O que é Flexibilidade Adaptativa?

Durante toda a minha vida de estudante de biologia fiquei procurando uma tradução para um termo que, até então, aprendiamos apenas em Inglês: Fitness. Hoje o termo tem a ver com malhação, mas naquela época estava relacionado com a capacidade de um organismo se adaptar ao seu ambiente.

Estava andando pela orla de Aracajú, discutindo com minha querida amiga bióloga Cristine sobre coisas da vida, acompanhado da ilustre Sonia Rodrigues, quando querendo dar uma de erudito falei: Cris isso é flexibilidade adaptativa! Sonia, enquanto literata, e autora da frase que mais tenho usado ultimamente (“A palavra não é casa da mãe Joana”) perguntou imediatamente: O que é flexibilidade adaptativa?

Enquanto Biólogos, recorremos a pool gênico, adaptação ao ambiente, seleção natural pra explicar que é a capacidade de um organismo de se adaptar ao ambiente onde ele vive. Se adaptar, principalmente, as mudanças bruscas nesse ambiente. Essa capacidade de adaptação envolve o estoque de genes que um organismo tem para poder “ativar” ou “desativar” em caso de necessidade (o pool gênico). Esse estoque de genes é, geralmente maior em organismos que tem reprodução sexuada. E quem tem o maior estoque, tem maiores probabilidades de ser “escolhido” pela seleção natural. E pensar que passei vários anos procurando a tradução de fitness com ela bem na minha cabeça.

Mas a Sonia não é “física”, é “poeta” e nada disso, ainda que estivesse super correto, alcançava a sua alma poética. Ela tentou mais uma vez, agora a seu jeito. Queria aprender essa coisa “nova”. E todo mundo que dedica tempo para aprender uma coisa nova, e que eu sei ensinar, ganha toda a minha atenção. Foi quando a sonia recitou um poema (Se – If – de Rudyard Kipling, do qual eu reproduzo uma parte para vocês) e pediu para dizermos se ele representava ou não a flexibilidade:

“Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.”

E perguntou, então é isso flexibilidade adaptativa?

Ainda não, mas foi uma ótima colocação. A meu ver esse poema explica o que é tolerância. Que também é um conceito importante adaptativamente, mas que não é o mesmo que flexibilidade.

A diferença entre os dois é que a tolerancia pode ser aprendida, mas flexibilidade não. Depende do conjunto dos seus genes. Ou você tem, ou não tem!

Ser tolerante é passar um dia sem comer pão, ser flexível é aprender a comer biscoito. Ser muito tolerante, é poder passar vários dias sem comer o pão que você tanto gosta. Ser muito flexível é passar a gostar mais de biscoito do que você gostava antes de pão. E no dia que acabar o biscoito… ai você pode dar um pitti, porque… vai ser flexível assim na puta que o pariu!

PS: Tanto o original do poema If em inglês quanto a tradução Se em português são fáceis de achar com o Google.

PS2: Não entendeu as fotos? Se você estiver na água, nade; se estiver na terra, corra; se tiver uma bicicleta, pedale porque você vai chegar mais depressa e se cansar menos. Isso é flexibilidade adaptativa!

Eureka!

Com autorização do site www.autoria.com.br estou disponibilizando pra vocês a resenha que eu escrevi sobre esse livro que é muito legal. Eureka! (Rupert Lee, Nova Fronteira, 270pp)

“Se olharmos a nossa volta, tudo que vemos foi a ciência que nos deu. Do refrigerante ao refrigerador, da televisão ao avião. Mas o mais impressionante é que muitas dessas maravilhas da tecnologia foram descobertas apenas no intervalo de cem anos do século que passou. E quais dessas descobertas foram as mais importantes? Esse é o fio condutor de “Eureka! As 100 grandes descobertas do século XX”. O livro começa com uma discussão interessante sobre o que é descoberta (ciência) e o que é invenção (tecnologia) para poder partir à difícil tarefa de eleger as 100 descobertas mais significativas do século XX. Da descoberta casual da Pinicilina por Alexander Flaming (1929) à ovelha Dolly de Ian Wilmut (1997). Da relatividade geral de Einstein (1915) aos supercondutores de altas temperaturas de Muller e Bednorz (1986). Todas as grandes descobertas estão lá. Claro que como são muitas, não dá pra ser extenso, mas o autor, Rupert Lee, um zoólogo com doutorado em Oxford, encontrou uma formula muito interessante: TODOS os textos têm exatamente duas páginas. Alem disso, TODOS são baseados em um artigo científico publicado em revista especializada que pode ser encontrada na biblioteca britânica British library, onde Rupert trabalha como pesquisador. Independente do método, o autor demonstra amplo conhecimento de todas as histórias (personagens, fatos e causos) que conta. “Eureka!” é um livro gostoso de ler para quem quer ser cientista, para quem já é, ou para quem simplesmente se deleita com todas as coisas que podemos descobrir na natureza. Então não deixe de ler e de torcer para que o autor decida escrever sobre as 100 maiores invenções do século XX.”

Quanto tempo faz?


Há muito venho querendo escrever sobre uma coisa bastante complicada: o tempo.

Vários textos que eu coloquei sugerem o tempo, e até uma das minhas leitoras mais assíduas, a Aliki, pediu pra eu escrever sobre o assunto. Sempre hesito por várias razões: primeiro porque quase necessariamente vou ter que falar da 1ª e da 2ª leis da termodinâmica, o que por si só são assuntos difíceis, especialmente a parte que fala de entropia. Segundo, porque um monte de gente boa já escreveu muito bem sobre o tema, como por exemplo esse texto do Marcelo Gleiser.

Mas hoje resolvi escrever por várias razões também. A primeira delas é que faz muito tempo que eu não escrevo, o que dá um tempero novo ao assunto: voltar falando sobre o tempo, depois de tanto tempo 😉 A segunda razão é que eu deixe por tanto tempo (olha o tempo de novo ai) o artigo texto sobre a 1ª e da 2ª leis da termodinâmica que vocês já devem ter aprendido algo a respeito. Finalmente, dia desses, lendo o novo livro do Jabor (que por falar nisso, é meio chatinho) eu encontrei a deixa que precisava pra entrar no tema.

O Jabor fala de uma experiência do Glauber Rocha, que filmou índios de uma tribo do Mato Grosso e depois de 20 anos voltou à tribo pra mostrar o filme pros caras. Eles se viram crianças, viram entes que já tinham morrido e descobriram o passado. Até então a vida para eles era um grande presente. E sem passado, a idéia de futuro é difícil de imaginar. Einstein já tinha demonstrado que o tempo é relativo, mas esse pequeno trecho do livro do jabor mostra que a Percepção do tempo também é relativa. Nem todo mundo tem.

O tempo, e ao que parece, tudo no universo, está ligado também à energia. Na verdade existe a sugestão de que o tempo só começou quando o universo começou, o que torna a nossa compreensão do universo ainda mais difícil. Nunca houve um antes do universo.

Hum… parece que eu estou dificultando mais do que facilitando. Vamos lá: a nossa percepção de que o tempo passa, está diretamente ligada a irreversibilidade de alguns fenômenos. O tempo passa porque algumas coisas que acontecem são irreversíveis e isso, como vamos ver daqui a pouco, tem a ver com energia.

Vamos imaginar o exemplo do pendulo, que todos nós vimos na escola em algum momento, naquelas chatíssimas aulas de física. Se fizermos um filminho do pendulo e passarmos ele para frente ou para trás, vamos ver exatamente a mesma coisa. Presente, passado e futuro são iguais. O tempo não existe. Mas o pendulo só funciona em uma situação ideal, (no vácuo, com energia constante, blá, blá, blá). Muitos outros fenômenos, ou reações químicas, são irreversíveis. Ou seja, não voltam a sua posição inicial. Uma folha de papel rasgada não volta a ser uma folha de papel inteira; um fósforo queimado não volta a ser um fósforo e uma bicicleta enferrujada não volta a ser linda e nova.

Eu provavelmente perdi tempo demais nessa questão da energia, mas ela é fundamental para entender porque o tempo passa. Se a energia armazenada ou liberada por um fenômeno da natureza é sempre menor do que a do evento anterior, então, nunca podemos reverter o fenômeno com a sua própria energia. E assim… as coisas acontecem sem que possamos reverte-las. E o tempo… passa.

Por que meu quarto está sempre desarrumado?

O universo tem duas leis fundamentais. A primeira diz que a quantidade de matéria no universo é sempre a mesma. Não muda, é constante. É a primeira lei da termodinâmica. Ela é importante? E muito, só que vocês devem conhecê-la com um outro nome: é aquele velho princípio do Lavoisier. “Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.

A segunda lei da termodinâmica diz que nenhuma troca de energia é perfeita e sempre vai haver perda na transferência de energia de um elemento para outro. A energia se perde? Não, como vimos na primeira lei, a energia não se perde. Então como acontece essa perda? É uma perda de qualidade!

Ops, então quer dizer que energia tem qualidade? Exatamente, energia também tem qualidade. Existem energias que são mais úteis que outras. Energias com mais qualidade que outras. E como podemos medir a qualidade de uma energia? Pela sua capacidade de realizar trabalho. Bom… nesse momento eu realmente precisaria entrar na definição física de trabalho, que todo mundo já deve ter esquecido. Mas eu vou poupar vocês (e esse artigo que já está ficando teórico demais) da definição e vamos entrar direto na explicação.

Trabalho é a quantidade de energia gasta para tirar um sistema de seu estado inicial e levá-lo a um outro estado. Quando você aquece a água, esta levando ela do estado frio para o estado quente. Isso foi realização de trabalho. Um outro exemplo excelente para ilustrar trabalho e quantidade de energia é uma lâmpada incandescente. Quando acende uma lâmpada também está levando o filamento de tungstênio para um estado ativado, que emite radiação, fótons e calor.

A energia com menor qualidade é o calor, porque ele tem pouca capacidade de realizar trabalho. Energia elétrica e energia química são energias de alta qualidade. O calor só serve para gerar mais calor, para esquentar. Todas as outras coisas que precisamos fazer, como mover motores, precisam de energia com mais qualidade. Muitos motores são movidos a energia elétrica. Os motores biológicos do nosso corpo são movidos a energia química, armazenada nas ligações de fosfato da molécula de ATP.

Mas muitas vezes utilizamos energia de alta qualidade para realizar trabalho que poderia ser feito com energia de menor qualidade. Se você quer esquentar alguma coisa, deveria usar calor. Se usa energia elétrica (como em um forno, grill ou chuveiro elétrico) está desperdiçando energia.

Mas vamos voltar a 2 lei da termodinâmica. A energia pode ser armazenada e passar de sistema para outro. Transformamos a energia da água rio acima em energia elétrica quando ela passa pela turbina da hidroelétrica em direção rio abaixo. Essa energia elétrica é transportada e pode até ser armazenada em pilhas e baterias. Mas já que a transferência é imperfeita, sempre vai haver formação de calor e menos energia elétrica vai estar disponível.

Por isso, quando acontece uma reação, a quantidade de energia que é armazenada é sempre menor que a quantidade de energia que foi necessária para o armazenamento. Assim, quando essa energia armazenada é liberada, sempre vai ser liberada um pouco menos de energia do que estava armazenado. E assim por diante.

Estima-se que da luz do sol que chega a terra, apenas 1% é armazenado na forma de energia química pelas plantas. Muita dessa energia (luz), é verdade, é simplesmente refletida, mas outra parte, é perdida na forma de calor.

Para onde vai toda essa energia que é “perdida” e que vira calor? Para lugar nenhum, ela não se perde, fica por ai… dando bobeira pelo universo.

Isso tem algum significado especial? Sim, muito especial! Vamos lá, você já reparou que se seu quarto nunca se arruma sozinho, e se você deixar, ele vai ficando mais e mais bagunçado? Tenho certeza que sim. E quanto mais desorganizado, mais energia você vai ter de gastar para colocá-lo em ordem. Uau! Que frase linda.

E além de linda, te ensina mais física do que todo o seu curso do segundo grau: A organização e a ordem dependem de gasto de energia. Sem esse gasto… tudo vira desordem. O nome da desordem na física é Entropia! É essa energia que virou calor e anda por ai dando bobeira no universo.

A entropia tem muitas implicações no nosso cotidiano (como na história do quarto que não se arruma sozinho), mas a maior parte delas é técnica demais e vou ter que ir contando pra vocês aos poucos. Só que tem duas que eu posso adiantar: é por causa da entropia que o universo está em expansão. E é por causa dela também que nunca podemos reverter uma reação com a energia que foi gasta ou produzida pela reação.

E essa “irreversibilidade” tem um papel fundamental no tema do meu próximo texto: é por causa dela que o tempo passa!

A arte da imprecisão da conversa


Quando minha querida amiga Cris comenta um texto, eu vou correndo ver. Segundo uma outra leitora assídua, os comentários da Cris são melhores que os textos do Mauro.E os comentários dela dão sempre margem a outros comentários meus. E isso rende na mesa de bar, ainda que nem sempre a gente concorde!
Bom, mas no comentário dela sobre a “Navalha de Occam” eu fiquei com a sensação, de apesar dela ter discordado de mim, que nós estavamos falando da mesma coisa.
Isso me levou a colocar esse texto, que estava na minha mente há alguns dias. Tem uns livros que eu adoro (o que eu mais adoro é “A insustentável leveza do ser”) e por isso leio eles mais de uma vez (a “insustentável” eu li 3). Eu agora estou relendo descuidadosamente “Quando Nietzsche chorou”. Descuidadosamente porque não estou seguindo o texto. Abro aleatóriamente e me encaixo em um dos sensacionais diálogos fictícios entre Breuer e Nietzsche.
Transcrevo um pedaço do diálogo que me chamou atenção. Breuer e Nietzsche caminham por um cemitério e comentam sobre um ensaio de Montaigne sobre a morte e discutindo um sonho constante de Breuer, onde enquanto ele procura por sua amante Bertha, o chão se liquefaz deixando-o afundar na terra, e depois de cair exatamente 40 m ele para em uma laje de mármore.
– Genial! – Nietzsche diminuiu o passo e bateu palmas. – Não são metros, mas anos! Agora o enigma do sonho começa a se esclarecer! Ao atingir seus quarenta anos, você se imagina afundando na terra e parando em uma laje de mármore. Mas a laje é o final? É a morte? Ou significa, de algum modo, uma interrupção da queda? Um salvamento?- Sem esperar por uma resposta, Nietzsche seguiu apressado. – E eis outra pergunta: A Bertha que você procurava
quando o solo começou a se liquefazer… de que Bertha se tratava? A jovem Bertha, que oferece a ilusão de proteção? ou a mãe, que outrora oferecia segurança real e cujo nome está escrito na laje? ou uma fusão das duas Berthas? Afinal, de certa forma, suas idades estão próximas, pois sua mãe morreu com uma idade não muito superior à de Bertha!
– Que Bertha? – Breuer abanou a cabeça. – Como poderei responder essa pergunta? E pensar que poucos minutos atrás, eu imaginei que a terapia através da conversa pudesse culminar em uma ciência precisa! Mas como ser preciso sobre tais questões?(…)
– Pergunto-me – ponderou Nietzsche – se nossos sonhos estão mais próximos de quem nós somos do que a racionalidade ou os sentimentos.

A imprecisão da conversa, dos sonhos e, como não, dos nossos sentidos; impedem que a gente possa aplicar a ciência e o método científico aos sentimentos.
Mas deixam tudo mais divertido!

As cartomantes de bar e a exclusão científica


Abrindo alguns arquivos li a frase que separei do livro “Ciclo do tempo, Seta do tempo” do biólogo evolucionista Stephen G Gould:

“Dê-nos financiamento de deixem-nos trabalhar em paz, por que de qualquer forma vocês não entenderiam o que nós estamos fazendo”.

Não era uma apologia ao ostracionismo, mas sim uma crítica a postura de muitos cientistas modernos de não se preocuparem em traduzir os conceitos que estudam profundamente para o público em geral.

Em um país de tantos excluídos, podemos incluir a “Exclusão Científica” como uma das mais graves. Lembro do seminário que assisti em 1999 e que uma professora da USP falava de uma pesquisa patrocinada pela FeSBE que mostrava a disposição da população em pagar um imposto de R$1,00 para que a ciência no Brasil se desenvolve-se mais. No ano passado, a editora da seção de ciência do Globo me falou que “Ciência” era o assunto que mais interessa a faixa etária jovem (não me perguntem o que ela entende por, nem me peçam pra definir, jovem ;-). Mas as pessoas estão ouvindo falar de genoma, vacina gênica, transgênicos, mutantes, clones, células tronco… sem ter noção de como avaliar o quanto as informações que chegam até elas são verdadeiras.

Foi-se o tempo em que precisavamos apenas aprender a ler para sermos alfabetizados. Hoje precisamos entender de um monte de outras coisas. E a ciência, como filosofia e metodologia, é muito mais intuitiva do que, por exemplo, a informática (ou você acha fácil entender como sequencias de 0010001010100100101011101010110 – zeros e uns – se transformam nos seus jogos de computador preferidos?). Precisamos urgente de uma educação científica para facilitar a compreensão de todas as outras ferramentas que a sociedade tecnológica nos impõe.

Uma vez dei uma palestra para um grupo de ribeirinhos na Amazônia. Eu fiquei muuuuuito tempo pensando em como me comunicar com aquelas pessoas que tinham uma realidade de vida tão diferente da minha. Acabou que a ciência, ela mesma, era o vínculo perfeito pra conectar esses dois mundos (o da “internet via satélite” e o da “sem energia elétrica”):
“Todos somos cientístas” eu comecei falando (bonito, não?!).

E era verdade… Foi através de observação que eles determinaram e melhor época para colher. Era através da experimentação que eles sabiam que culturas mesclar. E da seleção artificial que determinavam as melhores sementes para plantar.

Projeto Lago Puruzinho. Foto de Márlon Fonseca
Hoje, quando li no “Buteco do Edu” que uns bares “mauricinhos” da cidade estão colocando cartomantes a disposição dos clientes para dar as “previsões” para o ano novo, vejo que apesar da ciência ter dado nos últimos 500 anos TUDO que a filosofia e a religião prometeram sem cumprir nos últimos 5000, as pessoas continuam precisando do sobrenatural para explicar nossas existências frustradas de explicações.

Me deu vontade de colocar em cada mesa do Estephanio’s um bloco para os boêmios questionarem o Biólogo sobre as abobrinhas metafísicas que inundam as mesas de bar depois do 3o chope, e que tem, todas elas, fundo científico.

Por que o chope tem de vir com espuma? Por que depois de um tempo ele fica com gosto amargo? Como um ovo deve cozinhar para que a gema fique exatamente no centro?

Duvído que a Cartomante responda!

Por que os peixes respiram embaixo d'água?


Essa vai pra minha amiga mirim, Maria, leitora assídua mesmo antes de saber ler. Ela me perguntou, na praia, a óbvia pergunta de: por que os peixes respiram na água?

Na verdade, todos nós respiramos na água. Ou pelo menos já respiramos um dia. A primeira coisa que temos que lembrar é que a vida começou na água. É verdade que nessa época não se respirava oxigênio. As bactérias que viviam no fundo do mar usavam enxofre pra poder converter alimento em energia. Mas ai um dia, uma bactéria também, começou a usar a luz do sol pra produzir seu alimento. Dessa reação, sobrava oxigênio. O oxigênio é bem mais eficiente que o enxofre pra ajudar a transformar alimento em energia. E foi assim, com esse oxigênio produzido pelas bactérias fotossintetizantes, em plena água, que alguns organismos começaram a respirar.

Vejam bem, o oxigênio que se respira na água não é o oxigênio da água. Quer dizer, não é o oxigênio do H2O. O oxigênio produzido fica dissolvido na água e é ele que os peixes e outros bichos respiram.

Pra poder respirar no ar, a gente usa os pulmões. Mas na água, os pulmões encheriam de água, e não ia funcionar muito bem, então os peixes usam outro órgão, as brânquias. As brânquias são como um monte de fiapos, que quando estão na água, ficam abertos (como os cabelos dessa menina da foto) e conseguem deixar passar pelas suas paredes muito finas o oxigênio.


Todos os animais que vivem embaixo d’água respiram pelas brânquias. Mas adivinhe só, nós também já tivemos brânquias! Quando estivemos na barriga da mãe, e não éramos muito maiores do que 1 polegar, na altura do nosso pescoço, se abriram as fendas do que seriam o nosso opérculo (aquela abertura do lado da cabeça do peixe, que fica abrindo e fechando quando ele respira). Mas quando a gente cresce um pouco mais que um palmo, essas aberturas se fecham, e os nossos pulmões se desenvolvem.

Essas brânquias são um vestígio de quando os nossos ancestrais ainda viviam na água.

Mas como apareceram os pulmões? Bem, você já reparou que os peixes não afundam, não é mesmo?! Eles não fundam porque tem uma bexiga dentro deles que fica cheia de ar, do mesmo jeito que um balão de aniversário. Chama Bexiga natatória.

Um dia, um peixe começou a usar o ar que estava na bexiga natatória pra respirar (ele devia estar quase se afogando 😉 e a partir daí, outros peixes que conseguiram fazer isso começaram a tentar sair da água e vir pra terra. Foi só então que começamos a respirar ar.

Então, se a vida começou na água a pergunta deveria ser: porque nós respiramos fora d’água?

Bom, sair da água tem um monte de desvantagens, mas muitas coisas eram mais fáceis (correr por exemplo) e com isso, os animais tiveram que inventar um monte de coisas novas, pra poder aproveitar essas vantagens de não estar dentro d’água. Mas isso é uma outra história!

O que é Karma?

Inspirados por Eduardo Dusek na virada do ano em Copacabana, todos demos um grito, uma vaia de liberação de karma, para deixar tudo de ruim que aconteceu em 2006 pra trás. Foi uma longa vaia!

Justamente nesse momento, minha querida amiga Dani, sempre ao lado de meu cada vez mais querido amigo Edu, me pergunta: “Você que é Biólogo, o que é Karma?”

Como sou biólogo e não budista, vou dar a definição do grande Earl, do seriado, que simplificou super bem o conceito: Faça coisas boas e coisas boas acontecerão pra você, faça coisas ruins e coisas ruins a acontecerão de volta. Eu tenho sido um bom menino, então não sei explicar muito o porquê desse Karma.

Mas o que me inspirou a escrever um texto de ano novo, foi o e-mail de feliz ano novo do baixista que toca com a gente de vez em quando no melhor bar do mundo, o Estephanio’s, em Vila Isabel (no Rio de Janeiro, é óbvio). Ele falava sobre um Deus grego que eu desconhecia, Janus, origem do nome Janeiro.

Busto de Janus no Vaticano
Segundo o Ízio, Janus é um Deus de duas caras, que está sempre olhando para o passado e o presente. Avaliando o que aconteceu e de olho no que virá.

Uma pequena pesquisa e descobri que Janus é o Deus dos portais e das transições, depois de ter sido atribuida a ele a erupção de uma fonte termal nas portas de Roma, que impediu os Sabinos (depois de terem tido suas mulheres sequestradas) de invadirem a cidade. Mas também é o nome de uma das luas de Saturno, já que ele acolheu Saturno na cidade que governou Latium. E é por ter estimulado as colheitas e o desenvolvimento de Latium quando foi seu governante, levando a idade de ouro, que ele foi endeusado e que hoje é tido como o Deus do início e do fim, do antigo e do novo, do que passou e do que virá.

Janus, a lua de saturnoNesses tempos em que todos pedem a rainha do mar por ajuda e proteção, eu como cientista prefiro a idéia de um Deus que olha para trás para saber o que o espera pela frente, sem mágica. E assim, eu, que tenho a ciência como meu único Deus, peço a benção do Janus para que ajude a todos nós a deixar o que passou e acolher o que virá.

Feliz 2007 para todo mundo!

Navalha na carne

Esse dias li o conto de uma amiga, que em algum momento tentou justificar que nem sempre a navalha de Ockham funciona. Fiquei pensando que muitos amigos ao lerem o mesmo conto se perguntariam: O que é a navalha de Occam?

Como estou com um pouco de tempo livre nessa antevéspera de ano novo, resolvi contar pra vocês, porque é um dos princípios que acho mais bonitos na natureza.

A teoria já começa com uma confusão no nome. Ela é atribuída a William de Ockham que viveu na vila de Ockham nos arredores de Londres nos idos de 1200. Mas ele também era conhecido como Guilherme de Occam. Por isso vocês podem encontrar o princípio com os dois nomes: Ockam e Occam. Como quer que se chamesse, o que importa é que ele foi um cara precoce e brilhante. Se juntou a ordem fransiscana ainda muito jovem e estudou (e lecionou) filosofia e matemática nos séculos XIII e XIV (até ser vitima da peste negra em Munique em 1349).

Como Frei franciscano, Ockham acreditava na no despojo de todos os bens materiais, por isso fez votos de pobreza e a única coisa que lhe pertencia era a sua túnica. Isso parece ter sido importante para sua filosofia, pois como dizem algumas fontes, parece que ele aplicou essa idéia da desnecessidade das coisas superfluas a outros fenômenos da natureza:
É inútil fazer com mais o que pode ser feito com menos” (O que mais tarde seria conhecido como princípio da economia).

Ele tinha um problema com os escolásticos da sua universidade que procuravam sempre as explicações mais complexas para os eventos que poderiam ser explicados de forma mais simples. Se para comprovar um teorema, existissem dois caminhos que levavam ao mesmo resultado, e um deles possuísse cálculos bem mais simples que o outro, então essa solução do teorema deveria ser escolhida como a melhor, ou a verdadeira. E foi assim, através da lógica e da matemática, que ele conseguia provar que estava certo.

A frase mais famosa de Ockham é: “Pluralitas non est ponenda sine neccesitate” que quer dizer “Pluralidades não devem ser postas sem necessidade”. Mas acho que com outra frase dele podemos compreender melhor a sua idéia: “as entidades não devem ser multiplicadas além do necessário, a natureza é por si econômica e não se multiplica em vão”.

Ockham defendia a necessidade da experimentação como fonte do conhecimento, em oposição uso da razão pura; e julgava impossível provar a existência de Deus através de qualquer ferramenta racional (apesar de não questionar a sua existência). Assim, Ockham separou a fé da razão e libertou a filosofia da teologia. Com isso ele conseguiu muitos inimigos (era uma época em que a igreja costumava a queimar quem quer que questionasse o seu poder e ele foi rapidamente excomungado e acusado de herege, o que o fez passar a vida fugindo dos longos braços do papa), mas também é lembrado até hoje como o primeiro pensador moderno (ou o último grande pensador medieval).

A idéia de Ockham era partir da intuição para explicar os fenômenos: “Não se deve aplicar a um fenômeno nenhuma causa que não seja logicamente dedutível da experiência sensorial.” Com isso ele conseguiu muitos adeptos na ciência, que aplicou o princípio de Ockham ao método científico e sua formulação, um pouco diferente da original, ficou conhecida como a Navalha de Occam: “se há várias explicações igualmente válidas para um fato, então devemos escolher a mais simples”.

Muitos cientistas usaram o princípio da navalha de Occam em suas teorias. Alguns, como Newton, que acreditava que Deus fosse importante para manter os planetas ao longo do tempo nas órbitas que ele (Newton) tão brilhantemente descreveu, precisaram ser contestados por outros, no caso Laplace (muitos anos depois), mostrando com o uso da “navalha”, que Deus era desnecessário nas equações de Newton.

Um erro que comumente é aplicado a “Navalha de Occam“, é achar que ela é um sinônimo de simplismo. A navalha não diz que entre duas teorias, a mais simples é a verdadeira, mas sim que entre duas ou mais teorias, a mais simples, que explique o fenômeno, é a verdadeira. Isso quer dizer que simplificar um fenômeno para que uma teoria se aplique a ele, valendo-se da navalha de occam, não é correto. Foi o que Einstein quis dizer quando escreveu que “as teorias devem ser tão simples quanto possível, mas nem sempre devemos escolher as mais simples”.

Mas eu volto ao conto da minha amiga. Ela incorreu nesse erro: De achar que a navalha não poderia ser aplicada porque a explicação simples não funcionava. A explicação simples não funciona, então ela não é a explicação. A navalha sempre funciona!

O que temos que descobrir é quais elementos incorporar a explicação sem que eles se tornem “multiplicativamente desnecessários“?

Porém, muitas vezes, o problema está no “que” se quer explicar. Karl Pope, outro filosofo de quem eu já falei alguma coisa, mas que de quem eu quero falar mais qualquer dia, explicou que uma teoria só é uma teoria se puder ser refutada. Isso quer dizer que ao formular um problema ou uma hipótese, devemos tomar alguns cuidados, sob pena de escapar da ciência e começar a cair na filosofia ou na fé. Todos nós, em diferentes momentos (e acho que minha amiga no momento em que escreveu o texto) queremos que as coisas sejam de um jeito, que não é necessariamente o jeito que elas são. Mas para isso não precisamos de razão. Precisamos (quem precisa) de fé.

Quantas gotas de adoçante eu devo por no meu café?

Eu sei que estou há muito tempo sem escrever gente, mas dá um desconto ai, vocês não imaginam o número de provas, e segundas chamadas, e provas finais, e revisões de provas, pelos quais eu tenho que passar cada final de semestre.

Essa pergunta foi feita em diferentes momentos por diferentes pessoas, algumas vezes suscitando discussões apaixonadas. Quantas gotas de adoçante você deve por no seu café?

Eu uso adoçante (depois dos 30… uma necessidade!) no café e tomo Coca-Light, então vou tentar ser o menos tendencioso possível.

O gosto “doce” é sentido na ponta da língua, onde se localizam as papilas gustativas para esse paladar (também é na ponta da língua que fica a maior concentração de sensores de tato de todo corpo humano). Mas os receptores celulares para o doce são bastante promíscuos e se deixam sensibilizar por muitos açúcares diferentes.

Parênteses:
Os receptores para salgado, que ficam nas laterais da parte da frente de língua, diferentemente, são muito exclusivos e acionados apenas pelo NaCl (cloreto de sódio, o sal de cozinha). O Na+ (sódio) é um mensageiro celular importantíssimo e fundamental na transmissão dos impulsos nervosos. Sem ele, as células não conseguem transmitir para o cérebro a informação dos outros “gostos” (doce, amargo, ácido e umami – o sabor do glutamato). E é por isso que a comida sem sal fica com menos TODOS os outros gostos!
Fecha parênteses

Mas como eu ia dizendo, a promiscuidade dos receptores da língua para açúcares se estendem a outros compostos, que apesar de não serem glicídios, sensibilizam as papilas gustativas do doce. Esses compostos são chamados edulcorantes.

Os edulcorantes também servem para adicionar outras propriedades dos áçúcares nos alimentos, servindo como espessantes, tendo inclusive o mesmo ou maior valor calórico, mas isso é uma outra história. Hoje vamos falar dos edulcorantes “não nutritivos”, de diets, daquelas gotinhas mágicas que em quantidades muito pequenas adoçam sem praticamente adicionarem calorias.

Pra não me estender muito, vamos concentrar nos mais tradicionais e que a gente encontra no supermercado com mais freqüência:

A sacarina (ou sacarina sódica, já que no vidrinho de adoçante o que você encontra é o sal de sódio) é o mais antigo dos edulcorantes e foi descoberta em 1879 por um químico norte-americano. A sacarina poderia ser perfeita… é 300 vezes mais doce que a sacarose, altamente solúvel em água e com ZERO de calorias. Mas, como muitos de vocês já devem ter atestado, ela possui um forte sabor residual. Uma coisa meio… metálica, um amargor. Por isso, aproveite toda a doçura da sacarina e ponha a menor quantidade de gotas suficientes para o seu gosto de doce. Quanto mais gotas colocar, mais dessa sensação metálica você vai ter.

O ciclamato foi descoberto em 1937 por outro norte-americano, após uma contaminação acidental de um cigarro com um derivado da ciclohexilamina (não, nem eu sei o que é isso!). O Ciclamato de Sódio (como é comercializado, na forma do sal de sódio) é 30 vezes mais doce que a sacarose e também tem zero de caloria. É facilmente solúvel em água quente ou fria (o que é importante pra poder adoçar tanto suco e sorvete quanto o cafezinho) e estável a uma ampla faixa de pH (o que também é importante já que uma limonada é muito ácida). Mas a sua percepção de doçura é lenta e o sabor residual amargo. Por isso o ciclamato é quase sempre utilizado misturado com outros edulcorantes como a sacarina e o aspartame.

O Aspartame foi descoberto em 1965 e é um adoçante artificial constituído de dois aminoácidos, o ácido aspártico a fenilalanina, que são encontrados normalmente em frutas e legumes. Ao contrário dos outros edulcorantes, o aspartamente é calórico, mas possui apenas quatro calorias por grama. No entanto, é 200 vezes mais doce que o açúcar e seu sabor doce é muito semelhante ao da sacarose. Como vocês já devem ter visto, quase sempre vem um aviso de que pessoas fenilcetonúricas, ou deja, sensíveis ao aminoácido fenilalanina não devem consumi-lo.

Uma das grandes vantagens dos edulcorantes é o seu sinergismo. Quando misturados eles maximizam suas qualidades (doçura) e minimizam seus defeitos (o amargor residual). A maior parte deles não são tóxicos. A toxicidade dos edulcorantes, principalmente os artificiais, está relacionada com a presença de impurezas (da extração ou das reações químicas para obtê-los).

A sacarina por exemplo, não é metabolizada pelo organismo e é rapidamente excretada pelos rins. Não ser metabolizada pode ser uma grande vantagem, já que quase todos os elementos tóxicos, tem a sua toxicidade ativada depois de passarem pelos processos de chamados de biotransformação (que podemos discutir outro dia).

Mesmo assim, uma vez que 500 anos atrás Paracelcius definiu que a toxicidade depende da dose, e que portanto tudo pode ser tóxico; definiu-se uma a dose diária permitida para os principais edulcorante. A dose depende do peso corporal da pessoa, então para saber o quanto você pode consumir por dia, multiplique o seu peso pelos fatores: Sacarina – 3,5 mg; Ciclamato – 11mg e Aspartame 40mg.

Como eu tenho 80kg então poderia ingerir diariamente 280 mg de sacarina, 880mg de ciclamato e 3200mg de aspartame.

Mas veja, isso basicamente quer dizer que, se você chegar ultrapassar esse limites diários, é por que está tomando café ou refrigerante demais. E que a quantidade de outras porcarias que tem em todos os diets da vida, ou os próprios compostos ativos (como a cafeína e a teína), vão estar prejudicando muito mais a sua saúde que os edulcorantes.

Por isso, seja moderado nas gotinhas, mas não por causa da toxicidade delas. E sim porque elas são tão doces, mas tão doces, que você pode adoçar tudo o que quiser com poucas gotas, e quanto menos gotas colocar, menos amargor fica no final.

E se você pode ter só o doce, porque vai querer levar o amargor também?

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