O Poderoso Chefão


Durante os dois anos que estive na Itália, trabalhei com Dr. Francesco Dondero (esq) e Dr. Aldo Viarengo (dir), que na semana passada visitaram o meu laboratório (eu estou no meio): a Unidade de Biologia Molecular Ambiental do laboratório de Radioisótopos (Instituto de Biofísica/UFRJ).

Se vocês assistiram “O Poderoso Chefão” o Francesco é o Al Pacino (um dia vai ser o Capo – o chefe), mas o Aldo é o Marlon Brando (Il Padrino). Sua influência está se se infiltrando em diferentes campos da pesquisa na itália e sua máfia de pesquisadores está levando o monitoramento ambiental na Europa a um nível mais elevado. Ele têm um monte de Ferraris e sabe pilotar elas.

Ferraris e bicicletas

Chegamos no Costão do Santinho em cima da hora. O PRIMO (Pollutant Responses in Marine Organisms) é o congresso mais importante da minha área. O SETAC (Society of Environmental Contamination and Toxicology) também pode ser muito bom, mas é grande demais e a gente fica com a sensação de que mais perdeu, do que ganhou informações. O PRIMO 14 está acontecendo pela primeira vez fora do eixo Europa/EUA e o Afonso Bainy da UFSC foi muito competente em conseguir trazê-lo pro Brasil.
Todo mundo estava lá: John Stegeman, Aldo Viarengo, Miren Cajaraville, Odd-Ketil Andersen e mais uma penca de cabeças coroadas. Editores da Aquatic Toxicology, Comparative Biochemistry and Physiology e da Marine Environmental Research. A primeira palestra foi boa. O tema era interessante, mas o Mark Hahn, coitadinho, é muito sem graça. O coquetel que se seguiu foi bom e eu fiquei cumprimentado o pessoal que eu só encontro a cada dois anos e colocando o papo em dia com meus amigos italianos.

Thiago, Rodrigo e Lia, meus alunos que foram pro evento, estavam deslumbrados, mas o JP tinha que acordar cedo no dia seguinte pra ir colocar coletores nas serras catarinenses (em São Joaquim ou perto de lá, naqueles pontos onde neva no Brasil), e quando terminou a comida (pobre é foda) a gente foi pra pousada.

Durante todo o congresso vimos poucos trabalhos realmente novos. Uma aluna do Adalto Bianchini do sul mostrou um método autoradiográfico pra identificar acúmulo de metais pesados (radioativos) nas diferentes partes do corpo de copépodos. Thiaguinho mostrou que perspicácia e persistência são mais importantes do que um monte de dinheiro para fazer um bom trabalho e finalmente, um americano criativo calculou o “custo” (em ATP) do funcionamento das proteínas PgP, que bombeiam para fora da célula um monte de porcarias. Um tempo atrás escrevi um artigo sobre como essas proteínas poderiam ser a razão pela qual os moluscos bivalves não desenvolveram um sistema ativo de biotransformação. Fiz de novo essa pergunta para o John Stegeman quando ele apresentou um novo CYP “supérfluo” em peixes. A resposta foi tortuosa, como é o assunto. Evolução de CYPs é muito interessante.

Durante as sessões de painéis, regadas a vinho e a uma caipirinha forte demais, o Rodrigo parecia uma esponja, recolhendo todas as informações que podia de todo mundo. Lia, de uma simpatia que chamou a atenção e conquistou a todos (inclusive um francesinho), também aproveitou para tirar muitas dúvidas e agora tem um monte de trabalho pela frente.

No último dia, a sessão mais cheia foi a dos Noruegueses. Foi inevitável não ficar impressionadíssimo com todos aqueles geis de proteômica (e todas aquelas loiras apresentando os géis de proteômica), que identificavam padrões de expressão de Hidrocarbonetos Poliaromáticos em Salmões e outros bichos com CENTENAS de proteínas variando. Antes da sessão terminar perguntei pro Rodrigo, que trabalha apenas com uma proteína e com geis unidimensionais, o que ele estava achando. Com uma cara assombrada ele me responde: “Eles estão dirigindo uma Ferrari e a gente uma bicicleta”. Foi a definição do congresso.


Mas um exame um pouco menos impressionado sugere outra coisa também. As loiras não sabiam exatamente dirigir a “Ferrari”. Ou seja, não sabiam exatamente o que aquelas 148 proteínas, induzidas ou repressas, realmente querem dizer. Os géis são comprados e não feitos na hora como os nossos. O Rodrigo pode ter uma bicicleta, mas sabe dirigir ela muito bem. Modificou todo o protocolo proposto pelo papa da metalotioneína e apresentou o gel mais bonito do congresso.

Fica aquela idéia de que os requisitos para pilotar uma Ferrari são:
1) Ter o dinheiro pra comprar uma;
2) saber apertar os botões;
3) sóóóóóóóóó depois… vem o saber dirigir.

O congresso continuou no Rio já que muitos deles vieram pra cá. Levei o Francesco e o Viarengo para conhecer a universidade e a Fiocruz. Não esperava que eles ficassem tão impressionado com o meu modesto laboratório e nem que eles ficassem tão mais impressionados com a Fiocruz. Mas tenho que dizer que não esperava o show que o Richard deu com a proteômica e o Milton com a genômica. Quem tem amigos como esses…


Nosso laboratório está montado e pronto pra começar a produzir bem. Esse congresso serviu pra direcionar um pouco nossas idéias. Daqui a pouco poderemos comprar um Gol 1000. E enquanto as loiras aprendem a apertar todos os botões, a gente passa a frente dos gringos.

PS: Onde será que estava o pessoal do CENPES da Petrobras o congresso todo?

É "Licenciamento Compulsório" ou "Quebra de Patente"?


Essa não é uma pergunta pra biólogo, mas se o biólogo tiver uma namorada advogada… E se ela participou diretamente do evento inédito no Brasil de quebra do monopólio de um medicamento considerado de utilidade pública… Se vocês tiverem alguma dúvida, basta colocar uma pergunta nos comentários que eu peço pra ela responder.

Aproveitem para ver a embalagem na foto porque ela vai virar peça de museu. O Brasil fez ontem o licenciamento compulsório do Efavirenz, um retroviral importante no combate a AIDS.

Alguns vírus, como o HIV são classificados como retrovírus. Isso porque o seu material genético é RNA e não DNA, como a maioria esmagadora dos organismos (tudo bem, há quem diga que vírus nem são organismos, mas essa é uma outra discussão). Quando esses vírus infectam uma célula, eles usam o maquinário dessa célula pra traduzir esse RNA em uma proteína. A primeira proteína produzida é uma retrotranscriptase, uma enzima capaz de converter RNA de volta a DNA. Com isso o cDNA (DNA complementar ao RNA) do vírus pode se instalar no meio do DNA da célula invadida. Assim toda maquinária que a célula usa para produzir proteínas para o corpo a partir do seu DNA fica a serviço do cDNA viral. Uma estratégia muito eficiente. Os anti-retrovirais atuam justamente nessa enzima retrotranscriptase (veja a foto do efavirenz no meio da enzima) e são bastante específicos, já que apenas os vírus possuem retrotranscriptases.


Desde a faculdade existe a discussão sobre as patentes: a importância da proteção da propriedade intelectual vs. o monopólio da exploração econnômica. Desde aquele tempo, venho me debatendo com essas questões. Sou a favor da proteção a propriedade intelectual, mas sou contra o monopólio. Sou muito, muito a favor do livre acesso a todo conhecimento científico. Mas como existem muitas questões legais, ainda estou tentando descobrir se isso me faz contra ou a favor da lei de pantente 😉

Mas a questão aqui é que, com a Pandemia da AIDS, um laboratório farmacêutico não deveria poder jogar com o fato de ser o único a produzir e vender um medicamento que pode salvar a vida de milhões de pessoas, por exemplo, vendendo um comprimido no Brasil a USD 1,69 enquanto para Tailândia o preço é USD 0,69. E foi justamente o que o Brasil fez ontem, disse pra Merck que: “Isso não pode!”

Com o dinheiro que o ministério da Saúde vai economizar, bem que podiam aumentar a verba para pesquisa nas universidades.

A grande farsa

Há muitos anos estão nos empurrando goela a baixo a grande farsa do aquecimento global. Ah, vocês acham que estou louco, um biólogo defendendo o aumento do CO2? Não chega a tanto. Sou um árduo defensor do meio ambiente e um defensor ainda mais árduo da ciência. Por isso que esse alarmismo meio hipócrita me irrita. É claro que se 155 cientistas assinaram esse relatório do IPCC da ONU dizendo com 90% de certeza que o aquecimento global é antropogênico, então existe a possibilidade de eu estar errado. Deixo pra vocês decidirem.
Quem já ouviu falar da teoria do Caos? Bom, um tempo atrás (nos anos 60), um meteorologista chamado Lorenz, trabalhando com uma equação não-linear muito, muito simples, descobriu algo muito, muito poderoso: que algumas coisas não-lineares, como a previsão do tempo, são , efetivamente, imprevisíveis! Não importa o quão bom seja o “Weather channel“: a previsão do tempo de depois de depois de amanhã é sujeita à 100% de erro. Isso não ajuda muito na hora de decidir ir para a praia ou para o cinema, não é mesmo?! Agora imaginem se quisermos avaliar efeitos para os próximos 10, 200, 500 anos apenas com com base nas medições de temperatura do últimos 50 anos? É impossível!

Digo o por quê. Acontece que nosso tempo de observação dos fenômenos relacionados com o efeito estufa é muito pequeno e esses fenômenos acontecem em uma escala de tempo geológica e não humana, ou seja, muito, muito grande. Com isso, o que fazemos quando analisamos a composição química da atmosfera, ou a variação da temperatura de ano a ano, é como tirar uma fotografia instantânea desses fenômenos. Só que isso não é suficiente para uma boa modelagem que pretende dizer se o planeta vai acabar! Imagine olhar uma fotografia, de uma cena de um filme, que tem muitas, muitas, muitas horas de duração e com isso dizer o enredo e como termina o filme? Não dá!

Mas ainda estão fazendo pior que isso, estão des-considerando um monte de informações científicas importantes para poder gerar o alarmismo e as manchetes de jornal. Assisti uma palestra na 4ª feira falando que o sol, nossa sacra fonte de energia, com toda sua magnanimidade e seu brilho constante, nem sempre foi assim. Aparentemente a intensidade do seu brilho variou (para menos) durante 40 anos no século XVII e de acordo com os historiadores centenas de milhares de pessoas morreram (de fome) em função dessa mudança. Uma vez vi um jornal anunciar uma manchete em letras garrafais o degelo da calota polar, mostrando duas fotos de um pedaço do ártico, onde podíamos verificar a redução. Mas no final da mesma reportagem, em letras menores, eles chamavam a atenção que em outra enseada, a calota havia aumentado.

Desde o 3º período de biologia marinha a gente aprende sobre o sistema tampão de carbonato dos oceanos, que absorve grande parte do CO2 da atmosfera. Ninguém sabe exatamente quanto, nem exatamente qual a sua capacidade limite. Talvez nem haja limite. As medições precisas de temperatura da atmosfera começaram apenas nos últimos 50 anos. Talvez tenhamos registros mais ou menos precisos dos últimos 100 anos, mas antes disso… pouco provável que haja informação confiável. Podemos avaliar bem a liberação de CO2 pelos combustíveis fósseis, relacionar com a revolução industrial, com as queimadas na Amazônia e até com peidos de vacas.
Mas gente, vivemos em um planeta que passou por várias eras glaciais nos último milhão de anos (parece que vivemos algo entre 10.000 anos de quente para cada 90.000 anos de gelo). Só que ninguém sabe exatamente por que. Fala sério! É claro que podemos influenciar o aquecimento da terra. Assim como as vacas! Mas daí a coneguirmos prever essa influência, quando nossa compreensão de fenomenos naturais muito mais poderosos (em intensidade e duração) do que peidos, como as glaciações, alterações do sol ou dos oceanos; ainda comporta dúvidas da ordem de alguns poucos milhares de anos? Acho que por enquanto é pouquiíssiomo provável. Você sabiam que o Vulcão Pinatubo, que entrou em erupção na Indonésia em 1991, liberou na atmosfera mais CO2 em 3h do que a cidade de Nova Iorque liberaria em 30 anos?
Gente… nós somos pequenos! Presidentes podem contratar assessores (que em geral são pesquisadores ruins que por não saberem pesquisar dão consultoria sobre o que outros pesquisam) e ex-presidentes podem fazer filmes. Mas se os cientistas começarem a fazer alarme, pra que pessoas leigas entendam o potencial risco real do que a gente não pode efetivamente prever, em quem vamos confiar quando o dia de depois de amanhã chegar?

O Ignóbel


Desde 1901 a Fundação Nobel e a Real Academia Sueca de Ciências premiam as grandes realizações nos campos da física, química, fisiologia ou medicina, literatura e paz. O Nobel. O prêmio foi instituído por Alfred Nobel (o bonitão da foto), um sueco nascido em Stockholm em 1833. A família do cara morava em São Petersburgo e quando o negócio de seu pai faliu após a guerra da Crimea (entre os Impérios Russo e Otomano, no Mar Negro) ele ficou rico inventando a nitroglicerina. Mesmo tendo perdido um irmão e mais de um laboratório em explosões no manuseio da, ainda descontrolava, nitroglicerina, ele continuou suas pesquisas e ficou ainda mais rico inventando a dinamite. Mas além de inventor e cientista, Nobel também era autor, interprete e um pacifista. O prmio foi possível quando ele fez seu último testamento em 1895, deixando a maior parte a sua riqueza para a instituição do Nobel, antes de morrer na Itália em 1896. As áreas de premiação refletem os interesses de Nobel em diferentes áreas do saber.

Pra vocês terem uma idéia do calibre dos laureados com o prêmio, o primeiro Nobel em física foi para Wilhelm Conrad Röntgen. O cara descobriu os esranhos raios que tinham a capacidade de atravessarem a matéria e marcar um filme fotográfico do outro lado. Aqueles raios invisíveis que posteriormente foram apelidados de Raios X.

Na semana passada o prêmio foi anunciado e entre os ganhadores estavam Andrew Fire e Craig Mello por terem descoberto o silenciamento de genes através da interferência por RNA de dupla fita. Parece complicado? E é, mas é muito mais simples que fazer um transgênico e muito mais promissor como técnica de tratamento gênico. Mandando uma fita complementar de um RNA mensageiro pra dentro da célula, você pode formar um RNA fita dupla e impedir que ele seja traduzido em proteína. Sem proteína… sem função!

Muito bem, essa introdução toda foi pra falar de um outro prêmio, que ao invés de premiar as descobertas mais interessantes ou impressionantes, premia os trabalhos mais esdrúxulos. Sejam pela inutilidade quanto pela excentricidade dos temas.


O IgNobel foi instituído há 16 anos pela universidade de Harvard e a cada ano tem coisas mais impagáveis. Muitas vezes os laureados não aparecem, mas aqueles que aparecem, levam a coisa na esportiva. Então, apesar da minha tendência a não reproduzir reportagens de jornal, não posso deixar de colocar a lista dos premiados desse ano pra vocês tirarem suas próprias conclusões. Os destaques especiais podem ser acompanhados na foto da matéria.

  • Ornitologia: Ivan R. Schwab (EUA). Explicou por que pica-paus não sentem dor de cabeça
  • Nutrição: Wasmia Al-Houty e Faten Al-Mussalam (Kuwait). Mostraram que besouros “rola-bosta” têm um gosto refinado. Eles escolhem as fezes que vão comer
  • Literatura: Daniel Oppenheimer (EUA), pelo artigo “Conseqüências do amplo uso da erudição vernacular: problemas com o uso de longas palavras sem necessidade”
  • Paz: Howard Staleton (País de Gales). Inventou um dispositivo sonoro repelente de adolescentes.
  • Acústica : Lynn Halpern, Ranolph Blake e James Hillenbrand (EUA). Explicaram por que som de unhas arranhando lousa irrita.
  • Matemática: Nic Svenson e Piers Barne (Austrália). Calcularam quantas fotos são necessárias para que ninguém no grupo saia com olhos fechados.
  • Medicina: Francis M. Fesmire (EUA). Tratou soluços com “massagem digital no reto”.
  • Física: Basile Audoly e Sebastien Neukirch (França). Descobriram por que espaguete seco ao ser dobrado se quebra normalmente em mais de dois pedaços.
  • Química: Antonio Mulet, José Javier Benedito, José Bon e Carmen Rosselló (Espanha). Estudaram a velocidade ultra-sônica em queijo cheddar.
  • Biologia: Bart Knols e Ruurd de Jong (Holanda). Mostraram que a fêmea do mosquito da malária é igualmente atraída por cheiro de queijo limburger e por chulé.

O (in)determinismo biológico

A chegada em Rio branco impressionou pelo cheiro de terra molhada e o barulho de grilos em pleno aeroporto. Na manhã seguinte, pela janela do hotel se via floresta por todos os lados.

Mas até as 10 da manhã nenhum pesquisador da UFAC tinha feito contato conosco. Como tínhamos apenas dois dias, comecei a ficar preocupado com a produtividade e utilidade da visita. A gente da cidade grande, que nem eu, têm pressa.

Depois de muito tempo consegui falar com o ex-coordenador da pós graduação, dr. Alejandro Gonzales, um cubano com doutorado na antiga URSS, mas que se apaixonou pelo Acre. Um pouco mais tarde conseguimos finalmente falar com o Dr. Foster Brown, um americano que lecionava no Rio, mas se que também se apaixonou pelo Acre e hoje vive aqui, estudando queimadas e, acreditem, dando palestras para os militares da ABIN. Por último, falamos com a dr. Annelise, uma gaúcha, que, adivinhem, se apaixonou pelo acre, e hoje está grávida de 6 meses dele.

Essa terra parece despertar muitas paixões. Na praça principal da cidade, um monumento com uma bandeira enorme diz “há mais de 100 anos, brasileiros esquecidos por sua pátria, lutaram a a revolução para defender o Acre dos invasores”. Mas porque essa terra hoje parece ser feita apenas por pessoas de fora? Por que os acreanos da revolução não estão na universidade?

É meu segundo dia aqui e me lembrei do Puruzinho, da sensação diferente de tempo que temos na cidade grande, e que, mesmo sem entrar na floresta, sentimos aqui. O tempo aqui é diferente.

Mas a gente sabe que o tempo não é diferente, então o que é? São as pessoas?

Estou lendo esse livro muito legal que fala (questionando) da “ideologia do determinismo biológico”. Que no século XIX a ciência e a seleção natural ajudaram a sustentar uma ideologia de que a sociedade hierárquica era um “fenômeno natural”, já que cada um de nós se distingue nas suas habilidades fundamentais por causa das nossas “diferenças inatas”, diferenças essas que são biologicamente herdadas.

O livro aponta estudos que mostram que cerca de 60% das crianças filhas de trabalhadores de “colarinho azul”, permanecem sendo trabalhadoras do colarinho azul e 70% dos filhos de trabalhadores de “colarinho branco”, seguem sendo de colarinho branco. Para eles, geralmente as crianças de frentistas de postos de gasolina, pedem dinheiro emprestado enquanto filhos de magnatas do petróleo emprestam.

Mas isso justifica uma ideologia do determinismo biológico? Não, ela justamente contraria. As crianças não conseguem sair do seu meu devido a seus fatores inatos ou a hierarquia histórica? Nenhum cientista duvida mais que é devido a segunda alternativa. E o ambiente, histórico e natural, passam a ser o fator determinante.

Então temos que perguntar: o que será que acontece no ambiente amazônico para que, 100 anos depois da revolução acreana, as pessoas de lá continuem fora das universidades?

O clima quente era a resposta preferida dos europeus para justificar a “preguiça” e o “sub-desenvolvimento” dos povos indígenas das Américas e da África. Mas isso já está totalmente ultrapassado. Vocês já leram “Armas, Germes e aço”? É um livro interessantíssimo. Ele conta estudos que mostram, por exemplo, que aborígines australianos, quando tem o mesmo treinamento em lógica que os descendentes de europeus, conseguem, em média, se saírem melhor na obtenção de empregos. Sugerindo, mesmo, que os aborígines são mais inteligentes. Eles apenas foram menos treinados nas tarefas que nós julgamos desenvolvidas.

A resposta da biologia moderna para esse problema, assim como para todos os outros, são os genes. Tudo estaria nos genes. Estaria? Se estudarmos bem o genoma humano vamos descobrir qual o gene que faz os Amazonenses não se chegarem a universidade? Não é bem assim. Essa é na verdade a resposta de alguns biólogos modernos que ganham montes de dinheiro com os projetos genomas.

A capacidade de observar o ambiente, aprender com ele e modifica-lo para se adequar a nossas necessidades, é uma das nossas capacidades inatas que nos faz humanos. Ora, se observar, aprender e modificar são capacidades inatas e é justamente isso o que faz um cientista, então a ciência é uma das nossas capacidades inatas. Somos todos cientistas!

Então porque em áreas onde a natureza é tão exuberante, o treinamento em lógica é menos eficiente?

A verdade pode ser que o ambiente exuberante pode ser também ameaçador. E nesse ambiente ameaçador não há “tempo” para o treinamento em lógica. Sobreviver é a ordem do dia. Cada dia. Todo dia.

A inevitabilidade da luta pela sobrevivência em um ambiente inóspito deixa a busca de alternativas para compreender e modificar o ambiente em segundo plano. Ficar pensando a melhor forma de produzir mandioca pode significar perder a época do plantio e morrer de fome. Então… todo mundo planta, ninguém pensa e a vida continua. Aqui tudo é natural.

“Aqui eu faço diferença” foi a resposta de um dos “estrangeiros” que conheci no Acre. “É por isso que eu estou aqui”. Apesar do ambiente inóspito não inspirar o treinamento em lógica, esse treinamento pode fazer toda a diferença para essas populações, respeitadas suas tradições culturais.

Não são os genes que fazem toda a diferença, é a escola!

Por que quem bebe tem mais vontade de fumar?

Anjinhos biriteiros de Rafaelo

Como o bando de amigos bêbados que eu tenho, não sei como não me fizeram essa pergunta antes. Mas já tinha escutado essa pergunta antes, em uma mesa de médicos, com um desafiando o outro a acertar a resposta. O outro acertou.

Tudo está na nicotina. A nicotina é um alcalóide. Os alcalóides são compostos orgânicos azotados (possuem nitrogênio) complexos, de natureza básica, resultantes do metabolismo secundário das plantas.

O cigarro é um mecanismo muito eficiente de injeção de nicotina no organismo. Mais do que agulha na veia, já que pela absorção nos alvéolos, a droga não pede tempo na circulação venosa até chegar ao cérebro. Uma tragada e o efeito de alívio é imediato!

Mas o que é (deve ser) bom dura pouco!

Alem do cérebro, a nicotina vai para os rins, para ser excretada na urina. A meia vida biológica da nicotina é curta, em torno de 2h, o que significa que depois desse tempo, metade da dose ingerida já foi eliminada pelo organismo (já com o nome de cotinina). Claro, isso pode variar de pessoa a pessoa, com aqueles que demoram menos tempo pra eliminar a droga precisando fumar cigarros em um intervalo menor.

Como todos os compostos orgânicos, a nicotina tem baixa polaridade e por isso a sua solubilidade em água, assim como já discutimos para cafeína (outro alcalóide), é baixa. Os compostos apolares têm maior solubilidade em solventes orgânicos, como por exemplo… o álcool. Bingo!

Ao consumir bebidas alcoólicas, aumenta a concentração de álcool no sangue e aumenta a solubilidade da nicotina. Com a maior solubilização no sangue, menos nicotina vai chegar ao seu cérebro, por que ela vai ser mais facilmente removida pelos rins. Ou seja, o álcool facilita a excreção da nicotina e você se vê tendo uma “crise de abstinência” enquanto toma seus chopps.

estrutura molecular da nicotinaPara piorar, um dos efeitos do álcool é a inibição do hormônio antidiurético, que te ajuda a controlar a vontade de urinar. E se a sua bebida predileta for um fermentado como a cerveja, que ainda por cima tem grande quantidade de água, é bom ter um banheiro por perto.

E mais um cigarro, porque sua “crise de abstinência” vai aumentar.

A nicotina que deveria ir para o seu cérebro, saiu toda no seu excesso de xixi!

Mas não é só o álcool que atrapalha a onda da nicotina. Um artigo recente publicado na revista Alcoholism, sugere que a nicotina atrasa a chegada do álcool no intestino, retendo ele mais tempo no estomago, e reduzindo seus efeitos.

Como o álcool também é uma droga que causa dependência física e psíquica, quando usa nicotina concomitantemente, o viciado acaba consumindo maior quantidade de álcool para obter o mesmo efeito desejado.

Quem bebe tem vontade de fumar. E quem fuma, tem que beber mais.

E adeus mãos cheirosas, cabelos perfumados e dentes branquinhos.

O dia do Biólogo

3 de Setembro (ontem) foi o dia do Biólogo.

Uma vez dei uma palestra para os filhos dos funcionários da Vale do Rio Doce. Era algo parecido com um programa de orientação vocacional e me pediram pra falar sobre o que (e como) era ser biólogo. Dar ensinar, pesquisar, aprender, falei tanta coisa legal. Mostrei o laboratório como a “matriz” e a praia e a floresta como as “filiais”. Mas passei o dia de ontem todo escrevendo projeto. Que é o que eu mais tenho feito nos últimos meses. Tentando imaginar a forma de contar a história para seduzir o comitê que vai decidir se vou ter financiamento no próximo ano e se vou poder “dar de comer” a meus alunos de mestrado. Acho que fiquei meio nostálgico e quis ir hoje com um deles coletar ostras e vieiras em Sepetiba.


Uma boa chance de saber melhor o que faz o biólogo é visitar a Casa da Ciência da UFRJ. Fica logo ali, ao lado do Canecão e do Rio Sul. Tem sempre um monte de palestras e eventos legais.

A forma e o conteúdo

Definições são importantes mas… são sempre apenas definições. Não posso deixar de pensar que a comunidade astronômica internacional, discutindo vários dias sobre a definição de planetas, que acabou culminando com a retirada de Plutão da categoria ao invés da inserção de 3 novos astros como foi proposto no início da conferência IUA, poderia ter aproveitado melhor esse tempo. Nem que tivesse sido pra passear pela linda cidade de Praga. Me parece dar mais importância a “forma” que ao “conteúdo”. Mas pensando bem… isso não não deve ser necessariamente ruim.

Os cientistas e seus egos

Um livro de tiragem pequena, circulação restrita e edição esgotada, é um dos meus livros de cabeceira. Chama “O perfil da ciência brasileira” de Leopoldo de Meis e Jacqueline Leta. O livro trata a do que se convenciona chamar cienciometria, ou os indicadores da ciência. No caso, a brasileira. Entre outras coisas, o livro mostra que, a partir da década de 80, a produção científica brasileira aumentou vertiginosamente. Paradoxalmente, no mesmo período, os investimentos em ciência e tecnologia no país sofreram sucessivos cortes. Como explicar o fenômeno, que culminou nos anos 90, com a entrada do Brasil no seleto grupo dos 20 países que contribuem com mais de 1% da ciência mundial (e que hoje ocupa a 17 posição)?
Não é tão difícil. No mesmo período aumentaram, proporcionalmente, as bolsas de pós graduação, especialmente de doutorado. E com isso, aumentou a produtividade da ciência brasileira. Mesmo sem verba para pesquisa, aumentando o número de trabalhadores jovens, foi possível, graças a criatividade e esforço, superar as dificuldades financeiras. As estatísticas mais atuais do CNPq ou da CAPES, mostram que a correlação entre número de pós-graduandos e produção científica se mantém nos diferentes institutos de pesquisa do país: mais pós-graduandos, mais produção científica!

Desde que tomei conhecimento dessa informação, quando ainda era um estudante de pós-graduação, comecei a lutar por essa causa. Hoje fazemos parte de um grupo que defende os interesses dos jovens cientistas, definidos atualmente como os doutores com algo entre 5 e 10 anos da defesa da tese de doutoramento. Esse grupo tem sido especialmente preterido no Brasil nos últimos 10 anos. Aqui, os jovens tem de ficar mercê dos cientistas seniores, que são os capazes de determinar linhas de pesquisa e conseguir financiamento dentro do sistema de financiamento de ciência brasileiro.

O Rapto das Sabinas de Gianbologna representa a quebra de paradigmas e a vitória do novo sob o velhoIsso vai continuar acontecendo enquanto as agências de fomento a pesquisa, fundações de apoio a pesquisa em nível estadual (como a FAPERJ) e o CNPq e a CAPES em nível nacional, não possuírem jovens pesquisadores em suas instâncias decisórias (os conselhos diretores e comitês assessores). Pra entender que essa o quanto essa presença é fundamental, basta ver o quanto são insipientes e ineficientes os programas de fomento para jovens pesquisadores.

O que forma um novo paradoxo, já que é nessa fase da vida que os cientistas são mais produtivos. Basta ver que Einstien, Newton, Watson e Crick… tinham todos menos de 40 anos quando fizeram suas grandes descobertas.

“O Gabeira disse que o mundo inteiro quer paz”, essa tirada de uma amiga que assistiu o Gabeira na FLIP virou pra mim retrato daquelas coisas que são fáceis de todo mundo querer, e de todo mundo saber. Então vou dar a minha: O ego e a sede de poder são inerentes ao ser humano! Apenas me parece que naquelas profissões onde a remuneração não é compatível com o nível intelectual, a inteligência acaba sendo super valorizada, já que só sobra ele como moeda de valorização do ego. “Eu ganho pouco, mas olha aqui o que eu sei e que ninguem mais entende”! Mas ainda é impressionante ver mesmo nesses círculos super restritos, a sede por um poder minúsculo, reconhecido apenas por uma meia dúzia de pares, é grande. E as batalhas intensas. Só que os jovens são tirados fora dessas brigas pelo poder. A eles cabe trabalhar enquanto aos “Grandes” cabe decidir. Resta saber quem decidiu isso?

Na semana passada estive no Congresso da FeSBE em Águas de Lindóia e quando perguntei a um professor catedrático, chefe de um comitê assessor da CAPES, como ele explicava que os jovens cientistas serem os principais atores nos planos da CAPES para nuclear novos grupos de pós-graduação em áreas do Brasil sem tradição em pesquisa, mas não terem assento nos comitês assessores (como aquele que ele presidia no momento), a resposta dele foi: vocês ainda tem que comer muito arroz com feijão!

Como li em um artigo da Nature que não consigo mais encontrar de jeito nenhum: “É mais fácil fazer um dia frio no Inferno que os pesquisadores estabelecidos permitirem mudanças nas regras da distribuição de verbas para pesquisa”.

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