O peso da evidência


Esse final de semana assisti “O curioso caso de Benjamin Button“. O filme é muito rico e cheio de conexões, que te levam a pensar em tantas outras coisas, com as quais, tenho certeza, vou me entreter por algum tempo.

Mas queria comentar uma coisa me chamou a atenção no filme: a falta de espanto e curiosidade quando as pessoas encontravam um ser que rejuvenescia ao invés de envelhecer.

É certamente uma incongruência, sobre a qual já comentei aqui. Mas o excelente texto de 1948 de Bruner não explica diretamente COMO resolver o problema do reconhecimento da incongruência característico da natureza humana (e não só).

A resposta é: com evidências!

Tão forte quanto a nossa vontade de negar evidências que contrariam nossos paradigmas, é nossa capacidade de reconhecer que essas evidências contrariam o paradigma. “É assim que se fazem as revoluções científicas!” diria Thomas Khun, do outro lado da sala, encerrando a discussão.

As pessoas não questionavam o rejuvenescimento de Benjamin simplesmente porque ele era uma evidência inquestionável. Dia após dia, ano após ano, todos podiam observá-lo quebrar o paradigma que regia todos a sua volta. E como o próprio personagem diz: “Você pode se irritar o quanto quiser, mas no final, só nos resta, sempre, aceitar”. Ou algo desse tipo.

Eu já ouvi todo o tipo de metáforas para questionar meu ceticismo. Tem uma que eu gosto mais que as outras. Uma vez um cara me disse que nós eramos como peixes. Um peixe vive em um mundo particular sem poder acessar um outro mundo que está acima da superfície do seu. Porém, isso não significa que esse mundo não exista (como nós, na argumentação dele, sabemos existir). Se é assim para os peixes, porque não poderia ser assim conosco?

O problema dessas metáforas é que elas não trazem um argumento, apenas tentam justificar a ausência dele. Não há evidência, apenas a justificativa ausência delas. Ainda assim, a metáfora não se sustenta. Ligassem os peixes para paradigmas, perceberiam que do firmamento deles cai de tudo, de anzól a pneu velho, passando por migalhas de pão e latinhas de coca-cola. Talvez não chegassem nunca a compreender ou conhecer esse mundo, mas as evidências dele são inegáveis.

Benjamin Button seria uma revolução científica. Mas enquanto não tivermos evidências de extraterrestres e vida após a morte tão incontestáveis quanto latinhas de coca-cola no fundo do mar, Benjamim Button continuará sendo possível apenas no cinema, e eu continuarei cético e feliz.

PS: Esse texto faz parte da Roda de ciência. Por favor, comentários aqui.

Sobreviver e adaptar


Quem já não se emocionou com Fernão Capelo, a gaivota que não se conformava com sua vida cotidiana? Passei o final de semana passado na casa dos meus pais que tem no seu quintal uma bela história de conformação, adaptação e sobrevivência.

A primeira vista, Lili é uma gaivota normal. Não fosse o entorno, o quintal lá de casa, você poderia até pensar “O que será que ela tem de especial?” Mas olhando a próxima foto, de perfil, você pode ver que a penugem negra desse lado é um pouco menor. É que ela não tem a asa direita.


Lili é uma sobrevivente. Minha mãe a encontrou enquanto passeava na praia, literalmente “arrastando uma asa” para ela. A asa estava quebrada e pendurada apenas pela pele, infeccionada e a beira da necrose. Lembrando dos seus tempos de instrumentadora cirúrgica, minha mãe pegou Lili na praia e levou pra casa. Sedou, cortou a pele, amputou a asa, suturou e medicou.

Isso foi há 6 anos e ninguém acreditava que Lili sobreviveria muito tempo. Mas ela não só está viva até hoje, como goza de uma saúde invejável e está totalmente adaptada a vida no quintal: tem uma grande bacia de água na sombra onde se banha todos os dias e convive harmonicamente como Duque e Baby, os dois vira-latas da casa; com Loiro, o papagaio e com o vai e vem dos humanos que circulam por ali. Mas é só: ai de um pombo se tentar pousar no quintal. Vai levar uma corrida!

Não, não há nenhum sinal óbvio que indique se Lili é uma gaivota macho ou fêmea. Tipo a crista dos galos. Ou pelo menos nada que apesar de eu ser biólogo (e meio metido a saber tudo), eu reconheça. Mas como gaivota é um substantivo feminino, vai ficar Lili mesmo até que a gente descubra o contrário.

Depois de recuperada, o maior problema foi como alimentar uma gaivota? Felizmente ela se acostumou com peixe congelado, mas tem de ser fresco e inteiro. Os pescadores da região passam lá em casa para entregar os peixes pequenos que eles separam “para a madame que tem uma gaivota no quintal”. Além de ser exigente com o peixe, Lili tem todo um ritual para se alimentar. É ela quem tem de vir até a comida, que deve ser deixada na porta da cozinha. Então ela sai da sombra da Bananeira, no canto esquerdo, anda paralela ao muro até a metade do quintal e faz uma curva de 90o para andar em linha reta novamente até a porta da cozinha, onde a espera seu almoço de sardinhas, cocorocas e manjubinhas. Curiosamente, Lili não anda em diagonal.

Apesar de ser uma graça, Lili ainda é arisca e muito assustada. Ninguém pode se aproximar dela que ela fica super nervosa: primeiro tenta se afastar com seus passos miúdos, as vezes vomita, mas se o perseguidor insiste, Lili tenta instintivamente decolar com sua asa esquerda (apenas), em uma cena de partir o coração, e que mostra toda a força do instinto e toda a fraqueza da memória desse animai. Lili não ‘sabe’ que não tem uma asa, mas inevitavelmente descobre toda vez que mais precisa dela.


Em poucos dias ouvi em dois locais diferentes a frase que coloquei no título. Sobreviver e adaptar. A primeira de Amparo, personagem do livro “Rio das Flores” de Miguel Souza Tavares, que terminei de ler esses dias, falando da sua herança cigana. A segunda da Sonia Rodrigues, no buteco, acho que também falando da sua herança cigana.

Sobreviver e adaptar é o que nos permite evoluir. As vezes isso significa lutar, outras vezes se conformar com o quintal.

A noite do padroeiro (parte II)

(Continuação…)

Einstein disse que tempo e espaço são relativos, mas essa é a relatividade especial (porque a luz é especial e se comporta de uma maneira diferente das outras coisas). Mas Galileu já havia dito, 500 anos antes que, um monte de eventos eram relativos, e dependiam da posição do observador. Imagino que você conheça a história da bolinha de ping-pong vista por quem está dentro e fora do trem? Dependendo do angulo de observação, tudo poderia parecer diferente.

Será que ela era uma presa? Será que aquela era uma tipica situação de caça-caçador?

Não. Primeiro porque ninguém é devorado por ninguém, o que é uma condição importante desse tipo de relação, de predador-presa.

Abre parênteses: mas isso poderia ser contornado. Poderíamos pensar em competição por um recurso ‘renovável’, ou melhor, um recurso retornável. Alguma coisa que você tira do estoque e fica indisponível por um tempo, mas depois pode voltar ao estoque. Fecha parênteses.

Mas principalmente porque temos uma questão de relatividade: dependendo do observador, não dá para dizer quem é o predador e quem é a presa! Isso caracteriza mais uma competição.

A principal estratégia de uma fêmea no confronto com os machos é confundí-los. As mulheres tem maiores habilidades comunicativas, são mais sensíveis a pequenas mudanças de forma (como por exemplo uma sutileza na expressão facial que demonstre tristeza, alegria, ou dor), conseguem prestar atenção em diferentes coisas ao mesmo tempo (apesar de ter maior dificuldade para se concentrar em apenas uma delas), têm um campo visual mais amplo, percebem o ambiente de uma maneira mais rica que os homens. Esses são alguns elementos cognitivos que permitem as mulheres captarem mais informações que os homens, o que as auxilia a terem uma perspectiva melhor (mais ampla) das situações. E que é o primeiro elemento para tomar uma decisão com mais chance de sucesso (o que define uma decisão melhor).

Não satisfeitas com os elementos extras que a sua biologia permite capturar do ambiente, a mulher quer ainda mais informação do macho. Essas informações ela obtém através de ‘testes‘ que são propostos, a todo momento, aos homens que se oferecem para cortejá-la.

Ele não sabia, mas mesmo antes de estar bancando o predador especialista para cima dela, ela já estava também bancando a predadora para cima dele. De uma maneira menos ativa, mas não menos especializada. Montou a armadilha e deixou a presa cair nela. Depois que a presa foi emocionalmente imobilizada ela avaliou o material antes de dar o bote. E não estava sozinha, um bando de amigas sempre ajudam na tarefa de cercar e, principalmente, avaliar a presa da fêmea. Naquela noite, ele, que costumava a caçar em dupla ou em grupo, estava sozinho e não foi páreo para o bando de amigas.


Depois que ela notou o moreno de cabelo comprido e camiseta branca que circulava pelo salão, ela sinalizou para as amigas. Elas então se espalharam para observá-lo enquanto ela ficava mais escondida, preparando os testes que seriam propostos, caso as amigas voltassem com um relatório positivo. Foi o que aconteceu: “Ele é caçador, mas não faz alarde. Dança bem, mas não tira qualquer garota para dançar. Se posiciona no lado esquerdo do palco e fica observando o povo dançar antes de tirar alguém. Parece que tem pegada, mas não tenta pegar na primeira dança.” Era tudo o que ela queria ouvir, pelo menos naquela noite. Seus planos eram de se divertir.

Biologicamente, para uma mulher, se divertir com um homem é ‘pescar genes’: selecionar um bom exemplar para a sua estande de possíveis reprodutores. Ela não tinha intenção de fazer sexo com ele aquela noite. Queria fichá-lo. Quem sabe até marcá-lo com uma etiqueta de ‘pronto para o consumo em…’ assim como se faz com o vinho. Muitas vezes a mulher tem sim intenção de fazer sexo com um desconhecido e nesses momentos existe um componente biológico fortíssimo. Elementos sociais como a presença de parceiro estável que não atingiu as expectativas propostas inicialmente, um momento profissional de sucesso que garanta a sua própria independência financeira, ou simplesmente o aparecimento de um espécime macho muito superior a média; levam a mulher a procurar mais parceiros. Só que as mudanças hormonais que acompanham a ovulação e levam a mulher a procurar mais sexo com esse número maior de parceiros.

Ainda que esteja em um relacionamento estável confortável e bom, uma mulher sempre quer adicionar mais exemplares a sua biblioteca de possíveis parceiros. Nós olhamos bundas e peitos, elas olham o comportamento que sugere que aquele macho vai cuidar dela e dos filhotes, além de doar bons genes para eles. Se as condições ambientais mudarem, o corpo vai sinalizar para ela que é hora de fazer sexo com um desses ‘outros’ parceiros. Os da ‘biblioteca’.

Mas a busca é criteriosa e a posição que o macho ocupará nesse catálogo está relacionada com a performance dele nos diferentes testes propostos.

Enquanto ele observava um casal com uma menina de vestido soltinho longo e sapatilha, que dançava bem agarradinha no cara de barba e cabelo mal lavado, com uma daquelas bermudas jeans largas deixando a insuportável cueca aparecendo, tentando ficar atento aos pés deles que se mexiam como fossem um só, fazendo voltas giros e levando aqueles dois para um lado e outro em um gingado que ficou conhecido como forró universitário, mas que esses dois elevavam a um outro patamar; mesmo ali ele já estava sendo testado.

E menina de tomara que caia branco já havia sentenciado que ele olhar para ‘os pés se mexendo’ e, de vez em quando, para ‘a bundinha redondinha da menina’, era uma coisa boa. Um cara que sabe o que busca (o que quer cortejar) e procurar aprimorar os meios para fazer isso. Excelente exemplar!

Sabendo onde ele se posicionava no salão, bastou passar na frente dele para chamar a sua atenção. O contraste da marca de biquíni com a pele
e o tomara-que-caia branco foi realmente uma excelente idéia. Sensual sem ser vulgar. Ela sabia qual tipo de homem queria agradar, ainda que, aquela roupa fosse agradar a qualquer homem, e que nada na atitude dela iria impedir os vulgares de se aproximarem também, o que é algo que as mulheres simplesmente não conseguem entender. A boa propaganda atinge o público alvo em cheio, mas atinge mais ou menos TODO o público. E quanto maior for o público, ou quanto maior for o impacto da propaganda nele, maior a freqüência de predadores oportunistas e até violentos.

Tudo foi avaliado: quanto tempo ele levou entre percebê-la e chamá-la para dançar (demais), o que ele falou pra ela (“Dança comigo!” Uma afirmação ao invés da pergunta: “Você quer dançar?”), como ele pegou nas costas (mão espalmada na lombar, logo acima da cintura; posição correta para conduzir a dama no balie) e na mão direita (encaixando a mão em forma de concha, como os elos de uma corrente, o que facilita os giros pelo salão), o cheiro da roupa (bom), do pescoço (muito bom) e do cabelo (muito, muito bom).

Depois dessas observações vieram as primeiras perguntas: Qual seu nome e o que vocês faz. Pela experiência dela, um cara bom desses dando sopa em um forró na vespera do São Sebastião tem de ter defeito. O cara poderia ter um nome feio, tipo Kleison, mas poderia ser muito pior e o cara poderia não saber pronunciar o nome direito, falando Kreison. Mas ele tinha um nome bonito, de origem mediterrânea, pronunciado bem com uma voz forte. Estudos recentes mostram que a voz é um dos principais elementos indicativos de boa saúde sexual. Mais especificamente o pitch, que é a frequência da voz. Frequências baixas são menos desejáveis que frequências altas, para a voz dos machos. E ele tinha voz de locutor de FM e dava pra ver mesmo ali, no meio daquela confusão do forró.

Quando ele disse que era cientista ai foi demais para ela. “Esse cara ainda é inteligente?!” É muito mais do que eu pedi para a minha estante, ela pensou. Ela sorriu e disse que tinha de ir falar com a amiga, deixando ele em pé, plantado no meio do salão. Não sabia direito porque tinha feito aquilo, mas ela tinha de re-avaliar a estratégia depois de todas essas outras informações e nesse momento, deixar o macho confuso, as custas da própria confusão, é sempre a estratégia utilizada pelas fêmeas.

A insistência é um dos principais testes que as mulheres apresentam aos homens. Um homem tem de saber insistir e persistir. Sem ser chato, obviamente. Reagir a uma situação de desconforto com inibição ou raiva denuncia a falta de controle do macho. E a fêmea não quer um macho descontrolado.

Quando ele se recompôs no meio do salão, esperou terminar a música e voltou para buscar ela de novo para dançar. Dessa vez sem falar nada, apenas puxando pela mão. Ela já sabia que tinha encontrado um macho alfa, que ele mereceria um lugar de destaque ao seu lado e não na prateleira, que iria beijá-lo e dançar com ele o resto da noite.

A noite do padroeiro (parte I)

Dia 19 de Janeiro é sempre dia de festa no Rio de Janeiro. É véspera do dia do padroeiro da cidade, São Sebastião, e para aqueles que, como eu, não são devotos e não tem de acordar cedo no dia seguinte para a procissão, é dia de ir para o forró. Eu sei me virar na pista de dança, então um forró é sempre uma opção de divertimento e uma chance para conhecer garotas.

Se você é ‘Solteiro no Rio de Janeiro’, sair a noite é uma aula de ecologia. Um cara (ou uma garota) solteiro é um predador em potencial; sendo que todo o resto, todos os outros caras e garotas são competidores ou presas. E a relação entre competidores, e entre predador e presa, são das mais interessantes em ecologia, que tem potencial para ilustrar muitas, muitas relações ecológicas.

Uma presa é um recurso. Claro, nem todo recurso é uma presa, mas toda presa é um recurso. Água é um recurso e não é uma presa. Cerveja e tequila também não.

Um recurso é qualquer substância que faz com que a população cresça quando a sua disponibilidade no ambiente aumenta, porque ele é consumido pelos organismos. Ou seja, um recurso é necessário para a manutenção e/ou crescimento do consumidor e, ainda que o excesso da substância ou fator leve a um efeito tóxico, por definição ele é um nutriente.

Mas uma característica importante para definir um recurso é que sempre que ele é consumido, ele diminui, podendo se tornar um recurso limitante.

Naquela noite de 19 de Janeiro de 1999 tinha tequila e cerveja a vontade no forró do Lagoinha. Não foram fatores limitantes. Mas nem por isso foram consumidos em demasia, apenas o suficiente para deixarem os sentidos alertas. Ao contrário do que acreditam as autoridades de transito, o álcool deixa os sentidos mais alerta. Alguns, em detrimento de outros, é verdade. Justamente os sentidos que importavam naquela noite.

Quando uma animal passeia por um ambiente em busca de alimento ou de um outro recurso qualquer, ele encontra, sequencialmente, presas em potencial. E a cada encontro ele se depara com a questão de perseguir aquela presa, o que gasta tempo e energia mas pode ser recompensado com a energia do alimento; ou procurar uma próxima presa, que pode ser mais interessante, seja porque a recompensa é maior, seja porque o custo de persegui-la é menor.

Nem sempre é fácil decidir e justamente por isso, nem sempre a gente consegue decidir. Mas não decidir já é uma decisão, porque como eu disse, além de você e da presa, existem também os competidores. Não consumir uma presa que aparece para você em um determinado momento significa, necessariamente, dar oportunidade a um seu competidor de consumi-la. Você pode ficar a ver estrelas.

Mas como determinar qual é a presa mais interessante? A gente costuma pensar que “a grama do vizinho é sempre mais verde!”, mas nem sempre isso é verdade. Então como decidir? Bom, a ecologia tem uma teoria que funciona incrivelmente bem, mesmo para qualquer situação que um solteiro na noite do Rio de Janeiro possa encontrar.

Quando um predador encontra presas com uma frequência menor do que o tempo que ele leva para capturá-la, então ele deveria consumir todas as presas que encontrasse. Isso quer dizer, se você caiu em uma daquelas festas ciladas onde você olha para os lados e só encontra homem tomando cerveja, e ao ir até a varanda pra tomar um pouco de ar você encontra uma baranga que algum mané deixou sozinha enquanto espera na interminável fila do banheiro, você aborda e sai com a garota da festa. Sem ressentimentos: é um mundo cão.

Mas quando as presas são frequentes ele deve buscar a presa ótima, porque em breve ele deve encontrá-la. A melhor presa é aquela que maximiza a relação custo/benefício, entre o tempo e energia gastos para encontrá-la e capturá-la, e a energia adquirida com a ingestão. É a ‘Teoria do Forrageamento Ótimo’.

Essas duas atitudes diferenciam o generalista do especialista. Como eu falei, a decisão entre um ou outro pode nem sempre ser sua. Em um ambiente inóspito, você pode ser obrigado a ser um generalista. Mas tem gente que é generalista porque gosta mesmo de qualquer coisa, ou porque é meio preguiçoso, e gosta mesmo é de pegar a primeira coisa que aparece pela frente.

Eu nunca fui muito preguiçoso, então naquela noite, circulava pelo Lagoinha com todos os meus sentidos alertados pela cerveja e a tequila. Dançava um forró aqui, dançava um forró ali, até que a vi: Pele morena, uma blusa tomara-que-cai branca e o sorriso mais bonito da Terra.

Como um bom especialista, foquei no alvo e fui atrás dele. Não via mais nada além daquele sorriso e ele tinha de ser meu. Chamei ela pra dançar e nós dançamos. O Lagoinha fica no alto de Santa Tereza. O ar é mais rarefeito lá e a pressão é menor, como no alto de qualquer montanha. Ou era isso, ou ela parecia dançar nas nuvens mesmo. “O que você faz?” ela perguntou. “Eu sou cientista”, respondi. Ela riu e saiu. Deu uma desculpa qualquer do tipo “Não posso deixar minha amiga sozinha” e me deixou plantado sozinho no meio da pista. Mas não sem me deixar aquele sorriso maravilhoso de presente.

A teoria do forrageamento ótimo diz que se a recompensa de uma presa específica por unidade de tempo gasta para encontrá-la é maior do que a média das recompensas ganhas com diferentes presas (também medida por unidade de tempo gasto para encontrá-las), então o animal deve se especializar nessa presa específica! Parece complicado, não é?! Mas você não precisa fazer contas para decidir. A frase acima significa que a especialização compensa apenas quando as presas são abundantes. O que parece ser um paradoxo: Quanto mais garotas bonitas, mais vale a pena você ficar com uma só. Desde que ela SEJA a menina mais bonita. De todas!

Naquela noite não fiz cálculo de média ou outro valor. Havia o troféu: a menina mais bonita da festa. A menina mais bonita que já havia visto na vida!

Se o Guepardo não tiver sucesso na sua investida, vira tapete!
Quanto mais especializado é um animal, maior é o seu compromisso com a caçada. As vezes a escolha de uma presa é um compromisso de vida ou morte. É a ‘Síndrome do Guepardo’. O Guepardo (ou chita) é um felino africano, q
ue alcança a incrível velocidade de 110km/h ao perseguir a sua presa, a Gazela (ou o Antílope, como na foto). Mas a Gazela também é rápida, e não se entrega fácil. A caçada é difícil, e ainda que em geral termine com a morte da gazela, isso não significa que o compromisso do Guepardo seja menor. Se a Gazela escapa, o Guepardo não terá energia para outra caçada e estará fadado a morrer de fome. É difícil dizer quem está certo e quem está errado nessa situação. Acho que por isso a natureza nem tenta fazer o juízo. Há o vencido e há o vencedor. Há o que funciona e o que não funciona. O que funciona, não precisa funcionar sempre. Por isso também, quem vence, não vence sempre.

Juntei minhas últimas forçar e chamei ela pra dançar de novo. Ela veio. Só que dessa vez ela não escapou e dançamos o resto da noite juntos.

(Continua)

80 milhões de anos sem transar


Poucas espécies se reproduzem assexuadamente. Mas todas elas podem, de tantas em tanta gerações, fazerem um sexozinho para dar uma embaralhada nos genes. Na verdade todas menos uma: o rotífero Bdellóide.

Rotíferos são pequenos animais, principalmente, de água doce. Pequenos mesmo. Apesar de serem metazoários (grupo ao qual eu e você também pertencemos) eles são mutias vezes menores do que os organismos unicelulares com os quais eles habitam. Eles não passam de 0,5 mm e têm em torno de umas mil células.

Os metazoários são aqueles animais que tem mais de um tecido embrionário (que se formam das dobras que o embrião faz quando ainda é apenas um apanhado de células) que depois vão se diferenciar nos vários órgãos.

Não é a toa que fazem parte do superfilo asquelmintos, dêem uma olhada na foto e vocês vão ver como ele é meio asqueroso. Nessa imagem a típica ‘coroa’ de cílios que se parecem com ‘rodas’ em torno da boca e que dá o nome ao filo está embutida e o bicho parece uma ‘camisinha’ cheia de ar.


Mas isso não chegaria a ser motivo para o rotífero Bdelloide nunca, em 80 milhões de anos, ter feito sexo. Sabe aquela piada que as meninas falam de ‘nem se ele for o último homem da Terra…’ Os Bdellóides nunca viram um homem e vivem em um mundo apenas de mulheres. Desde que foram descobertos todos os indivíduos observados até hoje são femeas que se reproduzem partenogeneticamente.

Em condições ambientais estressantes, eles, na verdade elas, podem formar cistos que podem ser até fervidos sem serem destruídos, e assim permanecer por centenas de milhares de anos(!) e depois eclodirem e em poucos dias povoarem um pequeno lago.

O Bdellóide ainda hoje é um desafio para as teorias que tentam explicar o porquê (e para queê existe sexo e o porquê (e para quê) existem gêneros.

Qualquer que seja a razão, esses pobres animais são um forte evidência do sobrenatural, já que só pode ser alvo de uma maldição!

Não é a tôa que o cérebro deles não possui mais que umas 15 células.

Cospe ou engole?

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(Esta é uma postagem casada e você pode querer ler primeiro o post anteiror)

O que os especialistas não conseguiram, ou não tentaram, explicar, é o costume das fêmeas engolirem o sêmen dos machos. Em princípio, todas as informações necessárias poderiam ser obtidas com a manipulação e o contato oral. A deglutição inclusive impediria o importante exame visual. Qual o propósito então?

Não, não é porque é nutritivo, apesar de ser rico em frutose. Também não parece ser pelo gosto, já que apesar de ser um açúcar, a frutose não é doce. Uma lenda urbana que até já foi citada em um episódio de “Sex and the city” afirma que o gosto melhora se o homem tiver comido abacaxi no dia anterior, mas isso não foi comprovado cientificamente. Umas amigas afirmam que o gosto só é bom quando é do homem que elas amam. Apesar disso também não ter sido comprovado, essa teoria pode estar mais próxima da verdadeira razão: a ativação do sistema imune. Engolir porra é uma maneira da mulher desenvolver tolerância aos antígenos do seu macho.

Um artigo publicado no ano 2000 por um grupo holandês na revista de imunologia reprodutiva, mostrou que o sêmen é rico em uma série de compostos chamados de HLA, a sigla em inglês para “antígeno dos leucócitos humanos”. São as famosas proteínas do complexo de histocompatibilidade maior, aquelas proteínas específicas produzidas na superfície das nossas células e que ajudam o nosso corpo a reconhecer o que pertence a ele e o que é estranho. São as mesmas proteínas que fazem com que o organismo tente rejeitar um órgão transplantado, por exemplo.

E do que serviria essa ‘tolerância’ as partes do corpo do homem para uma mulher apaixonada que não precise de um transplante de coração? Bom, existe sim uma parte, na verdade uma célula, do homem na qual a mulher está interessada que seja transplantada para o seu corpo, e para a qual o corpo dela pode sim, apresentar algum tipo de rejeição: o espermatozóide.

A razão pela qual muitas mulheres não conseguem engravidar é a rejeição ao embrião, ou ao feto. Não é de todo insensato. Biologicamente, ele (o feto) é um ‘corpo estranho’, ou pelo menos 50% estranho, que se comporta como um parasita no corpo da mulher.

O estudo mostra que o sêmen rico em HLA ajuda a desenvolver a tolerância da mulher ao macho, fazendo com que na hora que o sistema imune for reconhecer as proteínas na superfícies das células do feto, aqueles outros 50% de moléculas estranhas, não sejam tão estranhas assim.

Você pode achar que é brincadeira, mas o fato é que existe uma correlação direta entre mulheres que tem contato oral intimo (engolem sêmen) com o parceiro antes da concepção e a frequência de eclampsia (uma doença da gravidez que pode levar ao aborto natural e até a morte da mãe). Mulheres que engolem, tem menos eclampsia. Quanto maior a freqüência da deglutição, menor a chance de eclampsia.

E não é só isso. O muco que preenche o cérvix feminino (mais conhecido como aquela babinha que geralmente escorre depois da relação sexual) é cheio de glóbulos brancos que defendem a entrada da cavidade abdominal contra bactérias e agentes infecciosos. Mas que também atacam os espermatozóides que nadam pelos canais do muco para chegarem nas trompas. A tolerância as células do macho também reduz o ataque desses linfócitos.

Abre parenteses: As mulheres ainda são capazes de ‘filtrar’ o esperma de um homem concentrando linfócitos no muco. Essa é uma resposta inconsciente que tende a favorecer a fecundação por um ou outro macho com quem ela tenha estado em contato (e que não é necessariamente o seu macho frequente), mas essa é uma outra história. Fecha parenteses

A natureza não dá ponto sem nó. Um comportamento pode aparecer por acaso, ou como um subproduto de outro (até cultural), mas para ele se tornar uma estratégia difundida por grande parte do reino animal, se ele não teve um propósito, acabou tendo alguma utilidade.

Então podemos corrigir a intuição das meninas, que tendem mesmo a confundir tudo com emoção. Não serve qualquer porra, mas ao invés de ser a porra do homem que elas amam, tem de ser a porra do homem com quem elas querem reproduzir. Considerando que nem sempre seja o mesmo.

Koelman CA, Coumans AB, Nijman HW, Doxiadis II, Dekker GA, & Claas FH (2000). Correlation between oral sex and a low incidence of preeclampsia: a role for soluble HLA in seminal fluid? Journal of reproductive immunology, 46 (2), 155-66 PMID: 10706945

O que que eu faço com essa porra?

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Nos últimos 50 anos, a seleção natural tem sofrido algumas mutações. Alguns autores acreditam que mais do que a ‘sobrevivência’ do mais apto, ela trata da ‘reprodução’ do mais apto. Se o organismo sobrevive, mas não se reproduz…. não adianta. A seleção natural é uma seleção sexual!

Com isso, grande parte do nosso comportamento evoluiu não apenas para sobreviver, mas também para favorecer a reprodução. Alguns desses comportamentos parecem mais obviamente conectados a reprodução, mas outros são menos diretamente relacionados, ainda que sejam altamente sexuais.

O sexo oral por exemplo, apesar de ser parte do que entendemos como ato sexual, não parece trazer nenhuma vantagem reprodutiva direta. Para a natureza, esperma lançado fora do corpo da fêmea é, nada menos que, um tremendo desperdício. E a natureza tende a ser extremamente econômica, como já comentamos aqui.

Mas então porque os humanos fazem sexo oral? Porque é muito bom, você vai dizer. Bem, infelizmente essa resposta não é suficiente para a seleção natural (e também encerraria o meu artigo aqui). Além disso, não são apenas os humanos que fazem sexo oral. Você nunca viu os cães cheirando e lambendo as partes: próprias ou alheias?! Os primatas, incluindo nossos primos chimpanzés, fazem a mesma coisa. É um comportamento bastante difundido no reino animal. Será que eles fazem isso também só porque é bom? Sim, só por ser bom já é motivo suficiente para fazer, mas então porque é bom? Você nunca pensou nisso? Não é um prazer racional e sim instintivo. E se é instintivo, geralmente tem uma razão de ser.

De alguma forma, o que biologicamente parece um desperdício, na verdade aumenta as chances de reprodução. Parece um dilema, mas é um investimento.

Apesar do nosso sistema nervoso central (SNC) estar ligado conscientemente em detalhes da aparência humana, como roupas, carros e cortes de cabelo, ele também está ligado inconscientemente em outras coisas, mais básicas, como cheiros, sons, formas e movimentos.

Muito bem, um cara sai com uma menina: cinema, jantar, vinho e quando chega a hora o SNC (dele) está atento a cor da calcinha e do sutiã (dela), da cueca e da meia (dele), se ela se depilou e se ele rói as unhas; ao mas o SNC também está atento atento a várias outras coisas: a relação entre a cintura e o quadril (dela), a relação entre a largura dos ombros e a cintura (dele), a freqüência da voz (principalmente dele), que são os elementos mais óbvios de saúde física reprodutiva. Outros sinais são mais sutis e precisam de uma aproximação maior.

Para os especialistas em comportamento reprodutivo humano, como Robin Baker, é ai que o sexo oral entra: para ajudar a captar os sinais mais sutis de saúde reprodutiva. E não apenas de saúde, mas de comportamento reprodutivo em geral.

Por exemplo, um odor ou gosto desagradáveis na genitália da fêmea podem ser sinais de doenças. Mas além disso, ao cheirar e lamber a genitália da fêmea, o macho pode perceber a presença do esperma de outro macho. Uma informação muito importante, quer ela seja a sua fêmea estável, quer não.

A fêmea por outro lado também está buscando informação quando manuseia ou leva o membro do macho a boca. Não, o tamanho não é o mais importante. Mais importante é o tempo que o homem leva para alcançar a ereção. Esse é um tremendo sinal de saúde sexual. Nossos ancestrais tinham que estar atento aos predadores durante a cópula e não havia tempo a perder. Uma fêmea não queria um cara que demorasse para crescer. Nem que demorasse para ejacular já que a quantidade, a cor e o odor do sêmen também são elementos fundamentais para a avaliação da fêmea. Uma porra branca, viscosa e sem odor é preferível a uma amarelada, liquefeita e com cheiro forte. O volume é uma questão a parte, já que depende sempre de outros fatores.

Então a natureza masculina concorda em esbanjar um pouco de sêmen porque isso pode aumentar as chances dele copular no futuro (um futuro próximo).

(Continua no post acima)
Koelman CA, Coumans AB, Nijman HW, Doxiadis II, Dekker GA, & Claas FH (2000). Correlation between oral sex and a low incidence of preeclampsia: a role for soluble HLA in seminal fluid? Journal of reproductive immunology, 46 (2), 155-66 PMID: 10706945

O que o seu astrólogo não vai dizer

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A validação pessoal é um dos dois problemas que eu tenho com a astrologia. É o problema que foi apresentado no último post. As pessoas acreditam em, e confirmam, qualquer coisa que você disser a elas sobre elas.

Não é por maldade ou fraude, mas simplesmente porque as características que determinam a unicidade de um indivíduo podem ser encontradas em qualquer indivíduo. O que diferencia cada um é o grau com que apresenta (ou manifesta) cada uma dessas características. Forer já havia dito isso há mais de 50 anos. Eu já havia dito algo parecido sobre a importância das ‘doses‘ de qualquer coisa.

O problema da ‘validação pessoal’ nos testes de personalidade é que geralmente esses são os chamados ‘testes positivos’, onde a evidência é recolhida através de uma resposta afirmativa. Tipo: “Você gosta de festas?” “Sim!” Logo, você é uma pessoa sociável (parece a piada do português sobre lógica, mas essa fica pra depois).

Muitos autores já mostraram que, em casos de julgamento sobre a nossa própria personalidade, o nosso ‘ego‘, nós possuímos informações detalhadas e complexas sobre nossa história passada que em geral são diversas e muitas vezes contraditórias. Por isso, para praticamente qualquer afirmação ou condição proposta, nós deveríamos encontrar evidência que comprova a proposta. Que comprova a hipótese.

Um autor Inglês Martin Davies mostrou que o nosso ‘ego‘ é ainda mais tendencioso. Ele mostrou que uma hipótese é mais difícil de ser confirmada quando o teste proposto é um ‘teste negativo’, onde a pergunta espera uma resposta negativa do tipo: “Você é um cara que gosta de ficar em casa?” “Não” para confirmar a hipótese de que gosta de ir a festas.

O problema é que quando alguém propõe um teste positivo para confirmar uma hipótese, e depois um teste negativo para fazer uma verificação do primeiro, o seu cérebro simplesmente impede o acesso as memórias que contradiriam a primeira afirmação. Você pode ter um monte de lembranças de quando prefiriu ficar em casa do que ir a uma festa, mas depois de dizer que gosta de ir a festas, vai lembrar de várias festas memoráveis, mas não lembrará de nenhum sábado feliz junto a TV vendo Supercine.

Como diria o filósofo Bonovox: “She (a mente) moves in misterious ways” (que excelente lembrança, adoro essa música e vou colocar pra tocar agora).

A mente, simplesmente, opera de maneira a dar um parecer ‘confortável’ para o indivíduo em uma determinada situação, mas essa sensação de conforto e segurança significa que a confirmação pelo indivíduo será, sempre, tendenciosa. Isso sem que haja nenhuma racionalização.

Se já somos tendenciosos naturalmente, imagina quando há algum interesse em jogo?! O mesmo estudo mostrou que se um indivíduo é motivado a confirmar uma característica do seu ego, não importa se ela é apresentada em um teste positivo ou negativo: ele ira confirmar a característica. O autor não sabe identificar quais características, e em quais situações, influenciam na decisão da confirmação, mas eu posso pensar em uma ou duas:

Quando tinha 19 anos fui a uma boate que existia no Clube Naval em Xaritas (Niterói) com um amigo. Conhecemos duas meninas e fomos bater papo na varanda do clube. Aquela que conversava comigo começou a falar da lua e ai eu comecei a falar estrelas. Eu sei, é meio cafona, mas eu tinha 19 anos e estava motivado. Mas ai ela perguntou meu signo e eu comecei a dizer que não acreditava em astrologia, que a física do mapa astral era ainda a mesma da época de Ptolomeu, quando se conheciam apenas 5 planetas e a Terra era o centro do universo. Oh Gosh, A astrologia não reconhecia Copérnico! Não preciso dizer que só meu amigo beijou na boca aquela noite. Eu fiquei …vendo estrelas. Desde então sou motivado a responder a responder que sou de Virgem, independente de não acreditar no que isso representa.

Isso encerra a primeira razão pela qual eu não acredito em Astrologia, mas também já introduz a segunda: Não há como funcionar simplesmente porque a ferramenta de cálculo é totalmente imprecisa e inacurada. É errada.

Um estudo duplo cego (aqueles ondes quem planeja não conduz, quem conduz não analisa e quem analisa não planejou, e que por isso são os mais livres de observações tendenciosas), da astrologia publicado na revista Nature com os melhores astrólogos dos Estados Unidos, recomendados pela associação americana de astrólogia pela sua incrível e incontestável expertise, mostrou que o acerto é mero acaso.

Cem astrólogos receberam 100 mapas astrais de 100 voluntários e também os dados necessários para a formulação do mapa astral desses indivíduos (data, horário em minutos e local exato de nascimento). Junto com o mapa correto daquele indivíduo, o astrólogo recebia dois outros mapas de duas outras pessoas, que tinham o mesmo signo astral. O trabalho deles, dos astrólogos, era indicar, dentre as 3 possibilidades (o mapa correto e os outros dois incorretos) qual era o mapa daquela pessoa. A taxa de acerto foi de 30%. Como havia 1 mapa correto em 3, 30% significa que eles acertaram por acaso. Quem quiser mais detalhes pode ver o artigo de Shawn Carlson no vol. 318 da Nature de 1985.

Trinta por cento! Imaginem se houvesse 1 mapa correto em 5? Seria 20%. E se houvesse 1 em 10? Seria 10%. Não existe ciência ou filosofia ou paranormalidade: é puro acaso!

Com essas dicas, eu ou você podemos agora mesmo montar uma barraquinha na praia de Copacabana na Noite de Reveillon e começar a fazer mapa astral da galera. Ou não.

Mas por via das dúvidas, não fale nada de Ptolomeu ou Copérnico. Você pode ficar a ver estrelas também!

Forer, B. (1949). The fallacy of personal validation: a classroom demonstration of gullibility. The Journal of Abnormal and Soci
al Psychology, 44
(1), 118-123 DOI: 10.1037/h0059240

Tudo que o astrólogo vai dizer pra você

ResearchBlogging.org


É final de ano e as pessoas tendem a correr para o seu shamã de plantão para saber as previsões para o próximo ano. Resolvi me antecipar e dizer para vocês, quem quer que vocês sejam, o que o seu astrólogo, tarólogo, numerólogo, pai de santo, padre, vai dizer pra você:
  1. Você tem uma grande necessidade que outras pessoas admirem e gostem de você.
  2. Você tem uma tendência para ser crítico com você mesmo.
  3. Você tem um grande potencial não aproveitado que você ainda não utilizou em seu favor.
  4. Apesar de você ter algumas falhas de carater, você geralmente consegue compensá-las.
  5. A sua conduta sexual já trouxe problemas pra você.
  6. Apesar de disciplinado e bastante controlado para com os outros, você tende a ser preocupado e inseguro com você mesmo.
  7. De vez em quando você tem sérias dúvidas quanto a ter tomada a decisão correta ou feito a coisa certa.
  8. Você prefere uma certa dose de mudança e variação e fica insatisfeito quando é impedido por restrições ou limitações.
  9. Você é orgulhoso de ter independência de pensamento e de não aceitar afirmações de outras pessoas sem evidências satisfatórias.
  10. Você já descobriu que nem sempre é esperto ser franco e se revelar para os outros.
  11. Algumas vezes você é extrovertido, afável e sociável; outras vezes é introvertido, desconfiado e reservado.
  12. Algumas das suas aspirações tendem a ser bastante pouco realistas.
  13. Segurança é um dos seus principais objetivos de vida.
Não é a toa que você se identificou com várias das afirmações acima. Elas são os que os psicólogos chamam de Universalscharakteristik: traços universais de personalidade que configuram declarações universalmente válidas. São completamente genéricas e não tem qualquer validade para diferenciar qualquer duas pessoas

Essas em especial foram retiradas de livros comuns de astrologia e publicadas em um estudo de Bertram Forer chamado “A falácia da validação pessoal” de 1949 que será assunto do próximo post.

Mas é impressionante saber em qualquer grupo de pessoas testadas desde então, classificaram, em uma escala de 0 (incorreto) a 5 (corretíssimo), em média, essa lista com valor acima de 4! Ou seja, refletindo muito bem a sua personalidade.
Forer, B. (1949). The fallacy of personal validation: a classroom demonstration of gullibility. The Journal of Abnormal and Social Psychology, 44 (1), 118-123 DOI: 10.1037/h0059240

Partenogenética Maria

Madonna con bambino de Giotto
É Natal e o que um cético pode fazer? Na verdade não muito. Não resta mais nenhum mito para caçar, mas mesmo assim, as pessoas acreditam.

Anos atrás vi um excelente documentário na Discovery explicando historicamente todos os mitos da religião católica. Caiam por terra um depois do outro. Já se sabe que Jesus não nasceu em Dezembro, que a estrela era um planeta e até que Maria não era virgem.

Abre Parenteses: Essa era justamente a história que eu queria contar hoje, sobre como Mateus, ao traduzir o Velho Testamento do hebraico para o grego, trocou a palavra ‘bethulah‘, a correta tradução para o termo original hebraico ‘almah‘ (donzela) utilizado para descrever Maria (a donzela Maria), por ‘Parthenos‘ (virgem), gerando o mais poderoso mito da religião católica. Mas é incrível a quantidade de textos já falando sobre isso na rede. Fecha parenteses.

Já falaram tudo que poderia ser dito sobre a pseudociência na Bíblia. As pessoas continuam acreditando porque precisam. Ou por falta de alternativa, já que nem a ciênciologia, aquela ficção científica barata disfarçada de religião, conseguiu oferecer uma crença mais plausível, baseada em evidências.

Não restou muito o que falar e eu estava resignado a ficar quieto, com um grande esforço para respeitar a crença de grande parte da minha espécie. Até assistir o episódio de Natal do seriado House ontem. Uma garota chega com dores no hospital e descobre-se grávida. Dizendo-se virgem e noiva de um rapaz também virgem, ela procura por uma explicação para a gravidez, sob a argumentação irônica do médico resmungão. Um barato!

Foi dai que eu pensei na questão: será que Maria poderia ter se reproduzido por partenogênese?

Apesar de termos uma população que beira os 7 bilhões de habitantes e uma taxa média de nascimentos de 21 por cada 1000 habitantes (faça as contas, leve ainda em consideração que foram várias gerações até hoje, desde antes da época de Cristo, e você verá o quão grande é esse espaço amostral, e quão significativa é essa observação), nunca foi relatado um caso de partenogenese em humanos. O que para mim é suficiente para dizer que não existe. Nem por erro.

Mas na TV tudo pode e House consegue mostrar, para a satisfação do namorado que começava a coçar a testa, como um dos óvulos da garota poderia ter sido acometido com um carga dupla de cromossomos (veja como aqui) e por um evento elétrico ter iniciado a divisão, dando origem 9 meses depois a um bebê de uma mãe virgem.

O namorado acreditou. Claro, tem gente que ainda acredita em Papai Noel. Os resultados do teste de paternidade tinham sido falsificados para deixar os pombinhos acreditarem no que quisessem. Até que um incrivelmente raro evento científico, tão raro que nunca aconteceu, é mais plausível do que uma namorada traidora, que, convenhamos, acontece o tempo inteiro.

Mas nem a hipótese da partenogenese em humanos salva o mito da Virgem Maria. Nas espécies que se reproduzem assexuadamente por partenogênese (veja aqui) a população é inteiramente de fêmeas. Claro, elas só possuem cromossomas X para passarem adiante, e uma fêmea só pode dar origem a outra fêmea.

Jesus teria de ser menina. Ou… Maria não era virgem.

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