O Check-up, “Procuradores” e “Achadores”

Muitos pacientes vão ao consultório e dizem “Dr. gostaria de fazer um check-up!”. Em geral, dizem isso acompanhado de um “já tenho 30 e tantos anos e nunca fui a um médico, preciso me cuidar, né?”, esperando aprovação e reforço positivo. Vou avisando, “sou contra check-up”. Em especial, nos moldes como ele foi introduzido numa prática de cuidado de si, no início da década de 70. Me explico.

Entenda-se aqui por check-up o procedimento no qual um cidadão ou uma cidadã submetem-se aos mais variados exames e consultas com especialistas em, digamos, uma tarde. A coisa varia de lugar para lugar, mas em geral, consiste em endoscopia, colonoscopia, otoscopia, teste ergométrico, ultrassom de abdome, ecocardiograma, radiografia de tórax, toque retal, exame oftalmológico e os mais variados exames laboratoriais incluindo marcadores tumorais, perfil hormonal e, mais alguma coisa que, com certeza, esqueci. O detalhe que faz toda a diferença é que, apesar de serem checadas possíveis queixas dos avaliados, NÃO É POR ESSA RAZÃO QUE ELES ESTÃO LÁ!

checkupAs razões que levam essas criaturas a um centro de check-up, na grande maioria das vezes, são corporativas. Estimativas feitas por uma revista semanal de grande circulação em 2003 com os 3 maiores centros de check-up de São Paulo (ver quadro ao lado, clique para ver a origem) mostram que 80% deles são financiados por empresas. Em que pese o interesse individual das pessoas em cuidar da própria saúde, há outros interesses sobre o bem-estar de um executivo e esse tipo de prática acaba caindo no que Foucault chamou de biopoder que tem no corpo o palco de uma política onde exerce sua força.

O check-up se insere em um tipo específico de procedimento médico chamado de rastreamento (rastreio, em Portugal, screening, em inglês) que é o fato de alguém que não tem queixa nenhuma (repare que não digo que não tem doença nenhuma) submeter-se a procedimentos médicos com o intuito de diagnosticar algum mal oculto. Baseia-se no fato de que existem doenças silentes, que não provocam sintomas quaisquer, mas que, mesmo assim, podem causar dano futuro. Se pudermos diagnosticá-las precocemente poderemos evitar muitas complicações e até evitar a morte.

As críticas feitas ao check-up podem ser divididas em dois grande grupos. O primeiro grupo diz respeito a um tipo de “subversão da ordem médica clássica”. A medicina, desde os seus primórdios, foi construída como uma relação entre dois seres humanos e se inicia com as queixas de um deles ao outro. Na ausência desse passo fundamental, o que se segue pode ser classificado como tecnologia médica ou picaretagem, mas não propriamente como medicina. Nesse caso, não há o encontro do paciente com o profissional da saúde. Há exames frios que produzem números frios. É uma relação centrada nos exames. Hoje, a possibilidade de investigação laboratorial é gigantesca. Acho engraçado quando um paciente diz “doutor, fiz TODOS os exames e ninguém achou nada”. Não digo impossível, mas é economicamente inviável e biologicamente muito agressivo, alguém fazer todos os exames possíveis na medicina hoje. É possível “virarmos alguém do avesso”, diz um médico amigo. O que fazer com todos os dados gerados em um check-up é algo que nem sempre é muito bem estabelecido.

Outro grupo de críticas remete ao processo heurístico do investigar. Isso é bem exemplificado pela diferença entre o “procurador” e o “achador”. Um procurador tem uma meta que deve ser encontrada, um objetivo. Um achador, acha, encontra coisas que nem sempre sabe se têm valor ou não. O check-up é um processo “achador”. Uma consulta médica, “procurador”. O check-up é centrado no exame. A consulta, centrada no médico. Há vantagens e desvantagens em ambos. Em determinados momentos, na consulta, preciso me vestir de “achador” por total falta de opções. Em centros de check-up bem organizados, os médicos conversam com os clientes e tentam dirigir mais os exames.

Além disso, exames de rastreamento também têm efeitos colaterais! Muita gente pensa sobre isso como pensa em medicação homeopática: “mal não faz!” Faz mal, sim; e muito. Erros comuns: 1) “Meu convênio paga”. Errado! Quem paga é sempre você (ou sua empresa). Quando seu convênio subir a mensalidade por sinistralidade, você não vai ficar feliz; 2) “Fazer exames preventivos é sempre bom”. Desde que esses exames sejam interpretados de forma correta. Interpretar um exame não é olhar o intervalo normal e dizer “está dentro” ou “está fora”. Interpretar um exame é saber, primeiro, se ele é válido ou não. Para um médico um exame é válido quando corrobora (ou ajuda a descartar) uma hipótese diagnóstica. Mas, os clientes do check-up são a null hypothesis, pois os médicos não têm nenhuma “teoria” a respeito deles, já que eles não têm, em geral, nenhuma queixa. Além disso, o médico tem que valorizar ou não determinados exames; tentar detectar se aquela alteração é um simples achado sem significado clínico ou se temos que ir atrás daquilo com exames mais específicos. Dentre as várias formas de se fazer isso, uma é a que encaixa os pacientes em determinados grupos de risco. Encaixar um paciente em um grupo de risco significa que determinado exame, caso resulte positivo, tem um valor maior neste paciente específico que em outros, que não fazem parte desse grupo de risco. Dizemos que o valor preditivo (no caso, o positivo) do exame é grande e isso ajuda a discriminar os pacientes. Para encaixá-los em determinado grupo de risco, eu preciso conversar muito com o paciente. Preciso saber de sua família, de seus hábitos, de seus antecedentes todos. Um exame não ajuda outro exame, eles são variáveis independentes. Precisamos “calibrar” a pontaria de um exame estimando a probabilidade pré-teste. Só depois disso, posso valorizar ou não, descartar ou não, determinado exame.

Com todas essas críticas, fui questionado pelo meu irmão que trabalha no mundo corporativo.: “Então tá, se o check-up não é a melhor maneira de estimar esse risco, o que é que você sugere colocar em seu lugar?” Uma política centrada em um médico da empresa, que conheça seus funcionários na saúde e não na doença. Um tipo de médico de família corporativo que possa dosar a política do “achador” e do “procurador” e tirar o melhor de cada uma delas. Vai economizar verba, sangue, encheção, tubos, biópsias e procedimentos invasivos desnecessários.

 

Doenças Também Morrem ou Sobre o Morbicídio

hysteria.png“Prigogine, em Les Lois du chaos, cita Popper, que ‘fala de relógios e nuvens. A física clássica interessava-se antes de tudo pelos relógios; a física de hoje, mais pelas nuvens. Ele explica que a precisão dos relógios continua a obcecar nosso pensamento, levando-nos a acreditar que se pode atingir a precisão dos modelos particulares, e praticamente únicos, estudados pela física clássica. Mas o que predomina na natureza e no nosso ambiente é a nuvem, forma desesperadamente complexa, imprecisa, mutável, flutuante, sempre em movimento.”

Serge Gruzinski

Algumas doenças morrem. Sim, pois se tratamos as doenças como “seres” – ou, como diria um filósofo, se as abordamos ontologicamente – é possível matá-las, pois tudo que é pode, um dia, deixar de sê-lo. (Seja por morte natural ou por assassinato!). A abordagem ontológica das doenças é interessante e trouxe aquisições importantes para a medicina. Uma alternativa a ela é a abordagem fisiopatológica segundo a qual a doença nada mais é que um desvio da fisiologia normal do sujeito. Não há um ente que invade o organismo e o modifica. É o próprio que, ao funcionar incorretamente, apresenta sinais e sintomas que podem constituir a doença. Mas não é isso que quero falar aqui.

Quero falar sobre metáforas médicas; sobre gavetas metafóricas, na verdade. Recipientes com rótulos que podem ser organizados, catalogados (e muitas vezes, essa é a única coisa que se pode fazer!) que chamamos de doenças, males, sindromes, etc. Qual seria a substância de que é constituído o conteúdo desses recipientes? A linguagem, claro! Por isso, ao criarmos “seres” linguísticos capazes de facilitar a comunicação entre os médicos e destes, com seus pacientes, podemos passar a considerá-los, em determinado momento, obsoletos, contraproducentes, falsos. E então, temos que eliminá-los.

Querem um exemplo de doença que morreu?

Há vários. Já falei disso em outro lugar, mas vale lembrar a Drapetomania. Uma “estranha” doença que acometia apenas negros escravos que “teimavam” em fugir de seus senhorios mesmo sofrendo penas horrorosas por isso. Mas, um dos casos mais interessantes de morbicídio é o da histeria. Por longos 2000 anos, a histeria foi um problema para os médicos. Pode-se dizer que “inventamos” a psicanálise a partir de um caso de histeria. Acho que a história da histeria mereceria um post só dela (há boas referências em inglês como por exemplo, essa).

Mas, o que nos contam as histórias sobre a histeria e outras doenças que já se foram? Nos dizem, primeiro, que somos desejo e linguagem. Que o social pode ser anterior ao biológico, ao menos no que diz respeito à formação do sujeito humano. (E não há doença sem um sujeito-doente). Ao buscar as formas como o sujeito se relaciona com o conjunto de referências que o caracteriza, o médico o compreende (no sentido de entender totalmente). O médico deveria então flanar sobre a fluidez dos diagnósticos, nuvens conceituais. Não, chafurdar nelas.

Dança com os Pulmões

ResearchBlogging.orgPodemos dividir uma música em melodia, harmonia e ritmo (as melodias são o que podemos assobiar em uma canção; as harmonias consistem em sua base musical). Uma vez, me disseram (um músico) que nossa memória musical é muito boa para reconhecermos melodias e até harmonias. Todavia, apesar de podermos repetir ritmos na forma de palmas, auto-percussão, estalar de dedos e outras coisas, não temos uma maneira tão eficiente de lembrar de ritmos.

Por isso, dançamos! A memória de um ritmo exigiria algo mais, talvez o auxílio de outros tipos de percepção como a propriocepção. A propriocepção é a modalidade sensorial que nos permite, mesmo de olhos fechados, saber se estamos com as pernas dobradas ou não, se estamos fazendo uma curva para direita ou esquerda, em suma, qual é a posição do nosso corpo no espaço sem a necessidade da visão. A ideia de dançar de acordo com um ritmo como forma de “percebê-lo” e apreendê-lo sempre me pareceu muito elegante. E também muito compatível com a abordagem fenomenológica de acordo com a qual eu não tenho um corpo: eu sou um corpo. Se o corpo é nosso ponto de vista sobre o mundo, nada mais natural que usá-lo para captar ritmos.

steez-headphone-monkey.jpgMas como músico entende muito pouco de neurofisiologia, há, sim, uma memória de ritmos. Interessante, notar que os ritmos “quebrados” utilizam mais (e também de forma diferente) os “recursos” do sistema nervoso central, a saber, a memória operacional, geralmente relacionada à área pré-frontal e o cerebelo. É, talvez seja mais difícil “gostar” de bebop e free-jazz mesmo. (Também não dá para dançar esse gênero de música!)

O fato é que há um processamento desse tipo de informação. Dado que ritmo é tempo, sabe-se hoje que existe uma hierarquização da percepção do tempo. A íntima relação entre os sistemas límbico, auditivo e motor permite uma representação sui generis (leia-se, humana) do tempo e pode fornecer as bases biológicas de nosso comportamento musical, incluindo o canto e a dança. É interessante perguntar porque, do ponto de vista evolucionista, temos esse tipo de percepção. Em que essa qualidade pode ter auxiliado nossa sobrevivência em épocas remotas já que, se por um lado, ritmos naturais existiram desde sempre (cachoeiras, goteiras, galopes, batimentos cardíacos), ritmos produzidos pelo homem são coisa bem mais recente (Homo habilis?).

Fascinado que sou pelo sistema respiratório não poderia deixar de explicar o título do post. É possível dançar com os pulmões? Sim, é. Não exatamente com eles, mas mais especificamente com o sistema respiratório como um todo. A ventilação pulmonar que vulgarmente chamamos de respiração, é por si, um evento rítmico. A novidade é que esse ritmo pode ser capturado por ritmos externos num fenômeno batizado em inglês de entrainment. Em um estudo [3], pesquisadores tomaram 10 músicos e 10 indivíduos sem formação musical qualquer. Ao expor tais indivíduos a ritmos musicais, verificaram que havia uma captura da respiração bastante mais evidente nos músicos (trained), como mostra a figura.

Até que tem uma certa lógica biológica correr ouvindo uns bate-estacas, hehe. Feliz Ano Novo pra todo mundo.

Referências

1. Sakai K, Hikosaka O, Miyauchi S, Takino R, Tamada T, Iwata NK, & Nielsen M (1999). Neural representation of a rhythm depends on its interval ratio. The Journal of neuroscience : the official journal of the Society for Neuroscience, 19 (22), 10074-81 PMID: 10559415
2.
Fujioka, T., Zendel, B., & Ross, B. (2010). Endogenous Neuromagnetic Activity for Mental Hierarchy of Timing Journal of Neuroscience, 30 (9), 3458-3466 DOI: 10.1523/JNEUROSCI.3086-09.2010
3. Haas F, Distenfeld S, & Axen K (1986). Effects of perceived musical rhythm on respiratory pattern. Journal of applied physiology (Bethesda, Md. : 1985), 61 (3), 1185-91 PMID: 3759758
4. Ver excelente post no Marco

Como Fazer a Homeopatia Funcionar

Esse post é uma (tentativa de) tradução do original escrito por Greg Laden em seu blog. O autor autorizou sua reprodução integral no Ecce Medicus. Caso os leitores encontrem soluções translacionais mais adequadas que as minhas, a caixa de comentários está à disposição.

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A Homeopatia envolve a manipulação de substâncias geralmente escolhidas devido a sua natureza nociva (mas também por outros motivos), seguida pela diluição dessas substâncias, ou de um extrato das mesmas, inúmeras vezes
em água, até que a substância em si não seja encontrada, mas de tal forma que a memória da substância seja retida pela água. Essa água com memória é então, considerada pelos praticantes homeopáticos um tratamento eficaz para várias condições clínicas.

O princípio básico de uma substância nociva produzir uma contra-reação, ou uma reação benéfica, é interessante. E a ideia de usar um tipo de memória biológica também é interessante e potencialmente muito eficaz, desde que possamos utiliza-la em outro contexto. A maioria dos meus colegas de science-based skepticism descarta a homeopatia como inconsequente e ineficaz, em geral porque não existem estudos duplo-cego controlados com tamanhos de amostras úteis, apropriadamente selecionadas, trabalhadas com estatísticas apropriadas e análises biologicamente confiáveis que demonstrem sua eficácia, e também porque não há provas de que a água guarde uma “memória” de substâncias diluídas nela. Mas eu acho que eles podem ter desistido muito facilmente da ideia básica da homeopatia e que ela pode funcionar de fato. Basta que alteremos alguns parâmetros.

Em primeiro lugar, a substância que é usada em forma diluída tem de ser uma substância biologicamente potente, e não apenas alguma coisa que alguém achou que poderia funcionar. Por exemplo, se você pegar cristais à base de sílica, como quartzo e moe-los em pó, ingerindo uma pequena quantidade, haverá um efeito mínimo (ou mesmo pequeno) semelhante ao do consumo de suplementos de fibras. Eu não recomendo tentar isso porque se o cristal contiver certos minerais, a substância pode ser muito venenosa, e mesmo se o pó de sílica for 99,9999999% puro, pode ser prejudicial (se inalado). No entanto, do ponto de vista de como funcionam os sistemas naturais, cristais deveriam causar pequenos efeitos por si, especialmente na forma original.

Por outro lado, substâncias orgânicas, que são as compostas de células ou partes de células, podem ter efeitos naturais muito poderosos. Isso ocorre porque nosso corpo contém moléculas naturais que interagem não só entre si, mas também com moléculas naturais de origem orgânica que são introduzidas no corpo. E, mais interessante, tem sido demonstrado em vários estudos que essas reações podem literalmente mudar, de uma forma natural e orgânica, a estrutura das moléculas originais. Mais, e isso pode parecer difícil de acreditar, mas é realmente maravilhoso e demonstrado em vários estudos, as moléculas modificadas podem “aprender” a auxiliar células a produzir mais moléculas que, por sua vez, são modificadas da mesma forma. Estou simplificando um pouco, mas acho que você já deve ter adivinhado para onde estou indo com isso: A introdução de determinados materiais orgânicos naturais no organismo pode provocar o desenvolvimento de uma memória de longo prazo dessas moléculas. Estudos têm demonstrado que esta memória, em muitos casos, dura uma vida inteira, ou pelo menos, por várias décadas.

Então, nós temos todos os elementos homeopáticos: Substâncias que podem ser muito potentes, processadas e em menor concentração, são introduzidas no organismo causando uma reação de memória, não na água onde a substância foi originalmente diluída, mas NO PRÓPRIO CORPO, usando processos orgânicos exclusivamente naturais. Esta “lembrança” vai durar a vida toda, ou quase isso. Desta forma, uma substância natural orgânica adequadamente selecionada pode causar uma altamente desejável re-conformação das reações do organismo a insultos externos, de uma maneira totalmente natural e orgânica.

As moléculas introduzidas no corpo são chamadas de antígenos. As moléculas que o corpo aprende a produzir são chamados anticorpos. Todo o processo é chamado de vacinação.

DEK – F: A Relação Entre a Mente e o Diafragma

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Frênico. phren(o)- φρ-ήν/-ενός gr. ‘mente’, (diafragma), segundo o Diccionario médico-biologico, de quem tomei muitas das explicações abaixo. Há o nervo frênico que é quem veicula os estímulos ao diafragma. Há o esquizofrênico que não tem nada a ver com isso (nem com nada). Qual seria a relação entre um e outro? Esse é o “F”. Bem-vindo ao dicionário etimológico do Karl. Outras letras/verbetes aqui.

Existe certa discussão sobre o significado anatômico do termo phrḗn φρήν. Entretanto, tanto Hipócrates como Aristóteles o utilizavam com o significado de diafragma διάφραγμα, a tenda muscular que separa o tórax do abdome, e quase sempre no plural phrénes φρένες. Como que, vindo dessa origem, o termo passa também a designar a mente?

É um caso de metonímia. Por exemplo, é frequente utilizarmos “coração” ao invés de “amor” ou “compaixão”. Para os gregos, o diafragma era a sede do medo e da angústia. Talvez, traduzindo o já conhecido “frio na barriga” que todos sentem e que é muito difícil de definir. Daí, passamos aos sentimentos e finalmente, à mente. (Em grego, existem duas palavras para mente que originaram termos utilizados hoje. O primeiro freno– e, quando usado em sufixo, –frenia, como vimos. A outra é noûs νοῦς que forma palavras acabadas em –noia, como em “paranoia”). Parece que os médicos gregos usavam phrḗn ou phrénes com o sentido de diafragma mesmo e os escritores, em especial Homero, com o sentido de mente. O autor de Sobre a Enfermidade Sagrada (a epilepsia) – que pode ser o próprio Hipócrates, ou não – escreve:

«Afirmo que o cérebro é quem articula a intelecção. As phrénes (o diafragma) têm essa denominação (ou seja, um termo associado ao pensamento) por azar ou convenção mas não pelo que é sua natureza, porque não sei que faculdade têm para pensar (phronéein φρονέειν) ou refletir (noéein νοέειν).» (De morbo sacro 16).

Termos como phronésis e frenesi provém dessa linha grega de pensamento.

A terminologia médica atual deriva dos anatomistas renascentistas que eram bons leitores de Hipócrates e Galeno. Quando foram denominar os vasos e nervos relacionados ao diafragma utilizaram o adjetivo “frênico” (phrenicus em latim), como derivado de phrḗn “diafragma”, na melhor tradição hipocrática. Por outro lado, desde Erasístrato se interpretou que phrenītis ou frenitis era uma doença do cérebro que afetava as capacidades intelectuais e não uma simples pneumonia. Essa linha, predominou nas enfermidades psiquiátricas, em especial na escola francesa, e gerou termos como phrénopathie (frenopatia) como termo genérico das enfermidades mentais em 1833; paraphrénie, hebefrenia (criada por K.L. Kahlbaum e E. Hecker em 1871), oligofrenia (1899), esquizofrenia (1910) por Eugen Bleuler. Gerou também a frenologia. “Ciência” que muito influenciou o pensamento fisiológico segundo a qual cada função cognitiva tem sua sede anatômica no cérebro. Temo dizer que há um “viés frenológico” não desprezível em alguns neurocientistas; ainda hoje.

1. Oxford Textbook of Psychopathology de T. Millon, P.H. Blaney y R.D. Davis, 1999.
2. Dicciomed.es. Diccionario médico-biológico, histórico y etimológico. (Sensacional dica da Tati Nahas).

Anemia Falciforme – A Revanche

ResearchBlogging.orgVamos retomar o tema sobre a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo de enviar a júri popular os pais da menina que não permitiram uma transfusão de sangue que poderia ter salvo a vida dela por questões religiosas. As Testemunhas de Jeová (TJ) são uma seita cristã fundamentalista, baseada em Nova York, cujos seguidores acreditam que a Bíblia é a verdadeira palavra de Deus. Há cerca de 5.500.000 membros batizados, 125.000 dos quais residem no Reino Unido. Para muitas pessoas, as TJ são conhecidas por sua recusa absoluta de produtos derivados de sangue, mesmo quando isso pode resultar em sua própria morte ou de seus entes queridos. Esta recusa é baseada em três passagens bíblicas que supostamente proíbem a transfusão: Gênesis 9:4, Levítico 17:11-14 e Atos 15:20,29. São as mesmas passagens utilizadas para justificar alguns procedimentos da comida Kosher judaica. (Veja aqui maiores informações sobre a teologia dos membros dessa seita religiosa, em inglês, e uma boa crítica teológica). A punição para quem aceita hemoderivados é a perda da vida eterna e, na Terra, um tipo de excomunhão. Punições, temos que convir, severíssimas para quem faz parte da comunidade e tem a vida eterna como objetivo pós-morte.

A discussão aqui se limita ao fato de que a criança, na época com 13 anos de idade, não tinha como se posicionar a respeito desse problema, assim como de outros relativos à sua idade, sendo os pais, os responsáveis por decidir por ela. Entretanto, dado que a decisão dizia respeito diretamente a sua vida e tendo ela direito de viver, poderia o Estado ir contra uma decisão “parental” que atentasse contra a existência da menina. As TJ sempre invocam legislações de direitos humanos para justificar a recusa dos pais em transfundir hemoderivados a crianças. Essa história é bem antiga. Uma longa lista de eventos na luta por direitos humanos começou com a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e teve, como capítulo importante para a medicina, a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina, conhecida como Consenso de Oviedo, em especial para Europa[1]. Houve, nesse caso, também a interferência de um médico que, partidário da seita, segundo consta nos autos, pressionou a equipe médica que a assistia e que, por essa razão, está sendo processado também. “Cortes por todo o mundo ocidental reconhecem os direitos dos pais, mas esses direitos não são absolutos. Os direitos dos pais em criar suas crianças são identificados como o dever de assegurar sua saúde, segurança e bem-estar. Os pais não podem tomar decisões que possam permanentemente colocar em risco ou comprometer sua saúde. Se essa recusa resultar em sofrimento da criança, os pais podem ser incriminados. Entretanto, os processos raramente ocorrem.” A crença é livre. Agir, ou deixar de agir, tendo como único guia uma crença não reconhecida como corpo de conhecimento técnico utilizável na prática médica, não.

O estudo abaixo [2] verificou a legislação de países com língua inglesa quanto a recusa da transfusão de hemoderivados à criança pelos pais legais. Nos EUA, temos as seguintes conclusões:

1. Os interesses da criança e do Estado superam o de uma recusa de tratamento médico pelos pais.
2. Os direitos dos pais não asseguram direitos sobre a vida e a morte de suas crianças.
3. Os pais não têm direitos absolutos sobre a recusa de tratamento médico sobre suas crianças baseados em suas crenças religiosas.

No Reino Unido, a legislação para esse tipo de problema, como quase tudo lá, foi estabelecida no ano de 1875 e permanece inalterada: pais que falham em obter tratamento médico adequado para suas crianças estão sujeitos às penas da lei, mesmo se essa falha está baseada em religião. Na Austrália, a prerrogativa é do médico e nenhuma interferência deve ser aceita quando se tratar de uma criança.

No Brasil, um parecer do Conselho Federal de Medicina de 1980 estabelece que: Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta: 1º – Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis. 2º – Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis.

Nesse caso específico, eu achei correto o encaminhamento dos pais a júri popular. Que a sociedade julgue esse tipo de decisão. Me pareceu especialmente perfeita a colocação do juiz do caso Prince vs Massachusetts, EUA,1944 [3]

“Pais estão livres para tornar-se mártires. Mas isso não significa que eles podem, em circunstâncias idênticas, tornar mártires suas próprias crianças”.

[1] Sr. Avelino Retamales, Dr. Gonzalo Cardemil. Rev Méd Chile 2009; 137: 1388-1394.
[2] Woolley, S. (2005). Children of Jehovah’s Witnesses and adolescent Jehovah’s Witnesses: what are their rights? Archives of Disease in Childhood, 90 (7), 715-719 DOI: 10.1136/adc.2004.067843
[3] Prince v Massachusetts (1944) 321 US 158.

Anemia Falciforme

A anemia falciforme é uma doença estranha. A molécula de hemoglobina tem uma estrutura muito especial que permite o transporte do oxigênio. Os humanos adultos têm 3 tipos de hemoglobinas, a saber: a hemoglobina A (HbA), a hemoglobina A2 (HbA2) e a hemoglobina fetal (HbF). Sim, temos um pouco de HbF, mais ou menos uns 2%. A HbA é a grande maioria, uns 95% ou mais. Mas, depois da “invenção” das mutações genéticas, as hemoglobinopatias – termo que os médicos usam para falar das doenças da hemoglobina – resolveram tornar a vida dos pacientes (e dos médicos) um pouco mais complexa.

Vejam só que exemplo bunito de mediquês: “As doenças falciformes se caracterizam pela presença em homozigose ou dupla heterozigose da hemoglobina S (HbS), que resulta de uma mutação no sexto códon do gene da betaglobina (cromossomo 11) com substituição da adenina pela timina (GAG -> GTG), codificando valina em vez de ácido glutâmico na sexta posição da cadeia beta da hemoglobina (beta6 glu->val). A substituição glu -> val diminui a solubilidade da HbS no estado desoxigenado, fazendo as moléculas de desoxiHbS se polimerizarem. O polímero é uma estrutura helicoidal que se dispõe ao longo do eixo longitudinal do eritrócito, distorcendo a célula, a qual assume o formato de uma foice ou crescente.”

A tradução disso tudo é que devido a uma mísera troca de aminoácidos na molécula, a hemoglobina de uma pessoa fica muito sensível à falta de oxigênio, que normalmente ocorre na periferia da circulação, e deforma a célula vermelha ou hemácea ou eritrócito. O vídeo abaixo mostra esse processo.

Bom, e o que uma hemácea deformada faz. Na verdade, a pergunta é o que ela não faz. Ela não consegue passar pelos estreitamentos normais do sistema circulatório levando a obstruções e a sua própria destruição. Pacientes homozigotos para a Doença Falciforme podem chegar a ter 95% de sua hemoglobina do tipo HbS! Isso torna seu sangue altamente instável para alterações do meio ambiente, infecções e, devido à dificuldade de reposição de hemáceas pela medula óssea, anemia.

Vai daí, que existem vários tipos de sintomas que podem ser causados pela Doença Falciforme. Existem “crises de falcização”: situações onde um paciente entra em um círculo vicioso e tem quase todo o sangue acaba entrando nesse processo. Há um “entupimento” geral dos vasos e instala-se um quadro clínico emergencial. Um dos tratamentos possíveis, além do controle da dor, oxigenação e hidratação vigorosos é a transfusão de sangue “bom” para o pobre paciente.

Juliana Bonfim da Silva, de 13 anos, morreu em 22 de julho de 1993. Ela tinha um tipo grave de Doença Falciforme. Seu nome veio a público porque os pais da menina, o militar da reserva Hélio Vitório dos Santos, de 68 anos, e a dona de casa Ildemir Bonfim de Souza, de 57, não autorizaram uma transfusão de sangue que poderia ter salvo a vida da garota. Essa semana, “desembargadores da 9ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiram por maioria de votos, que Juliana morreu por não ter recebido transfusão de sangue e mandaram os pais a júri popular”. A mãe dela é testemunha de Jeová e o procedimento vai contra os preceitos dessa crença.

O assunto não teve a repercussão que eu esperava, mesmo dentro do SBBr. Por tratar-se de mais um caso de interferência do pensamento metafísico, uma racionalidade mágica, na medicina, tentarei discutir um pouco sobre isso no próximo post. Aguardo, entretanto, manifestações sobre o tema.

Obesidade

tratado de obesidade.jpgSaiu o “Tratado de Obesidade” do meu amigo Márcio Mancini. Adquiri o meu com dedicatória e tudo hoje. O livro está sensacional. Tem absolutamente tudo sobre obesidade em linguagem técnica, mas com requintes de divulgação científica em algumas sessões. Em especial, o capítulo sobre Evolução e Obesidade do, também chapa, Luciano Giacaglia.

Achei bem interessante e parabenizo o autor pela iniciativa de colocar um capítulo assim num livro técnico. Tenho discutido aqui no EM a falta que uma visão um pouco mais aprofundada da evolução faz sobre o pensamento médico contemporâneo e iniciativas assim são muito bem vindas.

Eu vou ler o capítulo e tenho certeza que renderá bons posts. Até porque, muito tem se falado sobre a abordagem evolutiva da obesidade, mas o que tenho notado em consultas e conversas informais é que o que acabou ficando foi apenas aquela imagem do homem primitivo passando fome e, consequentemente, magrinho, comparada à imagem do homem moderno com acesso à alimentação abundante e, por isso, gordão. O que gostei desde já no capítulo, mesmo sem tê-lo lido, foi a inclusão da evolução do trato digestivo junto com a tecnologia do preparo dos alimentos.

É isso. Tratado de Obesidade de Márcio Mancini e colaboradores. A ficha técnica:

Editora: Guanabara Koogan (Grupo GEN)
ISBN-10: 8560549404
Formato: Médio
Acabamento: Brochura
Idioma: Português
Origem: Nacional
Edição: 1
Número de páginas: 800
Lançamento: 24/9/2010

O preço está em torno de R$ 230,00, com frete. Dizem que livros na primeira edição são ainda imaturos e melhorarão ao longo das próximas ou então, extinguir-se-ão. Um exemplo clássico de seleção natural. Esse é um daqueles que deixarão muitos descendentes.

RDC n. 44 – Um Marco na Saúde Do Brasil

FINALMENTE! Reproduzo abaixo o texto integral do sítio da ANVISA sobre a resolução de diretoria colegiada” de número 44/2010. Sem autorização. Mas acho que isso merece!

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Venda de antibióticos só poderá ocorrer com retenção da receita na farmácia
27 de outubro de 2010

Os antibióticos vendidos nas farmácias e drogarias do país só poderão ser entregues ao consumidor mediante receita de controle especial em duas vias. A primeira via ficará retida no estabelecimento farmacêutico e a segunda deverá ser devolvida ao paciente com carimbo para comprovar o atendimento. A determinação da Anvisa será publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira (28/10).

A retenção das receitas dos antibióticos será obrigatória a partir de 28 de novembro de 2010. A partir deste dia, os prescritores devem atentar para a necessidade de entregar, de forma legível e sem rasuras, duas vias do receituário aos pacientes.

As embalagens e bulas também terão que mudar e incluir a seguinte frase: “VENDA SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA – SÓ PODE SER VENDIDO COM RETENÇÃO DA RECEITA”. As empresas terão 180 dias para fazer as adequações de rotulagem.

A nova norma definiu, também, novo prazo de validade para as receitas, que passa a ser de 10 dias, devido às especificidades dos mecanismos de ação dos antimicrobianos.  Todas as prescrições deverão, ainda, ser escrituradas, ou seja, ter suas movimentações registradas no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC). O prazo para que as farmácias iniciem esse registro e concluam a adesão ao sistema é de 180 dias.
 
As medidas valem para mais de 90 substâncias antimicrobianas, que abrangem todos os antibióticos com registro no país, com exceção dos que tem uso exclusivo no ambiente hospitalar. O objetivo da Anvisa, ao ampliar o controle sobre esses produtos, é contribuir para a redução da resistência bacteriana na comunidade.

Confira a íntegra da resolução 

Dados

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que mais de 50% das prescrições de antibióticos no mundo são inadequadas. Só no Brasil, o comércio de antibióticos movimentou, em 2009, cerca de R$ 1,6 bilhão, segundo relatório do instituto IMS Health.

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Essa é uma grande luta dos médicos e farmacêuticos. Não é possível ter um controle adequado da epidemiologia de determinadas infecções sem o controle dos antibióticos. Parabéns à ANVISA e a todos que se envolveram nessa cruzada.

A Máquina de Escolher

ResearchBlogging.orgInteressante artigo cujo título é “Nascido para Escolher”. Publicado no “Tendências em Ciências Cognitivas”, os autores defendem a ideia de que a escolha e a decisão sobre algo são biologicamente determinados e não aprendidos, como se pensava. Escolher dá sensação de controle e auto-confiança. Reforça crenças e a auto-eficiência. Parece que o desejo por controle está presente em animais e em crianças mesmo antes de valores sociais e culturais serem aprendidos. A grande pergunta é se houve uma adaptação para que essa sensação de controle que a escolha propicia fosse percebida como recompensa. Sua ausência parece ser mesmo aversiva e o exercimento do controle está relacionado a uma diminuição do estresse ambiental sofrido pelo “bicho”. O artigo cita até possíveis vias neurais responsáveis por isso (veja figura abaixo).

Se a necessidade básica de controle pode ser biologicamente motivada, é possível que a percepção de controle e a preferência em exercê-lo pode ser modificada como resultado da experiência pessoal e também aprendida, via recompensas, em um meio social favorável. Como os autores escrevem na conclusão “ (…) but what is important cross-culturally is that the exercise of choice acts to energize and reinforce an individual’s sense of agency. Anything that undermines this perception of control might be harmful to an individual’s wellbeing.” Eu acho difícil traduzir agency (quem quiser, pode ajudar), mas a conclusão se refere ao fato de que escolher/decidir reforça o sentimento do indivíduo ser o agente de sua própria realidade e não um mero coadjuvante, o que, convenhamos, faz bastante sentido.

Fiquei conhecendo esse artigo por meio de um grupo de médicos do qual participo e me chamou a atenção o fato de que o colega que o enviou estava bastante frustrado quando “transpôs” as conclusões do artigo para a prática médica da Terapia Intensiva. Como ele “publicou” esse email no grupo, fico à vontade de reproduzi-lo aqui (obviamente preservando-lhe a identidade):

“Transportando a análise dos autores para a UTI fico me perguntando o quanto nós, intensivistas, conseguimos racionalizar que muitos resultados de nossas intervenções são frutos do acaso… como lidar com isso? o nosso cérebro é suficientemente adaptado para “individualizar/isolar” o resultado de nossas decisões? ou ele só enxerga decisões -> intervenções -> desfechos? não é nada fácil lidar com o acaso, não é? Parece que precisamos sempre de “maior n” ou “mais estudos para elucidar a questão”!”

A falta de controle de fato é aversiva. Veja só:

“Entender que não temos controle estrito do doente e sobre o mundo pode ser frustrante para quem não se acostuma com essa idéia… Quantas vezes por dia nos indagamos que, se estivéssemos esperado um pouco, o desfecho/resultado seria igual? O hábito do fazer mais, supranormalizar, etc., tem se mostrado infrutífero… e os estudos randomizados?… ao invés de aceitarmos que nos adaptamos para decidir (e aprender com isso) tentamos justificar a falta de resultados positivos com editoriais do tipo “estudos randomizados não respondem tudo” ou “metanálises caíram em descrédito pois muitas são reuniões de trabalhos antigos e malfeitos” ou “desfecho mortalidade é muito duro para o ambiente de UTI” (…) Desculpem se me prolongo, mas ser intensivista é dureza e temos que lutar até com a estrutura do nosso raciocínio…. O que vocês acham, amigos? Será que o “problema” está no método? ou no processo adaptivo?”

Convenhamos, é um apelo dramático, não? Aqui, novamente a (neuro)ciência se junta com a filosofia (eu adoro quando isso acontece para desbancar positivistas utópicos que substituem Deus pela Ciência): o Fazer é mais fácil que o Não-Fazer. O Fazer, principalmente quando embasado em alguma diretriz ou mesmo quando “decidido” pelo agente, provoca alívio e sensação de bem-estar. O artigo em questão diz que isso é porque exercemos um controle sobre o meio ambiente que nos envolve. No caso do médico, sobre o paciente. Colocando de lado a insatisfação pelo efeito do acaso na prática médica, os médicos parecem estar entendendo que são diferentes dos cientistas. Antes tarde do que nunca. Parece que a “máquina de escolher” está dentro de outra máquina: a de desejar.

Leotti LA, Iyengar SS, & Ochsner KN (2010). Born to choose: the origins and value of the need for control. Trends in cognitive sciences, 14 (10), 457-63 PMID: 20817592