Vai que dá…

Minha irmã precisava de um armário pro seu quarto e comprou um nas ‘Casas Bahia’. Como mora em uma casa de dois andares, com uma escada em espiral para o quarto, foi enfática com a vendedora: “Por favor, mande o armário desmontado, senão será impossível passar pela escada.” No dia seguinte, pela manhã, chega o caminhão na casa dela levando o armário… montado. O caminhão voltou com o armário, que não passou pela escada espiral. Ela voltou a loja, procurou a vendedora, argumentou que foi enfática quanto a necessidade de mandar o armário desmontado, ao que a vendedora respondeu:
“É que quando eu cheguei de manhã, os rapazes já haviam montado o seu armário. Ai eu pensei: ‘vai que dá?!’ e falei pra eles entregarem”.
Todos temos de tomar decisões todos os dias, claro, mas porque alguns de nós insistimos em tomar decisões que vão contra todas as possibilidades de sucesso?
Já escrevi aqui sobre coerência e propensão ao risco, que são elementos fundamentais para explicar a dinâmica da tomada de decisão, mas hoje eu queria falar sobre ‘avaliar’ a incerteza. Acho que isso está na raíz desse ‘mal’. E tem a ver com um tema recorrente nesses tempos de internet e saturação da informação: a qualidade da informação que temos.
Veja, antigamente (e estou falando de 1993, a era pré internet), havia, realmente, pouca informação. E essa informação nem sempre era disponível, já que o esforço para chegar a ela era quase sempre infrutífero ou simplesmente não valia a pena.
Atualmente, a quantidade de informação produzida em um ano, supera a quantidade de informação produzida por toda a humanidade nos últimos 40.000 anos. Claro que nem toda essa informação é boa, ou útil, mas com os meios digitais, toda ela está ao alcance dos nossos teclados e monitores. O que nos traz um novo problema: como separar a informação que é boa, daquela que não é boa.
Deixa eu dar um exemplo. Eu posso querer saber se um aluno que chega na sala de aula feliz, aprende mais do que aquele que chega na aula infeliz. Como vou avaliar se meus alunos são/estão felizes? A melhor forma seria perguntar a eles. Então coloco uma folha de papel na mesa de cada um, com uma pergunta simples de múltipla escolha: Você está feliz? Marque uma opção de 1 a 5 com 1 sendo ‘muito infeliz’ e 5 sendo ‘muito feliz’. Analiso rapidamente os resultados e decido se a minha aula pode ‘pegar mais pesado ‘ ou tem que pegar mais leve. Certo? Errado!
Qual a qualidade, a credibilidade, da resposta das pessoas a pergunta ‘você está feliz’? Mesmo não tendo formação em psicologia, posso imaginar umas 100 razões para que uma pessoa responda essa pergunta com viés para o ‘muito infeliz’ ou para o ‘muito feliz’ e que não tenham nada a ver com o real estado de espírito dela.
Se você opta por utilizar a informação fornecida por esse questionário, não importa o quão bom seja o seu método de tomada de decisão (como por exemplo o método estatístico Bayesiano): sua decisão não terá sido melhor do que um chute.
Então como saber se uma informação é boa? Na falta de um mecanismo de verificação, temos que confiar no nosso critério.
Para ter certeza, a vendedora das ‘Casas Bahia’ poderia ter ido até a casa da minha irmã com uma trena, tomado as medidas da escada e da porta, e confrontado com as medidas do armário: montado e desmontado. Assim, tomaria uma decisão sem nenhuma dúvida. Em não tendo essa confirmação, ela tem de confiar na palavra da minha irmã, que conhece a própria casa melhor do que a ela (vendedora), contando que, ao contrário dos meus alunos na sala de aula, minha irmã não tenha nenhum motivo psicológico (conhecido 😉 para fornecer uma informação duvidosa.
Mas ainda assim, ela toma a decisão contrária a lógica e a razão. Porque?
Ok, primeiro escrevi uma longa resposta para essa pergunta (que vai virar o próximo texto), falando sobre critério (e a falta dele) mas depois pensei bem, apliquei a ‘navalha de Occam’ nas minhas idéias, e cheguei a conclusão mais simples (que mostrou que na verdade o meu exemplo inicial da vendedora foi ruim, mas agora vou responder do mesmo jeito).
A vendedora foi contra a lógica por preguiça! Não tem nada a ver com falta de instrumentos estatísticos ou critérios. Foi preguiça e falta de responsabilidade. Não foi ela quem montou o armário à-toa, não era ela quem pilotaria o caminhão ou descarregaria o armário à-toa, nem era ela que ficaria mais um dia sem armário. A sua responsabilidade era de mandar o armário naquele dia (ainda que montado, o que acrescenta falta de ética as suas qualidades).
A conclusão é que a preguiça não é um bom critério de decisão.
Terminei de ler… Gomorra

Vira e mexe, quando quero argumentar o ponto de vista ‘biológico’ de alguma coisa, geralmente depois do 3o chopp em uma mesa de buteco, acabo recorrendo as EEE, ou Estratégias Evolutivamente Estáveis. Esse conceito é muito útil para mostrarmos a natureza amoral da natureza. Não tem o ‘certo’ e o ‘errado’. Tem o que dá certo e o que dá errado evolutivamente (ou seja, a longo prazo).
Para mim, o melhor exemplo é o do traficante carioca. Alguém conhece algum traficante com 80 anos? Pois é, eles podem ter sucesso a curto prazo, mas a longo, a estratégia de resolver os problemas atirando não é boa. Sempre terá alguém atirando mais que (e em) você.
A essa altura você já deve estar se perguntado o que isso tem a ver com o livro. “Gomorra”, de Roberto Saviano é o romance de um jornalista infiltrado na máfia napolitana, a terrível e temível Camorra. Depois de ler “Elite da Tropa”, que eu terminei no final do ano passado, fiquei com aquela sensação de “Meu Deus, quem manda no Rio são os grandes traficantes de drogas”. Só que depois de ler Gomorra, você fica com a sensação de que a máfia napolitana manda no mundo todo, devido a seus longos braços, que atravessam as fronteiras da itália para dezenas de países, com negócios lícitos e ilícitos nos 5 continentes.
Agora você deve estar se perguntando o que isso tem a ver com Biologia. Bom, a primeira coisa a ver é com o cientista. Primeiro que é importantíssimo para um cientista ler coisas que não sejam apenas artigos científicos. A prosa de Saviano é bastante interessante. O ritmo, a forma como ele relata os fatos sem envolvimento, ou com tanto envolvimento que chega a comover. Depois, porque mostra pra gente quando estamos perto da maluquice, já que mesmo lendo uma reportagem sobre a máfia napolitana, nossos cérebros não estão desligados da ciência. Nunca! É um trabalho non stop, 24h por dia, 7 dias por semana.
Atirem a primeira pedra os meus leitores cientistas, ou futuros cientistas, que foram assistir Avatar e não ficaram analisando científicamente c-a-d-a u-m dos elementos do filme. Eu sei, coisa de Nerd.
Um trecho de Gomorra fala exatamente do comportamento dos boss, ou dos chefes dos clãs, que sabem que serão presos ou mortos muito cedo, mas mesmo assim trabalham, lutam e matam para comandar. Correto? Mau? Ético? Talvez o mais importante é que não é, certamente, uma EEE, como fica claro no trecho a seguir:
“Poucos dias depois da prisão do primogênito do clã, seu rosto arrogante encarando as câmeras da TV gira pelos celulares de centenas de rapazes e moças das escolas de Torre Annunziata, Quarto, Marano. Gestos de mera provocação, de banal agressividade entre adolescentes. É verdade. Mas Cosimo sabia. Por isso precisava agir daquele jeito para ser reconhecido como chefe, para tocar o coração das pessoas. (…) Cosimo representa claramente o novo empresário do Sistema. A imagem da nova burguesia desvinculada de qualquer freio, movida pela absoluta vontade de dominar todo o território do mercado, de meter a mão em tudo. Não renunciar a nada. Fazer uma escolha não significa limitar o próprio campo de ação, privar-se de outras possibilidades. Não para quem considera a vida como um espaço onde se pode conquistar tudo, mesmo correndo o risco de perder tudo. Significa, inclusive, levar em conta a possibilidade de ser preso, de acabar mal, de morrer. Mas não significa renunciar. Querer tudo e mais e o quanto antes. É esta a força e o atrativo que Cosimo Di Lauro personifica. Afinal, se todos, mesmo os mais zelosos com a própria segurança, terminam na gaiola da aposentadoria, se todos, mais cedo ou mais tarde, se descobrem traídos e terminam com uma babá polonesa, por que morrer de depressão à procura de um trabalho tedioso? Por que se acabar num part-time atendendo telefone? (…) Ernst Jünger diria que a grandeza está sujeita à tempestade. (…) Quem diz que isso é amoral, que não pode haver vida sem ética, que a economia possui limites e regras a serem seguidas, é simplesmente quem não conseguiu comandar, quem foi excluído do mercado. A ética é o limite do perdedor, a proteção do destronado, a justificativa moral para aqueles que não conseguiram jogar tudo e conquistar tudo.”
Se não é uma EEE, podemos ter certeza que a longo prazo, não mais existirá. Talvez seja o único alívio queteremos ao livro. O resto é só soco no estomago, como esse trecho mostrou.
Mais adiante, Roberto fala daquele sentimento que todo pesquisador também experimenta em alguma momento, quando tem dados que são suficientes para causar estranheza, mas não são suficientes para tirar uma conclusão sólida. Veja:
“Muitos diziam que o SISDE (Serviço de Informação e de Segurança Democrática) era o único responsável pela prisão. O SISDE tinha intervindo, confirmaram as forças policiais, mas sua presença em Secondigliano era difícil, dificilima de acreditar. Sinais de alguma coisa que se aproximava muito da hipótese que seguiam alguns repórteres, ou seja, a de que o SISDE tivesse pago salário a diversas pessoas da região em troca de informação ou de não-interferência; eu tinha realmente ouvido isso em pedaços de conversa de bar. Homens que tomavam café ou cappuccino com croissants pronunciavam frases do tipo:
‘Já que você recebe dinheiro de James Bond…’
Ouvi duas vezes, naqueles dias, referências furtivas ou alusivas a 007, um fato muito pequeno e risível para dele se tirar qualquer conclusão, mas também muito incomum para passar despercebido.”
A diferença é que os jornalistas geralmente não pagam com suas carreiras por um palpite ou uma opinião infundada, enquanto os cientistas…
Mas o melhor (quer dizer, o pior) está no último capítulo ‘A terra dos fogos’, onde ele denuncia com incrível riqueza de detalhes e grande correção, os Business que se tornaram os depósitos clandestinos de lixo. Um crime ecológico e civil que eu acredito que biólogo ou não, cientista ou não, ninguém ficará insensível.
"Seu cérebro de ostra!"

Já ouvi pessoas fazendo esse tipo de ofensa umas as outras. Mas será que é realmente uma ofensa ter um cérebro de ostra? Ou pior, ostra tem cérebro?
A pergunta parece boba mas não é simples de responder. Pelo menos 3 dos meus amigos maiores especialistas em neurobiologia, incluindo o Dr. Stevens Rehen, a Dra. Marília Zaluar e a maior especialista do mundo em sistema nervoso de invertebrados, a Dra. Silvana Allodi, não sabiam, de cara, a resposta. Tive então eu que me virar pra descobrir.
A ajuda, mais demorada que inesperada, veio de um antigo livro de 1964 sobre (e entitulado) “A ostra americana Crassostrea virgínica” de Paul Galsoft. Essa é a prima norte americana da ostra de mangue, Crassostrea rhizophorae, que pode ser vista na foto acima e que eu tenho certeza que tantos de vocês apreciam na praia ou em restaurantes chiques. O livro traz um capítulo inteiro sobre o sistema nervoso das ostras.
Mas curiosamente, a primeira coisa que me chamou atenção não foi a solução do mistério. Foi a linguagem do texto. Vocês, que como eu acabam lendo muito sobre ciência, também não percebem a diferença gritante no estilo de escrita dos artigos e textos técnicos dos anos 40-60 para os atuais? Sem a pressão do ‘Publicar ou Percer’ nas costas, os cientistas eram ótimos contadores de histórias, e a ciência era muito melhor comunicada. Os textos eram sim mais longos, mas não por isso prolixos. Eram contextualizados e tinham o necessário para serem fluidos, como uma legibilidade (aprendi ontem essa propriedade dos textos) difícil de encontrar hoje em dia.
Galsoft começa falando que o sistema nervoso é bastante simples, com um gânglio cerebral na parte anterior (perto da ‘dobradiça da ostra, onde também está a boca) e um gânglio visceral na parte posterior (onde a concha se abre e onde estão tambémoutros órgãos importantes como as brânquias, o músculo adutor, intestinos, etc). Ambos estão conectados por uma longa fibra nervosa e deles partem diversos nervos para as outras partes do corpo.
Mesmo simples, ou talvez justamente por isso, é um lindo sistema nervoso. Não estou brincando… é L-I-N-D-O! Veja o esquema abaixo. Se fosse uma tatuagem nas costas de uma menina na praia todos estariam perguntando quem teria sido o designer de um tribal tão bacana (bom, talvez não usassem uma gíria antiga como essa). Mas tenho certeza, que jamais imaginariam que eram os neurônios da ostra.

Diferente de outros bivalves, de vida (mais ou menos) livre, como mexilhões e vieiras, as ostras não possuem pé (sim, os mexilhões tem pé) e olhos (sim, os coquilles tem olhos) e seus únicos órgãos dos sentidos são mínusculos tentáculos na borda do manto.
Abre parênteses: o manto é um órgão dos bivalves com muitas funções: secreta a concha, participa da reprodução e ajuda a proteger os órgãos internos. Fecha parênteses
Apesar de pequenos, os tentáculos são muito sensíveis se retraindo com a passagem de sombras ou feixes de luz, e capazes de perceber mínimas quantidades de drogas, excesso de material particulado em suspensão variações de temperatura e de composição da água do mar.
Em uma seção de métodos, pouco frequente em um livro texto que não seja um manual, ele fala sobre a grande dificuldade de se estudar o sistema nervoso, e dá uma receita para se observar os nervos explicando também o porquê e o para quê de cada passo, como minha querida amiga Cristine gostaria que fossem todos os protocolos.
Ele diz: “Em preparações bem sucedidas, o nervo violeta escuro é visível contra a massa visceral semi-transparente.” E com uma impressionante sinceridade, impossível em um artigo nos dias de hoje, continua: “Na minha experiência o método se mostrou caprichosamente laborioso e não completamente confiável”.
Mas o mistério mesmo da história do ‘cérebro’ das ostras é o Órgão Palial. Pequenino, no formato (e no tamanho) de uma vírgula, – como esta aqui que passou, só que com muitos cílios na cabeça arredondada -, até 1964 nenhum experimento tinha sido capaz de explicar a sua função ou o seu funcionamento. Por isso, as especulações iam desde “um importante papel no controle da frequencia da respiração” até a “detecção de perturbações mecânicas” ou de alterações químicas na água.
E foi tentando elucidar esse enigma que me deparei com o final feliz, que não está no sistema nervoso, mas sim no circulatório. Como nas ostras o manto, além das funções que eu já listei, também dá uma mão na respiração, é necessário um complexo movimento de vai-e-vem do sangue (na verdade hemolinfa) nas veias e artérias dessa região. E para controlar esse movimento, a ostra possui dois ‘corações auxiliares’, que funcionam independente do coração principal. Mas fraco no inverno, e como bom carioca, mais forte no verão.
Então, se algum dia alguém disser que você tem cérebro de ostra, torça, pelo menos, pra ter coração também.
Acabei de ler… The Red Queen
Como resolução de ano novo, antes de terminar o ano, começo uma nova coluna no blog: “Acabei de ler…” pra contar sobre os livros que estão saindo da cabeceira e indo pra estante.
E nada melhor pra começar do que The Red Queen: Sex and the Evolution of Human Nature de Matt Ridley.
Por duas razões. Primeiro porque estou há mais de um ano pra terminar de ler (sei que isso não sugere boa coisa, mas a segunda razão compensa) e segundo porque é, na minha opinião, ‘O’ livro que todo biólogo não pode deixar de ler.
Ele discute a existência (indiscutível) de uma natureza humana buscando (e encontrando) uma forte base biológica em comportamentos universais como por exemplo, como a moda e a fofoca. O fio condutor para isso é o sexo e a reprodução sexuada, a arma mais eficiente para combater nosso maior inimigo: as doenças. Ridley cita então o pesquisador americano Leigh Van Valen, que usou a metáfora da Rainha Vermelha do jogo de xadrez de ‘Alice através do espelho’ (veja aqui o excerto do livro que explica a metáfora) para ilustrar a corrida armamentista entre parasitas e hospedeiros
Ridley não é de forma alguma superficial ou leviano: contextualiza e referencia todas as suas informações (que é na verdade o que, no meu caso, dificulta um pouco a leitura do livro – junto com as letrinhas pequenininhas do texto). O livro é uma fonte de consulta primorosa para os biólogos e uma fonte de sérias provocações para o leitor leigo (como por exemplo, quando ele mostra que nenhum animal na natureza tem ‘preferência’ por um relacionamento sexual incestuoso, mostrando que a biologia desmente Freud quando ele diz que o complexo de Édipo é natural e freado apenas pela nossa razão). Eu tenho muitas, muitas páginas marcadas.
Pena que ainda não chegou por aqui, já que sem tradução, os milhares de nomes de pássaros, de outros animais, ou de parte deles (como a cauda do pavão “the peacock’s tale”) se tornam um dificultadores da leitura.
Ainda assim, é leitura obrigatória.
Um bom ano

Sempre escrevo uma mensagem de final de ano com algum aspecto científico da virada.
Mas quando papai noel se antecipou um pouco, e ao invés de deixar o meu presente no dia 25 de manhã deixou no dia 23, eu percebi que esse foi um bom ano. Então resolvi fazer um balanço. (Também resolvi fazer um jantar de comemoração com os alunos do lab, que arrasaram 4,5 kg de tomates; 1kg de massa; 0,5 kg de parmeggiano e 3 garrafas de vinho – fora os cantuccini – e eu tive sorte de sobrarem os pratos e copos – acima).
O resultado da bolsa de produtividade fui um acalento e também o reconhecimento de um esforço que já dura muitos, muitos anos. Mas voltando a 2009, conseguimos comprar uma máquina de PCR quantititativo que certamente dará um salto na produtividade e na qualidade do trabalho do laboratório que, esse ano, também é nosso. Depois de um ano e meio de processo nos tornamos um laboratório independente, o Laboratório Intermediário de Biologia Molecular ambiental. Alunos entraram no mestrado, no doutorado e outros defenderam tese. Nos aventuramos de forma bem sucedida no mundo empresarial e agora temos uma empresa de biotecnologia que contribuirá para a que possamos aplicar ciência e criar inovação para a sociedade. Unificamos as disciplinas de Biofísica para a Biologia da UFRJ e no final do ano iniciamos novo projeto de educação a distância. O Bioletim está ganhando uma nova roupagem e o Você que é Biólogo… entrou pro Scienceblogs.
O trabalho não foi pouco, mas, mais uma vez, me levou a lugares incríveis, como um congresso em Bordeaux na França (PRIMO XV) e outro em Arraial do Cabo (II EWCLiPo), além de tantas outras cidades onde o mais importante são os amigos que tenho chance de rever.
Escrevo um blog, toco sax numa banda e aprendo francês. Claro que não dá pra fazer isso tudo com dedicação e afinco, mas aqui me permito um pouco de superficialidade, porque ela me relaxa. Se não fosse assim, não conseguiria ter lido o monte de livros que li e bebido todos os bons vinhos que bebi.
Quando penso nesse bom ano, vejo que ele é resultado de um esforço meu, mas que seria impensável, ou improdutivo, se não tivesse a rede de apoio que tenho. Começando pela minha família. Acredito que tenha sido um ano especialmente difícil, individualmente, para todos eles. Mas ainda assim conseguem manter o encontro e a alegria do encontro.
No nosso país, é muito difícil se tornar um cientista sozinho. Seja pelo investimento que requer, seja pela dedicação. Ainda me lembro da 4a feira, 11h da noite, quando o telefone (fixo) tocou e era a Flávia dizendo que ouvira que o resultado do vestibular da UFRJ tinha sido liberado e sairia no dia seguinte, mas meu pai levou a gente pra redação do Jornal dos Esportes, onde ficamos sabendo em primeira mão que tínhamos sido aprovados. Não sei se dá pra dizer que começou ali minha carreira de cientista, mas certamente foi um marco.
Apesar de eu ser provavelmente o único em casa que possa dizer que foi um bom ano, e que não teria sido um bom ano sem eles, tenho certeza que esse é mais um motivo de felicidade para essas pessoas maravilhosas e que me permitem fazer de tudo. Obrigado a vocês!
Bons anos fazem boas safras. Em 2010 espero poder fazer mais por eles e tenho certeza que continuaremos fazendo muita coisa juntos.
Um bom ano para todos!
Diário de um Biólogo – Domingo 13/12/2009 – LOST na Ilha
Sempre fico contente quando sou convidado para uma apresentação. Dizem que com o tempo a gente vai se acostumando com os convites, e que em algum momento eles até chateiam mais do que agradam. Ainda não aconteceu comigo. Mas fico ainda mais contente quando o convite é pra ir a Florianópolis. Talvez porque fique sempre na esperança de que ‘dessa vez’ vou conseguir conhecer as belezas da ilha. Mas quer o destino que todas as vezes que me chamaram para ir lá, o tempo fosse apertado. Mas especificamente das últimas 3 vezes eu fiquei menos de 24h.
Quando o pessoal da EAD da Biologia me chamou para abrir a capacitação docente deles no dia 14/12 eu pensei… tinha que ser… A jornada científica do laboratório terminava no dia 13 de manhã e o curso que tinha de dar em Recife começava dia 14 a tarde. Sabia que ia ficar novamente menos de 24h.
Apertei daqui, apertei dali e consegui chegar em Floripa as 13h de Domingo, com a passagem para Recife no dia seguinte, as 12h. Um bom professor sabe o que tem de fazer quando o tempo é curto: selecionar o que vai fazer, porque quando a gente tenta fazer tudo o resultado é sempre pior. Então estava decidido: dessa vez ia conhecer a Praia Mole, que eu tanto já tinha passado em frente.
Esse paraíso dos surfistas está ao lado da famosa Praia da Joaquina, perto da Lagoa da Conceição.
Abre parenteses: O surf é um recalque que eu tenho. Nunca consegui ficar em pé na prancha (ainda que, verdadeiramente, tenha tentando só uma ou duas vezes). Quando assisti ‘Caçadores de emoção” pela primeira vez, prometi a mim mesmo que aprenderia antes dos 30. Quando assisti pela 58a vez, me prometi que seria antes dos 40. Ainda tenho dois anos. Fecha parenteses.
Meu hotel era no centro, perto da universidade. Então talvez motivado pela recente palestra do Paulo Saldiva no TEDxSP, talvez lembrando dos meus tempos de duro quando desenvolvi a teoria de que a melhor forma de se conhecer uma cidade é andando de ônibus errado, ou simplesmente desanimado com a hipótese de pagar uns R$50,00 de táxi pra ir a praia, resolvi ir de ônibus.
Quando consegui chegar na praia, quase 4h depois (eu disse quatro, 4, q-u-a-t-r-o horas depois) entendi varias coisas: a primeira é (e esse é o link desse post com a biologia) que vamos continuar tendo aquecimento global, porque com esse tipo de transporte público nas cidades, quem puder escolher, vai de carro. E olha que eu não estou falando de uma cidade do interior: é uma capital de estado e um dos principais destinos turísticos do país. A volta foi um transtorno similar. Felizmente eu estava revigorado pela beleza da Praia Mole.
Ainda assim, como cheguei muito tarde de volta no hotel, tive de abortar o chopp com o Petrucio para terminar minha apresentação pro dia seguinte. Valeu a pena, mas da próxima vez, vou pedir o meu hotel na Mole mesmo.
Paulo Saldiva – Exclusão e racismo ambiental (TEDxSP) from Monkey Business on Vimeo.
Contorcionismo
Foi num churrasco de final de ano da minha turma que ouvi uma das piadas mais engraçadas e didáticas até hoje: “Sabe qual é a definição de ‘Lingua’ no dicionário? Órgão sexual usado pelos antigos egípcios para falar!” Não é ótima?!
Quando aprendemos que na ponta da língua está a maior concentração de sensores de tato de todo o corpo humano, começamos a pensar se não é realmente um mal uso o que fazemos desse órgão tão nobre.
Um churrasco como o de ontem, para nos despedirmos da Alejandra, que nos deixará para viver grandes aventuras românticas e profissionais em New Orleans, me dá material para uns 3 meses de blogagem (ainda que no final do ano seja complicado manter o mínimo de um texto por mês).
Acompanhado de toda sorte de piadas politicamente incorretas sobre Batman e Robin, um dos assuntos foi o artigo recentemente publicado na excelente revista PLoS One sobre o habito sexual de morcegos de fruta Cynopterus sphinx, em que a fêmea lambe o pênis do macho durante a cópula. Eu já havia escrito sobre o hábito sexual de morcegos antes, e me interessei em dar uma olhada no artigo.
Eu e o mundo todo. Descobri que o artigo estava comentado nas páginas de ciência de jornais e blogs em todo mundo. Mas são sempre os mesmos “cortes e colagens” que impregnam a internet e contribuem muito pouco para o engrandecimento do espírito humano. Ao ler o artigo fiquei contente de ver que, ao contrário do artigo sobre a relação entre redemoinhos de cabelo e a homosexualidade, esse tinha conteúdo, era bem feito e realmente interessante.
“(…) enquanto um macho estava mastigando ou cortando folhas de palmeira para fazer sua tenda (…) uma fêmea voava para dentro, esticava as asas e movia a cabeça lentamente em direção ao macho, cheirando seu pescoço e rosto. Em seguida as cabeças se debruçavam e eles se lambiam mutuamente. Neste momento, o macho segurava a fêmea com os polegares, circulava em torno dela para encontrar a postura mais adequada para a cópula e terminava por trás da fêmea, com sua face voltada para o pescoço dela. Às vezes, a fêmea parecia resistir, e ate mesmo escapava acidentalmente, mas nesses casos o macho a perseguia até que a cópula fosse concluída. (…) Durante a cópula, o macho normalmente mantinha a fêmea presa pela nuca com a boca e segurava suas asas com os polegares. (…) e o casal avançava e recuava de forma rítmica e ininterrupta. (..) Após a conclusão da cópula, o macho lambia seu pênis durante vários segundos e permanecia na tenda fazendo uma auto-catação, raramente voando para longe. A fêmea também se catava após a cópula e, normalmente, ficava perto de seu companheiro.”
O que há nessa tradução livre do texto que pode ser encontrado no link abaixo, além de um eventual erro de inglês? O fato da descrição da cópula entre morcegos se assemelhar incrivelmente a descrição de uma cópula entre humanos! Ou você discorda?
Agora vem a curiosidade sobre essa espécie de morcego.
“Descobrimos que a fêmea abaixava a cabeça para lamber a haste ou a base do pênis do macho, várias vezes durante a cópula (veja o vídeo anexo). E nesses casos, nunca houve interrupção do coito. (…) A felação durava aproximadamente 20 s ou 10% do tempo da cópula. Houve uma forte correlação entre o intervalo de tempo em que a fêmea lambeu o pênis do macho e da duração da cópula e quanto mais a fêmea lambia o pênis de seu parceiro, mais longo era o coito. E mais frequente. Esses pares também passavam mais tempo copulando do que aquelas onde a fêmea não praticava a felação. Os resultados sugerem que o comportamento lambedor pode trazer vantagens evolutivas por prolongar o tempo de intercurso durante a cópula.”
Apesar da felação com propósito excitatório ser pouco documentada entre os animais, lamber as genitais é um hábito comum entre muitos, muitos, muitos mamíferos. Ela permite detectar se a fêmea está no cio e também a presença de odores indicativos da ‘presença’ de outros machos ou de doenças.
Mas qual seria o benefício da lambeção no morcego?
“O pênis dos morcegos contém tecido erétil (corpo cavernoso e corpo esponjoso) semelhante ao encontrado em primatas e humanos. O tecido eréctil é estimulado durante a cópula pela contração rítmica vaginal, que aumenta a rigidez do pênis e mantém a ereção por mais tempo. Nós supomos que a felação em C. sphinx aumenta a estimulação e o enrijecimento do pênis, mantendo a ereção do macho. Ao mesmo tempo, a saliva da fêmea pode aumentar a lubrificação, facilitando a penetração e as estocadas. Em conjunto, esses recursos podem prolongar a cópula.”
“A cópula prolongada ajuda no transporte do esperma da vagina para a trompa uterina, estimula a secreção da glândula pituitária feminina e, consequentemente, aumenta a probabilidade de fertilização. A cópula prolongada também pode ser um método de manter o par, já que após a cópula os parceiros segregam para formarem grupos unissexuais que persistem até a próxima temporada de acasalamento. (Menos romantico, porém muito eficiente) A felação confere benefícios bactericida e ajudar na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, tanto para as fêmeas quanto os machos, já que a saliva apresenta, além da clássica atividade antibacteriana, propriedades antifúngicas, anticlamidicas e antivirais. E finalmente, o sexo oral pode facilitar a identificação de pistas químicas ligadas ao fato de histocompatibilidade, que tem sido associado a escolha de companheiros.”
Mas meu ponto é o seguinte. Um grande esforço é feito por milhares de cientistas sociais, sociólogos, antropólogos e psicólogos, para estabelecer as bases culturais das ações humanas por trás de ritos como o sexo. O homem começou a falar aproximadamente 60.000 anos atrás e a escrever apenas 5.000 anos atrás. A seleção natural é um modelo muito mais eficiente para explicar esses comportamentos, geração após geração, espécies após espécie, por milhões e milhões de anos.
Com todas essas semelhanças entre homens e morcegos, a única coisa realmente curiosa aqui é como essa fêmea consegue se contorcer a ponto de alcançar a própria vagina.
Tan M, Jones G, Zhu G, Ye J, Hong T, Zhou S, Zhang S, & Zhang L (2009). Fellatio by fruit bats prolongs copulation time. PloS one, 4 (10) PMID: 19862320
Quem tem medo da Física?
Segundo os dados do INEP que ela cita, são necessários 23,5 mil professores de Física, só para o Ensino Médio, e as todas as faculdades do país formaram, nos últimos 12 anos, apenas 7,2 mil licenciados.
Para ela, essa é a explicação para tantos professores de Biologia dando aulas de ciências no ensino fundamental e de Física no ensino médio. Criou-se um ciclo vicioso: se formam mais biólogos, que se tornam mais numerosos entre os professores de ciências, que puxam a brasa para a sua sardinha nas aulas de ciências, inspirando mais alunos a se tornarem biólogos, que se tornarão também professores de ciências.
O problema é que esse raciocínio cria uma tautologia: quem veio primeiro? O aluno inspirado que vira professor ou o professor que inspira o aluno?
Comentei no texto dela em minha opinião o problema é outro: as pessoas, e os alunos, tem mais medo da física do que da biologia, independente do professor. E como vocês sabem que cientista detesta não ter elementos para apoiar suas conclusões, resolvi fazer aqui uma pesquisa. Então:
De qual materia voce tinha (tem) mais medo na escola? | |
Historia | |
Fisica | |
Quimica | |
Biologia | |
Matematica | |
Portugues | |
Geografia | |
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Já anuncio o meu voto: matemática!
Acontece que quando a gente entra na faculdade descobre que a Biologia não é mais fácil do que nada: quero ver encarar Bioquímica I no 3o período ou Biologia Molecular no 6o!
E como diz a piadinha: “Quando a gente entra na faculdade descobre que Psicologia é, na verdade, Biologia; que Biologia é, na verdade Química; que Química é, na verdade Física; e que Física é na verdade Matemática (e que mesmo depois de estudar anos, você não vai entender bem nada).”
Por isso acho que existe outro motivo: a Biologia se aproximou mais das pessoas nos últimos 50 anos, enquanto a Física se distanciou. A Ecologia, a Biodiversidade e até o Genoma estão muito mais próximos do homem do que a teoria das Supercordas, os buracos negros e os universos paralelos. Mesmo com todo o charme (?) de Sheldon e do Marcelo Gleiser, os físicos estão perdendo!
Porém, meu comentário suscitou uma outra questão, que eu sei que arrepia a Sonia. Eu não vejo um movimento nas universidades públicas para valorizar as carreiras de base (que formam os professores para as disciplinas do ensino fundamental e médio). Ao contrário, o REUNI exigiu que as universidades criassem novos cursos. E elas criaram cursos voltados para o futuro. Ainda que seja o futuro delas.
Na UFRJ, os exemplos são os cursos de graduação em Biofísica, Nanotecnologia, Metrologia, Bioinformática e Biologia Forense.
São cursos interdisciplinares, antenados com a modernidade de um país que quer investir em inovação e recuperar o tempo perdido no desenvolvimento de tecnologia. Precisamos de profissionais preparados para navegar em diferentes mares e para muitas cabeças pensantes, esses cursos interdisciplinares são a solução. É importante ter em mente que no nosso país, assim como em todo o mundo, o desenvolvimento de tecnologia está ligado a universidade pública (a diferença é que aqui está ligado principalmente e quase exclusivamente a universidade pública – sim, eu sei que EMBRAPA e institutos de pesquisa do CNPq são fundamentais, mas me permitam esse raciocínio). A maior universidade do país (em número de alunos) não poderia se furtar a esse compromisso!
Mas e as disciplinas de base? O número de vagas vem aumentando ao longo dos anos, como por exemplo a criação da licenciatura em Biologia no período noturno (também na UFRJ).
Abre Parênteses: Na teoria é lindo, mas na prática não funciona. Os ‘cursos modernos’ de modernos tem apenas o nome. É mais fácil pronunciar interdisciplinaridade do que praticá-la. O resultado são currículos multidisciplinares, onde as diferentes disciplinas se misturam, mas caminhando paralelas e não convergentes. Não há uma só disciplina de gestão empresarial e de recursos humanos, criatividade, estética, cultura e idiomas. Os conselhos profissionais tem resistência a registrar esses novos profissionais que podem permanecer um bom tempo no limbo. E por outro lado, meus alunos do curso noturno não conseguem chegar pontuais nas aulas porque podem levar até 3h de ônibus para chegar na Ilha do Fundão vindos de São Gonçalo ou Maricá na hora do rush. Fecha Parênteses.
A Universidade Aberta do Brasil é uma tremenda iniciativa para recuperar o déficit de jovens fora da universidade e produzir os licenciados necessários para reverter as estatísticas infames que mostram, por exemplo, que apenas 1% dos professores do ensino fundamental na região norte tem ensino superior.
Não há dúvida que precisamos trabalhar para aumentar o número de licenciandos em física e garantir que haja professores qualificados e motivados ensinando ciências para nossas crianças e adolescentes, mas sem que se comprometa a formação interdisciplinar de pessoas para as profissões do futuro, aquelas que ainda nem sabemos quais são.
Achados e perdidos
Mas não era bem assim.
Descobri então que a autora da brilhante constatação era da Dra. Elizabeth Kübler-Ross, uma médica psiquiatra Suíca, e que seu modelo dos 5 estágios havia sido publicado no livro “Sobre Morrer e a Morte” de 1965. Além disso, havia (e há) uma quantidade enorme de material sobre a médica e seu modelo na internet e muitos deles já discutindo a possibilidade de aplicação a outros tipos de perdas. Deixei meu texto então no forno, enquanto esperava outra deixa pra falar sobre o assunto.
Mas desde então vivo com os 5 estágios na cabeça (na verdade com alguns deles mais do que outros) porque é impressionante quantas perdas experimentamos no nosso dia-a-dia (ainda é assim que se escreve com a nova gramática?). Sendo que estou considerando ‘perda’ como eventos cujos resultados são diferente das nossas expectativas.
Então ontem, enquanto preparava uma questão de prova sobre ‘sinalização celular’, me lembrei novamente do modelo Klüber-Ross, mas não por causa de uma perda. Tudo que acontece dentro de uma célula (e olha, acontecem muitas, muitas coisas) é resultado, ou resulta, de um sinal, que pode ser interno ou externo. Apesar da membrana celular possuir receptores bastante específicos para um número perto do infindável de moléculas, existem basicamente uns quatro ou cinco ‘tipos’ de receptores. Isso significa que apenas uma parte deles se modifica para poder reconhecer a molécula que ativará o sinal com especificidade, mas o mecanismo de gatilho que dispara o sinal a partir dai é o mesmo em todos os receptores do mesmo tipo. Esses sinais podem ser super complexos, mas obedecem uma lógica simples: uma proteína modifica outra, que modifica outra, que modifica outra, que modifica outra, que realiza uma tarefa. Como uma cascata. Mas apesar dessa bela metáfora, sinalização celular não é linear.
O que por alguma razão me remeteu aos 5 estágios. Quando lemos sobre eles, parecem que vem sempre na mesma ordem, com a mesma intensidade e de maneira linear. Mas assim como os eventos entre a ativação de um receptor na membra da célula e a expressão de um gene no núcleo podem se espalhar horizontalmente, se cruzarem com outras vias de sinalização ou trocarem sinais com elas; não há necessariamente linearidade no modelo de Klüber-Ross e a superação de um dos estágios não significa que você não pode voltar a ele. É tudo, menos linear.
E podemos até mesmo ficar presos em ciclos de negação-raiva-negação, raiva-barganha-raiva, raiva-barganha-depressão-raiva; sem nunca chegar a aceitação.
E para cada um de nós essas emoções podem ter mais ou menos poder. Me lembro quando assisti ‘Beleza Americana‘ e o personagem de Wes Bentley fala para Kevin Spacey sobre a relutância de seu pai em aceitar que ele trafica drogas: “nunca subestime o poder da negação!”
O caminho através dos estágios deve se parecer mais como uma espiral, e da mesma forma que um fio de telefone, se enroscar em si próprio em um nó superespiral difícil de desatar.
Para deixar a situação ainda mais complexa, da mesma forma que a célula envia diferente sinais ao mesmo tempo, e também em sequência, também nós experimentamos diferentes perdas, de intensidades variadas, contemporaneamente e em sequência. E em um dado momento qualquer, vivemos um mosaico de diferentes perdas, cada uma em um estágio do modelo.
E como pode ser o nosso estado de espírito enquanto negamos uma coisa, temos raiva de outra, tentamos negociar uma terceira, estamos deprimidos com uma quarta, sentimos raiva pela terceira vez de uma quinta coisa, negociamos pela 4a vez uma sexta perda, negamos novamente uma sétima depois de já termos passado duas vezes pela raiva e pela barganha; enquanto experimentamos apenas um pouco de paz por finalmente termos aceitado uma oitava frustração?
Felizmente a vida não é feita apenas de perdas e as nossas vitórias, principalmente aquelas batalhadas, mas também, e porque não, aquelas fruto do acaso e da sorte, trabalham a favor da nossa autoestima (essa ficou sem hífen mesmo, não é?!). Só que as vitórias são só felicidade, ou alguém tem dificuldade em aceitar uma vitória?
Esse ‘mosaico das perdas’ se configura em nós como uma impressão digital móvel, que nos caracteriza de uma maneira única, mas que se modifica ao longo do tempo e com a aquisição de cada nova perda e ganho; e assim determine, através de um modelo matemático caótico e complexo no melhor estilo ‘efeito borboleta’, como responderemos a uma nova perda: se ela, ainda que menor, despertará sentimentos de raiva e depressão acumulados; ou se, ainda que maior, será mais facilmente aceita.
Mas, para o bem e para o mau, a realidade é mais parecida com a parábola do Rei Persa, que pede ao artista do reino uma obra de arte que o ajude a ficar feliz quando está triste e triste quando está feliz, e este lhe presenteia com um anel com os dizeres: “Tudo acaba”.
Quanto mais rápido aceitamos a perda, mais rápido podemos começar de novo. Essa é a beleza da vida.
Antena de celular e hierarquia na internet

Mas será que meu amigo advogado não tem critério? Claro que tem, mas certamente não os mesmos que eu. Por isso, quando tenho um problema legal ligo pra ele e quando ele se defronta com um problema técnico liga pra mim.
Eu não entendo de emissões eletromagnéticas de telefones antenas de celular, mas confiei que o que eu sabia sobre energia eletromagnética em geral seria suficiente para ler alguma coisa. Eu sabia que era suficiente para saber que o vídeo da internet que mostra um ovo sendo cozido no meio de dois telefones que falam entre si é furado.
Além disso eu sei bastante sobre os efeitos biológicos das radiações. Já era o suficiente. Mas foi outro conhecimento que me ajudou mais. Eu conheço um pouco sobre o mercado editorial de revistas científicas, a qualidade duvidosa de algumas delas, os critérios que elas usam para selecionarem um artigo.
O Edu me enviou uma página no site da ABRACON, onde desfilam uma série de argumentos científicos que comprovam os males causados pelas radiações eletromagnéticas.
- Lai et al (1989): influência da radiação de microondas de baixa freqüência no sistema nervoso central
- Funkschau (1992): efeitos no mecanismo de transporte do sódio e do potássio através da membrana celular
- Kues (1992): aumento do efeito colateral de medicamentos para glaucoma por REM
- Persson (1997): aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica em ratos expostos a campos eletromagnéticos usados na comunicação sem-fio
Mas a lista começava com a declaração do “cientista armênio Avakian do Instituo de Física de Telecomunicações e de Eletrônica” sobre o “efeito dipólo das moléculas orgânicas” que faz com que “se orientem e girem sob um campo elétrico”.
Gente, vocês não precisam ser cientistas para saber que a Armênia não é especialmente famosa pela ciência que produz ou pela academia de ciências que possui. Além disso, a maior parte das moléculas orgânicas é apolar e não se orientam em um campo elétrico. Já a água sim, possui um dipolo (uma lado positivo e outro negativo). Passei a vista nos outros artigos, mas já sabia que, do ponto de vista científico, não havia nenhuma conclusão séria ou consenso geral sobre efeitos de baixas doses de radiações eletromagnéticas (quem quiser se informar em maior profundidade, aqui vai um resumo produzido por uma agência de advogados americana).
Pouco depois ganhei um celular da minha operadora e no manual do proprietário vinha importante informação ao consumidor:
Vejam que são informados não só o limite de exposição permitido pela agência internacional de radiação não-ionizante, como também os valores que foram apresentados pelo aparelho nos testes conduzidos pela empresa. Isso é mais informação do que vocês encontrarão em alguns artigos científicos de qualidade duvidosa (e eu garanto, existem muitos). Mas eu acho que mais que isso é o compromisso que esse papelzinho faz a empresa assumir com o seu consumidor (perante um juiz se for necessário) de que aquilo não é mentira. É com o meu critério de cidadão, é um compromisso maior que o dos editores de revista com o que é publicado nelas.
Escrevi pro Edu dizendo que, do ponto de vista do cientista, não havia nenhum impedimento. Agora ele poderia aplicar o critério de advogado dele a vontade.
Lembrei desse assunto e resolvi voltar a esse texto hoje por causa da polêmica que levantou a proposta do Leandro Tessler de um mecanismo de controle e hierarquização da informação na internet, comentada pela Sonia Rodrigues no Inclusão Digital.
Escrevi até aqui algo como 600 palavras, mas a quantidade de referências que deveriam ser verificadas para que esse post tenha 100% de credibilidade já é enorme. Atualmente são publicados muito mais de 10.000 artigos científicos por dia. Só o mecanismo de buscas ScienceDirect possui mais de 2500 revistas científicas indexadas.
Mais um problema: atualmente o maior problema do conteúdo é a sua indexação. Colocar um conteúdo online é fácil, mas classificá-lo é difícil porque os computadores não podem fazê-lo, só humanos. Isso significa que custa caro. Pergunte a qualquer gestor de portal.
Então como, como poderemos pensar em verificar, validar e certificar a informação na internet? É impossível, e não devemos gastar nosso precioso tempo tentando.
O que temos de fazer não é certificar a fonte, mas certificar o receptor! Temos que mudar imediatamente o ensino de conteúdo que ainda damos nas escolas e universidades e começarmos a ensinar critérios para os nossos alunos. Apenas assim eles poderão passar de consumidores de vídeos duvidosos na internet para produtores de vídeos que desmistificam o mito dos ovos que são assados por telefones celulares.