consultor do governo americano para assuntos de segurança nacional.

O próprio trabalho de Linus Pauling e de Watson e Crick não seria possível sem uma importante ferramenta da física aplicada a biologia, a difração de raios-X. A técnica utilizada por Bragg e Bragg para decifrar a estrutura cristalina dos materiais foi rapidamente incorporada a biologia para estudar a estrutura cristalina das moléculas biológicas. O fisiologista Neozelandês Maurice Wilkins e a biofísica americana Rosalind Franklin foram pioneiros na aplicação dessa técnica à biologia e competiam com Watson e Crick para ver quem determinaria primeiro a estrutura do DNA.

Parênteses para fofoca: Na verdade, foi ao ver uma palestra de Wilkins no Instituto de Zoologia de Nápoles, que Watson (que era muito, muito ambicioso) decidiu que deveria estudar a estrutura do DNA, um assunto que poderia levá-lo a fama (e ao sucesso com as garotas, que ele tanto almejava). Mas ele, além de muito feio e muito chato, não entendia nada de difração de raios-x, então foi para a Inglaterra, para os laboratórios Cavendish, onde essa técnica era amplamente utilizada (inclusive por Sir Laurence Bragg), com a desculpa de estudar a estrutura da mioglobina. Mas passava a maior parte do tempo conversando com Crick sobre hereditariedade, DNA e construindo os modelos de madeira e ferro que levaram eles a compreender corretamente a estrutura do DNA. Fecha parênteses.

Mas talvez o pai da biofísica seja Erwin Schrödinger. É, aquele que disse que ‘o gato dentro da caixa’ está vivo algumas vezes e morto outras, esse mesmo. Ele foi mais um daqueles brilhantes físicos do início do século XX, que já na meia idade, após uma distinta carreira científica, voltou seus olhos para a biologia.

A pergunta que perturbava Schrödinger era: “Como podem os eventos no tempo e espaço que ocorrem dentro dos limites espaciais de um organismo vivo, serem explicados pela física e pela química?” Ele estava convencido de que a inabilidade da física e da química daquela época para explicar esses eventos não era razão para duvidar que eles pudessem ser explicados por essas ciências. Assim, em 1948 ele publica o livro “What is life” onde dá uma abordagem revolucionária sobre o que é a vida e que influenciou em muito a biologia dai por diante.

Hoje em dia a definição que eu mais gosto, e mais uso, é a do professor Carlos Chagas Filho, fundador do Instituto de Biofísica da UFRJ, que leva o seu nome, e onde eu trabalho: “Biofísica é tudo aquilo que se faz no instituto de Biofísica”

Precisam-se de Biólogos


Sempre quis ser biólogo.

As razões foram sofrendo influências diversas ao longo do tempo, mas que eu lembre, sempre quis ser biólogo. Acho que começou quando eu era pequeno e ao invés de brincar com o baldinho na areia, brincava na água. Na lagoa de São Pedro da Aldeia, então de águas cristalinas, dava para ver os peixinhos e de vez em quando, um desavisado ia parar no meu balde. Eram os idos de 78.

Dai para o meu primeiro aquário foi um passo. Depois a pesca de camarão, o mergulho, e eu já queria ser biólogo marinho. Antes de fazer vestibular, fui tentado pela oceanografia, mas a grande quantidade de matemática me desanimou. Ao mesmo tempo, a engenharia genética começava a despontar. Bactérias que produziam insulina humana, ratazanas que produziam leite de vaca, milho transgênico. A biologia continuava com grande poder de sedução. Eram os idos de 88.

Entrei para a faculdade de Biologia, aprendi um monte de coisas e decidi que queria trabalhar na universidade para sempre. Fui fazer mestrado no sul. Proteínas sendo purificadas a torta e direita, genes clonados todos os dias. A biologia molecular entrou definitivamente na vida dos biólogos. As companhias de biotecnologia cresceram vertiginosamente e o mundo se assombrou com a clonagem da ovelha Dolly. Eram os idos de 98.

Em entrevista à Folha de São Paulo de domingo, 27/04/2008, o economista Francês Bruno Parmentier, autor do livro “Alimentar a humanidade”, diz que o século XXI será de “penúria alimentar”. Ele explica que a revolução agrícola dos anos 60usa muita terra, água e energia; e que é impossível leva-la adiante em tempos de escassez.

Em suas palavras: “A química já deu à agricultura tudo o que podia no século XX, como os fertilizantes, os fungicidas, os inseticidas e os herbicidas. Hoje ela custa muito caro em termos de energia e acabou poluindo os solos e as águas. Em matéria agrícola, o século da química está chegando ao fim e é preciso deslanchar o século da biologia”.


Enquanto a fome assola os países e o aquecimento global ameaça o planeta, a responsabilidade pela agricultura mundial foi retirada da FAO (Organização da ONU para Alimentação e Agricultura) e transferida para a OMC (organização mundial do comércio). O resultado é que o preço da tortilla subiu 50% no México porque nos Estados Unidos querem usar o milho para fazer combustível.

Tsc, tsc, tsc!

O mundo precisa de mais biólogos.

Bio- o que?!?

O uso de metáforas é uma ferramenta muito importante para o ensino de biologia. Isso porque muitas das coisas que temos de explicar são invisíveis aos olhos. E outras, invisíveis para qualquer um dos nossos outros sentidos.
Da mesma forma que ajudam, as metáforas também podem atrapalhar (é tudo uma questão da dose). Uma metáfora não pode ter muita especificidade e justamente pode ser utilizada para explicar outro fenômeno. Então, as pessoas podem escolher metáforas diferentes para explicar uma mesma coisa. E resultado pode ser uma confusão de termos.

Esse problema é muito bem ilustrado na biologia. Basta colocar o prefixo ‘bio’ antes de uma palavra qualquer para termos uma metáfora.

Vejamos, o que faz um biomonitor?

Bem, vamos começar pelo que é um monitor. Hoje em dia quase todo mundo tem um em casa, mas até 20 anos atrás, monitores apareciam apenas em laboratórios médicos ou de eletrônica, acompanhando a freqüência cardíaca ou os pulso elétricos . É bem verdade que sempre tivemos outros monitores em salas de aula. São aqueles caras ainda mais mal pagos que os professores para ajudarem a tomar conta de turmas muito grandes. De acordo com o Michaelis, Monitor é: mo.ni.tor, sm, lat. monitore. 1 – Aquele que admoesta, adverte ou dirige. 4 – Aparelho comum de televisão, instalado para controle das transmissões em qualquer ponto da estação emissora. Tem mais um monte de outras variações sobre o tema, mas essas duas definem uma ambiguidade importante do termo. Monitor pode ser tanto aquilo que dá a informação, o mecanismo de transdução de um sinal, quanto aquilo onde a informação aparece, o mecanismo de exposição do sinal.

Com o avanço da tecnologia, temos uma mecanização de um monte de processos na ciência e hoje em dia tudo aparece em um monitor de computador. Mas podemos usar outros monitores que vão além das telinhas. Um organismo pode dizer muita coisa para quem sabe sabe ouvir. Ver nas linhas ou nas entrelinhas. São os biomonitores.

Assim como os monitores, os biomonitores sofrem da mesma ambiguidade. Ora eles próprios são o mecanismo de transdução, ora são o mecanismo de exposição da informação. E nem sempre é fácil diferenciar. Na verdade, nos biomonitores os mecanismos de transdução e de exposição do sinal estão sempre integrados, juntos, na mesma unidade, no mesmo organismo. Febre indica infecção, sendo que o aumento de temperatura e o agente infectante tem de estar no mesmo organismo.

Os organismos podem dizer muitas coisas pra gente. Sobre eles, mas especialmente sobre o meio em que eles vivem. E dentre estas, tem coisas que sé eles podem dizer, porque não existem análises físicas ou químicas (ou físico-químicas) substitutas. São processos globais que envolvem a presença de agentes e (as vezes múltiplas) causas. A toxicidade é um deles.

Me lembro de anos atrás, ainda estudante de biologia, ficar chocado quando li que “não existe nenhuma máquina que possa avaliar toxicidade. Concentração química pode ser avaliada por uma máquina, mas apenas seres vivos podem informar sobre a toxicidade de uma substância” e realizei que sempre precisaremos utilizar animais em pesquisa.

Podemos avançar em níveis de organização biológica acima do organismo: populações, comunidades, ecosssitemas; e temos então o monitoramento ambiental. Aqui os métodos abióticos e bióticos são utilizados para mostrar as variações que ocorrem no ambiente. Os organismos tem grande importância no monitoramento ambiental: como bioindicadores, biomarcadores ou (bio)sentinelas.

Os bioindicadores não realizam completamente o seu potencial de monitor, sendo eles próprios a informação. É como se ao invés de números aparecessem na tela do monitor, os monitores se multiplicassem ou desaparecessem. São aquelas espécies que pela sua presença ou abundância informam a variação do ambiente. Em um ambiente poluído, uma espécie sensível desaparece. Uma espécie resistente se torna dominante. Gosto de usar sempre o exemplo da alga Sargassum sp. que é bastante sensível a poluição marinha e desapareceu há algum tempo das praias do Rio. Ou da alga Ulva sp. que é bastante tolerante a eutrofização e domina os costões rochosos de praias poluídas.


Os biomarcadores são os mecanismos de transdução. Em geral os mecanismos moleculares ou bioquímicos, mais do que os fisiológicos (respiração, crescimento, reprodução). A atividade de uma enzima, a quantidade de uma proteína, a sequencia de um gene. Aquelas coisas bem invisíveis aos olhos. Os biomarcadores também são a informação: os números que aparecem na tela do monitor.

As espécies sentinelas acumulam em seus órgãos e tecidos alguma substância que esteja contaminando o ambiente. Um contaminante, como um metal pesado ou um hidrocarboneto poliaromático, ainda que em pequenas concentrações no ambiente, pode causar um estrago grande na biota. Porém, tão importante quanto a quantidade desse contaminante, é a biodisponibilidade dele.

A disponibilidade depende ‘espécie química’. Íons livres e cloretos são mais solúveis em água e reativos que os sulfetos, que tendem a se precipitar. Compostos orgânicos apolares são mais lipossolúveis e ultrapassam com mais facilidade as membranas biológicas. Mas a disponibilidade biológica depende, em última instância, do organismo. Afinal, tem organismo pra tudo. Bactérias que vivem em fontes hidrotermais, que ‘respiram’ H2S, que comem petróleo ou mercúrio. Como diz o ditado: “tem sempre um chinelo velho para um pé doente”. Então usamos as espécies sentinelas pra avaliar o quanto daquela substância contaminante do ambiente pode ser capturada pelos organismos.

É verdade que as vezes as concentrações no ambiente são baixas, o que torna a análise química muito difícil (sinônimo de cara), e utilizar organismos sentinelas pode ser uma ‘mão na roda’. Como os sentinelas acumulam essas substâncias no organismo, é mais fácil (e mais barato) analisar a substância no sentinela do que diluída na água do mar ou no sedimento. E ainda por cima, temos a informação da biodisponibilidade.

Os organismos sentinelas se encaixam mais na descrição de monitores. Os números na tela são as concentrações dos contaminantes. O organismo em si é o monitor.

Tem sempre uma definição, e uma metáfora, para o que queremos saber, ou explicar. Para escolhermos a definição ou a metáfora corretas, precisamos ter claro o que queremos saber, ou explicar. E as vezes é essa a grande dificuldade.

Deu na CBN, de novo

Dar entrevista é bacana. Eu que sou um árduo defensor do cientista pop, fico feliz quando a imprensa se interessa por um determinado trabalho do laboratório. Mesmo que a entrevista seja às 6:40h da manhã.

Duas semanas atrás a assessora de imprensa do IBQm, veio no laboratório conversar com a gente sobre os projetos em andamento e preparou um release sobre o trabalho do Diogo. Ele está estudando no mestrado mecanismos de detoxificação de metais pesados nos camarões cultivados no Nordeste. Até agora, descobrimos que os camarões não utilizam as mesmas estratégias de descontaminação que a maior parte dos invertebrados marinhos. Mas descobrimos também a alta contaminação das rações por metais pesados. Várias marcas de ração, vários lotes da mesma marca, todos tinham concentrações de Mercúrio (Hg) , muito além do residual. Isso não é bom.

O Hg, claro, vai para nos tecidos do camarão. As concentrações ainda não são alarmantes (5% do valor máximo permitido por lei). Quer dizer, não são alarmantes para o consumo humano. Já para os camarões, isso é um problema. Nossa hipótese é que eles gastam tanta energia pra se livrar do Hg, que não sobra nada para crescer. Isso é ruim para o produtor, já que 70% do custo do cultivo é ração, que acaba sendo desperdiçada com animais que estão se descontaminando e não crescem.

As 6h parei tudo, dei uma olhada na versão da tese, revi os valores permitidos pela legislação. Dar entrevista ao vivo não é fácil. Inclusive por isso não deixei o Diogo falar. Cinco de cada oito palavras que ele fala são gíria. Dessas, 3 são conhecidas apenas pela rapaziada do Grajau. Não dava pra sair na CBN. Fiz algumas anotações para me livrar de um possível ‘branco’ e fiquei esperando o telefone tocar.

Você pode ouvir a conversa com o Heródoto Barbeiro aqui. Achei que ele tentou ser mais contundente do que os meus resultados realmente permitiam. Mas essa não é sempre a questão entre cientistas e jornalistas?

Alguma coisa está fora da ordem

No Globo de ontem, duas notícias me chamaram atenção e me lembraram a música do Caetano.


Primeiro foi o lançamento, anteontem, do maior engôdo dos últimos tempos: o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o REUNI. Explico o porquê do engôdo. Depois de anos de esquecimento, as universidades federais do pais estão sucateadas. É uma triste realidade, mas convido qualquer um, você leitor querido, o ministro da educação ou o presidente Lula; a fazer uma visita as instalações do meu, que é um dos mais respeitados e produtivos institutos de pesquisa do país.

Na semana passada, realizamos o encontro presencial do curso de capacitação de gestores da e-TEC, a escola técnica aberta do Brasil. Como eu sou coordenador do curso, procurei realizar todas as atividades do encontro presencial na UFRJ, porque acreditava que teríamos tudo que fosse necessário a mão. Ledo engano. O laboratório de informática da biblioteca não possuia computadores em rede, os banheiros do auditório da decania do CCS não eram limpos há 15 dias e os participantes, quase 100 professores de escolas técnicas de todo Brasil, tiveram de segurar a bexiga enquanto eu falava e transpirava, porque o auditório também estava com o ar-condicionado quebrado.

Posso ainda lembrar do recente evento dos funcionários da Light (distribuidora de energia elétrica do Rio de Janeiro) adentrado os corredores da reitoria para cortar a luz, já que a conta não era paga há meses. O índice de roubo de carros na cidade universitária é um dos maiores do Rio e o bandejão vem sendo empurrado com a barriga há pelo menos dois anos. O próprio secretário estadual de C&T do Rio, Alexandre Cardoso, no seu discurso de posse, mostrou-se indignado com a situação do reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, cuja maior preocupação é a de pagar a conta de luz. No ano passado, uma aluna se queimou com ácido em um acidente causado pela queda de um garrafão de água destilada. Não foi o suporte que prendia o garrafão na parede que cedeu. Foi a parede!

Nesse contexto, o governo propõe as universidades um aumento de 20% da verba, condicionado a inclusão da universidade no REUNI: um pacote de medidas que visam aumentar a produtividade da universidade. Criar mais vagas, mais cursos, aprovar mais alunos etc. Tudo muito correto, muito bonito e muito inviável. Por uma razão simples: os 20% a mais no orçamento não são suficientes nem para recuperar o sucateamento dos últimos 10-15 anos, quanto menos para criar os 36 novos cursos e 3.350 novas vagas que o programa prevê.

Com água pelo nariz e prestes a se afogar, sob o peso de forte pressão política, o reitor não tem opção a não ser aceitar o pacote de medidas para ter os 20% na mão. Ele não pode se dar ao luxo de discutir seriamente a proposta e o REUNI é enfiado goela abaixo da comunidade academica encadernado em papel 180 gramas.

Não tem como funcionar. Mas pelo menos não vai funcionar com 20% a mais de verba para o reitor. É isso que a comunidade academica reluta em entender. e por isso que estão todos reclamando do pacote no Globo de ontem. Os 20% são um paleativo. O reitor assinaria qualquer coisa para tirar a água do nariz e deixá-la no queixo. O MEC sabe disso, assim como sabe que as propostas são impossíveis. Se isso vai ser usado lá na frente contra a própria universidade, eu não sei. E parece que o reitor não quer saber também. Afinal, ele tem uma conta de luz pra pagar.

Como fazer, em meio a esse caos, para estimular jovens professores e pesquisadores, inovadores, produtivos e cheios de energia, a ficarem no Brasil? Não dá! E o que o governo faz para reverter essa situação? Essa é a segunda reportagem: suspende as bolsas de doutorado pleno no exterior.

O drama da CAPES é a evasão de cérebros. Quando um aluno vai fazer o doutorado pleno no exterior, fica pelo menos 4 anos fora. As pessoas lá fora não são mais inteligentes do que nós, mas em geral tem mais dinheiro e melhores condições de vida e de trabalho. Durante 4 anos fora trabalhando duro, são poucos aqueles que mantém um vínculo acadêmico-político (esse último tão importante quanto o primeiro) com universidades ou outras insitituições de pesquisa no país. E vocês sabe; quem não é visto, não é lembrado. Quando termina o doutorado, como convencer alguém a voltar ao Brasil para ser desempregrado (real, porque não consegue emprego, ou funcional, quando consegue um sub-emprego onde não tem condições de trabalho)?

É verdade que muita gente sabe disso até mesmo ANTES de sair do país. E que se assina um termo de compromisso que voltará ao país, e blá, blá, blá. Mas é bom lembrar que nenhum, NENHUM, programa de recém-doutores da CAPES ou do CNPQ sobreviveram para entrarem no segundo edital. Todos pereceram antes. E pelos mesmos motivos: falta de dinheiro e falta de vontade política para criar uma política de longo prazo de C&T para o país. E pelo visto, não é o PAC da C&T que vai solucionar essa pendenga.

Há mais de 20 anos, o Brasil investe em pós-graduação sem investir em infra-estrutura nas universidades e centros de pesquisa. É isso que está fora da ordem. E agora, com um monte de doutores desempregados funcionais, continua sem querer investir em infra-estrutura. Afinal, é mais fácil suspender as bolsas de doutorado pleno no exterior do que enfrentar o congresso para acabar com o contingenciamento de recursos para C&T no Brasil.

E se Lamarck estivesse certo?

A pergunta foi feita no blog do Átila, como ponto de partida para uma carnaval de ciência, parecido com o que acontece na Roda.

Quando comecei a escrever sobre ciência, gastei vários textos falando sobre a seleção natural. Provavelmente a maior descoberta da biologia, ou pelo menos a que mais influenciou a própria biologia. Isso tudo justamente pra dizer que Lamarck estava errado.

Quem foi Lamarck? Foi o predecessor de Darwin, que acreditava na geração espontânea da vida e na herança de caracteres adquiridos (veja aqui). Para Lamarck, uma cicatriz ganha durante a vida, seria transferida para a próxima geração através do que mais de um século depois viriam a se chamar, genes.

Mas como eu disse, Lamarck estava errado. O pescoço da girafa não cresceu porque ela esticou ele pra comer as folhas mais altas. Mas essa é uma idéia muito intuitiva, muito mais intuitva do que a própria idéia da seleção natural: mutações aparecem por acaso e se geram uma maior adaptação do organismo ao ambiente, são selecionadas e transferidas as próximas gerações, se fixando na população. Complicado, né?!

Como poderíamos dar um novo olhar sobre a evolução? A pergunta do Átila é excelente. Nos obriga a desconstruir alguns conceitos e pensar sobre evolução de uma outra forma. Pura ficção científica? Sim, mas isso dá repertorio pra trabalharmos melhor a seleção natural como ela é.

No entanto, devo confessar que fiquei perdido? E se Lamarck estivesse certo??!!?!?!? São tantas possibilidades que fiquei sem saber por onde começar. Do que exatamente falar. Até que ontem, visitando a minha avó no final da tarde, que felizmente estava assistindo ‘Sem censura’ ao invés de ‘malhação’, e vi a Elza Soares na televisão.

Pequena, esmirrada, velhinha, mas com os olhos mais puxados que uma japonesa legítima, por plásticas e mais plásticas. Uma caricatura com um vozeirão. Lembrei de outras caricaturas criadas pelas plásticas, como a Bete Faria e o Mickey Rourke, mas também de várias maravilhas que andam por ai nos desfiles e na praia.

Foi então que me veio em mente. Se Lamarck estivesse certo e os caracteres adquiridos fossem transmitidos de pais para filhos, seriamos, em poucas gerações, todos bonitos.

Claro, se passam as cicatrizes, também passam os olhos puxados, maças ressaltadas, narizes afinados, barrigas esculpidas, peitos inflados e cabelos alisados. Ou com permanente. Os lábios das meninas começariam a ficar parecidos com os da Kim Bassinger, Kelly LeBrock (pra quem é da minha geração) ou da Aline Moraes (pra quem é da geração atual). Academia seria coisa do passado: se o pai malhasse, os filhos, meninos, nasceriam todos com o corpo do Paulo Zulu.

Os filhos de judeus já nasceriam circuncizados e, Deus do céu, os filhos dos metrosexuais sem pelos no peito e com as sobrancelhas feitas. Através de um mecanismo certamente mais complexo, o aumento da circulação do estrógeno produziria as glândulas mamárias nas adolescentes e depois, aos trinta, a redução da atividade das colagenases dispararia o processo das siliconases, que produziriam próteses de silicone em todas as filhas de misses: Brasil ou Universo. Ave Natália!

As diferenças culturais, mantidas por ambientes inevitavelmente diferentes no grande planeta que vivemos, cuidariam para que todos não nos tornássemos apenas o mesmo Leonardo di Caprio e a mesma Gisele Bunchen. Já pensaram um mundo apenas de Giseles? Como diriam Kleiton e Kledir: “Já pensou… Nem pensar…”

Bom… nem tudo seriam flores. A AIDS seria transmitida genéticamente, assim como todos os tipos de cânceres. O filho do Ruben Gonzalez (pianista do Buena Vista Social Club) já nasceria com o piano nos dedos, mas também com a artrite. Os cirurgiões plásticos se sentiriam mais deuses do que já se sentem.

No fim das contas, vejo que a seleção natural e a herança de caracteres hereditários dá muito mais liberdade ao indivíduo do que a herança Lamarckista. Você pode não acumular os mesmos atributos adquiridos por seus pais, mas também não herda os mesmos defeitos. É um tipo de “cartões amarelos zerados para a próxima fase do campeonato”. Dependemos, principalmente, de nós mesmos. Eu gosto disso. Ainda bem que Darwin é quem estava certo.

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