Será que ele é?


Quando falei do gene da Cindelera, disse que a intensidade de algumas características biológicas varia de acordo com o ambiente ou o acaso e não necessariamente com a expressão dos genes.

O homossexualismo não está nos genes, como muitos pesquisadores gostam de pregar. Não está porque não tem como estar, pela simples razão de que não passaria de geração a geração! (Reza a lenda que) Um artigo publicado na Theoretical Biology (que eu nunca encontrei) explica como poderia haver um gene para o homesexualismo. Mas disso eu já falei no texto Homens que choram. É excelente como exercício de lógica científica, mas pouco provável de encontrar.

São muitas as tentativas de encontrar uma base biológica para o homossexualismo. Existem vários autores (ver Santilla et al., 2008) que tentam responsabilizar os genes encontram relações entre o homossexualismo e fatores genéticos. Mas nenhum deles se encaixa tanto nos achados epidemiológicos como a teoria do irmão mais velho (ver Blanchard 2004). Ela explica entre 15 e 30% dos casos de homossexualismo masculino. E não tem a ver com os genes, mas sim com o desenvolvimento. Daqui a pouco eu volto a ela.

De acordo com a teoria, os irmãos mais novos, de muitos irmãos homens, tem maiores chances de se tornarem homossexuais. O mesmo não se aplica para o irmão mais novo de muitas irmãs. Também não se aplica para o sexo feminino.

Como o assunto é delicado e pode incomodar leitores queridos, eu fiz uma cuidadosa pesquisa bibliográfica antes de escrever (sim, as vezes escrevo só o que eu penso, ou o que acho lógico) e estou dando algumas referências dos estudos mais citados. Mas como sempre, os escritos não tem nada a ver com moral. O assunto é riquíssimo para estudarmos as relações entre adaptação, desenvolvimento, genes e ambiente.

Vamos começar do princípio. Dos nossos 46 cromossomos, dois são sexuais e determinam se seremos meninos (XY) ou meninas (XX). Com o que se parece um Y? Se eu colocar em Y em itálico ajuda? Acertou quem disse que se parece com um X que perdeu uma perna. Então, a teoria diz que o cromossomo masculino Y descende do cromossomo feminino X, por perda de material. (Isso e outras evidências) Sugere(m) que o sexo primordial é o feminino. Na verdade, quando começamos a nos formar, ainda cedo no estágio fetal, temos todos um corpo feminino.

Em um momento do desenvolvimento, os genes masculinos sinalizam que aquele feto é do sexo masculino e começam então a fazer as alterações no ‘molde’ feminino para que aquele corpo se torne masculino (não existem evidências de que uma célula XY não possa se tornar um corpo feminino e vice-versa; ainda que não se tornem). Talvez o termo mais correto então é dizer que somos todos ‘bipotentes’, um termo utilizado para designar a capacidade de uma célula de se diferenciar em mais de um tipo, quanto ao sexo ainda na fase embrionária.

Abre parênteses: Essa é uma possível razão pela qual existem muito mais homossexuais homens que mulheres, em uma relação de 9:1. Fecha parênteses.

Essas alterações são mediadas pelo poderoso hormônio testosterona. É ela quem determina a desfeminização do feto. Ou seja, os ovários primordiais descem pelo abdomem e vão para a bolsa escrotal formarem os testículos. O que seria a reentrância da vagina vira a protuberância do penis. Pronto, o básico tá feito.


Mas não pára por ai. Está claro desde os anos 90 que o cérebro também tem de se diferenciar para completar corpo determinado pelo sexo. E também é a testosterona (e outros estrógenos derivados da sua aromatização) que fazem a desfeminização do cérebro.

Das várias regiões do cérebro envolvidas na diferenciação sexual, o hipotálamo é provavelmente a mais importante. Existem alguns núcleos sexuais dimorficos bem documentados, como o INAH3, são claramente diferentes em homens, mulheres e homossexuais masculinos, que apresentam o volume desse grupo de células mais próximo do feminino. O curioso é que alguns desses dimorfismos sexuais no cérebro aparecem apenas depois dos primeiros anos de vida e outros, apenas na vida adulta.

A maior parte dos estudos com mamíferos mostra que o ambiente hormonal pré-natal e perinatal são importantíssimos para a diferenciação sexual do cérebro e do comportamento. Eles sugerem que um macho recebe durante a fase pré-natal, 4 ‘doses’ de testosterona. A primeira, determina os caracteres sexuais primários. As outras, ‘formatam’ o cérebro. Se faltar matéria prima, o cérebro pode não acompanhar o corpo, gerando os conflitos de identidade e orientação sexual. Os estudos em humanos mostram uma influencia também, mas que são insuficiente para estabelecer conclusões definitivas.

O problema é que não dá para fazer experimentos de laboratório em humanos. Então temos que esperar que a natureza, aética, faça eles para nós. Existem várias doenças que afetam os receptores de hormônios andrógenos levando a uma hipo-exposição a testosterona. E outras como a hiperplasia adrenal congênita, que leva a uma exposição fora de hora aos hormônios. O problema, de novo, é que não se pode estudar o cérebro dessas pessoas (e claro, isolar os efeitos da influência de ter uma genitália deformada na sua identidade sexual). No entanto, todos os resultados apontam para uma forte tendência entre a exposição pré-natal a hormônios esteróides e a opção pode uma identidade sexual masculina (ainda que esse fator não seja decisivo). No caso das fêmeas, a importância da exposição aos hormônios estrógenos é menos conhecida.


Como médicos americanos adoram encontrar estatísticas significativas, acabam encontrando qualquer coisa. Parece que o comprimento do dedo anular da mão esquerda de homens pode ser indicador da exposição pre-natal a hormônios andrógenos, tendo importante consequencia no comportamento dos meninos. Ou seja, meninas, fiquem ligadas! Quando forem trocar as alianças, se o cara tiver o ‘seu vizinho’ pequeno… considere se ainda há tempo de cancelar a cerimônia. Mas como eu disse, muitos estudos mostraram que existem diferenças na razão entre os tamanhos dos dedos por motivos variados, indicando que esse não é um marcador robusto.

A maior parte dos estudos genéticos que tentam ligar o homossexualismo aos genes é questionável. Ou pelo menos questionada por mim. Alguns estudos mostram que homossexuais homens tem mais irmãos também homossexuais que os homens hetero. E que mulhere homossexuais tem mais irmãs homo do que as hetero. A análise das árvores genealógicas desses indivíduos sugere um agrupamento familiar de
genes que pode ser responsável pelas evidências. Mas o número de estudos, principalmente aqueles envolvendo gêmeos, que eu sempre desconfio enormemente (já que quase todos os grandes estudos com gêmeos da história foram manipulados e falseados), não trazem grandes contribuições.

Voltamos então a ‘Sindrome do Irmão mais Velho’. Essa é quente, porque em um número grande de estudos independentes e replicados, homens homossexuais apresentam mais irmãos mais velhos que homens heterosexuais (Blanchard e Bogaert, 1997). Estima-se que cada irmão mais velho aumente a chance do próximo ser homossexual em até 50%. Mas em termos de população, isso representa apenas um pequeno percentual. A maior parte dos homossexuais não pode ser explicada por esse fenômeno e não se encaixa nesse modelo. De acordo com Blanchard, a teoria mais aceita para explicar esse fato é uma resposta imune da mãe a antígenos masculinos,desenvolvida ao longo de muitas gestações de meninos, gerando anticorpos anti-macho, ou anti-testosterona, ou anti-andrógenos que poderiam passar através da placenta para o bebe e afetar o desenvolvimento do cérebro do irmão mais novo. Mas faltam evidências experimentais para essa explicação. Ela também não explica porque esses anticorpos não afetariam os caracteres sexuais primários, ou porque não existem na maior parte dos irmãos mais novos.

E terminamos não muito diferente do que começamos, pra frustração daqueles que gostam de conclusões absolutistas. A identidade e orientação sexual tem sem dúvdia uma base biológica, mas ainda é possível afirmar pouco sobre como ela funciona. Os estudos de sexologia com com hetero, homo e transexuais foram importantes até a metade do século passado, quando o advento das dosagens de hormônios permitiu que a ciência exata dominasse área. Atualmente esses estudos mais psicológicos pecam pela falta de reprodutibilidade de suas conclusões. Por outro lado, as pesquisas apontam para um papel preponderante da testosterona na identidade e orientação sexual.

Por via das dúvidas, olhem o tamanho do dedo anular do cabra!

Cavalo marinho no mangue?!


“Ce pode faze o passeio pra vê os cavalu marinhu nu mangue. O pescadô pega e coloca na cabaça”

Discuti com o guia. Chico Science ia no mangue ‘Catá lixo, pega caranguejo e conversa com urubu”, mas já em 20 anos de biologia nunca tinha ouvido falar de cavalo marinho no mangue. Como todo mundo, sempre associei associei mangue a lama e as árvores Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa e Avicennia schaueriana. De todos os peixes que se criam nas áreas protegidas do mangue, nunca tinha ouvido falar do Hippocampus.

O passeio de canoa pelo braço de mar era o grande atrativo, mas lá estavam eles. Pequenos, marrons e sujos de lama, enroscados nas raízes das macrófitas aquáticas.

Antes de escrever esse texto faço uma pesquisa no oráculo e vejo que das duas espécies que habitam o Brasil, uma é quase exclusiva de manguesais: Hippocampus reidi. E que muitos grupos de pesquisa se dedicam a repovar os mangues do nordeste com esse simpático peixinho ameaçado de extinção.

Vivendo e aprendendo.

Porque o carro pára sem explicação no meio da duna?

Li uma vez que existem três tipos de conhecimento: o religioso, o filosófico e o científico. O religioso depende da fé para existir, o filosófico da lógica e o científico de evidências experimentais. Claro que houve vários cientistas filósofos, religiosos que foram cientistas e filósofos que eram religiosos. Há quem diga, como eu, que todo conhecimento é válido como argumentação, mas o conhecimento que é importante mesmo, é o científico.

Vamos examinar a pergunta do título.

O religioso diria: Porque é a vontade de Deus. Ou porque eu pequei.

O filósofo diria: Porque você está de férias. Se estivesse trabalhando, pararia sem explicação na Linha Vermelha.

O cientista diria: Porque acabou a gasolina. Não, peraí?! Eu enchi o tanque, não pode ter acabado a gasolina. Ligo o carro novamente, pega. Acelero, morre. Ligo de novo, pega de novo. Não acelero, ele continua ligado. Não é gasolina, nem sistema elétrico. Acelero, morre. Reparo que enquanto estiver abaixo de 1000 rpm tudo bem. Quando sobe, dá um clique e morre. Vela eu penso. O que será? Areia? Tinha areia nos últimos 50 km. O que aconteceu 5 min antes? O riacho. O guia mandou atravessar ali na direita, onde era mais raso. Só que não era raso e se eu não tivesse embalado, tinha ficado no riacho. Molhou todo mundo dentro do carro. Deve ter encharcado o motor. Distribuidor. Não, carro moderno não tem mais distribuidor. Isso era quando eu dirigia a Caravan 1979 do meu pai. Vela. Tem que ser vela. Devem ter molhado e só uma está funcionando. Por isso a marcha lenta funciona. Abro o capo. Sol a pino. Acho as velas. Tiro a última primeiro. Sempre é a última. Não era. Seca. Tiro a segunda, porque quando não é a última, a primeira também não é. Lembro que isso é superstição e não ciência. A segunda também está seca. Tiro a primeira e depois a terceira. Todas secas. Não é vela. Tem que ser alguma coisa que molhou. Se molhou vai secar. Vou dar um mergulho. Volto. Ligo, pega, acelero, morre. Abre o capo, sei que não é vela, tem que ser alguma coisa eletrônica, porque o carro não engasga. Tem o clique bem no 1000 rpm. Tem pequenas poças d’água por todos os lados. Porque não fiz mecânica ao invés de biologia? Procuro tomadas e plugs. Acho um, grande, vários fios coloridos. Deve ser importante. Desplugo. A água não parece ter entrado, mas está molhado nas bordas. Sopro daqui, sopro dali, seco com a camisa. Encaixo. Ligo, pega; acelero, soluça. Vrumm, clic, vruummm, clac. Acelero bem devagar. Chego a 1500 rpm. Saímos do lugar. Na primeira duna tento chegar a 2000 rpm. Morre. Digo todos os palavrões que conheço. São muitos. Ligo, pega; acelero, 1500, 2000, 2500, 3000. Saímos do lugar, subimos a duna de Tatajuba, descemos e não passamos mais por nenhum riacho. Chegamos em Icaraizínho de Amontada. Era o plug colorido.

O que diria o religioso: ‘Graças a Deus’
O que diria o filósofo: ‘Logo, a culpa foi do guia’
O que diria o cientista: Quem tem treinamento em ciência resolve qualquer problema!

Amém

O gene da Cinderela

O segundo capítulo de “A doutrina do DNA” de Richard Lewontin, um livro obrigatório para todos os biólogos, começa com a pergunta: “Está tudo nos genes?” A resposta é que nem tudo está no DNA. Fatores ambientais e o acaso, na forma das ‘anomalias do desenvolvimento’ (tudo explicadinho no livro), têm um papel importante no que torna cada ser vivo único.

Porém, algumas coisas estão nos genes sim. Quais? Isso foi tema de discussão com uma querida amiga psicóloga durante a última semana. ‘ID’, ‘EGO’ e Freud vinham pra cá; genes, mutações e Darwin iam pra lá. Acordamos que o comportamento humano possuía aspectos biológicos, algo parecido com o instinto (que eu coloquei no ID), que são transmitidos pelos genes de uma geração para outra; e aspectos culturais, dependente do ambiente, moral e ética (que eu coloquei no ego e superego) que não eram transmitidos para a próxima geração. Ou pelo menos não biologicamente.

Isso tudo porque eu tenho pensado muito ultimamente sobre como nosso comportamento biológico impõe limitações ao nosso comportamento cultural. Se não impõe limitações, deve ter um grau de responsabilidade pelos dilemas que enfrentamos ao longo da nossa vida. Porque algumas escolhas parecem tão complicadas? Porque é tão difícil ficar satisfeito? Porque, tantas vezes, somos tão ambíguos? Para mim, a resposta está em que nosso comportamento biológico diz uma coisa e nosso comportamento moral diz outra. Ainda que o moral vença na maior parte das vezes em nós animais racionais, ele raramente convence o biológico, que fica esperando o momento de apontar: “mas eu te disse!”

Mas não são apenas os genes dos nossos instintos que nos impõe limites. Existem exemplos mais concretos de limites morfológicos e fisiológicos que vão contra as determinações culturais. Os mais fáceis de explicar (e talvez mais interessantes) ilustram as diferenças entre homens e mulheres.

Durante o nosso desenvolvimento, além de colocar as coisas nos seus devidos lugares, os genes X(X) e(X)Y trabalham na ‘formatação’ do nosso cérebro para que sejamos homens ou mulheres. Espero que vocês me permitam a metáfora com os termos de informática. Se um corpo, o hardware, é masculinos ou femininos; a configuração do cérebro, o software, tem de acompanhar aquele corpo (em alguns casos isso não acontece, mas vou deixar, de novo, isso para outro post).
Diferenças importantes entre homens e mulheres são determinadas por essa formatação do cérebro. Uma formatação comandada por genes. Se vocês pudessem observar estudos de ressonância magnética no cérebro masculino e feminino enquanto ouvem o choro de um bebê ou quando tentam resolver a solução de um labirinto, veriam do que estou falando. “As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”, como diria Gonçalves Dias. As luzes que aqui (no cérebro do homem) acendem, não acendem como lá (no cérebro das mulheres). E vice-versa.

Homens têm maior profundidade de foco na visão e um raciocínio espacial melhor, o que permite enxergar mais longe com maior acurácia e precisão. As mulheres têm um campo visual (visão lateral) mais amplo e são capazes de lidar diferentes tipos de fontes de informação ao mesmo tempo. Essas habilidades e capacidades específicas diferentes foram inseridas no cérebro pelo ‘programa’ genético que acompanha cada um dos sexos. Provavelmente elas não nos servem hoje como serviram durante todo o tempo que foi necessário para que a seleção natural as escolhessem. Mas a questão é outra. A questão é que essas características nos impõe limites biológicos! Nenhum homem conseguirá ser tão eficiente em escutar e falar como uma mulher, e nenhuma mulher conseguirá ser tão eficiente quanto um homem em determinar posição e distância (a discussão do grau dessas diferenças fica para o outro texto que mencionei acima).

Os limites biológicos impostos pelas características morfológicas e fisiológicas, foram levando os sexos a optarem por estratégias de vida diferentes (o que por sua vez foi criando mais limites biológicos). Uma das diferenças de estratégia mais marcantes entre os sexos, nos mamíferos vivíparos como nós, é o investimento que fazem na prole: o da fêmea é significativamente maior que o do macho. Nos humanos, algumas peculiaridades fazem com que esse investimento seja ainda mais pesado. A relação entre o tamanho do bebe é tamanho da mãe é proporcionalmente maior que em qualquer outro mamífero. Isso maximiza a saúde do filhote, mas minimiza a da mãe. As dificuldades com o parto e o aleitamento impossibilitam a busca por abrigo, alimento e proteção de ambos. Com isso, a ajuda do pai não é apenas um luxo para que a fêmea não tenha que criar o filhote sozinha: é uma necessidade vital sem a qual as chances de sobrevivência da fêmea e do filhote são incrivelmente menores. Geneticamente, as fêmeas humanas foram desenhadas para precisarem do cuidado do macho humano. Que bom, porque se não fosse isso, provavelmente não teriam evoluído o sexo por diversão: único na natureza e a melhor estratégia que as fêmeas encontraram para manter o macho por perto (e feliz) cuidando delas e dos filhotes. Ainda que dê trabalho, compensa!

Porém, a codificação para um bebe maior e com maiores chances de sobrevivência não revogou instruções anteriores, como a de ‘encontre o melhor macho para seus filhotes. Se encontrar um macho melhor que o anterior, substitua o velho’. Como já falei aqui, machos são instintivamente (está nos genes) promíscuos e fêmeas são instintivamente infiéis. Hum… assim vou perder leitoras. Deixa eu reformular. As mulheres são biologicamente seletivas e carentes. Comportamentos instintivamente programados pelos genes para compatibilizar com a estratégia reprodutiva de alto custo energético com a prole. Biologicamente preparadas para a infidelidade, porque seu maior compromisso é com a prole, e não com o parceiro. Como compatibilizar esses instintos de seletividade e carência com a cultura que vivemos ignora, que ignora esses aspectos biológicos? Não dá. As mulheres modernas vivem em constante dilema. Essa ambigüidade foi muito bem identificada pela autora americana Colette Dowling no clássico dos anos 80 “O complexo de Cinderela” (que minha amiga Vanessa diz ser uma teoria ultrapassada, mas que nunca me pareceu tão atual).


Com a mudança do estilo de vida tribal de 2 milhões de anos atrás para o atual supermercado/microondas, o ‘gene da Cinderela’ se tornou um fardo para as mulheres modernas: bem sucedidas, competitivas na sociedade e no mundo profissional, capazes de superar grandes dificuldades na vida sozinhas, mas também capazes de abrir mão de todas as suas conquistas para sucumbirem a um desejo incontrolável de serem cuidadas pelos homens assim que encontram um.

A pitada de crueldade é dada pela inexistência no genoma masculino do ‘gene do príncipe encantado’. E tem
quem discorde de mim quando digo que a natureza é amoral.

Diário de um Biólogo – Domingo 27/01/2008

Salvador. Meio dia. Termina o 4º dia de curso. As aulas começavam às 8h e terminavam às 18h e apesar de eu e a Bahia sermos velhos conhecidos, ainda não pude ver nada da folia.

Um mestrado profissionalizante tem suas particularidades. Metade da turma era de gestores. Como fazer pra falar pra essa turma sobre bioquímica, biologia molecular, meio ambiente? Mas mestrado é sempre mestrado. Quero dizer, é um treinamento em ciência, e o treinamento em ciência é o melhor treinamento em solução de problemas que se pode ter. Qualquer que seja o seu problema. Por isso não pode ter moleza. Mas eles foram bem, e acho que eu também, já que quando a aula terminou, me chamaram pra ir pro Pelourinho.

No carro, os alunos começam a contar sobre suas expectativas quanto ao mestrado. Principalmente um emprego melhor. Um deles é chefe de manutenção de uma petroquímica e comanda uma equipe de 6000 homens que trabalham em turno 24/24h. Ainda essa semana tinha sido convidado pra trabalhar em Macaé, mas só se fosse pra ganhar mais do que os R$ 8.000,00 que ganha hoje. Papo vai papo vem, descobri que o meu era o menor salário do carro. Chegamos no Pelô e pedi pra ir comer moqueca. Os outros encontraram com a gente e quando sentamos, descobrimos que o meu era o menor salário da mesa.

Veio a conta: R$ 40,00 a muqueca de camarão com dendê, R$ 60,00 a mariscada, R$ 10,00 a dose do Red Label e R$ 4,50 a Skol.

Sou professor de uma das maiores universidades federais do país, mestrado, doutorado e dois pós-doutorados. Um monte de artigos publicados. Falo 4 idiomas. Anos investidos em livros e cursos. Colaboro com grupos de pesquisa em todo o Brasil e no mundo. Sou convidado para dar um curso na Bahia e meus alunos não deixaram eu pagar a conta porque ficaram com pena do meu salário. Nessas horas que eu fico com pena dele também e vejo como somos desvalorizados.

Fui pro ensaio da Timbalada. Já que a gente ganha pouco, tem pelo menos que se divertir.

Sangue do meu sangue

Na mesa do almoço de Domingo, com a extraordinária presença do meu primo Felipe, meu pai, que adora uma polêmica (e o Eurico Miranda), interveio criando grande dúvida: Afinal, primos de 2º grau são os filhos de dois primos irmãos (mesma geração) ou pais e os filhos de primos irmãos (duas gerações)? Confesso que na hora fiquei decidido a achar a informação e escrever um texto contando resolvendo a pendenga, mas como já escrevi aqui, é impressionante como uma idéia (ou um texto) toma vida, e sendo assim, resolvi mudar o enfoque.

Sorry Pap’s, a pendenga vai continuar em aberto.

As relações de parentes alcançam maior comoção em humanos do que em qualquer outro animal.

Eu adoro minha família, mas nossos laços são mais do que de sangue. Quando morei na Itália, os primos do meu tio, marido da irmã da minha mãe (ou seja, um tio não consangüíneo), me trataram em Florença mais que como um sobrinho distante. Maria Luiza, Patrizia, Graziano e Mario cuidaram de mim como se cuida de um filho. Riccardo e Raffaella como um fratello. E se eu estivesse em Roma, Humberto e Giulia, cujo vínculo comigo era minha amizade com sua filha Margheritta, me recebiam aos domingos para o almoço de família, com direito a irmãos, irmãs, sobrinhos, sobrinhas, cunhados, cunhadas. Além do risoto da Margheritta, aquilo diminuía a ‘saudade’ palavra que só existe no português e que só a gente parece saber exatamente o que quer dizer.


Biologicamente, será que faz algum sentido? Jared Diammond conta em “Armas, germes e aço” que na Nova Guiné, dois estranhos que se encontram na rua, ficam discutindo horas até encontrarem algum parentesco em comum, o que é a única desculpa para não se matarem. Qualquer um que nõ é um parente é um competido e deve ser eliminado. Essa é a lógica.

Nos anos 70, Richard Dawkins desenvolveu a teoria do ‘gene egoísta’. De acordo com ela, nos somos apenas máquinas altamente especializadas a serviço da propagação dos nossos genes. Mas importante do que cada um de nós como indivíduos, é a individualidade dos genes que carregamos.

Se vocês se lembram um pouquinho da genética, cada um de nós possui (ou pelo menos deveria possuir, leia aqui) 23 pares de cromossomos (46 no total). Herdamos metade de nosso pai e metade de nossa mãe, e doamos metade dos nossos para nossos filhos.

Com uma matemática relativamente simples, podemos entender porque a palavra em inglês para parentes ‘relatives’ é mais adequada do que a em português. Nossa relação com os outros pode ser medida pelo número de genes que temos em comum. Esse não é o critério apenas dos Papua da Nova Guiné, mas de todo o reino animal.

Pais e filhos, irmãos e irmãs tem o maior número de genes em comum: 50%. Avôs e netos, tios e sobrinhos vêm em segundo com 25%. Os primos irmãos e bisnetos vêm a seguir com 12,5% e já para o final na árvore genealógica estão os primos de segundo grau, que aqui diferem de uma geração, com 3,12%. Parentes distantes como primos de terceiro grau tem tanta probabilidade de ter genes em comum com você do que com um estranho qualquer: 0,78%. Agora vejam, os gêmeos idênticos tem 100% dos genes iguais. Do ponto de vista genético, a vida do seu irmão gêmeo vale tanto quanto a sua própria. E a do seu irmão tanto quanto a do seu filho. Mas você escolheria o seu irmão ao seu filho? Pergunta difícil não é? Apesar dos números igualarem as prioridades, a resposta mais comum seria a escolha do filho. Por que?

Porque para os genes, o tempo restante de vida é importante, já que aumenta as chances de reprodução de mais uma geração e de perpetuação desses genes. Em uma escolha como essa, a vida de quem tem mais chances de passar os genes adiante deve ser privilegiada, mesmo que em detrimento da sua própria.

Esse cálculo de probabilidades pode ficar complicado, e outros animais não têm como fazê-lo antes de decidirem se defendem ou atacam outro indivíduo com base no parentesco. Por isso, usam outros artifícios. A distância física por exemplo. Territorialismo e outros tipos de comportamentos animais acabam favorecendo, ainda que indiretamente, o reconhecimento do grupo familiar e, conseqüentemente, por quem vale a pena lutar e por quem vale a pena morrer. Tente entrar em um grupo de babuínos, ou no seletíssimo grupo das meninas da biologia da UFRJ turma de 89/1 e você vai ver do que estou falando: vai levar uma corrida!

Apesar disso, os humanos são extremamente permissíveis a indivíduos externos ao grupo familiar e a explicação mais plausível para isso é o altruísmo recíproco (veja aqui). Raffaella e Manoele me hospedaram e me levaram pra tomar gelatto em San Gimminiano quando eu estive em Florença, e eu hospedei e levei eles pra tomar caipirinha no Rio Scenarium quando estiveram no Rio. Não é justificativa mais do que suficiente?

Que bichinho é esse? Que plantinha é essa?


Por trás dessas perguntas simples, que certamente estão entre as mais escutadas por qualquer biólogo, está um dos maiores problemas da biologia: a classificação dos seres vivos

A taxonomia é a parte da biologia que se ocupa em identificar e nomear os organismos e grupos de organismos. Ela faz isso utilizando características que são comuns a esses grupos. Quanto mais características comuns, mais os mesmos organismos avançam na escala de classificação. A classificação mais ampla é a de domínio, mas nem mesmo nessa existe consenso. A maior parte considera apenas procariotos e eucariotos. Mas há aqueles que reconheçam o domínio Arquea, com bactérias tão antigas quanto a Terra e que diferenças fisiológicas e morfológicas que os caras julgam como suficientes para a separação. Depois vem os reinos, que podem ser cinco (ou seis dependendo do autor): Monera (as bactérias de novo), protista (os eucariotos unicelulares, principalmente os protozoários), Fungi (ótimos em pizzas e macarronadas), animal (com movimento próprio) e vegetal (sem movimento próprio), protista, monera).

Depois vem os Filos (ou para os puristas, fila no plural em latim). Classe, ordem, família e gênero são todos degraus dessa escala taxonômica. O nível taxonômico mais alto em que não se pode ser mais ou menos inclusivo é o de espécie: um conceito importantíssimo na biologia, mas que continua insuficientemente bem definido. Pode ser a forma como as pessoas leigas se referem a diferentes tipos de organismos: Cães são de uma espécie e gatos são de outra. Pode ser a nomenclatura binomial padrão criada por Carl von Linné através da qual cientistas se referem ao organismos: Canis familiaris e Felis Catus.

As espécies são geralmente definidas como um grupo com muitas características em comum, mas a principal é que eles são capazes de se reproduzir entre si e formar uma prole fértil. No caso dos animais superiores isso quer dizer que eles são capazes de trocar genes uns com os outros, uma idéia subjacentes ao conceito de espécie e muito importante. No entanto, em muitos, muitos casos, essa medida não é adequada e é necessário usar parâmetros com maior poder de distinção, como similaridade do DNA ou traços modificados localmente.

Geralmente, a distinção entre diferentes espécies, ainda que muito próximas, é relativamente simples. O cavalo (Equus caballus) e o burro (Equus asinus) são facilmente separados mesmo sem estudo ou treino. No entanto, eles são tão próximos que podem cruzar. Mas como a prole resultante, a mula, não é fertil, eles são claramente separados como espécies.

Abre parênteses:

Se você é biólogo, corre o risco de já ter visto a Mula Rouca, um outro ‘híbrido’, só que muito mais ‘fértil’, como vocês podem ver no vídeo abaixo.

Fecha parênteses.

Para Darwin, espécie era “um termo arbitrário dado por conveniência a um grupo de indivíduos que se parecem muito…ele não difere, essencialmente, do termo variedade, que é dado para formas menos distintas e mais flutuantes. O termo variedade, novamente em comparação com uma mera diferença individual, é também aplicado arbitrariamente por pura conveniência.”

A dificuldade de definir espécie reside na dificuldade fundamental da biologia de identificar partes dentro de um todo. Apesar da visão mecanicista de Descartes, os organismos não são uma máquina, mas sim um ‘contínuo’, que torna muitas vezes dificílimo, e algumas vezes mesmo impossível, determinar onde termina uma e começa outra. Essa dificuldade não se restringe as partes e também existe para diferenciar um organismo inteiro, ou uma espécie, de outro.

Isso acontece porque a evolução é, em si, um processo contínuo e muitas vezes a separação entre duas espécies está em um gradiente que dificulta a determinação de onde começa e onde termina.

Existem alguns mecanismos de especiação. Formas que nós, ao olharmos para a natureza, identificamos como responsáveis pela formação dos diferentes grupos de indivíduos. A anagênese é quando a evolução atua dentro da espécie, selecionando novas adaptações por um processo Darwiniano de seleção natural. A cladogênese leva a formação (mais drástica?) de novas espécies, também pelo processo darwiniano de seleção natural. Qual a diferença entre as duas? Talvez seja a forma como elas ocorrem. O isolamento reprodutivo, quase sempre gerado por um isolamento geográfico, é a principal maneira de gerar especiação. Para o grande biólogo evolucionista Ernst Mayr as espécies “representam grupos de populações isolados (ou potencialmente isolados) reprodutivamente”. O isolamento é tão importante que para ele era o que efetivamente definia a espécie.

Mas esses conceitos bem definidos foram perdendo força a medida que os botânicos foram encontrando muitas ocorrências de híbridos (até entre gêneros) que tornou a definição biológica de espécie menos atraente e depois, totalmente ineficiente. Os microbiologistas também tiveram muitos problemas com essa definição, já que microorganismos não apresentam tantas diferenças morfológicas, ainda que suas funções bioquímicas possam ser muito diferentes.

Finalmente, os zoólogos que trabalham com animais em isolamento geográfico, o que acontece muito com peixes perenes em poças e lagos, descobriram também uma desconexão entre o isolamento geográfico e reprodutivo que os levou a optar pelos critérios morfológicos do isolamento geográfico para classificarem seus indivíduos. A confusão se instaurou e foi necessária a criação de outros conceitos. Hoje existem quase tantas definições de espécie quanto espécies. Tudo bem, esse foi um exagero. Existem pelo menos 1,5 milhões de espécies descritas e algo como umas 27 definições de espécies. Espécie filogenética, baseada na separação genealógica de grupos de populações por características derivadas comuns; espécie molecular, baseada na separação por semelhança de DNA, proteínas ou vias metabólicas; espécies morfológicas, ecológicas…

Esse peixinho meio sem graça é o Phalloceros caudimaculatus, que se diferencia de outros do seu genero apenas pela macula/mancha na cauda. Já o nome do gênero vem do enorme pênis em forma de chifre que ele apresenta

Cada definição tem seus prós e contras. No entanto, não podemos dizer que existe um conceito universal, aceito por todos. Ou melhor, que possa ser aplicado por todos.

Quando é assim, é quase impossível acertar. Ou não errar. Então, o melhor é definir antes, o que você considera como espécie. Ou onde começa uma divisão e termina a outra. Pode não estar certo, mas você não cria mais um problema.

Deu na CBN

Depois da reportagem na Folha de São Paulo, a Rádio CBN que fez um entrevista comigo no Domingo as 12:15h sobre as dificuldades para importação de material para pesquisa no país. Quem estava na praia, pode ouvir a entrevista aqui. Ontem o editorial da Folha de São Paulo novamente chamou atenção para o dia-a-dia Kafkiano dos cientistas importadores. A luta continua!

Quem é você?


Tem uma frase do Mário Quintana que eu acho incrível. “Buscas a perfeição? Não sejas vulgar. A autenticidade é muito mais difícil!”

E é mesmo.

Da perfeição eu já desisti há muito tempo. Como a autenticidade veio de fábrica, eu corro atrás da originalidade. Bem, não sempre. Não procuro originalidade nos passos de dança. E olha que eu adoro dançar. Olho pro lado, é bacana, eu copio. Não fico em casa bolando novos passos de dança. Mas quando você é um cientista… dá tudo por uma idéia original.

Mas que isso, invisto grandes quantidades de tempo na busca da idéia original. Minha mente nunca se desliga. Tem um monte de gente, em um monte de empregos, que bateu 17h podem ir pra casa e não pensar mais naquilo. Mas o meu não desgruda de mim nunca. Sou cientista 24h por dia, 7 dias por semana. É tanto açúcar que o cérebro queima pensando, que eu tenho que compensar enchendo a cara de macarronada. A minha forma de recuperar o combustível (só que depois dos 30 é mais difícil se livrar das reservas, quando elas se formam).

Quando tenho uma idéia nova, original, sento e escrevo. Sempre fiz isso. Mas nem sempre funcionou. Na verdade, pouquíssimas vezes funcionou.

Uma das razões para não ter funcionado, eu descobri, também a duras penas, é que originalidade apenas não basta. Para que sua originalidade seja reconhecida você precisa de uma de duas coisas: genialidade ou credibilidade. A genialidade também vem de fábrica, mas é muito rara e eu não fui um dos contemplados. A credibilidade, essa a gente tem que conquistar, em geral, matando um leão por dia.

O resultado é muitas vezes frustrante. Por que? Porque não basta ter a idéia e guardá-la para você. Você tem que saber comunicá-la e muitas vezes, executá-la. Para saber comunica-la você precisa ter educação, o que elimina grande parte da população do processo criativo (se já não tivessem sido eliminadas antes). Para poder executa-la você precisa de recursos, o que elimina outra grande parte. A maior parte das idéias originais morre na cabeça do seu criador. Mas acontece que nos somos muitos. Quase 6 bilhões. Na verdade muito mais, porque competimos com todos aqueles cérebros que já existiram. Uma idéia não é original se alguém pensou nela junto com você, um pouco antes (10 min) ou muito antes (500 anos atrás). Somos um tipo de 6 bi! (a exclamação, na matemática, pra quem não lembra, é o símbolo do fatorial). Uma idéia original acaba escapando. Alguém escreve.


Mas chega o próximo desafio. Alguém tem de ler. Sem uma platéia, um comunicador está mudo. A busca por uma platéia pode exaurir um pensador. É um conselho desestimulador, mas, se você busca uma idéia original, busque antes uma platéia. Tente também conquistar algum reconhecimento e credibilidade. Essas três coisas você consegue se for um repetidor esforçado e competente. Porque se você é daqueles revoltados com o sistema, que não gosta de “jogar com a bola dos outros”, pode ser que não tenha ninguém pra jogar quando conseguir a sua própria bola.

Eu acho que tive algumas boas idéias até hoje. Observei a natureza das coisas, vi o que era, vi o que não era, e tive um vislumbre de como poderiam, ou como deveriam ser.

Coloquei no papel. Mandei até para uma revista. Mas foi rejeitada. Não sabiam quem eu era. Tudo bem, pode ser que eles só não achassem uma boa idéia. Mandei então para outra revista. Eles também não acharam a idéia boa. Depois mandei para muitas outras revistas. Um revisor, uma vez, disse que era uma boa idéia, mas que era inócua. Não ajudava a resolver nenhum problema. Descrevia o problema de uma forma mais correta, mas não ajudava a resolve-lo. Então aprendi que uma idéia original precisa, além de tudo, de ser útil. Mas isso é no caso especial de você não ter credibilidade nem reconhecimento. Nesse caso, quanto maior a utilidade, maior a probabilidade da sua idéia original vingar.

Com o tempo, paramos um pouco de investir na comunicação de algumas idéias. Cansa. De vez em quando tentamos dar uma espanada nelas, para ver se alguma nova estratégia de comunicação aparece, alguma utilidade não vislumbrada. Mas em geral, nada e acabamos investindo em novas idéias.

Um dia o reconhecimento virá. E vem mesmo. Só que para outro. Descobrimos nossas idéias originais publicadas por um outro com maior habilidade de comunicação, senso de utilidade, público, credibilidade, reconhecimento e… um editor.

No meu caso, terminei de ler um livro essa semana que resume grande parte dos pensamentos da minha vida científica que eu achava originais: “A tripla Hélice” de Richard Lewontin. Pelo menos ele é um cara realmente foda!

Nos resta a o gosto amargo da vitória sobre todos os revisores que algum dia disseram que sua idéia não era boa. Ela era (ainda que você talvez é que não fosse)! Nessa hora, o único consolo pode ser pensar que nenhum deles consegue dançar forró.

Dia-a-dia Kafkiano dos cientistas

Vocês já devem saber que eu não gosto de publicar aqui coisas que saíram em outro lugar. Mas como a “Folha de São Paulo” restringe o acesso do site aos assinantes do jornal (e do UOL), eu vou colocar pra vocês o artigo que publiquei hoje com o prof. Stevens Rehen (o Bitty). Sim, porque ser cientista também é ter que passar pelo “Processo”, mas não deveria ser.

Folha de São Paulo, segunda-feira, 07 de janeiro de 2008

É difícil importar material científico no Brasil
MAURO REBELO e STEVENS REHEN


Somente uma ação coordenada será capaz de viabilizar o desembaraço ágil de produtos essenciais ao progresso científico do Brasil


PAÍSES QUE investem em ciência precisam agregar pesquisadores com habilidades técnicas, criatividade e motivação. No caso dos profissionais brasileiros, acrescenta-se uma dose cavalar de paciência à sua lista de predicados.

Um levantamento realizado pela FeSBE (Federação de Sociedades de Biologia Experimental) em parceria com a SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) indica que, no Brasil, um cientista espera,em média, quatro meses pelo desembaraço alfandegário de
insumos essenciais ao exercício de sua profissão. Se trabalhasse no exterior, aguardaria 24 horas.

Durante o anúncio do Plano de Ação da Ciência e Tecnologia (o “PAC da Ciência”), o presidente Lula instituiu o prazo de 45 dias para que os ministérios da Ciência e Tecnologia, da Fazenda, da Saúde e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior disciplinem o desembaraço
aduaneiro simplificado na importação dos bens para pesquisa. Às vésperas de 2008, a Receita Federal baixou instrução normativa que estabelece “sinal verde” para importações feitas por pesquisadores vinculados ao CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento).

Faz sentido, já que são compras realizadas quase exclusivamente com dinheiro público e de forma bastante controlada. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também apresentou resolução que dispõe sobre o tema. A proposta está disponível para consulta pública na internet.

São notícias que merecem comemoração, principalmente a iniciativa da Anvisa, apontada no levantamento da FeSBE/SBNeC como grande responsável pela demora no desembaraço de material para pesquisa. Entretanto, o processo de importação de bens científicos é tão complexo que ações não coordenadas podem agravar ainda mais o já kafkiano dia-a-dia dos cientistas importadores.

O objetivo das normas é determinar prioridade na liberação, o que já seria esperado pela própria natureza perecível da maioria dos produtos requisitados pela comunidade científica. Fato que nunca se traduziu em desembaraço rápido.

O processo começa com o preenchimento de uma licença de importação no Siscomex (Sistema de Comércio Exterior). Cada produto a ser importado tem um código, a nomenclatura comum do Mercosul (NCM). A partir das informações contidas na NCM, o Siscomex define os órgãos fiscalizadores para cada item importado. Essas informações, por sua vez, são fornecidas pelo Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), vinculado ao Ministério da Fazenda. Como o Serpro classifica as diferentes mercadorias não está claro.

A proposta da Anvisa é bem-intencionada, mas não contempla questões relacionadas à NCM e ao Siscomex. Mesmo com o novo regulamento, não é possível, por exemplo, discriminar reagentes utilizados em seres humanos daqueles específicos para camundongos e ratos, mas estes
últimos, em tese, não precisariam da anuência da agência. Também é comum um mesmo produto precisar da anuência de mais de um órgão, o que acarreta sobrefiscalização e
estende o tempo de espera.

Para complicar ainda mais, os benefícios previstos pela nova determinação só se aplicam a bens transportados por encomenda tradicional (via Siscomex) ou pelos Correios. Serviços de entrega expressa não podem ser acionados, apesar de serem a principal maneira de transportar material
científico em todo o mundo. Paradoxalmente, mesmo que os Correios do Brasil fossem
tão rápidos quanto os serviços expressos internacionais, não poderiam ser utilizados para a maioria dos casos. A autoridade mundial do setor não permite o transporte de
substâncias perecíveis, 70% da demanda da comunidade científica brasileira.

Tão importante quanto um novo regulamento técnico para a importação de material para pesquisa em saúde é a necessidade de treinamento adequado dos fiscais da Anvisa, além da criação, pela Receita Federal, de entrepostos que permitam desembaraço em 48 horas, com instalações capazes de estocar as cargas importadas pelos cientistas, incluindo células e animais.
Para que se cumpra o prazo estipulado pelo presidente na resolução desse imbróglio, mais do que um “PAC da Ciência”, será necessário um pacto pela ciência envolvendo
todos os órgãos subordinados ao governo federal. Somente uma ação coordenada será capaz de viabilizar o desembaraço ágil de produtos essenciais ao progresso científico brasileiro.

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