Espanha e Holanda


Espanha e Holanda disputam nesse domingo (11/07/10) a final da Copa do Mundo da FIFA 2010. O ineditismo desse combate futebolístico não é o mesmo na história desses dois países que se enfrentaram em outras épocas, não pelo domínio da bola e do campo de jogo, mas pelo domínio do mar. Como mostra a belíssima música de Milton Nascimento:

Brigam Espanha e Holanda
Pelos direitos do mar
O mar é das gaivotas
Que nele sabem voar
Brigam Espanha e Holanda
Pelos direitos do mar
Brigam Espanha e Holanda
Por que não sabem que o mar
Por que não sabem que o mar
Por que não sabem que o mar
É de quem sabe amar…

Que saibam, Espanha e Holanda, amar ao jogo que tantos amam, pois assim, ganhando ou perdendo, serão como as gaivotas e terão a posse de um mar jamais sonhado pelos conquistadores de outrora.

DEK – Baço

Vamos para a letra “B”. Para ver mais verbetes, tente a tag “DEK”. Para ver a anterior, ver Aspirina.

De onde vem o nome do orgão que, ficando a esquerda do abdome, é mais conhecido por contrapor-se ao fígado, este à direita? Dizem os corredores que, no início de um exercício, sentem uma dor no “baço” ao se referirem a uma pontada do lado esquerdo. A pontada não tem nada a ver com o pobre do baço, mas é interessante saber a origem da palavra. Não achei nenhuma definição melhor que a do professor Joffre Resende a quem tive a oportunidade e a honra de conhecer em Goiânia. Aprendi muito, por isso, transcrevo alguns trechos integrais de seu verbete:

“O baço é designado nos diversos idiomas por termos oriundos de mais de uma raiz etimológica. A palavra original grega usada por Hipócrates para nomear o baço é splén, da qual derivam todos os termos médicos relacionados com este órgão, tais como esplênico, esplenite, esplenectomia, esplenomegalia etc.Em latim o baço era designado por lien, conforme se encontra nos livros de Celsus.[1] Skinner observa com muita propriedade que lien é quase a mesma palavra grega, com perda das duas consoantes iniciais.[2]; De lien deriva, em português, o adjetivo lienal, com o mesmo sentido de esplênico. Em alemão o baço é denominado milz e, em italiano, milza. Segundo Guttmann, milz provém do alto-alemão milde que significa mole, macio, esponjoso, atributos característicos do órgão.[3] Em inglês o baço recebe dois nomes: o primeiro, pouco usado, milt (primitivamente milte); o segundo, spleen, de uso generalizado, procede do grego através do francês antigo splen, forma arcaica igualmente encontrada na língua inglesa, até sua ulterior evolução para spleen.[4] Na língua francesa o baço é chamado de rate, que também significa fêmea do rato. Segundo Dauzat, rate, víscera, origina-se do neerlandês râte, favo de mel.[5] Em espanhol e português temos, respectivamente, bazo e baço, de origem controvertida. Três possíveis étimos são admitidos:

1. Corominas ensina que bazo, nome de víscera, provém de bazo, adjetivo, cujo significado é “moreno tirado a amarillo”.[6] Em seu apoio, Carolina de Michaelis identifica baço no Cancioneiro da Ajuda, com o sentido de “moreno escuro”.[7]
2. Gonçalves Viana deriva baço do latim opacium, comparativo de opacum, pela queda da vogal inicial e abrandamento de p em b.[8]
3. José Pedro Machado, citando Piel (Miscelania de etimologia portuguesa e galega), considera baço vocábulo erudito, oriundo do grego hepátion, através do latim.[9] Nascentes, em seu DicionárioEtimológico admitiu que o termo anatômico tenha-se originado do adjetivo baço, “por causa da cor vermelha do órgão”.[7] Posteriormente, julgou preferível considerar o substantivo de origem incerta, enquanto o adjetivo baço seria derivado do latim badium, “moreno pálido”.[10]” (O Dicionário Etimológico Nova Fronteira de António Geraldo da Cunha também atribui baço a hepátion, com o que eu, Karl, não concordo.)

Referências bibliográficas

1. CELSUS, A.C. – De Medicina. The Loeb Classical Library, Cambridge, Harvard University Press, 1971.
2. SKINNER, H.A. – The origin of medical terms, 2.ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p. 381.
3. GUTTMANN, W. – Medizinische Terminologie, 4.ed. Berlin, Urban & Schwarzenberg, 1911.
4. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. Oxford, Claredon Press, 1978.
5. DAUZAT, A., DUBOIS, J., MITTERRAND, H. – Nouveau dictionnaire étymologique et historique, 3.ed. Paris, Larousse, 1964.
6. COROMINAS, J. – Breve diccionario etimológico de la lengua castellana, 3.ed., Madrid, Ed. Gredos, 1980.
7. NASCENTES, A. – Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1932.
8.. VIANA, A.R.G. – Apostilas aos dicionários portugueses. Lisboa, Liv. Clássica Ed., 1906, p. 173.
9. MACHADO, J.P. – Dicionário etimológico da língua portuguesa, 3.ed. Lisboa, Livros Horizonte, 1977.
10. NASCENTES, A. – Dicionario etimológico resumido. Rio de Janeiro, INL, 1966.

Médicos e a BigPharma

big-pharma.jpgA manchete na edição de hoje da Folha de São Paulo (aqui para assinantes) não deixa margem a dúvidas: “Quase metade dos médicos receita o que a indústria quer”. Tirando o fato que a pesquisa foi encomendada pelo Cremesp ao Datafolha e que a Folha conseguiu os dados com “exclusividade” (só faltava essa, né Claudinha!), não vejo porque isso deveria ser a manchete de um jornalão.

Em primeiro lugar, porque é um assunto antigo. Em 2007, o New England publicou extenso artigo abordando o problema. Lá, nos States, 94% dos médicos recebem algum tipo de incentivo dos laboratórios farmacêuticos, número muito semelhante ao nosso. O assunto foi discutido no Brasil, em especial devido ao lançamento do blockbusterA Verdade Sobre os Laboratórios Farmacêuticos” de Marcia Angell, ex-editora do New England Journal of Medicine, no mesmo ano e que aliás, está na 3a edição. Isso culminou com a modificação do Código de Ética Médica, em vigor desde 13 de Abril de 2010, com citações explícitas sobre as relações dos médicos com a indústria farmacêutica em seus artigos 68,69,104 e 109. Segundo, porque é preciso analisar com cuidado as relações dos médicos com os grandes conglomerados farmacêuticos – o que se convencionou chamar de Big Pharma. A reportagem entrevista o presidente do Cremesp, prof. Luiz Bacheschi e Bráulio Luna Filho, cardiologista e coordenador da pesquisa. Ouve a Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) e a Alanac (Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais). A íntegra da pesquisa pode ser baixada aqui.

O marketing da Big Pharma é um marketing estranho. O público-alvo das campanhas não é o consumidor final, mas sim, um agente (médico) que veicula o produto (medicamento, prótese, procedimento, etc) ao consumidor final (paciente). Essa triangulação não é vista em outras áreas onde um produto precisa ser inserido no mercado. O assédio não vem só desse front. Os médicos empregados em grandes
conglomerados assistenciais (“convênios”) sofrem um tipo de pressão “ao
contrário” desse descrito: aversão total ao novo e, em geral, caro, o
que inibe novas terapias e potenciais benefícios reais que possam vir a apresentar. Qualquer que seja a forma de assédio – e creiam-me os leitores desse blog, elas são inúmeras e a cada dia são criadas novas – qual seria o escudo protetor do médico? Não há outra forma de proteger-se a não ser pelo espírito crítico desenvolvido pelo médico frente aos novos dados e estudos publicados.

Temos aqui um caso em que a Ética é reforçada pela visão crítica do conhecimento produzido. Isso seria inimaginável na época de Aristóteles: como um saber epistêmico influenciaria um procedimento fronético? Daí, a especificidade da filosofia da medicina, mas isso é outra história…

O que eu sinceramente, gostaria de saber é como incutir essa independência de pensamento e crítica com 31 cursos de medicina, só em São Paulo. Chego a pensar que isso sim, foi uma grande jogada de marketing…

Foto:Daqui

Dicionário Etimológico do Karl – DEK

Vou começar a postar um dicionário etimológico de termos médicos que acho interessantes, pelo menos para mim. Vou dar preferência a palavras de uso corrente e que não têm seu significado conhecido. Para começar, ninguém melhor que a letra A. “A” de aspirina.


Aspirina. S.f.
ácido acetil-salicílico (AAS), analgésico e antitérmico. XIX. — Do alemão, contração de Acetylirte Spirsäure ‘ácido acetilado spireico’. Spirsäure era o antigo nome do ácido salicílico na Alemanha. O radical spir vem do gênero spirácea da qual fazem parte os salgueiros e os chorões, família salix. as rosas, família rosaceae. Os salgueiros e chorões são da familia Salicaceae como o Jaime apontou nos comentários. Da casca de alguns salgueiros também é possível isolar o ácido salicílico, de onde provém o nome. (Algum biólogo pode dar pitaco, hehe).

A aspirina talvez tenha sido o medicamento mais prescrito e consumido da história da medicina.

Bibliografia

[1]T. F. HOAD. “aspirin.” The Concise Oxford Dictionary of English Etymology. 1996. Retrieved May 23, 2010 from Encyclopedia.com: http://www.encyclopedia.com/doc/1O27-aspirin.html (inglês)
[2]Wikipédia (inglês)
[3] http://www.medicine.mcgill.ca/mjm/v02n02/aspirin.html
[4] Uma resenha sobre o livro “History of Aspirin”.

Diapedese e Diálogo II

Imagine que você está num barco no meio de um rio cuja correnteza é meio fortinha. Para conseguir atracar o barco à margem, você antes tem que se agarrar em alguma coisa fixa que possa prendê-lo apesar da força da correnteza. Só assim você conseguirá parar o barco e sair dele, pisando em terra firme.

Agora imagine um vaso sanguíneo contendo milhares de células, brancas, vermelhas e umas coisinhas pequeninhas chamadas plaquetas (ou trombócitos). O fluxo sanguíneo é rápido. Nas carótidas sem obstruções, a velocidade média do sangue medida pelo método do doppler, gira em torno dos 30 cm/s, que convertidos, fornecem o valor de 1,0 Km/h. Como o fluxo é pulsátil e muda com a posição do corpo e com o exercício, pode chegar a 300 cm/s, o que já dá é uma correntezazinha respeitável, vá! Os leucócitos são células de defesa e em muitas situações necessitam passar do interior do vaso para o tecido circunjacente. Como eles grudam na parede do vaso é que é interessante.

A imagem acima é um esboço da diapedese. A imagem abaixo é um esquema da Nature para explicá-la.
Getting to the site of inflammation: the leukocyte adhesion cascade updated
Como se pode ver pelo desenho, o leucócito é “capturado” pelo endotélio (capa de células que recobre o interior dos vasos), faz um “rolamento”, pára, gruda, rasteja e, na maior cara-de-pau, sai do interior do vaso (transmigra), seja entre as células (paracelular) ou por dentro de uma das células do endotélio (transcelular). Não se perde nem uma gotinha de sangue (nenhuma célula vermelha) nesse processo! Os retângulos acima com siglas “hieroglíficas” representam as moléculas inflamatórias que o leucócito utiliza para realizar a “ancoragem”. Veja quantas existem! Há medicações que bloqueiam ou estimulam a grande maioria delas e que podem atuar como anti-inflamatórios ou pró-inflamatórios dependendo do caso. O filme abaixo é muito didático e mostra como o leucócito para no fluxo de sangue de um vaso para quem não acreditou que isso de fato ocorresse.

O final é o filme de uma microcirculação real, em geral, feita em mesentério de rato, no qual é possível ver células fazendo o “rolling”. Bem no finalzinho, o pesquisador interrompe o fluxo sanguíneo e dá para ver o vaso lotado de hemáceas (as células vermelhas) que não grudam no endotélio. Depois de restabelecido o fluxo, só os leucócitos ativados continuam grudados e rolando.

Fiz uma associação no outro post entre diapedese (do leucócito) e o diálogo (com o paciente). Diapedese quer dizer “saltar através”. O radical dia em grego formou várias palavras médicas como diálise, diabetes, diafragma, diáfise, entre outras. Diálogo, bem isso já é bem mais complexo.

*   *   *

Atualização: Segue um novo vídeo sobre diapedese (via Átila).

Sobre Epônimos

ResearchBlogging.orgOs epônimos são muito utilizados em medicina. Todo mundo conhece epônimos e eles parecem inevitáveis. Aqui vão algumas reflexões que tive com um colega de plantão, madrugada adentro.

O que é um Epônimo?

File:Alzheimer-tablica.JPGA palavra, pra variar, vem do grego epónymos e quer dizer, literalmente, “sobre o nome”. Tem o mesmo radical epi de epitélio, epicárdio, epifenômeno. Segundo consta, a palavra era utilizada para descrever um personagem, real ou fictício, que emprestava o nome a um lugar, construção, dinastia ou até mesmo o ano corrente. Obviamente, a medicina se apropriou do artifício para nomear “lugares” no organismo humano e, com o tempo, doenças, síndromes ou sinais clínicos característicos, homenageando quem os descreveu primeiro (ver esse site sobre quem deu nome a o quê na medicina. Em português tem esse. Há também uma lei interessante chamada lei de Stigler que diz que “nenhuma descoberta científica leva o nome de quem a descobriu” ou que “uma descoberta sempre leva o nome do último que a descreveu”, o que é um exagero é claro, mas tem exemplos aos montes, inclusive uma citação na Science [para assinantes] e que também vale para a medicina).

Exemplos de epônimos são “doença de Parkinson”, “Doença de Alzheimer” (a imagem ao lado é de uma homenagem a Alois Alzheimer), “Tumor de Krukenberg”, todos nomes de médicos que, ou descreveram a doença, ou deram enorme contribuição para sua compreensão.

Caça aos Epônimos

Há um movimento, principalmente na anatomia, que visa eliminar (ou pelo menos diminuir) os epônimos da nomenclatura científica. De fato, a confusão era grande. Tanto pelo fato de que muitos autores descreveram várias estruturas e “emprestaram” seus nomes, como também pelo de que algumas estruturas de nomes semelhantes tinham epônimos que se confundiam. O exemplo mais pitoresco é o das trompas de Fallopio e Eustáquio. Uma (Fallopio) é a trompa uterina. A outra (Eustáquio) liga o ouvido médio à faringe e é por isso, conhecida como tuba faringotimpânica. Apesar de não serem nomes parecidos, as trompas eram frequentemente confundidas o que gerava uma fonte inesgotável de piadas: “Cuidado para não engravidar seu ouvido!” entre outras.

Esse movimento resultou em uma grande substituição da nomenclatura, a meu ver, para melhor. Entretanto, na medicina clínica, os epônimos teimam em resistir. E eu acho que isso se deve a uma característica dos epônimos que meu colega de plantão me fez enxergar.

A Diferença entre Conhecimento e Cultura

Quando digo pan-hipopituitarismo pós-parto me refiro especificamente a uma condição endocrinológica característica de insuficiência hipofisária. Quando digo Síndrome de Sheehan [1] – que é exatamente a mesma coisa -, me vem um nome e uma pergunta “quem foi esse tal de Sheehan? Teria a ver com o He-man (tô zuando!). A Síndrome de Sheehan é uma doença que era confundida com um tipo de caquexia (emagrecimento extremo) pós-parto. Glinski a descreveu primeiro, Simmonds depois. Sheehan a sistematizou. Será mais um caso da lei de Stigler (acima)? Todas essas questões envolvem um tipo de conhecimento digamos, inútil para se tratar e diagnosticar a doença. Mas seria inútil totalmente?

Seria o conhecimento desses pormenores que envolvem a história de uma doença, desprezíveis? Eu acho que não. O epônimo reveste o conhecimento da doença com uma certa cultura médica que a meu ver é muito salutar. Provém de um tipo de contato com a matéria que é algo mais que um conhecimento utilitarista. Um médico culto, sob esse aspecto, é um médico que se “diverte” com a medicina. E isso é muito bom, principalmente para seus pacientes.

[1] KOVACS, K. (2003). Sheehan syndrome The Lancet, 361 (9356), 520-522 DOI: 10.1016/S0140-6736(03)12490-7

A Mesquinhez de um Sonho

Cartola, semi-analfabeto, lavador de carros, fez uma letra de música assim: “Preste atenção, querida, muita atenção, o mundo é um moinho. Vai triturar teus sonhos tão mesquinho. Vai reduzir as ilusões à pó.” Confira no vídeo abaixo.

O problema aqui é o “vai triturar teus sonhos tão mesquinho“. Sim, porque Cazuza, garoto esperto da zona sul do Rio, gravou Cartola lindamente e cantou “vai triturar teus sonhos tão mesquinhoS”, no plural, como pode ser ouvido aqui.

No singular, mesquinho concorda com mundo e rima com moinho. No plural, concorda com sonhos (e não deixa de rimar, vá). Um adjunto adnominal tem que concordar com o nome ao qual está vinculado. Tanto em uma como na outra interpretação, a gramática está correta, penso eu; e a beleza preservada. Muitos poderão achar estranha a construção “cartoliana”, mas ao pensar melhor, logo percebem que também ela é perfeita. Qual seria a certa, então? A chave é a interpretação das duas locuções possíveis, a saber “mundo mesquinho” e “sonhos mesquinhos”. Se mesquinho quer dizer

    1. Que não tem o indispensável em quantidade suficiente.

2. Pobre.
3. Sovina, somítico, fona.
4. Infeliz, desditoso.
5. Inspirado em sentimentos vis.
6. De aparências ou formas acanhadas.

então, todos esses adjetivos podem ser atribuídos a “mundo”. Mas que dizer de “sonhos mesquinhos”? Um sonho pode ser sovina, infeliz ou mesmo pobre? É possível que em um sonho, alguém “economize energia onírica” e sonhe mesquinhamente? De minha parte, acho que Cartola está certo. Assim, como Nei Matogrosso (em sua interpretação um pouco kitsch): sonhos não são mesquinhos jamais. O mundo é que é.

(via Amigo de Montaigne)

Quer Pegar Gripe? Veja Como

Mais um sensacional vídeo garimpado pela Industrial Mori & Magic a quem agradecemos novamente. Muita gente gostaria de saber como um vírus se reproduz dentro do organismo humano e os médicos, biólogos e pesquisadores da área, apesar de saberem, vão ter seus sonhos realizados com esse vídeo extremamente didático.
Um vírus, por não possuir a maquinaria genética das células (as dos mamíferos, por exemplo, que têm núcleo e organelas que fabricam proteínas e outras coisas importantes para vida celular), necessita “emprestá-la” de outros seres vivos. Para isso acontecer, vários passos têm que ser dados e o vírus, muito frágil, tadinho, pode sucumbir facilmente em qualquer um deles. Mas, por meio de uma série de truques dignos de filmes de ficção científica (ou de zumbis), o vírus “coloniza” um ser vivo milhares de vezes maior que ele e o faz trabalhar para si, tal como um escravo ou zumbi.

É isso que o filme mostra. Deixa claro também, que toda essa “esperteza” do vírus é combatida com nosso sistema imunológico. Esse sim, ninja na arte de sobreviver aos mais variados ataques. O que o filme não fala e que eu não posso deixar de comentar é que podemos ajudar nosso sistema imunológico bastante. Como? Fazendo-o “enxergar” os vírus. As células de defesa obviamente NÃO têm olhos. Como então, elas podem “comer” (dizemos, fagocitar) um vírus como o filme mostra? É uma reação do tipo chave-fechadura como foi explicado, ou então, por meio da produção de substâncias que “atraem” as células de defesa para o alvo. Para isso ocorrer, normalmente uma nutrição adequada e boa saúde garantem nosso sucesso. Haja vista a quantidade atual de seres humanos nesse pobre planetinha perdido no universo. O problema é que a tal “chave-fechadura” é muito menos eficaz quando o organismo não “conhece” o invasor. Ele tem que usar um tipo de “chave-mestra” digamos, para encontrar e fagocitar o agente infeccioso. Isso demora mais do que se tivéssemos a chave específica correta. Mas como “conhecer” um invasor antes que ele nos invada? Isso é impossível!
Entretanto, há quase 2,5 séculos, a ciência médica descobriu um jeito de “apresentar” ao sistema imunológico um invasor, mesmo antes de que ele nos cause doenças. Alguém é capaz de adivinhar como?

Traduzido e Legendado por Kentaro Mori.

Uma versão mais completa, porém em inglês pode ser encontrada aqui. (Cortesia do Átila)

Ciência e Poesia

¡Que viva la ciencia! ¡Que viva la poesía!
Jorge Drexler – Mi Guitarra y Vos

António Cícero responde hoje na Folha (para assinantes) a pergunta “o que é poesia?”. Depois de fazer uma bela e sucinta caracterização dos discursos orais e escritos, em determinado momento, ele escreve:

“Os textos que dizem coisas de caráter prático ou mesmo cognitivo, tais como os textos técnicos e científicos, são mais ou menos assim, abertos e fluidos, pois, caso contrário, o que dizem acaba por deixar de ser verdadeiros, de modo que eles se tornam obsoletos e deixam de ser lidos, isto é, deixam de se concretizar.”

Esses textos são instruções. Têm o objetivo de levar um conhecimento ou técnica ao seu leitor. Esse é seu fim. Se a técnica muda ou o conhecimento perde de alguma forma seu valor, os textos, ato contínuo,  se tornam descartáveis. A poesia e a literatura seriam então, textos não descartáveis. Para isso, seria preciso que não fossem um simples meio para que se transmita uma técnica ou conhecimento. A poesia e a literatura deveriam ser um fim em si mesmo, ou como escreve Cícero, “… textos que não estão sujeitos a esse tipo de descartabilidade são aqueles cujo valor – atenção: neste ponto, não há como não empregar juízos de valor – não depende de serem verdadeiros ou falsos”. Os textos literários pertenceriam “mais à ordem dos monumentos que dos documentos”, brinca Cícero, fazendo poesia.

Imediatamente, meu cérebro começou a procurar exemplos que contradissessem um de meus colunistas prediletos com aquele mesmo prazer mórbido dos alunos CDFs (acho mais legal que nerd) que tentam pregar peças nos pobres professores. Me perguntei então, se a poesia não poderia transmitir algum tipo de conhecimento ao invés apenas de permitir uma contemplação “monumental” ou se um livro ou artigo científicos não poderiam perenizar-se não pelo conhecimento seminal que proporcionaram, mas talvez, por um encadeamento de ideias elegante, uma condução cognitiva suave e especial que poderíamos, por que não, chamar de bela. Ao organizar assim meu pensamento, os exemplos enxamearam com o zumbido característico da abundância.

A crítica literária moderna trouxe esse tipo de pensamento à ciência. Contra um artigo somente outro artigo. Uns acham que isso é “pós-moderno” demais. Pode ser, mas acho bem mais divertido ver “conhecimento” em poesia e poesia em “literatura científica” que ficar procurando a Verdade em cada rodapé das coisas que leio. Separar as coisas como quer Cícero também é meio sem graça.

~ ~ ~ *** ~ ~ ~

Se por um acaso, algum leitor quiser ilustrar com exemplos, por favor, a caixa de comentários está à disposição.

Foto Intense Science de nenonafirestardragonstrgteg1’s photostream at Flickr.

A Aposentaria do Estetoscópio?

Desde que entrei na faculdade de medicina, o estetoscópio me fascinou. Estudei técnicas auscultatórias e as apliquei. Diagnosticar doenças cardíacas e pulmonares com um aparelho é muito interessante. O estetoscópio tem uma história bonita (um resumo razoável em inglês aqui, qualquer dia conto essa história em bom português).

A evolução tecnológica do estetoscópio (esteto, para os íntimos) é uma marca da evolução da própria medicina. De um tubo rígido interposto entre o ouvido do médico e o seio de belas senhoras evitando assim o constrangimento de colocar diretamente a orelha em locais castos, a um instrumento acústico e, recentemente, eletrônico, foram quase 2 séculos.

Recentemente, a ultrassonografia (USG) vem ganhando um espaço jamais imaginado na prática médica. Antes, um campo dominado exclusivamente pelos radiologistas, o “ultrassom” vem sendo incorporado a várias outras especialidades como traumatologia, emergências, terapia intensiva, cirurgia geral e vascular, entre outras tantas. Os aparelhos vem melhorando dia a dia e as imagens, que antes pareciam as de uma TV com “chuvisco” foram ficando impressionantemente nítidas. Qualquer pessoa que já viu um ultrassom morfológico de uma mulher grávida sabe do que estou falando. Além disso, a tecnologia foi ficando mais barata, simples e menor! Esse último adjetivo é o motivo do post. Recentemente, a GE Healthcare lançou um aparelho de ultrassonografia que é mais que portátil. É de mão! Chama-se VScan (ver o filme promocional abaixo).

Bom, o fato é que um aparelho assim, do mesmo tamanho que um Iphone, permite fazer alguns exames interessantes em qualquer consultório. Um deles é o próprio ecocardiograma, que se baseia nos mesmos princípios ultrassonográficos de um aparelho comum de ultrassom obstétrico ou abdominal. Isso permite que o médico ao invés de auscultar um sopro cardíaco, o visualize, quantifique, diagnostique, com uma precisão jamais imaginada à beira do leito. Um dos cardiologistas mais famosos do mundo, o prof. Eric Topol (blogueiro dos bons!) não esconde sua admiração. Abaixo, um filme promocional.

Seria a aposentadoria anunciada de um instrumento tão caro aos médicos? O espelho frontal, aquele espelho que fica na cabeça dos médicos em qualquer desenho animado foi praticamente aposentado. Quem ainda os usa, raramente é verdade, são os otorrinos. Hoje, entretanto, eles têm uma coisa chamada “nasofibroscopia” que além de permitir-lhes uma visão melhor, incomoda menos o paciente e ainda deixa você, paciente, pegar uma carona no exame, por meio de um monitor.

Acho que o esteto vai se aposentar como o espelho frontal, as navalhas, o categut, as mezinhas e outras tantas tecnologias obsoletas com as quais os médicos tentaram minimizar as mazelas da espécie humana. Contudo, em todas as “aposentadorias” anteriores, ele, médico, acabou por se distanciar um pouquinho mais de seus pacientes. A sensação de um estetoscópio geladinho no peito com um sujeito de olhos fechados e aspecto calmo, em silêncio, ouvindo o que seu corpo tem a lhe dizer é, por si, terapêutica. A ver…

~ ~ ~ ~ ~ ~
Declaração de conflitos de interesse. Não tenho nenhum tipo de relação financeira, científica ou amorosa com a GE Healthcare, mas se eles quiserem dar um VScan para mim, eu vou ficar bem feliz!

 

A foto é do filme Zelig de Woody Allen. Atrás, Mia Farrow. (via Kentaro).