Band-aid pra estancar hemorragia
A relação entre jornalistas e cientistas é complexa. Ponha um junto com o outro e, quase obrigatoriamente, um dos dois ficará insatisfeito. Foi o que aconteceu ontem com a reportagem sobre a burocracia na importação de material científico que foi ao ar no Repórter Brasil, telejornal da TV Brasil.
Quando o editor me ligou no dia anterior para saber se eu poderia falar ao jornal sobre o programa do CNPq expresso, eu disse que não. Apesar de ter me envolvido muito com a questão da importação de material científico em 2007-2009, eu acabei me distanciando. Foi quando em 2009 o próprio presidente Lula admitiu o tamanho e a importância do problema, intimou as agências responsáveis a resolverem a questão em 45 dias e ainda assim nada de produtivo foi feito. Eu descobri que esse problema era muito maior do que eu e que sem um respaldo de uma entidade superior (como o que a FeSBE prometeu mas não deu), nada poderia ser feito. Desde então tinha abandonado um pouco essa causa.
A burocracia da importação não tem uma origem unica: ela é resultado da burocracia da ANVISA, da Receita Federal, do MAPA, do MCT, do CNPq… E por isso, iniciativas isoladas não tem como resolver o problema. Só que uma iniciativa conjunta, requereria um gerente com influencia e força política, o que nenhum cientista tem. Pior, que a ciência não tem!
Me lembro no início do governo Dilma, quando os ministérios estavam sendo formados, e o Senador Aloysio Mercadante foi indicado, para a surpresa de todos, para a pasta da ciência e Tecnologia. O jornalista Carlos Sardenberg disse em seu programa na CBN que a indicação demonstrava o Mercadante estava em baixa, porque aquele era um ministério ‘menor’.
Abre parênteses: Que comentário mais infeliz! Ainda que seja verdade, um jornalista que se preze deveria ter vergonha de dizer isso em rádio nacional. Pobre do país que considera a ciência e tecnologia ‘menor’ e pobre do país cujo jornalista propaga essa desimportância sem criticar. Sardenberg perdeu o meu respeito e a minha audiência naquele dia. Fecha parênteses.
Enquanto a C&T (e agora I de Inovação) não for vista pelos nossos governantes e políticos como a principal arma, que é, para o desenvolvimento do Brasil, então nunca teremos um ministério rico e politicamente forte, que seja capaz de não de empurrar… mas de catapultar a ciência no Brasil. E a ciência no Brasil está pronta para isso, para ser catapultada! Mas… insistem apenas em dar um empurrãozinho. E sempre mais do mesmo. Sim, porque é isso que é o que é o CNPq express: Mais do mesmo. Um band-aid para estancar uma hemorragia. Uma peneira para tapar o sol.
Os problemas para se fazer ciência no Brasil são muitos e muito grandes, e não será como band-aid ou peneira que vamos resolver. As medidas que ajudam são aquelas com benefícios consistentes e de longo prazo. Quando o Rio resolveu imitar São Paulo e cumprir a determinação da constituição estadual de destinar 2% da sua receita a C&T, a FAPERJ cresceu, se fortaleceu e fortaleceu a comunidade científica fluminense – que não se enganem, será muito solicitada para resolver os desafios, por exemplo, da exploração do pré-sal.
Pois bem, mas todo esse relato começou por causa do telefonema do editor pedindo que eu desse um depoimento sobre os problemas da importação de material para pesquisa no Brasil, o que eu fiz durante maia hora com ele no telefone e por outra uma hora com a repórter no meu laboratório. Mas a reportagem mostrou apenas a necessidade de se trabalhar com material importado no laboratório e nem sequer discutiu as chances de um programa como o CNPq expresso funcionar.
Aprendi muito sobre o lado dos jornalistas quando ouvi Bernardo Esteves e Alessandra Carvalho no II EWCliPo em 2009. Acompanho os blogs de jornalistas que falam de ciência como o Reinaldo e a Isis Nobile, mas não tem jeito… na hora que você tem que falar com um jornalista… a chance do resultado agradar é muito pequena. Minha experiência mais frustrante foi essa daqui, quando a jornalista da FAPERJ me ouviu por duas horas e depois… disse na reportagem o que eu não disse na entrevista. Tive que ficar me retratando para os meus pares por um tempão até que, eventualmente, a reportagem foi esquecida. E poderia ter sido pior, porque eu poderia ter sido até processado pelo que ela disse que eu disse: que frutos do mar dos restaurantes do Rio estavam contaminados por metais pesados.
Talvez não haja solução e teremos simplesmente aprender a lidar com a frustração. Ou quem sabe no dia em que a Eliane Brum me entrevistar tudo fique direitinho. Porque ela é o máximo!
Ostras felizes não fazem inovação
O título do livro de Rubem Alves ‘Ostra feliz não faz pérolas‘ chama a atenção de qualquer um que, como nós do Laboratório de Biologia Molecular Ambiental, trabalha ou aprecia esses simpáticos bivalves. Mas o significado é muito mais profundo, como vocês podem ver na resenha feita pelo próprio autor:
“A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si um grão de areia que a faça sofrer. Sofrendo, a ostra diz para si mesma: ‘preciso envolver essa areia pontuda que me machuca com uma esfera lisa que lhe tire as pontas…’ Ostras felizes não fazem pérolas… Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. O ato criador, seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma dor doída… Por vezes a dor parece como aquela coceira que tem o nome de curiosidade. Este livro está cheio de areias pontudas que me machucaram. Para me livrar da dor, escrevi.”
Lembrei disso esses dias. Estava na Noruega para dois dias de reunião de um projeto que envolve, ou deveria envolver, inovação. O Brasil tem agora um monte de petróleo e um monte de dinheiro para aplicar em ciência e tecnologia por causa do petróleo. Esse dinheiro para pesquisa será usado, principalmente, para explorar mais, e melhor, todo esse óleo, mas para isso precisamos de mais engenheiros, geólogos e um montão de outros profissionais, além de empresas que forneçam maquinas, equipamentos e serviços. Assim, uma boa parte desse dinheiro será usada em educação e formação de pessoal e na criação do que se convencionou chamar ‘conteúdo local’, empresas nacionais capazes de fornecer tudo que a indústria petrolífera necessitará. E não é pouco dinheiro não: estima-se que a Petrobras sozinha investirá em média 1,8 bilhões de reais por ano até 2020 (da acordo com a ANP). Então, todo mundo, literalmente, que trabalha com a indústria do petróleo, inclusive, e principalmente, os cientistas, está de olho no Brasil. E os noruegueses também.
“Descobrir petróleo pode ser a salvação ou a ruína de um país” me disse o cônsul norueguês outro dia. Para a Noruega, o petróleo que eles descobriram no ártico nos anos 70 foi a salvação. E desde que as Nações Unidas criaram o ranking de países com melhor qualidade de vida baseado no índice de desenvolvimento humano (IDH), há 20 anos, a Noruega está em primeiro lugar.
Abre (um curto) parênteses: Esse índice tem de ser furado… nenhum país com aquele frio todo pode ter a melhor qualidade de vida do mundo! Fecha (um curto) parênteses.
Toda essa qualidade de vida deixou esses noruegueses assim… bem de vida. São ostras felizes. São super educados, inteligentes, informados. Viajam, falam outros idiomas, tem respeito pelos gêneros e culturas. Mas falta a eles o incomodo da dificuldade. Aquele que faz com que você queira planejar um futuro melhor. Aquele que faz você economizar um pouco a cada mês, mesmo que tenha que deixar de comer fora, pra um dia comprar a casa própria e sair do aluguel. Continuando a metáfora, eles não tem que sair do aluguel, então… pra que se furtar a comer fora?
Os noruegueses tem certeza que as soluções que eles desenvolveram para a exploração de petróleo na Noruega, e que levaram o país deles a melhor qualidade de vida do mundo, serão úteis para a exploração de petróleo aqui. Pode até ser, mas historicamente, a experiência brasileira, é que não são. E pela primeira vez na história, o Brasil está disposto a ‘fazer pesquisa’ para desenvolver suas próprias soluções, ao invés de comprar as importadas que vem prontas mas não solucionam os nossos problemas (como as usinas de Angra 1, 2 e 3).
É difícil para os noruegueses entender os problemas e o povo brasileiro. Entender essa coisa de passar fome e brincar carnaval, de virar a panela vazia para fazer batucada. É difícil para mim também, devo confessar. Mas é assim que é e eu sou feliz de que seja assim. E se isso se reflete na nossa forma de resolver problemas, é importante que quem esteja interessado em participar da solução desses problemas, entenda, ou simplemente aceite, isso: chegou a hora do Brasil produzir e exporta soluções! O que os noruegueses, e todos os outros povos interessados no dinheiro para pesquisa do petróleo brasileiro tem que pensar é “o que nós podemos desenvolver aqui no Brasil e que poderemos usar de volta em nossos países para melhorar – ainda mais, que seja – a nossa qualidade de vida?”. E com R$ 2 bilhões por ano… eu aposto que tem muita coisa que pode ser feita.
Mas para isso, tem que inovar. E me parece que é bem mais difícil inovar se você é uma ostra feliz.
Antes tarde do que nunca
“O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vai acrescentar, na plataforma eletrônica Lattes, que traz currículos e atividades de 1,8 milhão de pesquisadores de todo o País, duas novas abas para divulgação pública. Em uma delas, os cientistas brasileiros informarão sobre a inovação de seus projetos e pesquisas; e na outra, deverão descrever iniciativas de divulgação e de educação científica.”
A matéria do jornal da ciência anunciando que finalmente o CNPq, o conselho nacional de ciência e tecnologia, vai reconhecer divulgação científica como produção científica é um alento para a sociedade, para os cientistas e para os blogueiros. A sociedade porque financia a ciência com os seus impostos mas não é capaz de entender os artigos científicos extremamente técnicos que órgãos financiadores exigem, e os cientistas porque vão poder divulgar seu trabalho e se aproximar do seu público sem que isso signifique ‘desperdício’ do tempo que deveria ser investido em artigos técnicos. Finalmente, para os blogueiros, que vêm fazendo essa divulgação sem nenhum apoio dos órgãos de fomento ou dos seus próprios pares. Tomara que os alunos de pós-graduação percebam a importância de divulgar seus trabalhos para a sociedade e, ao escrever, praticar a sua escrita.
Diário de um biólogo – segunda, 13/02/2012 – Assembléia
Chego em casa e como um pacote de amendoins. É segunda-feira e a maldita piscina está fechada (ela passa mais tempo fechada do que aberta, apesar do quanto deve custar ao condomínio) e eu estou cansado demais para correr. Recorro ao amendoin, me controlando para não abrir uma cerveja. Não resisto, pego mais um pacote de amendoins e abro uma cerveja.
Sai de uma reunião de 4 horas com o corpo docente da pós-graduação do Instituto de Biofísica da UFRJ. Uma reunião longa e tensa.
“Somos um curso de pós-graduação grande, que fez a opção de se manter multidisciplinar enquanto outros se fragmentaram criando cursos com diferentes níveis de qualidade” disse a coordenadora.
Sabe quando uma empresa grande quebra, por má administração, e ai se transforma em duas, uma com a parte boa pra ser vendida e outra com a parte ruim que acaba falída na conta de algum credor (em geral o governo)? Mais ou menos a mesma coisa. Colocam o Filet mignon de laboratórios, orientadores e orientados em um curso nota 7 (a nota máxima conferida pela CAPES) e deixam os outros em cursos 5, 4, 3… Uma vergonha!
“Nossas atividades diversificadas contam muito como critério de qualidade, o diferencial para que um curso nota 5 se torne um curso nota 6 ou 7. Mas para que um curso se torne 5, ele precisa atender alguns critérios de quantidade…”
Tudo é dose… já falei sobre isso aqui! Qualidade demais te dá pouca quantidade. Quantidade demais, te dá pouca qualidade. Mas como qualidade é subjetivo, então… temos um grande problema.
“Precisamos que nossos docentes publiquem mais, precisamos também que eles publiquem em revistas melhores. E precisamos ainda que nossos alunos sejam autores. Mas temos cada vez menos alunos se inscrevendo na pós-graduação e cada vez menos sendo aprovados nos processos seletivos.”
Até aqui, apesar das notícias não serem boas, eu não estava me preocupando. Eu conseguia identificar claramente o problema que, verdade seja dita, já se anunciava no horizonte.
O problema é que nem todo mundo vê o problema do mesmo jeito.
“Se sua unica ferramenta é um martelo, você tende a ver todo problema como um prego” disse Abraham Maslow.
Isso ficou muito claro hoje com relação as propostas que foram apresentadas. Elas não solucionavam efetivamente os problemas, mas eram as ferramentas que estavam a disposição. Só que… NÃO ADIANTA! O problema não vai desaparecer por causa da nossa boa vontade em resolvê-lo!
Eu sou um cara prático. Tive que aprender a ser prático, porque sempre gostei de conviver em meio aos grandes. E os grande… bem, eles tem muito pouca tolerância com os pequenos. Então se aprende a ouvir muito e falar pouco, a saber distinguir entre o que é viável e o que não é, e, principalmente, quais lutas enfrentar e quais lutas abandonar. É verdade que nunca se sabe o suficiente sobre isso, mas acho aprendi muito. E hoje vi que aprendi mais do que muitos dos grandes que eu achava que tinham a ensinar.
Mas falar sobre o conflito de gerações hoje seria justamente perder o aspecto prático da discussão. Ele existe, está lá, e desejar que ele não estivesse é pouco prático: o conflito de gerações continuará lá! Eu deveria aprender a lidar com ele. A questão, é que isso não é prático também.
Eu não sou comunista. Também não sou capitalista. Não sou a favor da tirania, mas também não sou a favor da democracia. Eu só acredito nas ‘Estratégias Evolutivamente Estáveis’ (sobre as quais eu já falei aqui). Podemos discutir amplamente um problema em busca de idéias, mas não em busca de consenso! Consenso é muito bonito na teoria, mas na prática é muito mais difícil do que almeja a nossa vã humanidade, e mesmo quando ele é possível, em geral chega tarde demais.
“Quando se tenta resolver um problema técnico de forma política, muitas vezes acabamos com dois problemas: o técnico que não foi resolvido e o político que foi criado”. A frase (algo parecido com isso) é de Phillip Howard, autor do livro ‘A morte do bom senso’, sobre o qual eu já falei aqui.
Me desespero, primeiro com as opiniões das pessoas que, em princípio, deveriam saber mais do que eu; mas depois me desespera simplesmente o fato das opiniões serem tantas e tão variadas que é óbvio que o consenso é impossível. E ainda que as pessoas concordassem quanto ao problema, ainda restaria estabelecer as prioridades. E nunca… nunca, jamais, em tempo algum, haverá consenso quanto as prioridades.
É preciso uma mudança radical de olhar, é preciso inovação, é preciso pensar ‘outside the box’, é preciso coragem! A solução depende de algumas outras coisas, mas basicamente do que se está disposto a abrir mão e do quanto estamos dispóstos a nos comprometer com a solução do problema.
E foi ai que eu me toquei… e que o desespero se abateu sobre mim.
Não tem solução! Vivemos em um país que tolera a corrupção de tal maneira, que crianças são aprovadas automaticamente nas escolas para criar indicies de escolaridade que beneficiem os governantes. Se algo tão deplorável é aceito pelos políticos, e pela sociedade, que esperança podemos ter que os valores das bolsas de pós-graduação serão revistos? Minha aluna de IC ganha menos que um pedinte no sinal, minha aluna de mestrado menos que minha faxineira e meu aluno de doutorado menos que meu porteiro! Que esperança podemos ter do problema das importações ser resolvido? De termos alojamento, transporte e alimentação decentes para os alunos que vem (do e) de fora do Rio?
Não, a universidade é engessada demais para poder resolver esses problemas. A solução terá de vir de outro lugar. Não sei ainda que lugar é.
"Conclusões extraordinárias necessitam de evidências extraordinárias"
Não poderia ter vindo em um momento melhor. Depois de passar uma manhã frustante na avaliação de alunos em um processo de seleção, vejo a matéria que saiu hoje na Scientific American sobre a refutação do artigo da Science onde um grupo de pesquisadores americanos da NASA e da USGS haviam apresentado uma bactéria que pode crescer na ausência de fósforo (um dos pilares da química da vida, presente no DNA, no ATP e em tudo mais que você puder imaginar) usando como substituto Arsênico (que é altamente tóxico).
“Uma nova química da vida”, “bactérias extra-terrestres”… foi dito de tudo sobre esse artigo, que foi até capa de jornais importantes no mundo todo. Mas a única coisa certa no texto (que você pode acessar no link abaixo) é que a única razão plausível para a Science aceitar publicar essa pesquisa era o sensacionalismo associado a ela.
“Extraordinary claims require extraordinary evidence” disse o astrônomo Carl Sagan numa de suas mais famosas citações na série Cosmos. E foi justamente isso que chamou minha atenção hoje no processo de seleção em que participei como examinador: Nenhum, eu disse NENHUM dos candidatos usou sequer um segundo do seu tempo para apresentar um desenho experimental (ou amostral) que mostrasse conhecimento (ou preocupação) com a comprovação das importantes e interessantes propostas que estavam fazendo. É por isso que o artigo de Ioannidis de 2005, “Porque a maior parte das descobertas científicas publicadas é falsa” continua sendo um campeão de downloads da revista PLoS Medicine: ele mostra como o desconhecimento de estatística (a busca por associações significativas e a confusão com relações de causalidade) além de interpretações tendenciosas de dados, levam a falsas conclusões em grande parte dos estudos médicos publicados nos últimos 15 anos. É por isso também que meu pai fica perdido quando lê nos jornais, a cada semana, uma notícia diferente sobre os benefícios disso ou daquilo. O problema não é da ciência, é da política científica. Mas os cientistas, jovens ou não tão jovens, estão embarcando nessa politicagem por medo de não conseguirem um lugar ao sol da acadêmia.
E para mostrar que existem alternativas a politicagem, a própria responsável pelo estudo que refutou o artigo da Science, a microbiologista Rosie Redfield da Universidade de British Columbia no Canadá, não seguiu o mainstream e ao invés de esperar a finalização dos seus estudos para submetê-los ao subvertido crivo de uma revista indexada de alto impacto, publicou seus resultados (na verdade todo o seu caderno de protocolo), dia a dia, em um blog aberto a todo mundo. Vejam que ela não deixou de submeter seus achados a comunidade acadêmica: ela só desmereceu o supervalorizado e tendencioso crivo das revistas científicas de alto impacto (como o da própria Science onde o artigo inicial foi publicado). Uma reportagem da prestigiosa Nature disse . O blog é sensacional, mas não seria se a PESQUISA não fosse sensacional!
Não é a primeira que os blogs são utilizados para divulgar pesquisa científica de qualidade: no surto de infecção da bactéria #EAEC (entero-aggregative E. coli) que matou milhares de pessoas na Alemanha no ano passado, cientistas chineses publicavam dia a dia novas sequencias do genoma da bactéria conforme elas iam sendo produzidas em sequenciadores de bancada de última geração. A reportagem na Nature traz outros exemplos.
Mas pesquisa de qualidade, que possa ser publicada em blogs de acesso livre para toda a comunidade científica, começam com um exame criterioso da sua plausabilidade, com a formulação cuidadosa de uma hipótese e com um mais cuidadoso ainda desenho experimental (ou amostral).
Wolfe-Simon, F., Blum, J., Kulp, T., Gordon, G., Hoeft, S., Pett-Ridge, J., Stolz, J., Webb, S., Weber, P., Davies, P., Anbar, A., & Oremland, R. (2010). A Bacterium That Can Grow by Using Arsenic Instead of Phosphorus Science, 332 (6034), 1163-1166 DOI: 10.1126/science.1197258
Ioannidis, J. (2005). Why Most Published Research Findings Are False PLoS Medicine, 2 (8) DOI: 10.1371/journal.pmed.0020124
Riqueza ou Criatividade
ZF – Quanto custou isto?
GL – A economia do futuro é meio diferente. Não existe dinheiro no século 24.
ZF – Não existe dinheiro? Então, você não é pago?
GL – A aquisição de fortuna não é mais uma motivação para nós.
GL – Procuramos nos aperfeiçoar… e ao resto da humanidade.
Todo ano escrevo um post de retrospectiva, para fechar o ano. Esse ano resolvi escrever um post de perspectiva, para abri o ano. Um com uma perspectiva ampla.
Esse diálogo, entre o excêntrico personagem Zefram Cochrane (interpretado por James Cromwell) e o engenheiro Geordi La Forge (interpretado por LeVar Burton) me marcou profundamente quando assisti Jornada nas Estrelas: O primeiro contato em 1996. Ele construíra a primeira nave da humanidade capaz de fazer a ‘dobra espacial’ (viajar a velocidade da luz), a Phoenix, a partir de um antigo míssil nuclear, tendo se tornado um ícone em toda galáxia, com universidades, cidades e até mesmo planetas com o seu nome. No entanto, sua única motivação para criar o mecanismo que nos deixaria ir “audaciosamente onde nenhum homem jamais esteve“, era… ficar rico. A ideia (será que algum dia vou me acostumar a escrever ideia sem acento?) de que o acumulo de riqueza não deveria mais ser um objetivo a ser perseguido era incrível, simplesmente, porque o acumulo de riqueza não faz o menor sentido como estratégia evolutiva.
Ela está no centro da questão do aquecimento global e das mudanças climáticas. No centro da questão da poluição. Vocês sabem que a minha opinião sobre esses assuntos é contoversa. Para mim, a resposta para os problemas foi dada e eu gosto de duas em especial que considero representativas: Jacques Cousteau, quando defendeu na conferência das nações unidas para o meio ambiente de 1992 no Rio de Janeiro o controle da natalidade como forma de defesa do meio ambiente: “O pavio ligado à explosão populacional já está queimando. Nós temos menos de dez anos para apagá-lo. É preciso uma mobilização mundial para evitar o big-bang populacional.” Ele foi um dos poucos a ter coragem de pronunciar o termo ‘controle da população humana’ já que a igreja católica havia, meio que proibido, que o tema fosse tratado na conferência. Também gosto muito do excelente artigo de Slesser de 1993, que mostra que apenas a redução no consumo é capaz de reduzir as emissões de CO2 para a atmosfera:
“Tornou-se cada vez mais claro para nós que, para alcançar a sustentabilidade, seria necessário uma troca entre consumo, índices de crescimento e o que nós fazemos com nossa riqueza.” “(…) estimular de forma tanto nuclear como renovável (altamente solar) a energia e reduzir ponderadamente o consumo a um crescimento de não mais de 0.05% ao ano acima investimento em crescimento industrial [permite o] crescimento do setor de serviços (2%). E Funciona! [Lentamente] mas funciona. Logo no início do século podemos observar declínios na produção de dióxido de carbono (…) [com] padrão e qualidade de vida (produção de setor de terciário) mantidos bem altos.”
A idéia pode parecer moderna, quase ficção científica, mas não é: os atenienses foram os primeiros a propor e experimentar uma sociedade onde a busca da riqueza material não era um objetivo. Platão e Aristóteles foram os primeiros primeiros a registrar essas idéias no papel.
“Poucos milhares de homens, que povoaram por algumas dezenas de anos uma região praticamente estéril, que viveram vidas breves e inseguras, em bairros imundos, em casas desconfortáveis, ainda assim, permitiram a sua espécie – a espécie humana – um salto de qualidade todavia não superado seja pela criatividade política e social que pela criatividade estética e especulativa” diz o sociólogo Domenico de Masi no livro “Criatividade” – cuja leitura até o final é uma das minhas resoluções de ano novo.
“A filosofia, a matemática, a teoria musical, as ciências naturais, a medicina finalmente desvinculada da magia, a ética, a política, a estória, a geografia, a psicologia, a anatomia, a botânica a zoologia, a física, a biologia fizeram mais progresso teórico naqueles 100 anos do que nos milhares de séculos precedentes.” completa de Masi.
(A Escola de Atenas, de Raffaello)
É verdade que Aristóteles, em seu ‘Tratado da política‘ defendia que alguns homens haviam nascidos para serem escravos. Se conseguirmos nos desvencilhar do problema moral para seguir a lógica de Aristóteles veremos que ela está correta: “Não é possível praticar as virtudes da política conduzindo a vida de um operário, de um assalariado… Nós chamamos trabalhos operários aqueles que modificam a disposição do corpo e os trabalhos remunerados que impedem a elevação e a facilidade de espírito”. Imagino que muitos estejam se remexendo nas cadeiras enquanto lêem isso porque provavelmente o significado dos termos ‘política’, ‘operário’, ‘assalariado’ para nós tem significados diferentes. Mas Domenico de Masi lembra que 2000 anos depois, na obra prima de Tocqueville ‘Democracia na América’, o mesmo pensamento reaparece, talvez de forma mais palatável para nossos dias: “Quando um operário se dedica continuamente e unicamente a fabricação de apenas um objeto, termina por desenvolver este trabalho com destreza singular, mas perde, ao mesmo tempo, a faculdade geral de aplicação do seu espírito na direção do trabalho. Ele se torna cada dia mais hábil e menos industrioso e, se se pode dizer, o homem se degrada a cada passo que o operário se aperfeiçoa.”
Aristóteles considerava que, entre os diversos tipos de trabalho, “os mais mecânicos eram aqueles que deformavam o corpo, os mais servis aqueles que se fundamentam somente no uso do corpo e os mais ignóbeis aqueles que requerem um mínimo de capacidade espiritual.” Para ele “devem ser considerados ignóbeis todas as obras, profissões e ensinamentos que rendam inadequados as obras e ações da virtude, o corpo ou a inteligência do homem livre. Portanto, todos os trabalhos que prejudicam as boas condições do corpo devem ser chamados de ignóbeis, como também os trabalhos assalariados, porque privam a mente do ócio e a fazem pequena”.
Apesar do que você pode pensar, Aristóteles não apreciava ou encorajava a preguiça, a ociosidade a apatia ou a inércia. Muito pelo contrário! De Masi diz que Aristóteles acreditava na nobreza do trabalho intelectual que acontecia nos limites entre o estudo e o jogo, na excelência da reflexão filosófica e na atividade mental que se exprime através da política e da arte. O que de Masi chama de ‘Ócio Criativo’.
Mas como é possível dedicar-se ao ócio criativo sem morrer de fome?
Para Aristóteles e para os ‘clássicos’ a resposta é simples: “Acima de tudo, é preciso reduzir ao mínimo o desejo por objetos e serviços, de todos os supérfluos bens materiais. De luxo, isto é, ostentação de riqueza, é até desnecessário dizer; a verdadeira habilidade é a razão e o único verdadeiro luxo é a sabedoria. Reduzida a necessidade de bens materiais, se reduz também a necessidade de trabalhadores.”
Vivemos em um mundo em crise, onde só a criatividade pode nos salvar da bancarrota. Mas enquanto estivermos preocupados em comprar o último modelo de iPhone, com uma assistente pessoal que não fala português e não entende os seus comandos de voz (além de fazer julgamentos morais sobre suas perguntas) não podemos pensar em soluções criativas para os problemas que temos e teremos de enfrentar. E continuaremos produzindo gases do efeito estufa.
Slesser, M. (1993). Is an environmentally sustainable future for the European Community compatible with continued growth: carbon dioxide and the management of greed Science of The Total Environment, 129 (1-2), 191-203 DOI: 10.1016/0048-9697(93)90170-B
Quatro apoios

“Cada descoberta e cada invenção levam a transferência de poder e a mudança de hábitos, portanto a medo, desconfiança, resistência e atraso.” diz o sociólogo italiano Domenico de Masi.
O artigo “Raízes do atraso brasileiro“ do professor Wanderley de Souza no jornal O Globo de ontem (15/08/2001) procura mostrar os obstáculos para se fazer inovação no Brasil, mas, na minha opinião, deixa de mencionar um problema fundamental, um conflito conhecido na vida de todas as pessoas, mas velado na ciência brasileira: o choque de gerações.
Apesar de velado, esse conflito é antigo.
“O principal papel do instituto (de Biofísica da UFRJ) foi o de mobilizar apoios, governamentais e não-govemamentais, vencer resistências internas e externas dentro do espaço em que deveria legitimar-se e sobretudo, por intermédio de seu fundador, o professor Carlos Chagas Filho, criar categorias que hoje constituem tradições da ciência brasileira, mas que nem sempre estiveram ali.”
Esse depoimento foi dado pelo professor Paulo Góes Filho na abertura da autobiografia do professor Carlos Chagas Filho, fundador do Instituto de Biofísica da UFRJ, a primeira instituição universitária a fazer pesquisa científica. O livro se chama ‘Um aprendiz da ciência‘.
“(…) tendo sido Raul Leitão da Cunha nomeado ministro da Educação e Saúde, chamou-me ao seu gabinete para me perguntar o que eu achava que deveria ser feito por nossa universidade. Respondi-lhe que a primeira coisa seria o estabelecimento do tempo integral, particularmente para as cátedras fundamentais. A seguir, propus a ele que se organizassem institutos de ensino e pesquisa nas várias disciplinas básicas. Era este um assunto que eu havia discutido com professores da Universidade de São Paulo, sendo que, na ocasião, fui uma minoria esmagada. Leitão da Cunha perguntou-me quais os institutos que deviam ser criados imediatamente. Física, química e matemática seriam os primeiros, com a responsabilidade de neles se ministrar o ensino dessas matérias para todos os cursos da universidade. (…) [e depois] Criar o Instituto de Biofísica, que teria função de implantar a pesquisa na Faculdade de Medicina e trazer para o nosso meio os métodos físicos que despontaram nos centros maiores depois da Segunda Guerra Mundial, e o desenvolvimento dos métodos eletrônicos.Leitão da Cunha aquiesceu imediatamente”
O livro do professor Chagas é uma fonte de sabedoria. E muitas vezes, quando o presente é incerto, muitas vezes é bom voltar a fonte, aos princípios básicos das coisas, porque com passar dos anos, as histórias chegam a nós um pouco distorcidas.
O tempo entre a posse do professor Chagas Filho como catedrático de Física Biológica na faculdade de Medicina da então Universidade do Brasil em 23 de novembro de 1937 e a fundação do Instituto de Biofísica em 17 de dezembro de 1945 (oito anos depois) dão uma idéia da resistência encontrada para as idéias de Chagas Filho. Até mesmo pelo próprio Leitão da Cunha, que era o responsável pelo curso de anatomia patológica e foi o primeiro chefe de Carlos Chagas Filho na universidade, quando este dava aulas de hematologia 3 vezes por semana, em 1934.
“O jovem professor está consciente de que é o único voto contra?” perguntou Leitão da Cunha a Carlos Chagas Filho ao final de uma sessão da congregação quando todos os professores pleiteavam por benefícios. Chagas os intitulava de os “Barões da Faculdade de Medicina”.
“Evandro passou-me vários telegramas para Paris, onde eu me encontrava, só tendo desistido do seu intento de não entregar o meu pedido (de demissão de Manguinhos) depois de uma longa conversa telefônica em que eu lhe expus a minha firme decisão de assumir a cadeira na faculdade. Impeliam-me nesse sentido, entre outros, dois motivos principais: a possibilidade de discutir com alunos a matéria ao meu encargo e, principalmente, a intenção de implantar a pesquisa fundamental na universidade, segundo o modelo de atividade que aprendera no Instituto Oswaldo Cruz.”
Vejam que enquanto encontrava resistência para estabelecer a atividade científica na Faculdade de Medicina, encontrava também resistência para exercer a atividade didática vinda de Manguinhos, principalmente de seu irmão, Evandro Chagas:
“A razão principal dessa oposição é que não se poderia jamais pesquisar na universidade e que eu me esterilizaria no Simples exercício de atividades didáticas.”
Hoje, “Ensino, Pesquisa e extensão” são o tripé que sustenta a universidade como instituição, de forma que é quase inimaginável pensar que um dia já estiveram separadas.
Por isso a minha estranheza quando vejo o professor Wanderley de Souza, titular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, onde eu também tenho o privilégio de exercer a atividade de professor e pesquisador, protestar contra a realização da inovação na universidade.
“Em todos os países, a produção de patentes resulta da atividade de pesquisa, desenvolvimento e inovação praticada nas empresas. A título de exemplo, cabe mencionar que apenas 4% das patentes depositadas nos EUA são provenientes de suas universidades. (…) o Sistema Brasileiro de Ciência e Tecnologia foi montado ao longo de vários anos para dar apoio à pesquisa básica, e o fez com sucesso. Este sistema não foi e não se encontra preparado para lidar com o setor empresarial.”
Corretíssimo em suas duas afirmações, Wanderley discorda da política do governo, que através de movimentos como a ‘Lei do Bem’ e ‘Lei da Inovação’, estimulam a universidade a comandar, ou encabeçar, a inovação no país.
A questão,para nós, é que se nos EUA pode ser daquele jeito, aqui não. A política econômica dos últimos 20 anos, assim como a cultura trabalhista brasileira, nunca estimularam o empreendedorismo. Ainda hoje, um aluno de qualquer disciplina tem de procurar um MBA depois de se formar, porque são raríssimos os cursos (fora dos currículos de economia e administração) que ensinem a preparar um plano de negócios. O resultado é que não há como exigir de uma indústria intermediária inexistente que lidere a marcha pela inovação. A ‘inteligenzia‘ brasileira, aquela capaz de interpretar e aplicar o conhecimento científico produzido no Brasil e no mundo está na universidade. Foi criada e é mantida pela sociedade brasileira. E é por esses motivos, entre outros, que ela precisa liderar movimento pela inovação e empreendedorismo no país.
É claro que precisamos rever nossa lei de patentes. Assim como nossa política econômica de juros altos e nossa cultura social de funcionalismo público. Mas também deveríamos rever nosso modelo de ciência e tecnologia, baseado no paradigma da ciência básica e ciência aplicada do pós-guerra, para uma abordagem mais moderna que, curiosamente, remete a atividade de aplicação de ciência de Louis Paster no Séc XIX, onde a busca de soluções para problemas aplicados leva ao desenvolvimento de fundamentos da ciência. Uma história muito bem contada no livro ‘O Quadrante Pasteur‘.
Esta na hora da universidade evoluir e se apoiar em um quadripé de “ensino, pesquisa, extensão e inovação”. Mas não acredito que essa mudança convenha ou interesse aos ‘Barões da Ciência’ do Brasil de hoje.
Os mortos-vivos

Winston Churchill disse que a “A democracia é o pior sistema de governo existente, excluídos todos os demais”
O problema da democracia, além do favorecimento da corrupção, é que as pessoas criam a ilusão de que todos têm oportunidade e força. De que todos têm direito a opinião e a ser ouvido. Não é assim nem quando todos tem direito a voto. Imagina então quando não tem.
Pela enésima vez, porque venho ouvindo isso desde que sou estudante de pós-graduação, ouço um professor estabelecido me dizer que a falta de representatividade da massa de professores (e profissionais e alunos) em uma instituição (na nossa instituição) não é culpa do sistema de governo (um híbrido de conselho tribal com reunião de condomínio) e sim da apatia das pessoas.
“Existe um monte de vagas para representantes em diferentes instâncias da universidade. Quantas pessoas se candidatam ou preenchem essas vagas?”
A apatia é uma justificativa para a falta de participação, é verdade. No entanto, quando essa justificativa parte daqueles que se beneficiam, ainda que inconscientemente, da falta de participação das pessoas nos processos decisórios, ela perde a validade como argumento.
Tá na lei: “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. O ônus da informação está em quem a demanda. Mas a informação tem de ser transparente para que aja democracia. Se já é difícil se informar quando a informação está publicada, imagine quando ela não existe, a não ser na cabeça dos chefes tribais?
Em situações particulares, com nas relações de consumo onde há uma reconhecida vulnerabilidade do consumidor, o princípio legal do ‘ônus da prova’ (aquele que diz que a prova deve ser fornecida por quem faz a acusação) é invertido.
Mas será que dá pra colocar o ‘ônus da apatia’ em quem é apático? Enquanto eu voltava pra casa num tremendo congestionamento, uma palestra do TED me deu a resposta: NÃO! Quando eu vi o título ‘Como combater a Apatia’ eu achei que pudesse ser alguma coisa de auto-ajuda. Mas não. Na palestra, Dave Meslin diz que “a apatia, como nos a concebemos, não existe realmente. Ao contrário, as pessoas se importam, mas nós vivemos em um mundo que ativamente desencoraja a participação das pessoas, por colocar obstáculos e barreiras constantemente no nosso caminho”.
Se você é um lider e quer uma participação efetiva dos membros da sua equipe, cabe a você fazer com que os mecanismos de informação sejam transparentes e velozes.
A apatia atrapalha a participação. Mas é a falta de transparência que gera a apatia.
Quem me dera todos os congressos de ciências fossem assim

Voltei da Feira de Literatura Internacional de Parati, a FLIP, desse ano, com uma certeza: o modelo de congresso de ciências está falido. Ninguém mais tem paciência para longos corredores com uma infinidade de posters, mal preparados as vésperas sem que os orientadores tenham sequer visto os arquivos, com resumos copiados e gráficos com letras minúsculas. Ninguém tem mais paciência para palestrantes que começam suas falas com longas introduções que repetem o óbvio, o domínio público, e deixam a análise dos seus dados, quando muito, para os últimos 2 minutos, invariavelmente ultrapassando o tempo, atrasando a sessão e esgotando a nossa paciência. Ninguém aguenta mais pagar as altas taxas de inscrição para beber o vinho de baixa qualidade e aprender uma ou duas coisas novas.
O TED e a FLIP são modelos mujo mais eficientes de transmissão da informação.
No TED, o evento que acontece anualmente na California (pelo menos em princípio, mas que agora já contagiou o mundo), as palestras são para audiências inteligentes mas variádas. O conteúdo tem que ser transmitido em até 18 min, mas algumas palestras, mesmo de um vencedor do Nobel com Kary Mullis, tem apenas 5 min. É o conteúdo e o tempo disponível da audiência, e não a vaidade do apresentador, que determinam o tempo da apresentação. Todas as apresentações são revisadas por uma equipe de produção e todas as são gravadas em video e disponibilizadas na internet, onde um exército de pessoas bem intencionadas coloca legendas no texto em dezenas de idiomas.

Na FLIP, autores renomados conversam entre si com ou sem a mediação de um jornalista ou outro escritor. A conversa é sobre trechos de livros ou sobre a tarefa, ou as vezes arte, de escrever. Como ambos escritores são importantes, assim como o mediador, os egos estão sob controle e um extrai o melhor do outro. Quase sempre pelo menos (as vezes não há muito o que extrair, por timidez ou loucura mesmo).

O mais interessante, e impressionante, talvez, é que as pessoas pagam e fazem fila para ver os autores falarem. Mesmo aqueles que não conhecem, mesmo que o tema não seja de seu interesse especial. Porque?
O que mais diferencia esse novo modelo de congresso dos anteriores é o critério de seleção. Não o critério e a seleção em si, mas o fato que haja um e que haja uma. Os comitês científicos dos congressos não tem feito o seu dever de casa e encontramos uma infinidade de coisas chatas e desimportantes. Em um mundo saturado de informação, a primeira coisa que devemos ensinar a nossos estudantes é a ter critério de seleção.
O comitê de seleção desses eventos é rigoroso e gera um senso de credenciamento que contagia a platéia: “Se esse cara escreveu um livro e foi selecionado para estar aqui, então deve valer a pena escutar o que ele tem a dizer”. Como eu disse, há exceções, mas que só servem pra confirmar a regra.
Não é a preparação de um poster para um congresso internacional, ou uma aula chata de um Nobel brilhante, que vão iniciar nossos estudantes na vida acadêmica e científica. Isso no máximo inicia eles na arte de ‘participar de congressos chatos’. O que eles precisam é aprender a ter critério. E o primeiro critério que tem que aprender é que boas idéias só são boas se funcionarem. Que boas idéias não podem renegar os fundamentos básicos das coisas. Para isso nossos congressos precisam retomar o conceito de ‘feira de ciências’. Mais importante do que montar um poster chato sobre um assunto específico é montar algo, um experimento, que funcione, mostrar pros outros como montou e mostrar funcionar. É ter chance de ver como flui o papo entre dois Nobeis ou entre dois grandes pesquisadores da sua área.
A academia tem tradição em resistir a mudanças. Mas eu sei que ainda vou participar de muitos congressos na minha vida e espero que essa mudança não demore muito.
Inovação da lei

Na semana passada foi amplamente divulgado pela imprensa o absurdo da produção de leis no Brasil: 75.517 leis criadas entre 2000 e 2010, numa média de 18 novas leis por dia.
Poderíamos pensar em todas essas novas leis como inovações, mas não são. Não tem como esse monte de leis ser viável. E não são. A reportagem no Globo fala muito bem sobre todos os problemas associados a esse alto número.
Um livro espetacular que li no ano passado e ainda não tinha comentado aqui, já tratava desse assunto. Chama-se The Death of Common Sense: How Law Is Suffocating America
(‘A morte do bom senso: como as leis estão sufocando os Estados Unidos’), do advogado americano Philip Howard. Ele mostra que essa enxurrada de leis matou o bom senso, a noção de ‘certo’ e ‘errado’ que todo mundo tem.
Para ele, o sistema legal moderno tem engloba o pior de dois mundos: É maior do que deveria ser porque quer fazer coisas demais, mas é menos eficiente do que deveria ser porque só consegue fazer coisas de menos:
“Esse paradoxo é explicado pela ausência de um ingrediente indispensável a qualquer empreendimento humano: o uso do discernimento. Nas décadas após a segunda guerra mundial, construímos um sistema de leis que basicamente exclui o bom senso, em um esforço para tornar a lei auto-executável e que tirou a sua humanidade.”
“Fazer leis cada vez mais precisas se tornou um mantra” Como se apenas elas pudessem garantir que não haverá favorecimento de uma das partes em diferentes situações. Não garantem.
Um dos princípios da evolução é que sem diversidade de possibilidades há mais chances de extinção. Organismos especialistas, que por exemplo só comem broto de bambu, podem ser muito eficientes e muito bem adaptados. Contanto que nunca falte broto de bambu. Já se você tem uma dieta flexível… pode ter uma dor de barriga de vez em quando, mas não vai passar fome se a sua floresta preferida for desmatada para o plantio de soja.
Existem estratégias evolutivamente estáveis, mas a melhor estratégia é poder mudar de estratégia se a situação assim pedir. E para isso, precisamos de discernimento, que tem sido preterido as normativas;
“O sistema interestadual de rodovias, até hoje o maior programa público de obras do pós-guerra, foi autorizado em 1956 com um estatuto de 28 páginas. A ‘lei do transporte’ que passou no congresso em 1991 sem que isso tenha afetado muito a sua vida, tinha dez vezes mais.(…) Só a EPA (agência de proteção ambiental americana) tem mais de 10.000 páginas de regulamentos.”
No Brasil não é muito diferente e basta ver o drama por que passam qualquer empreendimento que tente se instalar no Brasil. Será que deveríamos ter leis mais flexíveis, que contassem mais com o discernimento das pessoas? E se o resultado fosse que as hidroelétricas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau fossem instaladas sem uma discussão prévia? Acontece que com as leis precisas demais, os empreendimentos continuam acontecendo, mas ao invés de uma discussão, estimulamos o descumprimento da lei e a corrupção.
Eu acho que uma nova lei deveria ser considerada como uma inovação: só pode ser produzida se houver indícios concretos que ela possa ser cumprida. Nem só cumprida, ela tem que ser viável. Talvez, antes de qualquer um dos dois, ela tem de ser necessária!
O Richard Feynman dizia, ou eu depreendi isso do que li do livro dele ‘Deve ser brincadeira Sr. Feynman’ que uma boa idéia não pode refutar os princípios básicos das coisas. Já falei sobre isso aqui.
Lembro do meu deputado, o Fernando Gabeira, propondo isso no congresso anos atrás: que toda lei proposta fosse acompanhada de um estudo do custo de implementação.
Se todo deputado tivesse de escrever um plano de negócios de suas leis, para ser submetido a FINEP ou a um grupo de investidores de risco, ou mesmo de capital anjo, teríamos muito, muito menos leis. E teríamos deputados muito, muito melhor preparados.
Falta critério, falta bom senso, falta inovação.