Diário de um biólogo – 5a feira 25/03/2010

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Eu sei que ninguém aguentava mais o texto do carnaval. Me desculpem a demora em atualizar o blog, mas o mês de início das aulas é sempre um mês complicado.
E vai continuar sendo complicado pelo próximo mês, mas eu tive que parar hoje pra contar uma coisa pra vocês: Adoro ser professor!
Ontem dei a primeira aula da disciplina Biofísica no curso de graduação em Biologia. E quando voltava pro laboratório, com as mãos e a camisa sujas de giz, que apesar da alta tecnologia nas apresentações que eu preparo e no site que controla o conteúdo, eu insisto em usar, eu sorria, feliz de ter dado uma boa aula. Feliz que ao final de duas horas continuava todo mundo dentro da sala (que é o maior desafio de um professor hoje em dia). Feliz com a certeza que os alunos saíram de lá sabendo coisas que eles não sabiam, sabendo onde buscar informação para saber mais, e tendo se divertido um pouco (que é outro grande desafio para o professor). Adoro ser professor!
Na sexta-feira da semana passada minha aluna Juliana Americo defendeu sua tese de mestrado, que estava um espetáculo, e que levou nota 10 e conceito A de ponta a ponta. A Juliana é uma aluna brilhante. Já era antes de entrar no laboratório 3 anos atrás, mas tenho certeza que o orientador dela ajudou a lapidar esse trabalho, principalmente na hora de colocar ele no papel. E por isso, enquanto a banca elogiava o manuscrito, eu ria de ponta a ponta, porque eu tinha cumprido bem o meu papel.
Adoro ser professor!

Quem tem medo da Física?

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No excelente texto ‘O apagão vem ai‘ de Sonia Rodrigues no Blog Inclusão Digital, ela mostra a sua preocupação com a falta de formandos de Física para suprirem a imensa carência de professores dessa disciplina no ensino médio.
Segundo os dados do INEP que ela cita, são necessários 23,5 mil professores de Física, só para o Ensino Médio, e as todas as faculdades do país formaram, nos últimos 12 anos, apenas 7,2 mil licenciados.
Para ela, essa é a explicação para tantos professores de Biologia dando aulas de ciências no ensino fundamental e de Física no ensino médio. Criou-se um ciclo vicioso: se formam mais biólogos, que se tornam mais numerosos entre os professores de ciências, que puxam a brasa para a sua sardinha nas aulas de ciências, inspirando mais alunos a se tornarem biólogos, que se tornarão também professores de ciências.
O problema é que esse raciocínio cria uma tautologia: quem veio primeiro? O aluno inspirado que vira professor ou o professor que inspira o aluno?
Comentei no texto dela em minha opinião o problema é outro: as pessoas, e os alunos, tem mais medo da física do que da biologia, independente do professor. E como vocês sabem que cientista detesta não ter elementos para apoiar suas conclusões, resolvi fazer aqui uma pesquisa. Então:

De qual materia voce tinha (tem) mais medo na escola?
Historia
Fisica
Quimica
Biologia
Matematica
Portugues
Geografia
  
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Já anuncio o meu voto: matemática!
Acontece que quando a gente entra na faculdade descobre que a Biologia não é mais fácil do que nada: quero ver encarar Bioquímica I no 3o período ou Biologia Molecular no 6o!
E como diz a piadinha: “Quando a gente entra na faculdade descobre que Psicologia é, na verdade, Biologia; que Biologia é, na verdade Química; que Química é, na verdade Física; e que Física é na verdade Matemática (e que mesmo depois de estudar anos, você não vai entender bem nada).”
Por isso acho que existe outro motivo: a Biologia se aproximou mais das pessoas nos últimos 50 anos, enquanto a Física se distanciou. A Ecologia, a Biodiversidade e até o Genoma estão muito mais próximos do homem do que a teoria das Supercordas, os buracos negros e os universos paralelos. Mesmo com todo o charme (?) de Sheldon e do Marcelo Gleiser, os físicos estão perdendo!
Porém, meu comentário suscitou uma outra questão, que eu sei que arrepia a Sonia. Eu não vejo um movimento nas universidades públicas para valorizar as carreiras de base (que formam os professores para as disciplinas do ensino fundamental e médio). Ao contrário, o REUNI exigiu que as universidades criassem novos cursos. E elas criaram cursos voltados para o futuro. Ainda que seja o futuro delas.
Na UFRJ, os exemplos são os cursos de graduação em Biofísica, Nanotecnologia, Metrologia, Bioinformática e Biologia Forense.
São cursos interdisciplinares, antenados com a modernidade de um país que quer investir em inovação e recuperar o tempo perdido no desenvolvimento de tecnologia. Precisamos de profissionais preparados para navegar em diferentes mares e para muitas cabeças pensantes, esses cursos interdisciplinares são a solução. É importante ter em mente que no nosso país, assim como em todo o mundo, o desenvolvimento de tecnologia está ligado a universidade pública (a diferença é que aqui está ligado principalmente e quase exclusivamente a universidade pública – sim, eu sei que EMBRAPA e institutos de pesquisa do CNPq são fundamentais, mas me permitam esse raciocínio). A maior universidade do país (em número de alunos) não poderia se furtar a esse compromisso!
Mas e as disciplinas de base? O número de vagas vem aumentando ao longo dos anos, como por exemplo a criação da licenciatura em Biologia no período noturno (também na UFRJ).
Abre Parênteses: Na teoria é lindo, mas na prática não funciona. Os ‘cursos modernos’ de modernos tem apenas o nome. É mais fácil pronunciar interdisciplinaridade do que praticá-la. O resultado são currículos multidisciplinares, onde as diferentes disciplinas se misturam, mas caminhando paralelas e não convergentes. Não há uma só disciplina de gestão empresarial e de recursos humanos, criatividade, estética, cultura e idiomas. Os conselhos profissionais tem resistência a registrar esses novos profissionais que podem permanecer um bom tempo no limbo. E por outro lado, meus alunos do curso noturno não conseguem chegar pontuais nas aulas porque podem levar até 3h de ônibus para chegar na Ilha do Fundão vindos de São Gonçalo ou Maricá na hora do rush. Fecha Parênteses.
A Universidade Aberta do Brasil é uma tremenda iniciativa para recuperar o déficit de jovens fora da universidade e produzir os licenciados necessários para reverter as estatísticas infames que mostram, por exemplo, que apenas 1% dos professores do ensino fundamental na região norte tem ensino superior.
Não há dúvida que precisamos trabalhar para aumentar o número de licenciandos em física e garantir que haja professores qualificados e motivados ensinando ciências para nossas crianças e adolescentes, mas sem que se comprometa a formação interdisciplinar de pessoas para as profissões do futuro, aquelas que ainda nem sabemos quais são.

Antena de celular e hierarquia na internet

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No início do ano recebi um e-mail do meu querido amigo Edu perguntando o que eu achava sobre os riscos da instalação de antes celulares no alto de edifícios. Caramba… era pergunta de prova! Eu prego que os cientistas sabem resolver qualquer problema, então não pude me furtar de tentar resolver o problema dele também. Fiquei meses querendo postar a resposta, mas sempre aparecia um tema mais interessante, porque no final das contas, resolver o problema dele foi simples: era uma questão de critério.
Mas será que meu amigo advogado não tem critério? Claro que tem, mas certamente não os mesmos que eu. Por isso, quando tenho um problema legal ligo pra ele e quando ele se defronta com um problema técnico liga pra mim.
Eu não entendo de emissões eletromagnéticas de telefones antenas de celular, mas confiei que o que eu sabia sobre energia eletromagnética em geral seria suficiente para ler alguma coisa. Eu sabia que era suficiente para saber que o vídeo da internet que mostra um ovo sendo cozido no meio de dois telefones que falam entre si é furado.
Além disso eu sei bastante sobre os efeitos biológicos das radiações. Já era o suficiente. Mas foi outro conhecimento que me ajudou mais. Eu conheço um pouco sobre o mercado editorial de revistas científicas, a qualidade duvidosa de algumas delas, os critérios que elas usam para selecionarem um artigo.
O Edu me enviou uma página no site da ABRACON, onde desfilam uma série de argumentos científicos que comprovam os males causados pelas radiações eletromagnéticas.

  • Lai et al (1989): influência da radiação de microondas de baixa freqüência no sistema nervoso central
  • Funkschau (1992): efeitos no mecanismo de transporte do sódio e do potássio através da membrana celular
  • Kues (1992): aumento do efeito colateral de medicamentos para glaucoma por REM
  • Persson (1997): aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica em ratos expostos a campos eletromagnéticos usados na comunicação sem-fio

Mas a lista começava com a declaração do “cientista armênio Avakian do Instituo de Física de Telecomunicações e de Eletrônica” sobre o “efeito dipólo das moléculas orgânicas” que faz com que “se orientem e girem sob um campo elétrico”.
Gente, vocês não precisam ser cientistas para saber que a Armênia não é especialmente famosa pela ciência que produz ou pela academia de ciências que possui. Além disso, a maior parte das moléculas orgânicas é apolar e não se orientam em um campo elétrico. Já a água sim, possui um dipolo (uma lado positivo e outro negativo). Passei a vista nos outros artigos, mas já sabia que, do ponto de vista científico, não havia nenhuma conclusão séria ou consenso geral sobre efeitos de baixas doses de radiações eletromagnéticas (quem quiser se informar em maior profundidade, aqui vai um resumo produzido por uma agência de advogados americana).
Pouco depois ganhei um celular da minha operadora e no manual do proprietário vinha importante informação ao consumidor:
Limite de tolerância da radiação não-ionizante de aparelhos celulares
Vejam que são informados não só o limite de exposição permitido pela agência internacional de radiação não-ionizante, como também os valores que foram apresentados pelo aparelho nos testes conduzidos pela empresa. Isso é mais informação do que vocês encontrarão em alguns artigos científicos de qualidade duvidosa (e eu garanto, existem muitos). Mas eu acho que mais que isso é o compromisso que esse papelzinho faz a empresa assumir com o seu consumidor (perante um juiz se for necessário) de que aquilo não é mentira. É com o meu critério de cidadão, é um compromisso maior que o dos editores de revista com o que é publicado nelas.
Escrevi pro Edu dizendo que, do ponto de vista do cientista, não havia nenhum impedimento. Agora ele poderia aplicar o critério de advogado dele a vontade.
Lembrei desse assunto e resolvi voltar a esse texto hoje por causa da polêmica que levantou a proposta do Leandro Tessler de um mecanismo de controle e hierarquização da informação na internet, comentada pela Sonia Rodrigues no Inclusão Digital.
Escrevi até aqui algo como 600 palavras, mas a quantidade de referências que deveriam ser verificadas para que esse post tenha 100% de credibilidade já é enorme. Atualmente são publicados muito mais de 10.000 artigos científicos por dia. Só o mecanismo de buscas ScienceDirect possui mais de 2500 revistas científicas indexadas.
Mais um problema: atualmente o maior problema do conteúdo é a sua indexação. Colocar um conteúdo online é fácil, mas classificá-lo é difícil porque os computadores não podem fazê-lo, só humanos. Isso significa que custa caro. Pergunte a qualquer gestor de portal.
Então como, como poderemos pensar em verificar, validar e certificar a informação na internet? É impossível, e não devemos gastar nosso precioso tempo tentando.
O que temos de fazer não é certificar a fonte, mas certificar o receptor! Temos que mudar imediatamente o ensino de conteúdo que ainda damos nas escolas e universidades e começarmos a ensinar critérios para os nossos alunos. Apenas assim eles poderão passar de consumidores de vídeos duvidosos na internet para produtores de vídeos que desmistificam o mito dos ovos que são assados por telefones celulares.

Todo mundo no mesmo barco

Não, não sou eu no barco. Como (quase) todas as outras fotos no blog, essa veio do site SXCNa última 6a feira meu 3o aluno de mestrado defendeu sua dissertação. Foi um parto.
A experiência de orientador é provavelmente a mais enriquecedora da vida acadêmica. Uma orientação nunca é igual a outra, provavelmente porque um aluno nunca é igual a outro. A minha ilusão inicial é que o trabalho nós colocasse a todos, alunos e professores, no mesmo barco, um barco onde eu levava o leme. Ledo engano.
Tem aqueles que enquanto você está no leme, levantam e baixam a vela no momento certo, tiram água quando esta entra e verificam se as amarras estão seguras quando a gente chega no porto. Mas tem também de tudo: aqueles que querem seu próprio barco, aqueles que tem medo do barco andando rápido demais e pulam na água, aqueles que não tem idéia do que fazer no barco e você tem de dizer tudo o que ele tem que fazer (Camba! Caça a vela! Não deixa emborcar). Ah, e tem os motineiros. Aqueles que querem tomar o barco de você.
Oxalá um dia incluam uma disciplina de RH no curriculo dos biólogos, mas eu tive mesmo que aprender escovando assoalho e tomando com a vela na cabeça. Não fosse o cinto de segurança (e a ginga de capoeira) tinha caído pra fora nos primeiros escorregões e o barco estaria a deriva.
O que eu tenho muita dificuldade de convencer novos alunos é de uma particularidade importante da ciência. A ciência é muito, muitíssimo, extremamente, democrática. A ciência, como já disse aqui é para todos. Está aberta para todos. Mas a ciência não é uma democracia. Aqui não vale o que fala a maioria, mas sim o que está certo (e que cada vez menos são a mesma coisa).
A ciência não faz, e nem deve fazer, concessões. Nenhuma!
Aqueles resistem, questionando a validade dessa essa exigência, ou evocando um ‘lado humano’ na ciência (que permitiria a ela abrir exceções ou fazer concessões), eu digo que são ingênuos.
Mas nosso barco é grande e pode fazer muitas coisas. E apesar de seguir uma trajetória bem definida, passa por muitos lugares. Quem quiser se juntar a nós pode ter muitas experiências diferentes nele, pode nos acompanhar na nossa longa caminhada, ou apenas percorrer o trajeto até o próximo porto. Minha exigência para um aluno é que ele aceite que a ciência não faz concessões, e no que tange esse aspecto, tampouco eu. Mas conselho é que ele invista em escolher que tipo de passeio quer e está disposto a fazer.
Ou, mudando a metáfora mas mantendo o sentido, como perguntam diriam os motoristas de Buggy das dunas do nordeste:
“Vai ser com o sem emoção?”

De grão em grão


Não dá pra aprender tudo de uma vez.

Essa foi uma coisa importante que eu aprendi e que me ajudou a aprender muitas outras coisas mais.

No nosso instituto, temos, todas as 4as feiras, palestras que tratam dos mais variados temas. Principalmente relacionados as ciências biomédicas.

A maioria das palestras são, eu diria, ‘avançadas’. São para especialistas. Talvez devesse ser diferente, talvez pudesse ser diferente, mas é assim. Isso faz com que muitos alunos não frequentem as palestras (e muitos professores também não). É no mínimo uma hora sentando ouvindo um grande farmacologista falar sobre venenos de cobras, outro falando sobre canabinóides e dor; um francês falando sobre acetilcolinesterases ou um americano falando sobre RNA polimerases, sem entender nada. Não é fácil. Nesse mundo saturado de informação, manter a atenção é muito difícil, mas ainda ter que lidar com a frustração de não entender nada do que o cara está falando, não é para qualquer um.
“Caramba… o cara viajou! E eu também… não entendi nada!” Cansei de ouvir os alunos reclamando. O resultado é que eles não vão as palestras.

Eu já fui um desses alunos. Mas não tinha jeito. Se eu fosse esperar os grandes pesquisadores pararem de se preocuparem com seus ‘pares’ e começarem a se preocuparem, ou pelo menos se preocuparem também, com seus alunos, na hora de preparar uma apresentação; eu teria de esperar um loooongo tempo. Tive que encontrar uma alternativa. Ou ela me encontrou.

Com um assunto diferente a cada semana, não dava para eu me preparar, antes de apresentação, para acompanhar uma palestra de especialista. Então, eu mudei a minha atitude com relação ao palestra. Parei de ir para entender o que o apresentador estava falando e comecei a ir para aprender alguma coisa nova. “O que será que eu vou aprender hoje?” Essa é a pergunta que eu sugiro que os alunos façam antes de entrar em uma palestra difícil. Você não se frustra porque não entendeu nada do que o cara está dizendo, e ainda sai feliz com alguma coisa nova.

Já aprendi que as acetilcolinesterases se organizam para formam um tetrâmero na superfície da membrana plasmática. So what?! Acontece que é super importante e… lindo! O tetrâmero das proteínas parece uma flor! Essas enzimas tem um papel importante na transmissão do impulso neurvoso que é a ordem para que o músculo se contráia. O sinal é elétrico, mas quando chega no músculo, vira químico. O neurônio se liga ao músculo através de uma sinápse. Nessa sinapse, o neurônio libera um transmissor, uma molécula chamada acetilcolina, que ativa os canais de sódio da membrana, que é o primeiro passo para que o interior da célula, que tem carga negativa, fique com carga positiva, e a célula muscular se contraia. Depois de abrir os canais, a acetilcolina precisa ser destruída, senão o canal fica aberto direto (deixando entrar o sódio que tem carga positiva) e a célula não consegue voltar para o seu repouso. A acetilcolinesterase destrói a acetilcolina!

Cada unidade da enzima possui subunidades, que são módulos para se ligar a membrana (que parece uma raiz), para se ligar umas as outras (um filamento que se parece com um ramo) e o sítio ativo (que são meio ovais e parecem uma pétala). As 4 unidades se enroscam pelo filamento, formando uma trança que serve de ramo para a ‘flôr’ que é formada pelas ‘pétalas’ ou os 4 sítios ativos das proteínas. Com o ‘ramo’ a enzima pode ficar balançando na superfície da membrana para degradar acetilcolinas de diferentes receptores. É uma forma muito eficiente, e bonita, de fazer o que precisa ser feito.

Ia contar outras coisas que aprendi sem ter que entender tudo, mas acho que vou aproveitar a deixa e criar uma coluna no blog, o ‘de grão em grão’ para contar pra vocês coisas que a gente aprender sem ter tido de entender tudo. Até a próxima.

Pelo buraco da fechadura


“O professor chegou com 15 min de antecedência e as 10 horas em ponto já estava tudo pronto para a aula começar. Mas não havia nenhum aluno. No quadro negro, o nome da disciplina, o nome do professor e o título da aula. Também havia uma pergunta, a primeira que ele queria fazer a seus alunos. Mas não havia nenhum aluno. Já havia visto aulas, e já havia dado aulas, para três, dois, até para um aluno. Mas sem nenhum aluno… não há aula.

Então o professor se sentou, abriu seu livro preferido e esperou que os alunos chegassem. Eles tinham que chegar! Não era um curso qualquer: era um curso de pós-graduação, em uma instituição de excelência, com professores gabaritados e, ainda por cima, gratuito. Os alunos, todos eles também professores, foram selecionados com base em critérios exigentes. Então cadê o aluno?

Foi então que ele viu um aluno olhando pelo buraco da fechadura. Via os olhinhos se revezando, mas nenhum deles entrou. “Ué? Será que eles não me viram aqui? O Professor, o quadro negro, a pergunta? Será que não reconheceram a sala de aula?

Dois chegaram a abrir a porta e entrar na sala, mas saíram antes mesmo que o professor pudesse dar bom dia. Será que é isso? O professor deveria ter escrito ‘Bom dia’ no quadro? Ele lembrou da piada do Joãozinho onde a professora sempre que entrava em sala de aula era saudada pela turma com um “Bom diaê, professora” e no final ficou comprovado que ao mesmo tempo que todos da turma davam ‘bom dia’, Joãozinho mandava pra professora: “vai se fudê”.

Com isso ele sabia lidar. Alunos bagunceiros, alunos barulhentos, alunos que não sabem respeitar o professor por esse ou por aquele motivo. Já tinha sobrevivido a várias tentativas de motim em sala de aula. Mas aos alunos que não entram na sala? Isso ele não sabia como lidar.

Ai aconteceu algo realmente estranho. Uma aluna entrou disfarçada de carteira escolar. Sim, ela estava disfarçada de carteria. Luvas e meias compridas da cor de madeira e uma tábua de madeira colada nas costas e outra na barriga e ficou ali, de quatro no meio das outras mobílias acadêmicas por alguns minutos, tentando ver se acontecia alguma coisa. Se a aula começava.

Apenas um segundo antes de revelar o disfarce da aluna e perguntar o que estava acontecendo, ele se lembrou de quando ele era aluno e que um professor reclamou de algo parecido. Os alunos não entravam na sua sala para tirar as dúvidas que ele sabia que eles tinham. A porta estava sempre aberta, ele falou, mas ninguém entrava. Eu era aluno e apesar de não ter aquelas dúvidas, eu sabia porque ninguém entrava: todos tinham medo dele.

Curiosidade e medo. Só mesmo a confluência dessas duas poderosas emoções podem levar um aluno ao ridículo de se disfarçar de cadeira para tentar entrar em uma sala de aula desapercebido. Uma curiosidade tão forte, e um medo tão grande de errar, que anulam o ridículo do disfarce de cadeira.

Então ele deixou a menina ali. Um pouco porque se comoveu com aquela situação, outro porque não havia mais ninguém na sala mesmo, mas também por curiosidade de ver o que aconteceria se outro aluno entrasse e tentasse se sentar naquela cadeira. Na pior das hipóteses, ao ver que nada acontecera com aquela aluna em uma situação ridícula, outros alunos se animariam a entrar na sala, ainda que com outros disfarces. E ele então teria sua turma e poderia dar a sua aula.”

Uma situação parecida aconteceu comigo. Não, não teve aluna disfarçada de cadeira, mas os alunos resistiam a entrar na sala de aula e eu pensei se eu não estaria sendo assustador.

Vai… quem olha pra minha foto ai do lado vê que eu não tenho como ser assustador. Sou até bonitinho!

Mas olhei ao meu redor e vi: Minha sala de aula era assustadora. Mouse, tela, cabos, modem, seqüências de 00001001111001110010101110011 bites e bytes. Fórum, chat, e-mail. Parece a Matrix.

Mas mais que isso: na minha sala de aula virtual existe a palavra! O que se escreve ali fica registrado, guardado nesse baú com tranca de ‘zeros e uns’ e que ainda confundem tanto as pessoas. O que assusta mesmo é a palavra. A autoria do pensamento. A escrita. A crítica.
O que foi dito pode ser retirado, ainda que com dificuldade. O que foi escrito, não. E é isso que apavora.

Descobri que minha sala de aula é mais assustadora do que a ‘mansão de Amityville’!

A sala de aula virtual desperta a curiosidade de todos os professores, mas todos tem medo das suas palavras. O resultado é tão bom quanto uma aluna disfarçada de cadeira.

Pensando bem, vou lá acabar com a farsa dela agora mesmo. Que futuros professores podem ser tornar alunos que tem tanto medo do erro? Ou pior, que tipo de professores eles já são?

Criatividade ou Anarquia?

Pollock foi criativo
O físico Richard Feynman diz que toda boa idéia deve primeiro passar por um exame intelectual criterioso antes de ser colocada a prova experimentalmente. Testar hipóteses é trabalhoso e caro, e justamente por isso nem todas as idéias devem chegar a esse estágio. Não importa se é uma idéia para um experimento, para um novo avião ou para uma obra de arte.Uma boa idéia, e portanto original e criativa, não deve refutar princípios básicos das coisas.
Por exemplo, a 2a lei da termodinâmica é uma das leis fundamentais do universo. Ela diz que não podemos reciclar energia. Energia gasta é energia perdida (isso pode parece banal, mas tem conseqüências graves, como a passagem do tempo, a expansão do universo, a vida e a morte). E também diz que as coisas precisam de energia para se manterem organizadas e se não gastarmos energia as coisas se desorganizam.
Uma nova idéia para uma turbina precisa respeitar a 2a lei da termodinâmica
Pois bem, se um engenheiro aparece com uma idéia excelente sobre um novo motor a jato onde a energia de uma turbina em movimento é utilizada como combustível para movimentar uma outra turbina; por melhor que seja a idéia, ela é impraticável, porque contraria uma lei fundamental. Ou o engenheiro propõe uma nova abordagem para a lei da transferência de energia ou o projeto vai ficar engavetado (o que provavelmente acontecerá).
Quando uma idéia nova não respeita leis fundamentais e preceitos básicos ela não é criativa, ela é anarquica. E a anarquia, como a falta de energia, levam a desordem. Não é uma colocação política, é física.
Picasso foi muito, muito criativo
Essa constatação parece ser universal. Andando pelo MoMA no final de semana passado, vi obras de arte que eram criativas e outras que eram, simplesmente, anárquicas. Não tem a ver com formas, com cores, com padrões, emoções ou abstração. Van Gogh usou cores e pinceladas que ninguém usava e foi muito criativo. Picasso usou formas que ninguém nunca usava e foi criativo. Pollock jogava tintas na tela e foi criativo. Andy Warhol usou latas de sopa e foi criativo. Porque então ou cara que jogou panos de estopa no chão e colocou alguns espelhos foi anárquico? Vejam que eu disse ‘o cara’ porque eu nem lembro o nome da figura.
Aqui eu não há criatividade. Só anarquia.
Está faltando precisão para explicar o anárquico? Então deixem eu tentar novamente. No último andar do museu havia uma mostra de Miró. E era uma mostra anárquica. Das horas que passei no museu, apenas 5 min (tempo necessário para atravessar todos os corredores sem parar em quase nenhuma obra) foram nessa recém inaugurada gigantesca mostra de Miró.
Mas se eu adoro Miró e acho Miró super criativo. Vejam que eu disse que a ‘mostra’ era anarquica.
Nesse caso, a culpa é do curador e não do pintor. A mostra se chamava ‘Pintura e anti-pintura’ com desenhos e colagens feitos por Miró depois da sua frase célebre “Eu quero assassinar a pintura”. O curador tenta vender a idéia de que vários estudos e desenhos de Miró eram uma fase revoltada da sua arte, uma tentativa de criar a anti-pintura, trabalhando em segredo em seu estúdio blá, blá, blá. Pura anarquia. A verdade é que o fascismo estava comendo solto na Espanha e a segunda guerra mundial batendo à porta. Miró trabalhava trancado em seu estúdio por medo de sair na rua. E não havia muita gente circulando por lá pra ir visitá-lo. Miró foi criativo, mas isso não quer dizer que TUDO o que ele fez enquanto estudava e experimentava era criativo.
Uma idéia para ser criativa precisa respeitar a lei da entropia, em qualquer um dos seus muitos enunciados: “o calor sempre passará de um corpo mais quente para um corpo mais frio e nunca ao contrário”; “uma energia de baixa qualidade realiza menos trabalho que uma energia de alta qualidade”. Uma idéia para ser criativa, precisa otimizar o uso da energia. Em um motor, um texto, um experimento ou uma pintura.
Preguiça e ignorância nunca resultam em idéias criativas.

Por que e para que

Quando eu era mais novo, nunca me interessei realmente pelos estudos. Quando cresci, descobri nas festinhas da minha turma – geralmente uma orgia de pizzas e crepes caseiros na casa do Maiô – onde conversas eram sobre temas que eu, muitas vezes, não tinha ouvido falar nem superficialmente e que os outros pareciam conhecer em profundidade; que eu tinha que recuperar o tempo perdido.

Mas por que eu nunca havia me interessado antes? Hoje eu descobri que eu sabia por que eu deveria estudar, mas não sabia para que. E pelo visto, meus professores também não.

Explico, mas não serei breve. Vou começar com uma historinha do livro “Deve ser brincadeira, Sr. Feynman”, do físico americano Richard Feynman. Por favor, me acompanhem.

Quando esteve no Brasil em 1951, o físico Richard Feynman deu uma palestra na Aademia Brasileira de Ciências (ABC), onde disse que “não se está ensinando ciência alguma no Brasil”.

Ele perguntou para o auditório cheio: “Qual um bom motivo para lecionar ciência?” E ele mesmo respondeu “Porque é importante para que um país possa se considera civilizado, blá, blá, blá.”

Mas para ele, esse não é um bom motivo. E nós temos que ensinar ciência por um bom motivo. Sem um bom motivo, você acaba não ensinando nada.

Ele conta: “Tentei ensinar como resolver os problemas na física por tentativa e erro. É algo que as pessoas geralmente não aprendem. Comecei com alguns exemplos simples (…) e fiquei surpreso quando apenas 1 em 10 estudantes fez a tarefa. (…) Uma pequena delegação veio até mim , dizendo (…) que eles podiam estudar sem resolver os problemas, que eles já haviam aprendido aritmética. (…) É claro que eu já havia notado o que acontecia: Eles não sabiam fazer!”

“Depois participei de uma palestra na faculdade de engenharia (…) assim: Dois corpos são considerados equivalentes se… Os estudantes estavam todos sentados lá fazendo anotações (…). Eu era o único que sabia que o professor estava falando de corpos com o mesmo momento de inércia e era difícil descobrir isso”

“Depois da palestra falei com um estudante:

– Vocês estavam fazendo um monte de anotações. O que vão fazer com elas?
– Vamos estudar, teremos uma prova.
– E como será essa prova?
– Com perguntas como ‘Quando dois corpos são equivalentes?’

Então, você vê, eles podiam passar nas provas, ‘aprender’ essa coisa toda e não ‘saber’ nada, exceto o que eles tinham decorado”.

Parênteses: Vocês podem imaginar o rebuliço na ABC quando ele disse isso? Gostaria de ter estado lá. Fecha parênteses.

Quando li esse texto do Feynman, percebia o problema intuitivamente, mas ainda não tinha conseguido entender o que tinha acontecido. Como haviam chegado naquele ponto (que aliás, é o ponto aonde estamos até hoje)?!

Até que hoje, na aula da Rosita, lí o seguinte texto:

“Sem compreender o que se faz, a prática pedagógica é mera reprodução de hábitos existentes ou respostas que os docentes devem oferecer a demandas e ordens externas” (Sacristán e Gómez, 1998)

Nem olhei para os outros ítens. Esse era importante demais! Acho que tinha me lembrado do Feynman, só que ainda não sabia que tinha me lembrado. Esse é o problema que está antes de todos os outros! Qualquer um que assistiu aulas em uma faculdade sabe que ESSE é o maior problema do ensino no Brasil. Seja ele presencial ou a distância: O professor que não compreende o que faz acaba apenas ‘propagando hábitos existentes’! E consegue somente que seus alunos reproduzam hábitos existente.

A Rosita então chegou no grupo e disse que isso acontecia porque o professor sabe por que ensina. Ele tem, e segue, seus objetivos. Mas ele não sabe para que ensina, qual a finalidade daquilo. Ele ensina para formar cidadãos? Ou para que as pessoas saibam somar? O Feynman tentou dizer isso para os nossos cientistas há 50 anos.

O por que é a resposta que encerra, a ‘mera reprodução de hábitos existentes’. O para que é a pergunta que ‘abre caminho‘. O por que mantém o professor nos seus objetivos. O para que muda a atitude do professor.

Eu estudava por que. Estudava porque tinha de passar de ano, porque tinha que passar no vestibular. Não era um ‘bom motivo’ e por isso nunca me interessei pelos estudos. Na faculdade eu passei a estudar para que. Passei a estudar para poder mais. Sim, quem sabe mais, pode mais.

E é por isso que temos que ensinar. Para que todos possam poder mais.

Teste de relevância

Missão dada é missão cumprida!

Essa semana três experimentos falharam porque meus alunos não cumpriram o protocolo. A primeira não obedeceu a concentração de magnésio em um PCR. A segunda não colocou as cultura celulares na placa de petri, mas ‘inventou’ uma camara de incubação que congelou as células e o terceiro, não preencheu todos os campos do formulário.

Quando bandidos malvados são libertados por um erro no processo ficamos bravejando, que uma banalidade burocrática não deveria impedir a justiça. A gente esquece que o processo, o protocolo, existe justamente para tentar garantir que a justiça exista, e não dependa de variações no procedimento.

Da mesma forma, ciência feita com protocolo aumenta precisão e acurácia. Economiza tempo (ainda que não imediato) e dinheiro.

Nem sempre o protocolo está escrito (um problema que estamos tentando corrigir no laboratório). Por isso, muitas vezes, o protocolo é o que eu digo pra eles que é. Ás vezes o protocolo não existe. Especialmente nesse caso, é importante seguir o que eu digo. Ou porque eu tenho mais conhecimento, ou porque de vez em quando tenho boas idéias. Não é democrático, mas a ciência não é uma democracia.

Cumprir as ordens, ás vezes, é a melhor maneira de alcançar um bom resultado. E por isso o laboratório ganhou hoje um cartaz do ‘Tropa de Elite’: “Missão dada é missão cumprida.” Pelo menos enquanto eu estiver são e não estiver pedindo nenhuma maluquice.

Mas por que os alunos, ou todos nós sempre que estamos na posição de alunos, questionamos os protocolos (foi assim com os professores do curso de capacitação da UAB, está sendo assim no curso de narrativa, onde eu sou aluno também)? Por que?

Vou dar a resposta do dr. David Greb, o chimpanzé filósofo semiótico humanista da sociedade simiesca que Will Self criou no seu livro “Grandes Símios”. É ótima!

“Da mesma forma, a capacidade humana de gerar até cinqüenta fonemas diferentes e – acreditava-se – interpretá-los devia, Grebe afirmara, ser um exemplo de como o desenvolvimento neural humano tornara-se um mal-adaptativo. Uma parte tão grande da vasta capacidade cerebral humana devia se ocupar com a atividade de interpretar esses sons confusos, que não houve oportunidade de ocorrer o ‘Bing Bang’ que se deu na evolução símio-antropóide.

Ao contrário dos Chimpanzés, cuja competência sinalizadora evoluíra ao longo de 2 milhões de anos de seleção contínua, determinando a interação cérebro-signo, o humano atolara em um perverso e clamoroso jardim sonoro, sua capacidade de gesticulação efetiva tão atrofiada e deformada quanto seus dedos das mãos e dos pés atrifiados e deformados. Esses argumentos situram Grebe solidamente no âmbito de de Noam Chomsky e outros psicossemiólogos que afirmavam que a sinalização era atributo único do compacto cérebro chimpanzé. Dada a incrível plasticidade do cérebro primata, seria de admirar que uma supersuficiência neural levasse a seleção natural a ser incapaz de trabalhar capacidades cognitivas?

Assim, a capacidade humana de processar informação e desse modo aprender tarefas ficou ironicamente circunscrita pela falta de circunscrição. Em termos simples: o humano estava perdido dentro da própria cabeça. Incapaz de criar uma mente integralizada; condenado a obedecer para sempre os inúteis ditames da memória filogenética e os grosseiros gorgolejos de suas promíscuas vocalizações sem propósito.”

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