O (in)determinismo biológico

A chegada em Rio branco impressionou pelo cheiro de terra molhada e o barulho de grilos em pleno aeroporto. Na manhã seguinte, pela janela do hotel se via floresta por todos os lados.

Mas até as 10 da manhã nenhum pesquisador da UFAC tinha feito contato conosco. Como tínhamos apenas dois dias, comecei a ficar preocupado com a produtividade e utilidade da visita. A gente da cidade grande, que nem eu, têm pressa.

Depois de muito tempo consegui falar com o ex-coordenador da pós graduação, dr. Alejandro Gonzales, um cubano com doutorado na antiga URSS, mas que se apaixonou pelo Acre. Um pouco mais tarde conseguimos finalmente falar com o Dr. Foster Brown, um americano que lecionava no Rio, mas se que também se apaixonou pelo Acre e hoje vive aqui, estudando queimadas e, acreditem, dando palestras para os militares da ABIN. Por último, falamos com a dr. Annelise, uma gaúcha, que, adivinhem, se apaixonou pelo acre, e hoje está grávida de 6 meses dele.

Essa terra parece despertar muitas paixões. Na praça principal da cidade, um monumento com uma bandeira enorme diz “há mais de 100 anos, brasileiros esquecidos por sua pátria, lutaram a a revolução para defender o Acre dos invasores”. Mas porque essa terra hoje parece ser feita apenas por pessoas de fora? Por que os acreanos da revolução não estão na universidade?

É meu segundo dia aqui e me lembrei do Puruzinho, da sensação diferente de tempo que temos na cidade grande, e que, mesmo sem entrar na floresta, sentimos aqui. O tempo aqui é diferente.

Mas a gente sabe que o tempo não é diferente, então o que é? São as pessoas?

Estou lendo esse livro muito legal que fala (questionando) da “ideologia do determinismo biológico”. Que no século XIX a ciência e a seleção natural ajudaram a sustentar uma ideologia de que a sociedade hierárquica era um “fenômeno natural”, já que cada um de nós se distingue nas suas habilidades fundamentais por causa das nossas “diferenças inatas”, diferenças essas que são biologicamente herdadas.

O livro aponta estudos que mostram que cerca de 60% das crianças filhas de trabalhadores de “colarinho azul”, permanecem sendo trabalhadoras do colarinho azul e 70% dos filhos de trabalhadores de “colarinho branco”, seguem sendo de colarinho branco. Para eles, geralmente as crianças de frentistas de postos de gasolina, pedem dinheiro emprestado enquanto filhos de magnatas do petróleo emprestam.

Mas isso justifica uma ideologia do determinismo biológico? Não, ela justamente contraria. As crianças não conseguem sair do seu meu devido a seus fatores inatos ou a hierarquia histórica? Nenhum cientista duvida mais que é devido a segunda alternativa. E o ambiente, histórico e natural, passam a ser o fator determinante.

Então temos que perguntar: o que será que acontece no ambiente amazônico para que, 100 anos depois da revolução acreana, as pessoas de lá continuem fora das universidades?

O clima quente era a resposta preferida dos europeus para justificar a “preguiça” e o “sub-desenvolvimento” dos povos indígenas das Américas e da África. Mas isso já está totalmente ultrapassado. Vocês já leram “Armas, Germes e aço”? É um livro interessantíssimo. Ele conta estudos que mostram, por exemplo, que aborígines australianos, quando tem o mesmo treinamento em lógica que os descendentes de europeus, conseguem, em média, se saírem melhor na obtenção de empregos. Sugerindo, mesmo, que os aborígines são mais inteligentes. Eles apenas foram menos treinados nas tarefas que nós julgamos desenvolvidas.

A resposta da biologia moderna para esse problema, assim como para todos os outros, são os genes. Tudo estaria nos genes. Estaria? Se estudarmos bem o genoma humano vamos descobrir qual o gene que faz os Amazonenses não se chegarem a universidade? Não é bem assim. Essa é na verdade a resposta de alguns biólogos modernos que ganham montes de dinheiro com os projetos genomas.

A capacidade de observar o ambiente, aprender com ele e modifica-lo para se adequar a nossas necessidades, é uma das nossas capacidades inatas que nos faz humanos. Ora, se observar, aprender e modificar são capacidades inatas e é justamente isso o que faz um cientista, então a ciência é uma das nossas capacidades inatas. Somos todos cientistas!

Então porque em áreas onde a natureza é tão exuberante, o treinamento em lógica é menos eficiente?

A verdade pode ser que o ambiente exuberante pode ser também ameaçador. E nesse ambiente ameaçador não há “tempo” para o treinamento em lógica. Sobreviver é a ordem do dia. Cada dia. Todo dia.

A inevitabilidade da luta pela sobrevivência em um ambiente inóspito deixa a busca de alternativas para compreender e modificar o ambiente em segundo plano. Ficar pensando a melhor forma de produzir mandioca pode significar perder a época do plantio e morrer de fome. Então… todo mundo planta, ninguém pensa e a vida continua. Aqui tudo é natural.

“Aqui eu faço diferença” foi a resposta de um dos “estrangeiros” que conheci no Acre. “É por isso que eu estou aqui”. Apesar do ambiente inóspito não inspirar o treinamento em lógica, esse treinamento pode fazer toda a diferença para essas populações, respeitadas suas tradições culturais.

Não são os genes que fazem toda a diferença, é a escola!

Placebos

Hoje a pergunta, de um amigo de meu pai, veio disfarçada: “Mauro, você…” e não completou, “…me diga uma coisa”. Quando ele nem completou, eu já sabia que boa coisa não podia vir. Mas como ele foi uma das duas únicas pessoas que assistiu espontaneamente a reportagem que a Globonews fez comigo uns anos atrás, eu não franzi a testa e deixei ele perguntar:

“Enquanto eu estava morando nos EUA, tomava um remédio como acessório para o controle da minha diabetes. Como era um remédio muito caro, de volta ao Brasil resolvi pesquisar se o encontrava por aqui. Na Farmácia, consegui o mesmo remédio, na mesma dosagem. Então como se explica ele ter tirado meu sono e aumentado meu apetite?”

Não sou médico, não entendo de diabetes e não conheço o remédio que ele falou, mas uma das coisas que ele falou me chamou atenção: remédio acessório. Na verdade a dúvida do amigo de meu pai era como, exatamente o mesmo remédio, podia causar um efeito tão diferente quando comprado nos EUA ou aqui. A questão é que o remédio não era um remédio. Me lembrei de dois outros causos que terei mais facilidade pra explicar a questão.

No primeiro, namorava uma menina que sofria muito de cólicas e depois de penar em meio a uma crise terrível de TPM dela, uma amiga sugeriu que eu indicasse Artemísia para ela, dizendo que não existia nada melhor para a cólica. Fui numa dessas lojas de natureba e encontrei as gotinhas. No rótulo estava escrito: “Indicado para cólicas menstruais, blá, blá, blá”. No contra-rótulo estava: “Nenhuma contra-indicação. Não existe nenhuma comprovação científica dos efeitos da Artemísia.” Pronto, bastou para eu devolver o frasco para a prateleira e correr na farmácia pra comprar Buscopa.

Minha mãe, que andou sofrendo de artríte nos dedos por fazer suas belas pinturas, pediu uma vez que eu comprasse a última novidade para as dores nas articulações. Fui na farmácia, mas ninguém conhecia o tal do Sulfato de Glicosamína. É que ele fica na prateleira das vitaminas. O troço promete maravilhas: “diminui a dor nas articulações” e “aumenta a flexibilidade e a amplitude dos movimentos”; custa caríssimo, mas nas letras pequenas está dizendo “essas afirmações não foram testadas pela FDA. Não existe comprovação científica dos efeitos relatados”. Fala sério gente!

O que eu vou fazer aqui, é explicar pra vocês o que quer dizer o “Não existe comprovação científica”. Isso quer dizer que, quando eles ministraram a droga para um monte de pessoas com dores nas articulações, umas sentiram melhora, mas outras… não. Quando eles repetiram o experimento, novamente algumas pessoas sentiram melhora e outras não, só que o percentual dessa vez era diferente. Pode ter sido ainda que em outras repetições do experimento, pra gente encurtar a estória, numa vez todos sentiram melhora, mas na outra… ninguém. O que importa não são as variações pra maior ou menor. O importante é que eles não conseguiam repetir o resultado. E isso, um resultado que não pode ser repetido, a ciência não admite! Com um resultado assim, não podemos provar nada.

Não dá pra provar que não faz bem, mas mal também não faz e… acaba-se conseguindo uma licença pra vender a porcaria. Mas ao invés de vir escrito em letras garrafais que apenas 13,87% das pessoas que consomem o medicamento observam alguma melhora, eles colocam uma embalagem linda e escondem em letras minúsculas que não há comprovação científica. E vendem pra grande parte da população, com a aprovação do governo, um placebo de luxo. Caríssimo!

Podemos discutir porque alguns remédios, com efeitos comprovados, realmente apresentam variação na resposta de pessoa pra pessoa (isso tem a ver, por exemplo, com a ativação dessas drogas pelos Citocromos P450 no fígado) mas o problema é que a força da ciência não é páreo para a propaganda. E nem para a especulação. Por isso que temos mais igrejas do que universidades, mais astrólogos que astrônomos, e os homeopatas e ortomoleculares crescem em meio aos médicos, que são cada vez mais arrogantes e despreparados para lidas com os seres humanos.

Pacientes são chatos é verdade, principalmente os com dores. Mas mais ainda, aqueles com dores com as quais os médicos não sabem lidar. A forma que eles tem achado para isso, é ministrar remédios com comprovação de resultados discutível, torcendo para que seus pacientes se encaixem nos 13,87% dos que apresentam melhoras, ou simplesmente, nos 42% que se contenta de estar tomando um remédio caro e melhoram só por isso, ou em algum outro percentual dos que param de reclamar.

Minha mãe tem menos dores nas articulações, mas o amigo de meu pai não teve tanta sorte e por algum motivo, o placebo dele não funcionou. Mas o laboratório o médico, a farmácia e o laboratório ficaram felizes nos dois casos.

O que você faria?

No final do mês de Agosto estarei ministrando juntamente com dois outros colegas um mini-curso sobre “Táticas de sobrevivência na Academia” (não, não é na academia de musculação!). É uma versão atualizada do curso que foi aclamado (nossa… que exagero) no Congresso da FeSBE (Federação das Sociedades de Biologia Experimental) em 2001, e visa discutir com alunos de graduação e pós-graduação os dilemas vividos no meio acadêmico. Para isso, estamos planejando a discussão de casos onde se apresentam dilemas técnicos, morais e éticos para que os alunos se posicionem. Abaixo descrevo uns dos casos, que apesar de fictício, se parece em muito com situações do dia-a-dia em um instituto de pesquisa. Veja as perguntas no final e sinta-se a vontade para dar sua opinião.

“Dr. Arnold é um jovem pesquisador que acaba de ser aprovado em um concurso para um importante instituto de pesquisa. Ele está ansioso para iniciar sua nova linha de pesquisa, mas as opções de financiamento para jovens são limitadas e ele começa a fazer propostas de colaboração com outros pesquisadores que permitam a ele independência de trabalho. Um pesquisador sênior de uma outra instituição, Dr. Farias, se interessa muito pela linha de trabalho de Dr. Arnold e oferece recursos para que ele realize seus experimentos. Mas em troca Dr. Farias pede que esses experimentos preliminares componham a tese de mestrado do jovem Anthony, que está com seu prazo se esgotando e ainda não definiu seu tema. A orientação seria informal, já que Dr. Arnold ainda não preenche os requisitos para orientação formal do aluno, e o crédito seria todo de Dr. Farias.
Animado com a possibilidade de iniciar seus trabalhos com os recursos oferecidos por Dr. Farias e de orientar Anthony, Dr. Arnold aceita a proposta.
No início, Anthony se mostra muito interessado e aplicado. No entanto, com o passar do tempo, Dr. Arnold percebe que Anthony teve uma formação científica deficiente, com muitas lacunas em conceitos fundamentais. Sua base teórica é fraca, muitas de suas iniciativas são equivocadas e o esforço que ele emprega na bancada não se reverte em resultados positivos. Paralelamente, Dr. Farias oferece mais recursos a Dr. Arnold e propõe a co-orientação de um segundo aluno, Brian, que tem mais tempo para planejar seus experimentos e parece ter uma formação mais sólida, com potencial para realizar efetivamente um bom trabalho. Mas quando chega o momento de Anthony escrever a tese, o resultado é pior ainda. A sua dificuldade em colocar em palavras todo o conhecimento adquirido na revisão bibliográfica e em discutir seus resultados, torna a tese de difícil leitura e Dr. Arnold teme pela sua aprovação. Dr. Farias por outro lado acredita que os resultados de Anthony são suficientes para a defesa. Alem disso, Anthony já foi aprovado para o programa de doutoramento em sua instituição.
Dr. Farias então pede a Dr. Arnold que tome parte da banca e monte uma comissão julgadora que minimize as dificuldades de Anthony para que ele possa ser aprovado. Preocupado com o futuro da colaboração que envolve o trabalho de Brian e efeito que a reprovação na tese causaria no prosseguimento da carreira de Anthony, Dr. Arnold, juntamente com outro colega, resolvem aprovar a deficiente tese de Anthony.”

Você acredita que a decisão de Dr. Arnold contribuiu para o futuro científico de Anthony?
Na sua opinião, a decisão de Dr. Arnold envolveu a proteção do futuro e do trabalho de Brian, ou os recursos provenientes de Dr. Farias?
Como você vê a decisão de Dr. Farias de aprovar para o doutorado um aluno com tantas deficiências como Anthony?

O que você já aprendeu com um best-seller?

Vejam que legal. Uma amiga escritora viu o VQEB e me convidou pra escrever em uma oficina literária onde ela orienta alunos de literatura e física a terem uma linguagem comum de aprendizado, a literatura. Eu então, pra não fazer feio, pensei muito no assunto e vi que ele renderia não só um texto, mas, me arrisco a dizer, uma revolução no ensino. Eis o texto que mandei para o site dela:


Enquanto os cientistas se aprofundam cada vez mais em descobertas inacessíveis ao público leigo e se sentem incapazes (acham desnecessário ou são incompetentes) para transmitir o conhecimento das suas descobertas para o público leigo, os autores de ficção estão contando histórias que transmitem essas informações de uma forma suave e divertida.

Atualmente se segue uma ordem compartimentalizada para comunicar a informação. Primeiro se publica em formato e linguagem científica, os artigos científicos; depois se divulga em linguagem para leigos, os artigos de jornais e revistas, alem de alguns programas de televisão; em terceiro na forma de manual, o material didático; e por fim, a totalmente inexplorada propaganda das descobertas científicas: o marketing científico.

Existem profissionais para cada uma dessas atividades, mas nenhum que passeie por todas elas. Os cientistas escrevem seus artigos chatíssimos e totalmente inacessíveis em revistas especializadas. Os jornalistas tentam divulgar a informação para os leigos, mas a velocidade dos meios de comunicação como jornal e televisão, impedem que a informação científica seja verificada e transmitida com cuidado requerido pelo pesquisador que gerou essa informação. A divulgação de informações científicas equivocadas por parte da imprensa tem sido motivo de atrito entre pesquisadores e jornalistas por muito tempo, e afastado a ciência dos noticiários. É verdade que muitos jornalistas, atrás do furo, acabam tratando descobertas científicas como se fossem ficção científica (ou seja, com sensacionalismo). O material didático por outro lado é sempre antiquado e de renovação lenta. E nem de longe acompanha a velocidade das novas descobertas (e viva as iniciativas como a século 21, que tentam suprir essa falha do material didático) e o marketing… acho que os publicitários nunca ouviram falar de ciência na faculdade. Nem se interessam por isso. Enquanto para os cientistas isso parece ser a forma de transmissão do conhecimento menos importante, comparada as outras. Um erro que pode estar sendo fatal.

Por que um de nós não pode preencher todos os quesitos e comunicar, de uma só vez, a informação acessível a todos os grupos? Não seria a narrativa a ferramenta que viabilizaria esse desafio? Se a narrativa e uma ferramenta importante para o ensino, então o best-seller “O Código da Vinci” deveria ser um livro didático. E é!

Em seus 4 livros, Dan Brown comunicou mais ciência e história (e para mais pessoas) do que todos os artigos científicos e livros didáticos que li no último ano. O mesmo vale para outros livros como “O enigma do 4” e “Aqueles malditos cães do Arquelau”. “O mundo de Sofia” conseguiu me ensinar mais (alguma) filosofia enquanto do que todos os livros citados pelo autor que eu tentei ler. Quem nunca aprendeu sobre lei e justiça lendo livros como “O peso da verdade”?

Tem uma lenda urbana que diz que a primeira vez que Einstein foi comunicar sua teoria da relatividade especial, ninguém entendeu. Então ele tentou simplificar um pouco e contou a estória de novo. Ninguém entendeu ainda. E ele simplificou mais e mais e mais vezes, até que, quando a platéia conseguiu entender o que era, não era mais a teoria da relatividade especial.

Como estabelecer o vínculo entre a fantasia e a realidade, para que as informações científicas não sejam incorporadas erroneamente ou super simplificadas durante a narrativa? O professor(!) vira peça fundamental nesse processo. E na ausência do professor, o computador e a Internet podem preencher a lacuna com aulas virtuais, acesso aos as fontes da informação e criando um ambiente virtual de discussão dos alunos.

Não é uma questão do aluno ser autodidata e aprender com livros de narrativa, mas do professor ensinar com esses livros. E do pesquisador “comunicar” com eles. Enquanto a TV, o cinema, o computador e a Internet bombardeiam os jovens com linguagens cada vez mais dinâmicas e interessantes, estamos apegados a um modelo de ensino fadado a… monotonia.

E nós podemos perdoar um monte de coisas, mas a chatice não é uma delas!

Incoerente?! Eu?!

Quantas vezes já te chamaram (ou acusaram 😉 de incoerente? Mas o que é coerência? Existe todo um ramo da estatística que lida com a tomada de decisões. Todas essas técnicas pretendem avaliar as probabilidades de você alcançar o sucesso escolhendo entre diferentes possibilidades (quem assistiu “Quero ficar com Polly”?). É assim que as companhias de seguros (e também os cassinos) ganham rios de dinheiro. No entanto, para que elas funcionem, é preciso que haja… coerência! Estatisticamente, coerência é descrita da seguinte forma: Se A é melhor do que B, e B é melhor do que C, então, obrigatoriamente, C é melhor do que A. Concordam? Aposto que sim. A maior parte de vocês deve concordar. O problema é quando saímos das ‘letrinhas’. Você pode preferir jogar bola (evento A) do que ir a praia (evento B), e preferir ir ao cinema (evento C) do que ir a praia (evento B). Então, por coerência, você deveria preferir ir ao cinema (evento C) do que jogar bola (evento A). Só que, estatisticamente, nem todos concordariam quanto a essa conclusão. Algumas pessoas, prefeririam jogar bola do que ir ao cinema (seria interessante fazer essa pesquisa pra saber exatamente o resultado entre nossos leitores). E isso seria, do ponto de vista científico, incoerente. Isso é uma exceção? Não. O fato é que o ser humano é, basicamente, incoerente!

É verdade que os problemas que enfrentamos são mais complexos do que isso simplesmente jogar bola ou ir a praia. Mas vamos manter o exemplo e complicar um pouco a situação: você prefere ir a praia se estiver sol, mas e se chover? Chovendo, deve ser melhor ir ao cinema. Mas e se você não sabe se vai chover? Melhor ir pra praia e arriscar? Ou ir ao cinema e correr o risco de perder o dia de sol, mas se divertindo sem o risco de passar frio?

Bom, agora entra em cena outra questão, a ‘propensão ao risco’. Esse fator é ainda mais variável. Principalmente por que a propensão ao risco da chance de ganhar e do premio. Em geral, quanto maior o ganho (ou melhor o premio), maior o risco que a pessoa está disposta a correr. Mas isso pode mudar se as chances de ganhar forem pequenas. A propensão ao risco varia de cultura para cultura e de pessoa para pessoa, mas se ela depende das chances, podem variar até para a mesma pessoa. Nesse caso, dependendo do risco, o premio pode deixar de ser interessante. Parece lógico? Pode (até) parecer, mas a conseqüência é a falta de coerência. E falta mesmo!

Dependendo do premio e do risco, a coerência… flutua!

Bom, e agora?! Como viver nesse mundo cheio de pessoas INCOERENTES? Não é fácil. Desde pequenos vivemos em um mundo dicotômico (dia e noite, muito e pouco, etc) e somos ensinados a escolher entre ‘certo’ ou ‘errado’. Nunca pudemos dizer: tenho 70% de certeza de que tenho a resposta certa.

A forma que o ser humano elegeu para lidar com a incerteza dos eventos foi eliminá-la, ao invés de aprender a lidar com ela. Como eliminar a incerteza é impossível (vocês já ouviram falar do principio de incerteza de Heisenberg?), agora temos de nos re-educar para lidar com ela. Mas não dá pra, depois de macaco velho, sair por ai calculando probabilidades e montando árvores decisórias pra decidir se vamos passar as férias na montanha ou na praia. O que podemos é, sabendo que os eventos são incertos e que as pessoas são incoerentes, propormos escolhas mais flexíveis (até para nós mesmos). Quanto menos você colocar uma situação entre certo ou errado, menos pressão vai colocar sob a pessoa que deve decidir. E mais fácil vai ser (deveria ser) a decisão. Não é coerência, é ciência!

PS: De acordo com diversos estudos, só um elemento consegue generalizar a coerência nos seres humanos. Dinheiro! (apostos que vocês pensaram que eu ia falar sexo!) Repita o teste do ‘se A é melhor que B e B é melhor que C, então A é melhor que C’; substituindo os eventos por quantias monetárias crescentes. Todos os participantes do teste concordarão e serão coerentes: uma quantia maior é sempre preferível a uma quantia menor.

Você que é biólogo…


Sempre que ouvia essa frase sentia um arrepio. Alguma pergunta idiota estava por vir. Claro, nenhuma pergunta é idiota, dirão os pedagogicamente corretos. Mas é um fato científico, algumas perguntas são idiotas! O tempo passa e sempre, SEMPRE, alguém inicia a fatídica frase: Você que é biólogo… e, talvez por que eu esteja sendo mais complacente, ou por que tenho novos amigos, ou por que meus amigos estão ficando mais interessados (e interessantes) as perguntas não são mais idiotas. Tanto que me animaram a voltar a escrever no blog simplesmente para respondê-las. Um outro motivo é eu adorar falar, especialmente pros outros, meus amigos, e amigos deles, sobre ciência. Um tipo de catequese. No último final de semana, em São Paulo, onde fui assistir a duas rodas de samba especiais, respondi perguntas sobre as marés de sizígia, com direito a explicações sobre a natureza da gravidade, e o efeito Doppler. Vejam bem que, nem sempre, ou quase nunca, as perguntas são sobre biologia, o que aumenta em muito a minha capacidade de divagar sobre o assunto, e impressionar meus amigos parecendo que efetivamente entendo de tudo. E a maior prova de que não entendo, é uma pergunta bastante pertinente, feita há mais ou menos cinco anos, quando escrevi um artigo sobre o artigo de um outro amigo, que é a chance nacional de ganhar um prêmio Nobel, sobre os mosaicos do número de cromossomos no cérebro humano. A pergunta era sobre os efeitos do álcool nos nossos neurônios. Talvez por que quisesse dar uma resposta completa e adequada ao curioso, seguramente um bêbado, acabei deixando o cara na mão. Hoje, anos depois, ainda sem uma resposta completa, vou tentar me virar pra não deixar o curioso ainda mais ansioso. Ou seja: vou fazer um misto do pouco que sei sobre o assunto com um monte de divagações e torcer pra tentar impressionar! Existem diversos estudos que mostram que o álcool causa danos diretos no sistema nervoso. Ou seja, causa a MORTE dos nossos neurônios. Por sorte, nós temos bilhões deles e podemos nos dar ao luxo de perder alguns de vez em quando por uma causa tão nobre. Muitos dos efeitos são causados pela produção de radicais livres. O álcool é metabolizado em organelas celulares chamadas peroxissomos, que entre outras coisas, ajudam a célula a se livrar do peróxido de hidrogênio, que a maior parte de nós conhece como água oxigenada. Que deixa os pelos loiros, mas dentro da célula, produz radicas hidroxila, destruindo a membrana plasmática, os lisossomos, o DNA, proteínas diversas… e por aí vai. Essa é a mais provável razão da morte celular direta (necrose) e também da indução de morte celular programada (cujo nome chique é apoptose), que é um mecanismo para evitar que células com o DNA danificado se reproduzam formando, por exemplo, tumores. Como então o vinho, consumido em quantidades moderadas, parece ter um efeito benéfico a saúde? Por que apesar do álcool, o vinho é rico em substâncias antioxidantes. Que combatem os radicais livres. Não só os produzidos pelo efeito do álcool, mas aqueles outros produzidos no corpo diariamente. Está comprovado que pessoas que vivem em regiões (sul da Europa) que tradicionalmente consomem mais vinho, tem menos derrames e doenças do coração. Por outro lado, uma série de experimentos com camundongos demonstram, claramente, que o álcool afeta o equilíbrio e, principalmente, a memória de curto prazo. Nos famosos experimentos com labirintos, onde os camundongos mostram sua capacidade de “decorar” o caminho, os bichinhos que consomem álcool se enrolam todos pra chegar do outro lado. Nada que a gente precise de cientistas em laboratório pra já ter descoberto! E nem adianta comprar Ginkgo Biloba pra compensar. Os camundongos que tomaram o remédio não melhoraram em nada a sua performance no labirinto. Ou seja: é placebo! Quer um consolo: cigarro faz muuuuuito mais mal que o álcool. Quer uma solução? Sexo! O coquetel de hormônios produzidos pela excitação sexual e pelos orgasmos contribuem, entre outras coisas, pra aumentar nossas defesas imunológicas e antioxidantes. Mas se você beber até cair…

"Disseram que eu voltei americanizada"

Quantos tipos de cientistas existem? Quanto a vida pessoal de cada um influencia nas suas pesquisas?

Pergunto isso por que um amigo biólogo, certamente futuro premio Nobel, acaba de voltar definitivamente para o Brasil após um par de anos nos EUA. Cara… o cara anda no carro sentado no banco do carona segurando na maçaneta, fechando os olhos e eriçando a espinha; totalmente assustado com o transito no Rio. Quer sair da UFRJ antes do sol se por com medo dos tiroteios, prefere não sair de noite e não conhece mais as ruas por onde passa.

Não, ele não é um nerd. Esse cara toca percussão numa banda de Reggae formada por outros cientistas, pega onda de pranchão e é campeão de volei da biologia. Mas acho que as paranóias americanas afetaram ele.

Fiquei pensando em todos os meus amigos cientístas e na variedade de perfis. Incluindo o meu.

Tem o prático. Gosta da ciência mas gosta mesmo é de viver a vida. Foi morar na Suécia porque lá tudo funcionava e o tempo que a gente gasta a mais no laboratório porque falta luz, falta água, ou um equipamento não funciona; ele faz curso de fotografia, computador, e sueco. Se casou com um suéca e tem uma filha linda. Hoje mora na Inglaterra, onde tudo também funciona.

Tem o correto. Quebra a cara porque nunca usa o dinheiro de um projeto em outro. Passa meses esperando que as coisas funcionem pelos caminhos corretos. É preocupado com os aspectos sociais de tudo que faz. Brilhante pesquisador, descobriu a causa das mortes em uma clínica com problemas no tratamento da água mas, como quis fazer tudo correto, a chefe dele quem levou o crédito. Se casou com uma promotora e mora no interior de Pernambuco.

Tem o carismático. O cara consegue tudo com seu carisma. Bons alunos, bons colaboradores. Mas como só carisma não basta, trabalha como um condenado. Faz um monte de coisas ao mesmo tempo, mas como é muito competente (como todos os outros) consegue fazer tudo e tem dois artigos publicados na Nature. Não fica entediado: “seu nome é trabalho!” Esse canta na banda de Reggae, tem duas filhas pré-adolescentes e é casado com uma dançarina de Flamenco expetacular.

Tem o certinho. Nosso amigo americanizado gasta tanto tempo montando sua agenda que eu não consigo imaginar qeu sobre tempo pra fazer o que tem de ser feito. É talvez o mais brilhante de todos, mas atravancado pelas correntes que o aprisionam. Explico: no colégio tinha uma caneta de cada cor para sublinhar (com régua) as informações de acordo com o tema ou importância. Também é carismático, mas faz o tipo discreto (e um sucesso…). É casado com uma cientista.

Tem o meu tipo. Fica difícil eu mesmo me definir. Acho que trabalho por pulsos. Fico atolado com milhares de coisas pra fazer durante muito tempo, e depois, em pouco tempo, resolvo tudo. Sou dedicado, mas não muito. Conto com meu jogo de cintura e acho que sou muito criativo. E que esse é meu grande trunfo perto desses monstros consagrados que trabalham pra caramba. Cultivo a amizade deles como ouro e não sou casado.

O que eu não posso deixar de falar é que nosso só voltou americanizado porque voltou. E voltou porque quis voltar. Fez questão. Ama o Rio, ama a família que está no Rio. Ama o Brasil e faz de tudo pela ciência brasileira.

Massa de modelar


Desci pra tocar café da manhã. Toda 2ª feira as 10:00h tem Bagels and coffee pra enturmar o pessoal. Antigamentee, quando as revistas eram apenas em papel, esse era também o momento de ver as novas edições. Como os caras aqui tem grana, eles continuam tendo algumas revistas impressas. E foi assim que eu me deparei com a capa de um número da Nature falando de “Intelligent design” (veja o artigo na integra
aqui). Não, não tem nada a ver com uma nova arquitetura planejando melhor novos ambientes. Apesar do criacionismo ter muitos adeptos entre pais e políticos americanos (e aparentemente no Rio de Janeiro), ele encontra dificuldade para se difundir nas universidades. Apesar disso, com a educação religiosa que muitos estudantes de ciência receberam em algum momento de suas vidas (independentemente da religião), existe um choque entre a bagagem que trazem e as informações que recebem quando iniciam seus cursos. Independentemente de serem ciências físicas, químicas ou biológicas.
A nova teoria tenta reconciliar a experiência religiosa de cada um com os novos conhecimentos científicos, mas adventa que os fenomenos que observamos no dia a dia de nossos laboratórios ou no ambiente natural, tem explicações científicas, mas são “guiados”, “conduzidos”ou “orientados” por uma “força superior”, Deus.
Esse pensamente fere profundamente a razão científica e deve ser duramente rejeitado.

Atualmente, a maior parte dos cientistas concorda que Ciência e Religião tem de continuar separados (é curioso como muitos desses mesmos cientistas conseguem fazer essa separação em suas vidas, já que conduzem suas pesquisas de maneira cética, mas acreditam em forças superiores em suas vidas particulares). Quantas conquistas a ciência proporcionou a humanidade? Quantos milagres Deus presenteou os seres humanos?

Enquanto muitas pessoas acreditam que suas vidas não tenham sentido a não ser a luz de um projeto maior coordenado por uma força superior, a vida passa. E preocupados com o que vem após a morte, esquecem de viver a vida. John Lennon já dizia “Life is what happens while you’re busy making other plans”

Institutos de Pesquisa e Fé e a Ética na ciência.

Algumas semanas atrás falei sobre clonagem, na onda da discussão sobre a proibição das pesquisas com embriões humanos. Naquele artigo relutei em falar sobre a ética aplicada a essa questão, por achar que os argumentos técnicos seriam mais importantes para formar a opinião geral.

No entanto, ao ler um livro essa semana que continha o discurso de Galileu Galilei, ao se retratar publicamente frente a inquisição romana, por defender suas idéias e estudos sobre o heliocentrismo (o sol como centro do universo e a terra em movimento ao redor dele), e ao ler no ‘Jornal da Ciência’ o artigo cujos trechos cito a seguir, não resisti a comentar o tema.

O artigo era de Evaristo Eduardo de Miranda, doutor em ecologia, pesquisador da Embrapa e membro da diretoria do Instituto Ciência e Fé. Instituto de Ciência e Fé?!? Já desconfiei. Faço parte do grupo que não concorda que fé e ciência sejam compatíveis. Mas começo a achar que seja uma minoria, devido ao grande número de pessoas, incluindo pesquisadores renomados, que acreditam que isso seja possível. Tanto que pelo visto existe até um Instituto da Ciência e Fé, do qual o autor do cito artigo é presidente, e que pretende ser um “espaço privilegiado para o diálogo entre pessoas de diversos horizontes, perspectivas religiosas e políticas”. O saudoso Dr. Chagas, o maior cientista brasileiro do ultimo século, tinha o cargo, para mim insólito, de “adido científico do vaticano” só pra exemplificar.

O autor do artigo afirma que “nunca os princípios de humanidade estiveram tão ameaçados […] por membros da comunidade científica…”, sendo que ele chama de “cientismo” uma utopia que “resolveria todos problemas da humanidade, satisfazendo todas as necessidades legítimas da inteligência humana”. E continua que “Seus adeptos não admitem limites em suas pesquisas, nem orientação e, muito menos, oposição. Mesmo quando ameaçam princípios fundadores de nossa humanidade”.

Princípios fundadores da nossa humanidade?!? Desconfiei de novo.

O que é a ética, a moral? Uma questão filosófica certamente importante e fora do escopo desse artigo e dessa coluna. Mas vale a pena ressaltar que nossa ética é quase toda baseada nos preceitos cristãos. E que, diga-se de passagem, não são preceitos naturais e estão longe de serem consenso entre a humanidade.

No ambiente científico, as questões éticas estão tendo uma importância cada vez maior. Por exemplo, qualquer pesquisador para obter um financiamento do importante Instituto Nacional de Saúde americano(NIH), tem que apresentar no seu currículo um curso de ética. O próprio instituto oferece seu curso “básico” de ética que tem sido freqüentado por um grande número de pesquisadores. Acredito que a ética na ciência esteja ligada com o fator da exploração da vida e da natureza, assim como em muitas outras questões. Animais não acreditam em Deus, e certamente as cobaias de laboratório não questionam ou procuram explicar seu Karma em função de vidas passadas. Porem, a exploração de um recurso em prol de outro gera encruzilhadas que muitas vezes são de difícil transposição. Por isso acredito mais em estratégias que sejam eficientes e sustentáveis em longo prazo, do que em preceitos morais filosóficos. Sejam eles católicos, cristãos, muçulmanos, budistas etc.

Para isso, precisamos aprender a desenvolver nosso senso crítico, e não nossa capacidade de crença. Esse curso de ética do NIH, apesar de algumas baboseiras típicas de americanos, como ensinar um pesquisador como se comportar com suas alunas para que não possam ser acusados de assédio sexual (tipo, jamais conversar sobre a tese no escritório de portas fechadas); ensinam mais a desenvolver o raciocínio crítico, dentro de um contexto científico atual e histórico. No Brasil uma tentativa pioneira nesse sentido foi aplicada por jovens pesquisadores no congresso da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE) de 2001 em Caxambu. Mais de 150 alunos de graduação e pós-graduação estiveram presentes. Esperamos que o curso possa ser repetido na reunião de 2003.

Acredito que o verdadeiro objetivo da ciência seja descobrir a natureza e não resolver todos os problemas e ansiedades da sociedade humana. E ela cumpre seu papel a medida que mostra “como o mundo funciona” ao contrário de “como ele deveria funcionar” (o que é uma função da filosofia e da religião).

Por isso a melhor lição de ética que podemos dar a nossos cientistas é de desenvolver o senso crítico e não procurar verdades absolutas (até mesmo porque poucas existem). E repito que, o problema não é que ciência os cientistas fazem, mas que política os políticos fazem.

Talvez a clonagem seja muito perigosa. Ou não. E talvez seja um grande erro autorizar esses experimentos. Ou talvez seja um erro maior não autorizar. Acredito que quanto maior for essa dúvida, maior a necessidade de estudar e pesquisar o tema a fundo. Sem limites, sem proibições. Só assim poderemos conhecer o verdadeiro benefício e o verdadeiro perigo. E só assim poderemos tomar as decisões corretas do que fazer com eles. É sempre melhor que todos saibam o que pode acontecer, do que não saber nada.

“Eu, Galileu Galilei […] aos setenta anos de idade […] e ajoelhado diante de vós, Eminentíssimos e Reverendíssimos senhores Cardeais […] juro que sempre acreditei, acredito agora e, com a ajuda de Deus, acreditarei futuramente em tudo o que é aceito pregado e ensinado pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana […] Visto que, após me ter sido feita a injunção judicial por esse Santo Ofício […] para que eu abandone por completo a falsa opinião de que o Sol é o centro do mundo e imóvel, e de que a terra não é o centro do mundo e imóvel, e me proibindo de aceitar, defender ou ensinar […] a doutrina […] escrevi e imprimi um livro no qual discuto essa doutrina […] e por essa razão apontou-me o Santo Ofício como veemente suspeito de heresia […] Assim sendo, visando dissipar […] essa forte suspeita […] abjuro, amaldiçôo e abomino os já mencionados erros e heresias, e de um modo geral todo e qualquer erro e seita que de qualquer maneira sejam contrários à Santa Igreja […] Eu […] jurei, prometi e me comprometi acima […]”.

Giordano Bruno morreu queimado na fogueira por heresia 50 anos antes de Galileu proferir seu discurso para evitar a morte pela mesma razão. Eu me sinto horrível de pensar que daqui a 300 anos alguém possa ler sobre a nossa época e pensar que as pessoas que queriam estudar a clonagem tiveram de morrer na fogueira ou negar ridiculamente suas idéias como Galileu (diz a lenda que quando Galileu se levantou da sua posição de joelhos murmurou: “E no entanto ela se move”).

***

“Não é função do nosso governo impedir que o cidadão caía em erro. É função do cidadão impedir que o governo cai em erro”. Robert H. Jackson, Juiz da suprema corte, EUA. 1950.

Quem tem medo dos cientistas?

Em um recente artigo na folha de São Paulo, o cientista Marcelo Gleisser fala de todos os riscos das invenções tecnológicas propiciados pela ciência. Em um artigo da revista “Nature” dessa semana, um outro cientista fala como o trabalho da ciência com armamentos (químicos, biológiocs e nucleares) tem afastado jovens da carreira acadêmica e prejudicado a credibilidade da ciência junto a sociedade. Em seu livro ‘O mundo assombrado pelos demônios’, Carl Sagan fala do aumento de responsabilidade dos cientistas para com as novas descobertas, já que aumentou em muito a capacidade do homem de destruir a si mesmo e ao planeta, seja pelo meio de armas nucleares, seja por microondas, seja por destruição da camada de ozônio, desmatamento da Amazônia ou por acúmulo de lixo até a estratosfera.

Mas existe realmente razão para a sociedade ter medo dos “cientistas loucos” e seus brinquedinhos perigosos? Pego emprestada uma história contada por Sagan, mas relatada também por muitos outros cientistas que viveram o pós-guerra/fria nos EUA.

O físico húngaro Edward Teller, ainda jovem, fez grandes contribuições na mecânica quântica, física do estado sólido e na cosmologia. Em 1931, Teller levou o também físico Leo Szilard até a praia onde Albert Einstein tirava férias, propiciando o encontro que gerou a histórica carta de Einstein pra o presidente Roosevelt, sugerindo enfaticamente, em função dos recentes acontecimentos políticos, que os EUA montassem uma bomba de fissão nuclear (ou atômica) antes que os alemães o fizessem.

Os EUA juntaram a elite mundial da física e montaram o projeto Manhatan que construiu as duas bombas que foram detonadas em Hiroshima e Nagazaki. Apesar de sua participação no encontro histórico e do convite posterior para integrar o projeto Manhatan, Teller recusou. Não por que fosse contra as possibilidades da destruição atômica, e sim pelo contrário. Teller queria construir uma bomba de fusão atômica, ou bomba termonuclear, ou a bomba H (de hidrogênio). Quando os átomos de H se fundem formando o Hélio, liberam enormes quantidades de energia.

A capacidade destrutiva da bomba H é muitas vezes superior a bomba atômica, e enquanto existem limites para a potencia de uma bomba atômica, não existem limites para a de uma bomba H.

Apesar de ter sido a URSS a primeira potência a construir uma bomba termonuclear com eficiência (as idéias iniciais de Teller estavam bastante equivocadas, e o trabalho de muitos físicos foi necessário para corrigi-las, mesmo assim ele é considerado o Pai da bomba), os EUA ainda construíram MUITAS bombas H. Teller foi uma figura política importante para fomentar a corrida armamentista e a guerra fria. Ele gerou intrigas e minou a influência de Oppenheimer, o brilhante físico que comandou o projeto Manhatan e que no pós-guerra comandava a comissão de energia nuclear americana, e que era contra a chamada “Super”.

Em 1983 foi descoberto que os incêndios causados nas cidades pelas armas nucleares gerariam enormes quantidades de fumaça, que ficariam presas na atmosfera e poderiam abaixar a temperatura da Terra em uma média de 15 a 20 oC (as estimativas atuais mais precisas colocam entre 10 a 15 oC). Era o inverno nuclear, que destruiria qualquer nação que lançasse armas termonucleares, mesmo sem revide do adversário.

Teller chegou a declarar na revista “Time” sua “determinação quase fanática” em construir a “super”. Para justificá-la ele sugere que são as bombas termonucleares que mantém a paz, através da ameaça da sua utilização (ainda não tivemos uma guerra mundial não é mesmo). Ele propõe a utilização de bombas H para dragar portos (propôs isso a rainha da Grécia que respondeu que o pais dela já tinha numero suficiente de ruínas exóticas) e para estudar a composição química da Lua (estudando o espectro do clarão de da bola de fogo formado por uma explosão termonuclear). Ele tem sido o maior obstáculo para a assinatura de um amplo tratado de fim dos testes com armas nucleares, e foi ele quem propôs ao presidente Reagan a construção de um escudo no espaço formado por lasers de raio X impulsionados por bombas H. O polêmico projeto “Guerra nas estrelas”. Depois das guerras não parecerem mais uma ameaça para a humanidade, Teller tem defendido a explosão de uma nova geração de bombas super potentes no espaço para desviar ou destruir possíveis asteróides em rota de colisão com a Terra.
Enquanto Teller fazia todos os esforços para que o mundo reconhecer as bombas H (e ele) como salvadores da humanidade (ao invés de carrascos), ele foi o cientista que mais teve poder e responsabilidade sobre os riscos que a humanidade correu. Jeremy Stone, então presidente da federação de cientistas americanos escreveu que “com sua fixação pela bomba H, Edward Teller pode ter sido o ser humano que, mais que qualquer outro da nossa espécie, contribuiu para colocar em risco a vida no planeta Terra”.

A verdade é que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Mas como disse o chefe da CIA uma vez, “o sigilo absoluto corrompe de forma absoluta”. Não precisamos de governantes que decidam com quais temas devemos ou não nos preocupar, quais conhecimentos são perigosos e quais não, e de quais verdades temos de ser “protegidos”. Apenas a ampla discussão das idéias, o desenvolvimento da consciência critica, a alfabetização literária, política e científica podem fazer isso, libertando o povo da ignorância que permite que tipos como Teller influenciem na política de uma nação inteira e no destino do planeta por mais de 5 décadas. Teller quase destrói o mundo com sua POLÍTICA e não com sua CIÊNCIA.

Depois de um século onde tivemos tipos como Stalin e Hitler e começando um outro com outros tipos como Bin Laden e Bush, é em nossas lideranças políticas que não podemos confiar cegamente.

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